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Passaram-se três décadas e meia desde que o revisionismo contemporâneo chegou ao poder na União Soviética. Pouco se tem escrito sobre como essa tendência exótica conseguiu levar à prática seus propósitos anti-socialistas. Não foi sem contradições e vai-e-vens. Tampouco os desajustes terminaram. Continua a competição entre partidários do mesmo ideário oportunista.
No início, avançou sem plano preconcebido. A corrente revisionista não estava estruturada. Nem havia chefes reconhecidos, com idéias definidas. No vazio de poder que se criara com a morte de Stalin, a disputa pelo cargo principal tomou feição de luta de bastidores na qual a esperteza e o aventurismo tinham vez. Quem melhor manejasse as armas da perfídia, levava vantagem. No núcleo dirigente, uns temiam os outros, todos carregavam culpas semelhantes. Entrou em cena a conspiração para eliminar concorrentes mais fortes. Num repente, muitos estavam comprometidos com golpes sujos, sem autoridade moral para deter o passo acelerado no sentido do retrocesso histórico.
Formaram-se várias tendências dentro do rumo geral revisionista. Cada personagem, eventualmente destacado, organizou seu próprio grupo. E fez tudo que pôde para manter-se na crista da onda. Alguns caíram, outros subiram. A fila continua grande. Prossegue encarniçada a luta de facções anti-socialistas.
Kruschev não era figura proeminente da direção do PCUS. Revelou-se, porém, o homem indicado para as primeiras escaramuças que visavam a limpar o terreno. Com o assentimento dos demais membros do Birô Político e o apoio do general Zhukov, preparou a cilada para o ajuste de contas com Béria, que não era flor que se cheirasse. Convocou-o a uma reunião, destituindo-o sem discussão de todos os cargos e entregou-o ao pelotão de fuzilamento. Verdadeira queima de arquivo. Seu segundo lance, e o mais decisivo em suas ambições desmedidas foi o ataque violento e intempestivo a Stalin. Havia fortes ressentimentos na sociedade soviética com as repressões, justas ou injustas, levadas a cabo em diferentes ocasiões. Utilizou esse ressentimento de forma emocional para atacar o regime revolucionário. A tecla na qual mais bateu foi o culto à personalidade, relacionando-o com toda sorte de crimes, reais ou supostos, que teriam sucedido em épocas conturbadas da nova construção social. Os grosseiros ataques a Stalin (que havia cometido erros) não objetivavam defender o socialismo, mas condená-lo.
Assim iniciou sua atividade revisionista. Logo após, reabilitou Tito, da Iugoslávia, que desgarrara da corrente marxista-leninista, apresentando esse nacionalista dissimulado como vítima inocente de perseguições de Stalin. Foi mais longe. Buscou acoplar-se com o imperialismo norte-americano, na época sob a direção de Kennedy. É o pioneiro na tentativa de chegar ao entendimento entre os Estados Unidos e a União Soviética para, juntos, dominarem o mundo. Internamente, golpeou fundo uma das peças importantes do desenvolvimento agrícola socialista. Acabou com as Estações de Máquinas e Tratores, vendendo meios de produção que pertenciam ao conjunto da sociedade às cooperativas agrícolas. Com isso, reduziu a propriedade social de todo o povo e aumentou a propriedade kolkhosiana de grupo. Despreparado, homem de cultura mediana, fazia-se passar por grande conhecedor dos problemas da agricultura. Idealizou e levou à prática um fantástico projeto de exploração das terras virgens da longínqua Sibéria. Havia descoberto o milho nos Estados Unidos, queria aplicar a experiência americana nas terras geladas da Rússia asiática. Não deu certo. O fracasso foi completo.
Investiu, depois, contra o Estado de ditadura do proletariado e contra o Partido da classe operária, ambos elementos fundamentais na estruturação e sustentação do regime socialista. É sabido que o Estado não pode ser neutro, nem de toda gente, representa interesses de determinada(s) classe(s). Não há termo médio – pertence à burguesia (no regime capitalista) ou ao proletariado (no sistema socialista). Se é ou não democrático, esse é outro problema. Em princípio, o Estado Proletário deve ser democrático.
"Assim como não pode haver um socialismo vitorioso que não realize a democracia total, o proletariado não pode preparar-se para a sua vitória sobre a burguesia sem uma luta total, consequente e revolucionária pela democracia", escreveu Lênin, em 1916.
Kruschev, no entanto, inventou a fórmula "Estado de todo o povo" e "Partido de todo o povo" que nada mais era do que a renegação da direção proletária no processo da transformação revolucionária da sociedade.
Revisou também a linha estratégica do Partido dirigente. Tudo passava a ser pacífico nas relações com o imperialismo e a burguesia em geral. Ausência de revolução, de confrontos sociais. Caminho pacífico, coexistência pacífica, competição pacífica – era o seu lema de colaboração de classes.
Estadista de quinta categoria, Kruschev realizou verdadeiras palhaçadas como representante da URSS. Baixou ao nível de bater com o sapato na mesa em plena Assembléia das Nações Unidas e a dançar o "can-can" em Hollywood. Afinal, não resistiu à tentação do endeusamento próprio. Estimulou o culto a sua medíocre personalidade.
A desmoralização pessoal e os reveses de sua política aventureira levaram ao seu afastamento do cargo que ocupava. Em 1964, era forte a pressão da outra corrente que disputava o poder. Kruschev já havia cumprido a parte que lhe cabia. Bem ou mal.
Saiu Kruschev, entrou Brejnev, acompanhado de Kossiguin. Desde o começo, manifesta tendências centristas. Ao mesmo tempo que implementa a orientação geral kruscheviana, acena com pretensa defesa do socialismo e, mesmo, em certa medida, de Stalin.
Kossiguin, parceiro de Brejnev, realiza reformas econômicas que levam ao capitalismo, na indústria e no campo. Altera o sistema de planificação. Introduz o fator "independência" em relação às empresas estatais. Fortalece o controle da URSS sobre o COMECON que domina o comércio exterior dos países satélites.
Algum tempo depois, Brejnev centraliza a direção do Partido e do Estado durante quase duas décadas. Apóia-se na burocracia corrompida e em setores degenerados do PCUS. Imprime à sua política acentuado caráter chauvinista grão-russo. É o fundador da doutrina da "soberania limitada". Segundo essa doutrina, todos os países socialistas deviam abrir-mão de uma parte de sua soberania em favor da comunidade. Na realidade, a cessão se fazia em proveito da União Soviética que sustentava e reforçava suas posições de grande potência. Nas condições em que essa doutrina era aplicada, forjava-se um sistema disfarçado de colonialismo.
A par da limitação da soberania, a URSS mantinha tropas na Hungria, na Polônia, na Alemanha Oriental. Face às demonstrações anti-soviéticas na Tchecoslováquia, com a chamada primavera de Praga, ocupou militarmente esse país. Mais tarde, enviou o Exército Vermelho para o Afeganistão. Evidenciou-se a toda prova o expansionismo soviético na Ásia, na África, na América Latina. Competindo com os Estados Unidos, Brejnev entrou na corrida armamentista da denominada guerra das estrelas, na qual empregou excessivos recursos financeiros que causaram pesados danos à economia do país.
Pondo de lado leis objetivas do desenvolvimento econômico, Brejnev e sua equipe tecnocrática tentaram enfrentar dificuldades no crescimento da produção e no campo social, estimulando em larga escala a economia extensiva. Multiplicaram-se as fábricas de idêntico padrão e produtividade. Não houve renovação, nem progresso tecnológico. Os bens produzidos eram de baixa qualidade.
Não demorou muito para que se apresentasse com grande força o fenômeno da estagnação, que vai durar largo período. Ao final da "era" brejneviana, são já acentuados os sintomas de profunda crise. Queda no ritmo do crescimento da produção. Queda forte também nos níveis da renda nacional.
Brejnev incentivou a corrupção. Ele próprio possuía uma coleção de carros de luxo presenteados pelos monopólios e por governantes estrangeiros. Membros de sua família enriqueceram ilicitamente. Os bajuladores do poder e funcionários do Partido gozavam de privilégios e vantagens pecuniárias. Esse o caminho percorrido, num longo período, pelo sucessor revisionista de Kruschev. Conteve-se, contudo, na expansão da economia de mercado, na abertura do país ao capital estrangeiro. Deu apoio, ao mesmo tempo que as explorava, a nações do terceiro mundo. Brigou e fez as pazes com a China. Sustentou em certa medida a luta de libertação nacional do Vietnã, submetendo-o a sua influência. Manteve a "fachada" socialista na URSS que, no entanto, de socialismo científico nada mais tinha.
Realizou política de grande potência. Desenhou uma variante própria da linha geral da transição gradual do socialismo para o capitalismo que vinha do 20º Congresso do PCUS.
Com a morte de Brejnev, acirram-se as disputas pelo poder entre "conservadores" e "renovadores". Estes, simpatizantes da orientação de Kruschev, adversários da vertente brejneviana; aqueles, defensores do centrismo, partidários do status quo.
Sem força suficiente, uns e outros, para decidir a contenda a seu favor, recorrem à solução intermediária. Provisoriamente ocupam o poder dois velhos – nem cheira, nem fede – dirigentes do PCUS, que, poucos anos depois, faleceram: Andropov e Tchernenko. Ambos mantiveram sem maior alteração a situação que encontraram.
A crise, entretanto, aprofunda-se, a URSS caminha para o caos. O abandono do socialismo resultou num descalabro total. Novamente vem para a ordem-do-dia a questão do poder. Quem assumirá a direção da União Soviética?
Desta vez, vence a corrente "renovadora", com Gorbachev à frente. Inicia-se uma fase mais avançada, e mais descarada, da transição ao capitalismo. Nada de meias palavras. Descamuflagem geral. A saída seria prosseguir com maior ímpeto na linha do reformismo liberal-burguês, na "abertura" em todos os terrenos para o estabelecimento de uma sociedade plenamente capitalista na URSS.
Seus alvos de ataque concentram-se no stalinismo, origem de todos os infortúnios no dizer desse renegado, e principalmente em Brejnev e na corrente que ele representava. A estes indica como responsáveis imediatos pela crise econômica, social e política que afeta duramente o país (há quase trinta anos distante do verdadeiro socialismo). A linguagem é áspera, referindo-se ao brejnevismo.
"Encorajavam-se as louvações e o servilismo; as necessidades e as opiniões dos trabalhadores comuns, do público em geral, eram ignoradas. O pensamento criativo foi expulso das ciências sociais, avaliações supérfluas e voluntaristas eram declaradas verdades incontestáveis. Tendências negativas afetavam a cultura, as artes e o jornalismo, bem como o ensino e a medicina, onde a mediocridade, o formalismo e os elogios em altos brados vieram à tona".
Gorbachev, sem o desejar, pinta o retrato do revisionismo contemporâneo na variante brejneviana. Revisionismo que ele também vai pôr em prática, recobrindo-o de fórmulas mágicas, demagógicas, ainda mais enganadoras.
Anuncia mudanças radicais de sentido capitalista – joint-ventures com capitais estrangeiros, estímulo à iniciativa individual na produção e no comércio, fechamento de fábricas que operam com prejuízo, autogestão das empresas, relações diretas das empresas estatais com firmas multinacionais, instituição da bolsa de valores, participação ativa no FMI, estabelecimento de uma economia de mercado semelhante a dos países capitalistas.
No terreno político, admite certas liberdades, principalmente para acusar o antigo regime socialista e também a corrente "conservadora". Mantém um clima pesado, inibitivo de proceder-se à defesa dos valores marxistas-leninistas, à avaliação científica do legado da construção do socialismo. Abre largos espaços à demagogia e ao misticismo religioso. Transforma os sovietes em parlamento burguês. Estabelece o presidencialismo como forma de governo.
Em política internacional, faz total revisão do marxismo-leninismo. Opõe-se às idéias de Lênin acerca da guerra imperialista. Defende a opinião de que com o aperfeiçoamento das armas de extermínio em massa – que supostamente impediriam o desencadeamento de grandes confrontos bélicos – o mundo poderia viver em paz eterna. Na mesma linha de pensamento, conclui que teria cessado a era dos conflitos sociais extremados – a luta de classes seria substituída pela conciliação de interesses contrapostos. A ética e a moral nas relações internacionais ganhariam importância maior, e passariam a prevalecer os chamados valores humanos, "os princípios comuns a toda a humanidade". As duas superpotências – Estados Unidos e União Soviética – estariam chamadas a decidir o destino dos povos. Nesses raciocínios desaparecem a luta de classes, as contradições inerentes ao sistema capitalista, a necessidade da revolução social como instrumento insubstituível das transformações progressistas da sociedade humana. Emerge o mundo da convivência idílica entre exploradores e explorados, opressores e oprimidos, que só existe na mente desvairada de oportunistas impenitentes.
No relacionamento com os países "satélites", Gorbachev estimula a aplicação de política idêntica a sua Perestroika. Tem como objetivo unificar nas áreas circunvizinhas a orientação por ele introduzida na União Soviética. Pretende, assim, conservar tais países na órbita do império russo. O resultado foi catastrófico. Caíram os governos do Leste europeu. Quase todos voltaram-se para o Ocidente imperialista.
Passados cinco anos da Perestroika e da Glasnost, agravaram-se todos os problemas internos e externos da União Soviética. Os males do capitalismo afloraram violentamente, entre os quais desemprego, criminalidade, drogas, alcoolismo, prostituição. Há carência de alimentos e de moradias. Os índices da inflação ultrapassam 20% ao mês. A reunificação da Alemanha e o irredentismo nos países bálticos, a guerra do Golfo Pérsico, que aproximava os imperialistas ianques das fronteiras soviéticas, puseram em sobressalto os círculos militares da URSS. O país vive séria crise política que coloca novamente na ordem-do-dia a questão do poder.
Extrema-se a luta entre diversas correntes. A tendência "renovadora" divide-se – Boris Yeltsin, ultra-reformista, desliga-se de Gorbachev, advoga a total liberalização capitalista, em 500 dias. Os "conservadores" reúnem-se em torno do movimento político denominado SOYUZ, a segunda força no parlamento soviético, tendo como núcleo setores militares e o "aparelho" do PCUS revisionista. Gorbachev isolou-se. Surgem pequenos grupos marxistas, independentes, com reduzida influência.
Quem será o quinto governante e dirigente revisionista da União Soviética? Não está ainda decidido. Houve mudanças de posições com a guerra no Oriente Médio. Gorbachev comprometeu-se com a agressão norte-americana ao Iraque. Desqualificou a ONU como instrumento de paz. Não pôde, entretanto, manter o apoio incondicional aos Estados Unidos. A pressão interna, particularmente dos militares, se fez sentir. Gorbachev teve de ceder para não cair. Exigiu o cessar fogo e o respeito à integridade territorial do Iraque. Mas, se vê atacado por antigos adeptos da Perestroika. Enfrenta greves de longa duração em setores-chaves da economia, como as minas de carvão. Multiplicam-se os reclamos de sua demissão do cargo que ocupa. Ele se equilibra numa posição centrista, aparentemente entre "conservadores" e "ultra-reformistas". Vai-se aguentando precariamente. Os militares tratam de "enquadrá-lo". Os imperialistas norte-americanos temem que a sua queda traga complicações mais sérias no campo mundial.
Aí está como se desenvolve a tumultuada transição do socialismo para o capitalismo. De crise em crise, cada vez pior. Só há uma solução – voltar revolucionariamente para o caminho do socialismo científico. O que não significa repetir pura e simplesmente o passado. Novos desafios à plena realização de uma sociedade que marcha para o comunismo precisam ser equacionados e resolvidos. Também os erros verificados na construção do socialismo devem ser reparados.
Tudo isso implica a reestruturação da corrente marxista-leninista na URSS, destroçada e desorientada, bem como a recriação do Partido da classe operária de tradição bolchevique. Mais cedo, ou mais tarde, tal acontecerá.
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Inclusão | 18/01/2015 |