A Revolução Industrial como um processo

Vania Bambirra


Fonte: Arquivo Vania Bambirra - https://www.ufrgs.br/vaniabambirra/ - Datilog. Original incompleto. S/d.

HTML: Fernando Araújo.


A história da humanidade se caracteriza por suas fases gerais de evolução.(1) Tais fases são determinadas pelo desenvolvimento das forças produtivas e suas consequentes relações de produção. A passagem de uma fase a outra pode ser considerada como um processo revolucionário, porque a posterior implica o rompimento da anterior. Através da superação de seus caracteres específicos dominantes. É necessário ressaltar: 1o) que cada uma destas fases são sistemas de produção que pela sua própria estrutura de funcionamento, geram em si uma série de contradições que irão criar condições para que surjam em seu próprio seio os germens de sua superação, a sua antítese, expressa num novo tipo de sistema, 2o) que tal superação não implica imediatamente a extinção total do sistema precedente, ao contrário, verifica-se sempre a coexistência temporária de ambos. O comunismo primitivo, o sistema agrícola, o sistema mercantil escravocrata, o sistema medieval servil, o sistema capitalista e o sistema socialista de produção são fases da história da humanidade que a explica e indica o sentido que ela segue. É só dentro desse contexto dinâmico da evolução das forças produtivas que podemos compreender a Revolução Industrial.

A Revolução Industrial é uma revolução técnica em consequência da revolução social burguesa, que irá possibilitar que a revolução burguesa siga em marcha. “A indústria, o comércio, a produção e o intercâmbio das necessidades da vida se condicionam por um lado e se encontram por sua vez condicionadas em relação ao modo como se distribuem e se organizam as diversas classes sociais” (Marx, La Ideología Alemana, pag. 46).

As origens da burguesia estão no sistema feudal. Ela surge nele como um fator que lhe é oposto e vai alterar toda a sua estrutura tradicional de produção. O desenvolvimento das corporações artesanais, do comércio entre os burgos, a intensificação do comércio com o oriente dando origem à Revolução Industrial, são alguns dos fatores que vão dar fundamento ao início da mudança social de regime social. Mais tarde, já dona do poder econômico, a burguesia toma o poder político, como na França, através da Revolução Francesa. Na verdade, a dominação burguesa se instaurou plenamente no ocidente através de um processo paulatino de conquistas revolucionárias, alcançando o auge de seu poder através das condições criadas pela Revolução Industrial. É através do desenvolvimento colossal de novas forças produtivas, do aumento imensurável da produção industrial, do aparecimento da grande indústria que vai se acelerar no mundo a expansão capitalista. O que se chama de Revolução Industrial é apenas um dos capítulos da história da ascensão da burguesia na Inglaterra, mas de fato deve-se chamar Revolução Industrial a todo o processo de desenvolvimento do sistema capitalista desde o século XVIII até o início do século XX. Porque todo esse período é um período altamente revolucionário na forma industrial de produção, quantitativa e qualitativamente.

Todas as consequências do fenômeno industrial já se tornavam tradicionais, no sentido de que todos os seus estudiosos detêm sempre suas análises nelas. Vejamos algumas que consideramos de maior importância:

– O processo de urbanização: intensifica-se em virtude do crescimento da população que tende a se concentrar devido às necessidades de produção, e como toda concentração humana tende a ter uma vida própria, vão se transformando em cidades. Devido às novas oportunidades que vão sendo criadas nas cidades, de absorção crescente de mão de obra, para elas afluem grandes contingentes de trabalhadores rurais com suas famílias. Assim, a produção agrícola tende a ocupar um segundo plano nos países que iniciam a industrialização, até que os reflexos desta possam também atingir a zona rural, através da mecanização das lavouras.

– O crescimento da renda nacional e o aumento relativo dos salários: “A produção aumenta muito mais rapidamente que a população, a renda média da população aumenta igualmente. (…) As cifras mostram (estatísticas americanas de 1850 a 1913) que a renda nacional cresceu oito vezes e que a renda por pessoa ocupada apenas dobrou” (F. Sternberg, Le Conflit du Siècle, pag. 19). Isso indica o caráter do desenvolvimento industrial capitalista ao lado da grande “acumulação de capital”, a “acumulação da miséria”. Marx, no seu “Manifesto de Lançamento da Associação Internacional dos Trabalhadores” comenta o seguinte: “É fato incontestável que a miséria das massas trabalhadoras não diminuiu entre 1848 e 1864 e, não obstante, esse período não tem paralelo no que diz respeito ao desenvolvimento da indústria e à expansão do comércio. Em 1850, um órgão moderado da burguesia britânica, mais bem informado que a classe média, predisse que se as exportações e as importações da Inglaterra aumentassem de 50%, o pauperismo inglês desceria a zero. Céus!, a 7 de abril de 1864, o Chanceler do Erário deleitou seus ouvintes parlamentares com a declaração de que o total das importações e exportações da Inglaterra haviam aumentado em 1863 para 443.955.000 libras!, soma extraordinária, equivalente a cerca de três vezes o total das trocas verificadas no período relativamente recente de 1843”. Mas a miséria continuou. É verdade que os salários aumentaram mas o aumento deles é um aumento relativo e não proporcional à produção. Tal aumento se verifica 1º como uma concessão mínima da burguesia para que o operariado com sua prole possa adquirir os produtos industriais, ampliando assim o mercado consumidor. 2º, como conquista do operariado na sua condição primária de classe “em si”, através de suas organizações nascentes.

– O aumento da importância dos trabalhadores industriais: aumentam as indústrias, aumentam os trabalhadores industriais, e como a indústria passa a ter o papel fundamental na sociedade, são os operários que a produzem e que a movem que compõem a parte da população total mais importante. Vemos aqui uma contradição feliz da história: foi preciso a Revolução Industrial para que a burguesia de afirmasse plenamente como classe, mas ao fazê-la ela estava gerando uma nova classe cujo destino histórico consistia exatamente em liquidar a classe burguesa (Comentado por Marx no Manifesto Comunista)

-O desenvolvimento do comércio internacional: é impossível de se supor que o processo revolucionário industrial fosse apenas um fator de alargamento do mercado interno, porque o capitalismo como um processo excepcionalmente dinâmico não pode se conter em determinados nacionais, necessita desenvolver o comércio exterior e criar também formas de dominação colonialista até alcançar a sua elaboração suprema: o imperialismo. A Inglaterra, que iniciou a Revolução Industrial, foi o primeiro país imperialista do mundo. Por um lado pela demanda de matérias-primas e por outro pela necessidade de mercados para os seus produtos industriais. Com o desenvolvimento progressivo da forma imperialista de exploração, a economia dos países subdesenvolvidos começa a se apresentar para a metrópole como um potencial para investimentos dos capitais excedentes, com margens fabulosas de lucros. Ao imperialismo inglês segue-se o francês, o alemão, o americano, numa competição desenfreada, nem sempre amistosa, pois é a competição imperialista que irá determinar o desencadeamento das duas guerras mundiais em nosso século. “O comércio exterior de um só grande Estado industrial em 1913 é mais considerável que o comércio mundial todo em 1859 (…) um aumento de 1.000%” (F. Sternberg, livro citado).

– Finalmente, a última consequência que apontaremos aqui de todo esse gigantesco fenômeno que é o desenvolvimento do capitalismo, possibilitado pela Revolução Industrial, é a miséria dos países coloniais: com o imperialismo os países subdesenvolvidos passam a ser dominados sob todos os aspectos, em todos os setores, desde o econômico até o cultural, passam a ser “objetos” das superpotências. De modo geral, para sua industrialização surgem grandes obstáculos e as suas poucas indústrias, quando existem, são muitas até mesmo paralisadas ou artificialmente limitadas (comentado por F. Sternberg, livro citado, pag. 27). Damos como exemplo disso o que Marx diz no seu artigo sobre “Futuros resultados do domínio Britânico na Índia”: “Os britânicos destruíram a civilização hindu quando dissolveram as comunidades nativas, arruinaram por completo a indústria indígena e nivelaram tudo o que era grande e elvado da sociedade nativa. As páginas da história do domínio inglês na Índia mal oferecem alguma coisa mais que destruições”. E Marx comenta ainda a grande contradição do sistema imperialista: “Já sei que a burguesia industrial inglesa procura cobrir a Índia de vias férreas com o exclusivo objetivo de baratear o transporte do algodão e de outras matérias-primas necessárias para as suas fábricas, mas se se introduzem as máquinas no sistema de locomoção de um país que possui ferro e carvão, já não poderei impedir que esse país fabrique essas máquinas. Não podereis manter uma rede de vias férreas em país enorme, sem organizar nele todos os processos industriais necessários para satisfazer às exigências imediatas e correntes da estrada de ferro, o que implicará a introdução da maquinaria em outros ramos da indústria que não estejam diretamente relacionados com o transporte ferroviário. E o sistema ferroviário se converterá, portanto, na Índia, num verdadeiro precursor da indústria moderna”.

Fritz Sternberg tenta refutar esse tese de Marx dizendo: “A história seguiu outra rota que aquela predita por Marx quando ele publicou há pouco mais de cem anos no New York Daily Tribne de oito de agosto de 1853, seu famoso artigo sobre “Os resultados futuros da dominação britânica na Índia”. De fato, as coisas não se passaram assim (como afirmou Marx no referido artigo) nem no século XIX, nem no período de estagnação do imperialismo entre as duas guerras mundiais. A Inglaterra construiu nas Índias uma importante reserva de vias férreas, mas ela não pensa fazer dessa reserva o “precursor de uma indústria mo-[…](2)


Notas de rodapé:

(1) É interessante explicar aqui o que entendemos por fase geral de evolução. Existe a fase geral de evolução e as fases específicas, ou intermediárias, ou consequentes da evolução. Assim, fase geral de evolução é a fase mesma, é, por exemplo, a passagem do comunismo primitivo para a civilização agrícola, outra, a do sistema feudal para o capitalista, etc. As fases consequentes de evolução são aquelas que são geradas dentro da fase geral, são aquelas através da qual os sistema se desenvolvem. Por exemplo, a revolução industrial é uma fase de desenvolvimento de uma fase geral da evolução da humanidade que é o capitalismo. (retornar ao texto)

(2) Nota do Memorial-Arquivo Vania Bambirra: O original datilografado termina nesse trecho, faltando aquela que provavelmente é a última folha. (retornar ao texto)

Inclusão: 14/11/2021