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Fonte: Arquivo Vania Bambirra - https://www.ufrgs.br/vaniabambirra/ - Datilog. S/d.
HTML: Fernando Araújo.
Algumas das formulações que mais nos chamaram a atenção:
Concordamos com:
Nossa dúvidas e discordâncias:
★ ★ ★
A unicidade que dá ao prof. Vieira Pinto um ponto de vista validamente universal é a “realidade” nação proletária. Polo de uma contradição que se verifica como sendo historicamente a principal, a configuradora da presente fase histórica. Contradição que coloca em segunda ordem as demais. Essa contradição é dada pela linha de separação entre subdesenvolvimento nacional e imperialismo das nações desenvolvidas.
Será essa a contradição principal? Ou será possível encontrar nos seus próprios quadros fissuras muito mais acentuadas, revelando uma contradição mais profunda, sob as aparências momentâneas, tópicas, de uma Unicidade? A nosso ver, o professor não seguiu, em suas análises, os planos mais autênticos de clivagem da presente fase da história humana, dentro da qual somos, inevitavelmente, articulados. Assim, parece-nos, de um prisma mais abrangente, que a contradição configuradora é a do humano com a alienação do capitalismo, a da liberdade humana com os determinantes da situação capitalista. Nessa contradição, os polos são as classes dominantes, beneficiárias da estrutura alienante, e, pois, da inhumanidade; e as classes dominadas, em que o humano é condenado ao nível das coisas, instrumental de um aparelho cego de exploração e dominação. São as camadas essenciais, que se configuram, com maior ou menor nitidez, dentro do processo próprio da efetivação histórica que chamamos capitalismo. Camadas que não se limitam nos quadros nacionais, mas que atravessam as fronteiras (pois trata-se de um sistema, cujo núcleo de atração tudo faz girar em sua órbita, cuja lógica interna contagia a tudo o que toca), e, pelo menos na ordem das regularidades tendenciais, penetram e tentam configurar a realidade dos subdesenvolvidos.
Não há, pelo menos parece ser assim, uma nação proletária e uma nação patrão: há um patrão e um proletário na nação desenvolvida, como há, ou tende a haver, enquanto dominar o momento histórico de vigência do capitalismo, o patrão e o proletário do país subdesenvolvido. Assim, a solidariedade mais profunda, existencial, estrutural, não é a que se dá, fugazmente, entre a burguesia nacional e proletariado nacional, mas entre os nossos proletários e os de todo o mundo. O desencontro entre a nossa burguesia e a burguesia imperialista existe, realmente, no momento, mas tudo indica tratar-se de uma divergência passageira, processual. Por que? Porque estamos dentro de uma totalidade, a totalidade do capitalismo. E é para se afirmar dentro dessa totalidade que a nossa burguesia se contrapõe à burguesia estrangeira. É o salto dialético que lhe permitirá melhor ajustar-se nas engrenagens do sistema. Pela negação superará a sua exclusão atual do sistema. Pode mesmo dizer intimamente: “brigamos agora, para que possamos, unidos no futuro, melhor dominar os que agora convencemos a se aliarem conosco contra o “inimigo comum’” …”. Em suma, não se pode fugir à contradição mais profunda. As linhas de clivagem do capitalismo atingem-nos também. Temos de assumi-las, para superá-las, e não fazer sobre elas uma cortina de fumaça, encontrando outras contradições e hipostasiando-as…
Ora, o que aconteceu foi o seguinte: o professor A. Vieira Pinto tomou como uma unicidade real o que de fato não passa de uma exígua e discutível faixa de coincidência de interesses e desígnios das classes burguesa e proletária (mesmo que essas classes ainda estejam “em projeto”, é válido raciocinarmos com as duas categorias burguês e proletário porque temos presente a nossa inserção na estrutura capitalista com os seus determinismos específicos e sua clivagem própria: a divergência básica das duas classes). Coincidência precária, ambígua, pois assenta na contradição estrutural de projetos, de interesses. Não se pode arvorá-la em unicidade fundamentadora de uma visão filosófica universal. Senão, ficamos na superfície da história, o que não convém nem à filosofia nem ao homem… Olhar o mundo do prisma dessa coincidência significa não ver muito longe, pois ela é sobretudo tática. Do ângulo da burguesia, ela deve ser permanente. Do ângulo do proletariado, ela é uma fase ultraprecária. Assentar sobre ela só pode significar recursar-se a colocar em questão a sua fugacidade. Significa, pois, marchar não só ao lado da burguesia mas dentro dela e com seus desígnios.
Disso, aliás, nos parece bastante sintomática a pobreza da teoria de AVP “da perspectiva do futuro”. A superação da atual coincidência de interesses é certamente encarada, mas como algo externo, de fora da unicidade. O posterior, o que há de vir não é englobado pela teoria, mas relegado ao plano do meramente possível, entre várias escolhas possíveis. Ora, é da própria teoria burguesa não considerar a superação do que visa manter. Parte da coincidência e quer sustentá-la indefinidamente. Ao passo que uma outra perspectiva, a do proletariado por exemplo, engloba a presente coincidência e o que há de vir como resultado de sua superação. É mais ampla de horizontes, mais rica do ponto de vista do futuro por ela integrado nas próprias postulações e construções teóricas de que se serve. A teoria de Álvaro Vieira Pinto tem uma relativa validez no presente, mas para o processo, não se concebe dentro desse processo. O futuro fica “para lá”. Tomar a perspectiva do futuro significaria colocar a “faixa de coincidência” dentro de nosso ponto de vista, mas não só ela, também a sua superação. Considerá-la tática, precária, momentânea. A faixa de interesses mais rica do ponto de vista do futuro é a do homem que quer-se desalienar e não a do homem que se aproveita da estrutura alienante e a quer eterna.
E o humanismo da perspectiva e da teoria de Vieira Pinto? Isto é, da teoria que se baseia na coincidência, sem dúvida precária e momentânea, dos desígnios de duas classes “em projeto” para ter a sua visão universal? O mínimo que se pode dizer é que esse humanismo é ambíguo. Ambíguo porque vimos que sua perspectiva, pela própria formulação, se prende mais ao prisma do burguês, isso é, anti-humano. Vieira Pinto tinha de situar-se do ponto de vista do homem para que sua teoria fosse humanista. O prisma do homem é o prisma dos esforços da liberdade humana para vencer os determinismos, é o prisma das virtualidades do crescimento humano que querem se realizar historicamente e que se encontram amarradas e sufocadas pelas alienações. É o prisma do homem que quer ser mais homem, que quer crescer, libertar-se dos vínculos da sub-humanidade. É o prisma da Comunidade Humana em que sejam superadas as injustiças sociais, as dominações totalitárias, as servidões econômicas, a fome, a miséria, a incultura. É o prisma da economia do gênero humano e não da economia do mercado e da necessidade “selvable”.
Ora, uma perspectiva burguesa é, neste sentido, anti-humanista, porque visa a conservação de toda uma estrutura de alienação e servidões. Na medida em que Alvaro Vieira Pinto se fixar numa “unicidade” basicamente constituída da coincidência de interesses de duas classes antagônicas, o que é visto pela burguesia como coincidência ideal a ser mantida, e portanto de acordo com seus desígnios vitais, nessa medida sua perspectiva é anti-humanista.
Do ponto de vista do humanismo, a perspectiva do proletariado é a mais autêntica, porque não se coaduna com o “status quo” vigente no capitalismo, quer superá-lo. São as forças do humano que nela se concentram para destruir o inhumano. E só colocando-se o filósofo do prisma do proletariado que quer crescer, quer tornar-se mais homem, mais pessoa humana, é que se pode falar de uma teoria humanista.
Notas de rodapé:
(1) As demais contradições passam ao plano do virtual, do possível, do futurível: não há, por assim dizer, nenhum imperativo presente que faça com que uma delas tenha mais possibilidade de ser [ilegível]ramente a principal. Tanto pode ser uma quanto outra… (retornar ao texto)