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Fonte: https://teoriamarxista.wixsite.com/blog-mri/post/hegemonia-e-frente-unica-daniel-bensaid
Tradução: Pedro Barbosa - Estrategia y partido (Sylone, 2017) – capítulo V [Original: Stratégie et parti (PEC-La Brèche, 1987) (Prairies ordinaires, 2016)]
HTML: Fernando Araújo.
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A classe operária não está espontaneamente unificada pelo capitalismo. Ao contrário, está dividida pela competição, que é mais forte em tempos de crise. Como consequência, sua unificação social e política constitui um objetivo estratégico permanente.
Neste sentido, a perspectiva de frente única, que aponta para unificar a classe mediante a unidade de ação de suas organizações sindicais e políticas, tem um alcance estratégico. Com efeito, não se pode unificar evitando ou ignorando os partidos nos quais se reconhecem amplas correntes de trabalhadores.
A frente única pode revestir formas elementares, como a unidade de ação pontual ou a coexistência de numerosas correntes políticas em um sindicato, ou “formas superiores”, como as formas de auto-organização (comitês de greve, conselhos, sovietes...).
As dificuldades neste terreno não remetem nem às perspectivas gerais, nem às definições, mas sim à prática, que é sempre uma questão de relações de forças.
1) De fato, a unidade tem suas virtudes. Contra os males da divisão, pode, em certos momentos, se tornar ela mesma não um simples meio, mas um primeiro objetivo a se realizar. Era o caso no início dos anos 30, quando o “Terceiro Período” da IC [Internacional Comunista] e a teoria do social-fascismo desarmou o movimento operário frente ao ascenso do nazismo. Era também o caso entre 1977 e 1981, quando a unidade se converteu na primeira condição a se cumprir para bater a direita e derrubar Giscard.
- Mas, em última instância e no geral, a unidade não tem um valor em si mesmo independentemente de seus objetivos e de seu conteúdo. Logo, quando a unidade se realiza em 1935 sob a forma da Frente Popular e do pacto entre as direções socialista e comunista, ou quando se reconstitui em 1981 sobre a base do acordo de governo, se trata de uma unidade burocrática contra a mobilização e a democracia do movimento de massas. A questão chave se converte então em “fecundar a frente única com um conteúdo revolucionário” (Trotsky).
- Desde então, a realidade da relação de forças se torna determinante: como ocupar um lugar na frente única? Ou, também, como constituir uma relação de forças tal que permita aos revolucionários inscrever-se ativamente na dinâmica unitária, de pleno direito, e não se adaptar desde o exterior à unidade entre aparatos burocráticos.
- Aqui nos encontramos no campo da tática. Já não se trata somente de exigir a unidade, mas de impô-la nos fatos. Numerosas alavancas podem ajudar: a unidade parcial, a nível local ou nacional, com militantes ou setores dissidentes de organizações majoritárias; a iniciativa própria de setores significativos da oposição sindical; uma convergência de forças revolucionárias... Assim, na Espanha, a campanha anti-OTAN foi iniciada por organizações minoritárias como a LCR e o MC.(1) Diante do êxito da mobilização, o Partido Comunista teve finalmente que apoiá-la.
2) Mas há outra razão, mais fundamental, pela qual a questão da frente única tem sempre um aspecto tático. É que as organizações reformistas não o são por confusão, inconsequência ou falta de vontade. Expressam cristalizações sociais e materiais. Ao invés de empurrar em direção ao lado bom, sob a pressão das massas, escolhem necessariamente o campo da contrarrevolução: a social-democracia alemã de 1918 segue sendo o exemplo mais famoso.
- Logo, as direções reformistas podem ser aliados políticos táticos para contribuir para unificar a classe. Mas, estrategicamente, seguem sendo inimigos em potência.
- A frente única se propõe a criar as condições que permitam romper com essas direções com a melhor correlação de forças, no momento das opções decisivas, e arrastar camadas o mais amplas possíveis das massas.
- Assim, em maio de 1937 em Barcelona, como em setembro de 1975 em Portugal, teria sido perigosamente ilusório crer poder fazê-las entrar em um processo revolucionário apesar do Partido Comunista. O problema era, por outro lado, dispor de órgãos unitários que permitissem aos militantes comunistas desligarem-se de seu partido no curso do enfrentamento.
3) Neste contexto, há que se ter em mente que nossos debates ligados às fórmulas de governo têm pouco a ver com a questão do governo operário tal como esta se colocava nos primeiros congressos da Internacional Comunista. Esta se colocava na época no contexto do início de uma situação revolucionária. Havia entre os protagonistas da discussão, ainda no V Congresso da IC em 1924, boas pessoas; apesar de que alguns acabaram mal posteriormente. Ninguém está predestinado.
- Este congresso marcou o início da normalização da IC, levada a cabo em nome da bolchevização. Mas a tradição revolucionária, todavia, estava viva. É, portanto, a flor e a nata do movimento revolucionário que discute, talvez pela última vez, as lições da derrota do outubro alemão e da experiência tchecoslovaca.
- Bordiga vai além do informe de Zinoviev e defende o governo operário como um simples pseudônimo da ditadura do proletariado. Radek o responde que, se não fosse nada além de um pseudônimo, seria inútil e ridículo, já que significaria dizer ao mesmo tempo: eu me chamo Tartempion, mas na realidade meu nome é Dupont.
- Não se tratava então da ditadura do proletariado propriamente dita, mas do início parlamentar da revolução, quando as instituições do velho aparato de estado não estão, no entanto, destruídas.
As referências são concretas. Falam do governo formado em 1923 na Saxônia-Turíngia entre o Partido Comunista e o Partido Socialista (de esquerda). Aqui, a legitimidade do Estado está efetivamente minada. O PC decide entrar no governo. Exige de Brandler o ministério do Interior. Ainda que de esquerda, os aliados social-democratas, que seguem sendo reformistas, se negam. No entanto, se continuará esperando que, frente a um ataque do exército federal, o governo como tal seja capaz de chamar as massas à greve geral e a se armar. Quando o governo se nega, não existe uma situação real de dualidade de poder, de autoridade alternativa para a qual apelar visando retomar a iniciativa, diante das evasivas do governo e dos aliados socialistas.
À luz de tal experiência, Bordiga exige “um enterro de terceira classe” para a noção mesma de governo operário, que não pode mais do que criar confusão. É coerente com sua posição esquerdista no geral, que rechaça qualquer forma de reivindicação transitória.
O problema real reside provavelmente em outro lugar. Este governo poderia ser um instrumento. Mas única garantia para poder participar nele teria sido dispor de uma instância de auto-organização, diretamente representante do estado de ânimo das massas, independente das instituições oficiais, e dotada de uma legitimidade superior. Estrategicamente, era a chave da situação. A experiência do governo operário poderia inscrever-se neste marco.
Admitamos em todo caso que se trata de uma história diferente das discussões que pudemos ter sobre o governo PC/PS. Se trata neste caso de uma consigna unitária, tática, que podemos assumir ou não de acordo com a conjuntura, mas que não joga o papel de reivindicação transitória no marco da abertura de uma situação revolucionária.
Com efeito, há que se constatar que o debate estratégico relançado na esquerda e extrema-esquerda europeia depois de 1968 voltou atualmente a um ponto morto. As duras realidades da crise derrubaram brutalmente as utopias de transformação tranquila com um pano de fundo de prosperidade. As experiências de governos de esquerda traçaram os limites da mudança no respeito às leis do mercado, às constrições externas e às instituições estatais. As diversas variantes do reformismo ficaram em um dique seco ideológico.
A reflexão estratégica não retomará seu fio se não sobre a base de um relançamento das mobilizações. Durante quase quinze anos, de ruptura em reencontro, a União da esquerda e o programa comum de governo se constituíram na França no horizonte estratégico para uma maioria dos trabalhadores. Atualmente, em torno da longa crise econômica internacional, o espaço se estreita. Os ataques patronais recaem sobre o emprego, os salários, a proteção social, os direitos democráticos... Devolver golpe por golpe, disputar cada conquista e cada direito adquirido, resumindo, resistir palmo a palmo se torna uma urgência cotidiana.
Mas a resistência mais resoluta exige no fim das contas uma virada nas relações de força e a perspectiva de uma contra-ofensiva vitoriosa. Não haveria então mais que se escolher entre, de um lado, resignar-se à alternância bem regulada de uma esquerda suavemente liberal e de um liberalismo agressivo; e, de outro lado, a repetição da União da esquerda, que seria também a repetição de suas desilusões.
A experiência é muito recente e os danos muito visíveis. Tanto os que tinham uma crença nela como aqueles que não tinham ao menos coincidiram em dizer que não repetirão.
Por outro lado, para a direção do Partido Socialista, a unidade da esquerda está duradouramente enterrada. Ele prepara as condições para uma maioria de centro esquerda para depois de amanhã, que seria a última etapa do projeto definido em 1969 por François Mitterrand em Ma part de vérité [Minha parte de verdade].
Enquanto isso, acabou-se a “autogestão”, a “frente de classe”, a “ruptura com o capitalismo”, o mínimo de nacionalizações necessárias para uma planificação eficaz, a prioridade do emprego... Em uma palavra, se acabaram os projetos de sociedade e as alianças comprometedoras. Nem falar de “mudar a vida”; já quase nem se atrevem a falar de “viver melhor”. O programa está em seu grau zero.
Por seu turno, o Partido Comunista se irrita em torno de seu aparato. Hiberna sem outra ambição que não a denúncia das traições do Partido Socialista e “o deslizamento à direita da sociedade”. Posto que tudo está em franca debandada, sua perspectiva de perda de peso eleitoral é apresentada como um valente exercício ascético. O rechaço a escolher entre “duas direitas” reduz seu “reagrupamento popular majoritário” a uma virtuosa solidão. No plano doutrinário, ao abandonar a ditadura do proletariado ao menos tomou distância frente a uma forma repulsiva de Estado burocrático, que confirma sua renúncia a qualquer projeto revolucionário. Depois da experiência governamental de 1981-84, já não há perspectiva alguma de “democracia avançada”. Não resta mais do que uma agitação de aparato sem objetivo e fora do tempo.
A questão segue então colocada: como reagrupar uma força social e política capaz de conduzir uma transformação radical da sociedade? Se trata de uma maioria social ou de uma maioria eleitoral? Quais são seus contornos?
É a necessidade de um balanço honesto e sério da União da esquerda o que aqui se coloca, posto que seu fracasso joga luz, não sobre as deficiências de vontade ou de capacidade, mas mais exatamente sobre os diferentes projetos políticos.
Em primeiro lugar, o Programa comum não expressava um verdadeiro projeto de transformação social sustentado por uma mobilização de massas. Veio à luz como resposta das direções reformistas à mobilização de maio-junho de 1968, para canalizar as energias em direção ao terreno estreitamente eleitoral. Ainda que o Partido Comunista, assim como o Partido Socialista, falassem em seus documentos de “mudança” e de “ruptura”, não fizeram nada para favorecer o impulso unitário pela base, o enraizamento das exigências na mobilização. A discussão sobre os números [eleitorais] que continha o Programa comum que serviu de pretexto para a ruptura de 1977 segue sendo um bom exemplo das querelas de Estado maior às costas dos principais interessados. Igualmente, fizeram tudo o que estava às suas mãos, desde as jornadas de ação até as eleições cantonais e municipais, para que o movimento social contivesse seu fôlego à espera da grande noite eleitoral.
Pois bem, este impulso teria sido necessário para fazer frente, sob a condição obviamente de ter a vontade de fazê-lo, às sabotagens da patronal posteriores ao 10 de maio, à chantagem da “pressão externa”, para adotar medidas enérgicas visando atacar realmente a questão do emprego, já que um governo que o tivesse feito, ainda que só tivesse começado a inverter a tendência ao desemprego, teria gozado diante dos trabalhadores e da opinião pública, na França e além dela, de uma autoridade política e moral que lhe teria permitido fazer frente a não poucos desafios.
Nem o PC nem o PS haviam preparado a ação neste sentido. Deste modo, em 1981, um autêntico partido revolucionário, que tivesse levado com constância a batalha unitária, não teria necessitado barganhar o apoio eleitoral no segundo turno para derrotar a direita sem requisitos prévios; nem se unir rapidamente a uma participação governamental praticamente sem condições. Teria impulsionado a mobilização, apoiado as medidas governamentais que fossem no sentido dos interesses dos trabalhadores, atuado na primeira fila contra os ataques da direita, sem renunciar à sua independência nem à sua liberdade de ação.
Então, faltou também um verdadeiro cimento unitário na base, sob a forma de comitês unitários de mobilização, nos centros de trabalho e nas localidades. Estas últimas teriam permitido que as verdadeiras relações de força sociais pesassem diretamente e que se mantivesse ativa uma vigilância popular apta para controlar seus mandatários e (se necessário) para repudiá-los. Se tivesse sido necessário prestar contas a esta força, o joguete da “união sem combate” e o “combate sem união” teria sido difícil. As querelas enganosas sobre os números que continha o Programa comum teriam podido ser levadas à sua justa medida e resolvidas pelos primeiros interessados.
Finalmente, faltou um polo ao mesmo tempo plenamente unitário e resolutamente revolucionário. Um polo capaz, ao mesmo tempo, de constituir um potente motor unitário e de fecundar tal unidade com um conteúdo revolucionário. Em nosso juízo, uma corrente assim não pode surgir somente nem das fileiras do Partido Socialista, nem de um Partido Comunista regenerado como tal. Por outro lado, da experiência e das lutas surgem aspirações e forças que colocam, em nosso horizonte, os elementos possíveis de um novo partido revolucionário.
(Capítulo V do livro "Estratégia e partido", 1987)
Notas de rodapé:
(1) Liga Comunista Revolucionária, seção da IV Internacional no Estado espanhol entre 1971 e 1991, e Movimento Comunista da Espanha (posteriormente Movimento Comunista), uma organização de inspiração maoísta em seu início. Ambas se fundiram em 1991, dando lugar à Esquerda Alternativa, unificação que fracassou ao se dissolver em 1993 [N.T.]. (retornar ao texto)