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Fonte: Arquivo Vania Bambirra - https://www.ufrgs.br/vaniabambirra/ - Datilog. Brasília, 28 de maio de 1997
HTML: Fernando Araújo.
O fato mais relevante da atual conjuntura política é a vertiginosa queda de 21% dos índices de aprovação do Presidente Fernando Henrique Cardoso em pesquisa realizada pelo insuspeito IBOPE, divulgada no dia 25 de maio. Tal constatação reflete um desgaste momentâneo e reversível da imagem presidencial ou o começo do ocaso de sua popularidade?
Para responder a tal questão devemos partir dos fatores que condicionaram a reversão da apreciação do governo.
É necessário ponderar, inicialmente, que um balanço da gestão governamental de FHC não destaca o pecado da impaciência por parte da opinião pública. Ao contrário, durante os primeiros dois anos ela foi extremamente complacente com uma série de ocorrências verdadeiramente surpreendentes que deveriam haver escandalizado até o mais indiferente cidadão. Basta lembrar, por exemplo, do escândalo do SIVAM, que emergiu através da denúncia da existência de grampos telefônicos que revelavam um esquema de corrupção – típico de um PC Farias – e do qual o Presidente possuía conhecimento e, portanto, cumplicidade.
Basta lembrar, também, do massacre de Corumbiara, realizado com a conivência de autoridades públicas vinculadas ao esquema governamental, cuja atitude sequer foi questionada e os responsáveis diretos continuam impunes.
Basta pensar, por último, na Medida Provisória que criou o PROER, destinando recursos bilionários a bancos falidos. Falidos, não propriamente devido à incompetência da gestão, mas, pura e simplesmente, à existência de esquemas de corrupção. No caso do Banco Nacional, foi revelado para uma opinião pública, que deveria ficar perplexa, nada mais nada menos do que a existência de mais de seiscentas contas fantasmas, vale dizer, de novo a persistência da síndrome do fenômeno PC Farias, com a óbvia cumplicidade do Banco Central.
Mas, como diz a sabedoria popular, a paciência tem limites, e as margens de aprovação do governo FHC foram superadas devido aos seguintes fatores:
– o escândalo provocado pela CPI dos precatórios judiciais, que revelou um esquema de corrupção vinculado a governos estaduais e municipais, de novo com a conivência implícita do Banco Central;
– A Marcha a Brasília do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, que sensibilizou todo o País, demonstrando a ausência de uma efetiva política de reforma agrária e quebrando a arrogância do Ministro Raul Jungman, quem havia se recusado a dialogar com os sem-terra;
– A vitória da oposição na votação da reforma administrativa, na Câmara dos Deputados, ao derrubar a proposta do contrato de gestão, cujo objetivo era a terceirização do serviço público, desmontando a argamassa fisiológica do “rolo compressor” governamental;
– A atabalhoada privatização, a preço vil, da Companhia Vale do rio Doce para grupos financeiros, em contraposição à opinião pública majoritária. Porém, mais grave do que a privatização em si da Vale foi o atropelo com que foram tratadas as mais de cento e trinta ações judiciais impetradas contra os termos em que foram postos a privatização. Jamais existiu, em toda a história, um precedente semelhante de tamanha truculência. Com a alienação da Vale, na verdade, o questionado foi a própria existência do Estado democrático de direito! Muitas teses ainda deverão ser escritas sobre isso…
– O escândalo da compra e venda de votos para a aprovação da Emenda Constitucional da reeleição. A denúncia da existência deste esquema de corrupção envolveu não apenas governadores vinculados à base governamental, mas ao do Ministro mais ligado ao Presidente.
A proposta de instalação de uma CPI, não apenas pela oposição, mas por dezenas de parlamentares governistas, com o objetivo de apurar efetivamente os fatos e restabelecer a dignidade do Legislativo, encontrou uma férrea oposição do Executivo, o que sem dúvida significa que “quem deve teme”.
É neste contexto que se verifica a perda da popularidade de FHC.
A todos os fatores condicionantes do resultado da última pesquisa do IBOPE, deve-se considerar, também, a intensificação de um clima de insatisfação frente à inexistência de uma política de equacionamento das questões sociais mais relevantes. Tal descontentamento manifesta-se através da intensificação das ocupações de terra no campo e de terrenos nas cidades, dos protestos dos pequenos produtores rurais e dos desempregados. Avolumam-se, ainda, as indignações dos desassistidos pela falência dos serviços públicos de saúde, dos funcionários públicos, cujos salários estão arrochados há três anos, além de estarem ameaçados com a perda de seus direitos constitucionais; dos estudantes universitários aos quais foi imposto um pseudocritério de avaliação do rendimento acadêmico, o ameaçador Provão, que visa, sem subterfúgios, implementar a orientação do Banco Mundial e do BID, ou seja, desmoralizar para privatizar a universidade pública.
Diante de tais constatações, é válido supor que está se configurando não apenas o fenômeno da perda conjuntural de popularidade do Presidente perante a opinião pública, mas algo bem mais profundo e definitivo, o desgaste de sua credibilidade.
O governo tenta reverter tal situação utilizando-se de dois recursos tradicionais da tática direitista, ou seja, lançando mão dos epítetos: “eles são subversivos” e “todos são corruptos”.
No primeiro caso, lançou-se mão da fala do líder dos sem-terra, João Pedro Stedile, metamorfoseando suas palavras em uma reunião acadêmica, de que os sem comida deveriam manifestar-se em frente aos supermercados, em [suposta](1) conclamação ao saque puro e simples.
No segundo caso, trata-se de manipular uma denúncia de corrupção, ainda não comprovada, no seio do PT, como se a mesma tivesse idêntica proporção do escândalo gerado com a compra e venda de votos para a aprovação de uma emenda à Constituição, como é o caso da reeleição – uma Proposta de Emenda à Constituição-PEC, [a qual](2) requer o apoio de dois terços dos deputados, ou seja, 308 votos (não é intrigante que tal denúncia, formulada e engavetada há mais de dois anos, viesse a surgir apenas agora, de forma espetacular nos meios de comunicação, como um passe de mágica de prestidigitador inusitado?).
É fato também que FHC ainda dispõe do apoio do grande capital nacional e internacional e de seus meios de comunicação, pois demonstrou méritos para isso. Contudo, Collor também dispunha desse apoio, até o momento em que sua credibilidade foi abalada por denúncias de corrupção e, então, tornou-se descartável.
Esta possibilidade está a emergir da atual conjuntura. Resta saber, se e quando será conveniente aos interesses do sistema de dominação.
Notas de rodapé:
(1) Colchetes do Memorial-Arquivo Vania Bambirra. (retornar ao texto)
(2) Colchetes do Memorial-Arquivo Vania Bambirra. (retornar ao texto)