Economia Política
(Curso Popular)

Segunda Parte - Sociedade Mercantil

A. Bogdanoff


Capítulo IV - O Capitalismo Industrial


I - Acumulação primitiva
capa

O capitalismo industrial é a organização da produção em grande escala, baseada no trabalho assalariado. Por conseguinte, para que exista o capitalismo industrial precisam-se duas condições prévias: capitais suficientes e operários livres de toda dependência pessoal, quer dizer, que possam vender seu trabalho e que, ao mesmo tempo, se vejam obrigados a fazê-lo.

Quando um produtor livre possui meios de produção, como acontecia no período do artesanato urbano, trabalha para si e vende seu produto, e não sua força de trabalho. Vê-se obrigado a vender sua força de trabalho quando não tem meios de produção, quando está divorciado deles. E, como é natural, venderá seu trabalho ao único que pode proporcionar-lhe meios de produção, isto é, ao capitalista.

Para poder organizar a produção em grande escala, o capitalista tem de possuir uma quantidade suficiente de meios de produção, ou, o que é o mesmo, na sociedade baseada na troca, suficiente dinheiro para adquiri-los: em uma ou outra forma tem de possuir capital acumulado.

O processo mediante o qual foram criadas estas condições chama-se acumulação primitiva e manifestou- se pelos mais diferentes métodos no transcurso de vários séculos, até que se estabelecesse o capitalismo.

A indústria do artesanato urbano estava organizada de tal maneira que durante muito tempo não foi possível uma acumulação apreciável. No processo da troca entre as aldeias feudais e as cidades mercantis, as diferenças de cultura e, em particular, a pujança das organizações industriais das cidades, conduziram forçosamente à espoliação das aldeias por estas últimas, que compravam os produtos rurais por menos de seu valor. A classe mercantil, que servia de intermediaria na troca, foi a que se tornou a mais interesseira, explorando a ignorância dos camponeses e a prodigalidade dos senhores feudais. Deste modo o trabalho camponês se converteu em capital urbano. Depois de haver explorado os camponeses e os senhores feudais, o capital dos comerciantes e dos agiotas subjugou os artesãos (a forma doméstica da produção proporciona ao pequeno produtor só o suficiente para sustentar sua indústria, enquanto que o trabalho suplementar vai parar às mãos do capitalista mercantil).

Um dos meios mais eficazes de acumulação primitiva foi o comércio com as novas terras descobertas, comércio que tomou a forma de verdadeira espoliação. Com o descobrimento de novas terras, formaram-se nos velhos países da Europa ocidental companhias comerciais que se especializaram na pilhagem dos "povos bárbaros" da América, Asia e Africa. Estas companhias conseguiram direitos monopolizadores de seus governos, os quais lhes concederam a exclusividade do comércio com determinadas colonias. As companhias comerciais gozavam de um poder jurídico e político em grandes extensões de território dos países chamados selvagens. Em tais casos os habitantes destas colonias se viam submetidos a uma desenfreada exploração. Nas relações de troca entre as tribos atrasadas e os representantes dos capitalistas da Europa, estes últimos agiam como uma força militar organizada e dotada de poderosos recursos técnicos. Os habitantes das colonias, que em sua maior parte viviam no período da economia autônoma natural e desconheciam os progressos técnicos da Europa, não puderam opor uma grande resistência e foram inevitavelmente vítimas dos heróis da acumulação primitiva. Não podia, sem dúvida, tratar-se da troca de valores iguais. O que os indígenas recebiam em troca do que se lhes usurpava e ainda do que se lhes comprava regularmente dependia inteiramente da correlação de forças. Como a superioridade da força estava da parte do capital mercantil, a linha divisória entre o comércio e a espoliação era sempre imperceptível. A riqueza usurpada às colonias era remetida para a Europa, onde criava as condições necessárias para o desenvolvimento do capital industrial.

Na história da acumulação primitiva desempenhou um grande papel o descobrimento de ricas jazidas de metais preciosos na América, que impeliram milhares de aventureiros até os novos países.

Outro método de acumulação primitiva foi constituído pelo tráfico de negros. Estes eram exportados da Africa para as Antilhas e para o continente americano. A princípio, o monopólio da transação de escravos foi detido pela Espanha, que mais tarde o cedeu a outras nações "civilizadas" da Europa cristã: Alemanha, França e Inglaterra. Os benefícios obtidos com o negócio de escravos são fáceis de imaginar tendo em conta que os franceses vendiam os negros por um preço dez vezes superior ao que pagavam por eles. Na Inglaterra fortunas enormes se fizeram com este comércio. É sabido, por exemplo, que a importância de Liverpool foi devida, no começo, ao tráfico de escravos, que, no seculo XVIII constituía a principal ocupação de seus habitantes empreendedores.

Recorrendo ao emprego dos escravos negros, os europeus organizaram a produção nas colonias, o que, unido à espoliação dos indígenas, se converteu em um poderoso meio de acumulação do capital. As proporções em que foram explorados estes escravos pode ilustrar-se citando seu número. Assim, nas colonias norte-americanas havia, em 1715. 60.000; em 1754, 250.000, e em 1776, meio milhão.

"O descobrimento das jazidas de ouro e de prata na América, o extermínio das populações indígenas, sua redução à escravidão ou seu sepultamento nas minas, os primeiros passos para a conquista e a espoliação das índias orientais e para a transformação da Africa em um imenso campo de caça de escravos negros, assinalam a aurora da era da produção capitalista. Estes idílicos procedimentos constituem importantíssimos fatores da acumulação primitiva". (Marx).

A poupança direta, a que a economia política burguesa atribui uma importância decisiva no processo da acumulação primitiva, desempenhou, entretanto, um papel insignificante na criação das enormes fortunas que formaram os alicerces do capitalismo industrial. Os economistas burgueses sustentam que estas grandes fortunas foram originadas pelos trabalhos pessoais dos capitalistas e pelas privações a que se submetiam: como eram econômicos, não gastavam tudo o que ganhavam e transmitiam suas economias a seus herdeiros, os quais acrescentavam as suas, etc., etc..

A estupidez de semelhante argumento salta aos olhos, quando se comparam os enormes capitais das empresas industriais com as pequenas economias que o pequeno produtor podia reunir, ainda mesmo em circunstancias as mais favoráveis.

Mas além do capital acumulado era necessário que existisse também uma "acumulação primitiva" de força de trabalho, porque na empresa capitalista a produção é realizada por operários assalariados. Um servo ou um escravo não podem ser operários assalariados: não têm o direito de dispôr livremente de sua força de trabalho, porque esta não lhes pertence, mas a seus proprietários.

Só um trabalhador livre pode dispôr à vontade de sua força de trabalho, quer dizer, vendê-la.

Mas, como já foi dito, um trabalhador livre não venderá sua força de trabalho se tiver meios de subsistência. Se possuísse todos os meios necessários de produção (ferramentas, materiais e local) não se alugaria a outro, mas trabalharia para se. Por conseguinte, o capital industrial necessita de trabalhadores "livres", mas que não possuam meios de produção.

O homem livre de toda dependência pessoal e privado dos meios de produção recebe o nome de proletário.

A emancipação dos servos das relações feudais e sua separação da terra, que se verificou em grande escala em fins da Idade Média e nos começos da época moderna (última etapa do capitalismo mercantil), foi a causa principal da aparição do proletariado.

Esta emancipação se verificou pela fuga em massa dos camponeses para as cidades muito antes daquela ser determinada pela legislação A excessiva exploração dos servos pelos senhores feudais acarretava com grande frequência, como já ficou dito, a ruína dos lares camponeses, e em toda parte a situação dos servos se tornou insuportável. As únicas pessoas que em tais condições permaneciam na aldeia eram as que, pela passividade de seu caráter, podiam submeter-se à crescente opressão do exterior e ao peso da tradição familiar. Os espíritos mais ativos e enérgicos, que desde logo constituíam a minoria, abandonavam a aldeia. Muitos deles se converteram em vagabundos sem lar, e os demais, desejando viver de um trabalho honrado, se incorporaram às cidades.

A emancipação formal dos camponeses não fez mais que facilitar e acelerar a formação do proletariado. Na Inglaterra, onde não se decretou nenhuma lei de emancipação, a servidão reapareceu muito logo, devido em parte à enérgica luta sustentada pelos camponeses e em parte porque o trabalho assalariado realizado por agricultores assalariados ou por trabalhadores livres era mais remunerador. Se um agricultor não pagava a renda, o senhor de terras o expulsava e cedia suas terras a outro. Deste modo as terras passaram para mãos dos agricultores mais acomodados, que se viram privados da terra.

Um dos métodos mais eficazes de deixar sem terra aos camponeses, adotado tanto na Inglaterra como no continente, foi o de cercar as terras comunais. Desejosos de aumentar suas rendas e apoiando-se em direitos formais, mas na realidade na força bruta, os senhores de terras arrebataram aos camponeses a terra cujo uso havia sido comum desde tempos imemoriais. Não é difícil imaginar-se até que ponto a exploração destruiu os lares aos camponeses e contribuiu para converter estes em proletários.

Se o senhor de terras julgava de mais vantagem substituir a agricultura pela criação de gado, não vacilava em expulsar os camponeses de suas terras, reservando estas para pastagens. Assim aconteceu, particularmente na Inglaterra, nos séculos XVI e XVII, quando, devido à grande procura de lã na Holanda, e, mais tarde, ao desenvolvimento da indústria lanifícia na mesma Inglaterra, o preço do artigo subiu consideravelmente. A criação de gado lanígero se converteu em um negócio muito lucrativo e a aristocracia se apressou em converter em pastagens os campos dos agricultores, e a região em que viviam dezenas de milhares de camponeses foi ocupada por milhões de ovelhas.

Em regra geral o processo começou pela limitação dos direitos dos camponeses a usar as terras e os bosques comunais. Isto colocou o camponês em uma situação difícil e o obrigou a ceder seus pertences ao senhor de terras. Mas não foi este, de modo algum, o único método de privar da terra os camponeses. Em muitos casos os senhores de terras os expropriaram sem justificativa alguma. Os lavradores prejudicados não podiam defender-se judicialmente contra os senhores de terras, porque as demandas eram muito onerosas e os tribunais representavam os interesses dos grandes proprietários.

Uma grande parte dos camponeses expropriados foi parar nas cidades e contribuiu para criar o imenso exército do proletariado. A população das aldeias se dissolveu como a cera, enquanto que a das cidades aumentou com assombrosa rapidez.

Outro motivo de incremento do proletariado foi constituído pelo confisco das terras e propriedades da Igreja e das corporações artesãs, o que deixou sem meios de subsistência a grande número de indigentes, até então mantidos por estas instituições. Também contribuiu para isso a necessidade em que se viram os senhores feudais, no período da centralização do poder do Estado, de prescindir de sua numerosa servidão e de suas tropas. Isto foi uma consequência inevitável da transformação operada na psicologia dos senhores feudais pelo desenvolvimento do capitalismo mercantil. Anteriormente, a força dos senhores feudais repousava sobretudo no fato de que tinham numerosos súditos e era natural que se rodeassem de grandes séquitos, tanto mais quanto sob o sistema da economia natural autônoma não havia outro meio de dispor do excedente de produtos dos domínios feudais senão mantendo suas tropas e outros parasitas. Mas quando o dinheiro passou a ser a força principal do senhor feudal, este se desprendeu de seus homens.

Os artesãos arruinados forneceram também ao proletariado um contingente importante, senão pela quantidade, ao menos pela qualidade. Nestes antigos artesãos o capitalismo industrial encontrou trabalhadores já preparados, aos quais podia adaptar imediatamente a seus fins, enquanto que o proletariado que tinha fugido das aldeias, um proletariado formado de vagabundos e mendigos procedentes da classe parasitária feudal, era muito difícil de se preparar para o trabalho. A princípio, o número de artesãos arruinados não era muito grande; mas depois, quando o artesanato deve de competir com a produção capitalista em grande escala, aumentou em proporções enormes.

Por motivos análogos também passaram a fazer parte do proletariado os jornaleiros e os aprendizes das pequenas indústrias artesãs.

Destas diversas maneiras verificou-se a acumulação primitiva da força de trabalho assalariado de que se precisava para o advento e desenvolvimento do capitalismo industrial.

Por outro lado, a produção em grande escala exigia organizadores experimentados, e a esta exigência atendia perfeitamente a classe mercantil. Além do capitalista mercantil possuir a experiência de seu negócio comercial, que, em regra geral, era uma vasta empresa, o futuro capitalista industrial se preparou por outros meios para desempenhar sua nova tarefa.

Como já expusemos, começou por tomar uma participação cada vez maior na direção das pequenas indústrias e de fato acabou por converter-se no principal regulador da produção de grande número de pequenas empresas, mediante o sistema doméstico da produção capitalista.

Surgiram, pois, assim, as condições em que o capitalismo industrial era possível, a saber, a acumulação primitiva do capital e a força de trabalhado assalariado. Portanto, o novo sistema de relações de produção e de distribuição já podia começar seu desenvolvimento histórico.

II - O desenvolvimento da técnica e a produção capitalista em grande escala
a. A extensão da esfera de ação do capitalismo mercantil

Quase desde o início mesmo do sistema do artesanato urbano foi o comércio (a procura de mercados, o transporte de mercadorias, o estabelecimento de depósitos, a organização da compra e da venda, etc.), entre os ramos da indústria, o que mais rapidamente se desenvolveu. Isto explica, como já dissemos, a aparição do capitalismo mercantil, quer dizer, a transferência parcial da função organizadora da indústria para a classe mercantil. O mesmo aconteceu durante todo o período de desenvolvimento do capitalismo mercantil, sendo o resultado que todos os demais ramos da indústria ficaram atrasados cm comparação com os métodos e as necessidades daquele.

Como é natural, a agricultura é que se achava mais atrasada. As condições da técnica agrícola e a história inteira do desenvolvimento econômico da agricultura não permitiam um progresso rápido. Como vimos, as relações feudais em geral se distinguem por seu exagerado conservadorismo, e as do período da servidão se distinguem, além disso, pela tremenda opressão dos trabalhadores, que impede todo desenvolvimento. Por tais motivos, a técnica do transporte e da indústria manufatureira foi a que assumiu a dianteira.

O desejo de encontrar mercados para os produtos das indústrias urbanas levou, como já vimos, a empreender numerosas e prolongadas viagens que deram como resultado o descobrimento de terras até então desconhecidas pelos europeus, e que continham uma riqueza natural incomensurável, a saber: América; uma parte considerável da África; o sudoeste da Asia e centenas de grandes e pequenas ilhas. Depois de sua espoliação, ou simultaneamente com ela, estas novas regiões descobertas foram colonizadas pela população sobejante da Europa e seus recursos naturais foram explorados para fins de produção em parte com trabalhadores livres e em parte com escravos.

Nos novos países descobertos a produção entrou na esfera de ação do capitalismo mercantil. Estes países criaram rapidamente uma procura tão considerável dos produtos da indústria manufatureira, que não podia ser atendida pela produção artesã e pelo capitalismo doméstico, fragmentada tecnicamente em pequenas empresas e incapaz, portanto, de uma rápida expansão. Por outro lado, os grandes recursos concentrados na esfera do comércio permitiam, por si sós, a expansão das indústrias comerciais do transporte de acordo com as exigências do mercado.

Para a indústria comercial, os produtos dos demais ramos da produção constituem matérias primas, de igual modo que para a indústria do calçado os produtos da indústria do couro. Se a indústria da fiação se retardava em seu desenvolvimento em relação à da tecelagem, esta, não recebendo quantidade suficiente de fio, teria de desperdiçar uma parte de sua força de trabalho ou então aumentar a produção da indústria da fiação. Este mesmo problema os capitalistas do período mercantil tiveram de resolver: ou detinham seu próprio desenvolvimento ou se esforçariam por ampliar a indústria manufatureira, para o que os capitalistas possuíam suficientes meios.

b. Origem e essência da manufatura

Em que direção deviam os capitalistas da época mercantil agir para aumentar a produtividade do trabalho na indústria manufatureira?

A situação da técnica industrial era a seguinte: o desenvolvimento da pequena produção pode dizer-se que havia chegado a seu termo: quase todas as indústrias complexas se haviam fragmentado em certo número de pequenos oficios, cada um dos quais produzia artigos de determinada classe, havendo-se criado utensílios tecnicamente mais adequados para esta natureza de produção. A produção não podia passar daí e permanecia dividida em pequenas empresas. Era necessário organizar grandes empresas em que a divisão do trabalho pudesse adquirir maiores proporções, quer dizer, pudesse converter-se, de divisão social, em divisão técnica do trabalho, tendo em consideração que, sob as condições existentes, um maior progresso da divisão do trabalho apresentava as maiores dificuldades.

A produção capitalista doméstica constituiu a ponte natural entre a pequena produção independente e o capitalismo industrial. O artesão ou o camponês, que já haviam perdido uma parte considerável de sua independência e que se achavam na realidade sob a fiscalização do capitalista mercantil e eram explorados por ele, perderam facilmente a pouca independência que lhes restava e se converteram em meros operários na empresa capitalista industrial.

O capitalista mercantil tinha em suas mãos o destino de muitas pequenas empresas, às quais provia de matérias primas (e às vezes de ferramentas) e cujos produtos comprava. Não lhe custava, pois, nenhum trabalho destruir por completo a independência formal destas empresas enquanto assim o exigiram seus interesses. Ao aumentar a procura de produtos o capitalista mercantil quis dar incremento à produção; mas nisto era impedido pela insignificância das empresas que controlava e em particular pela sua independência formal, devido à qual só intervinha de maneira indireta no processo de produção, fixando os preços das matérias primas e dos produtos. O antigo sistema acabou, portanto, por tornar-se obsoleto para o capitalista.

Este, então, reuniu todos os produtores que dependiam dele em uma só fabrica de sua propriedade. Aqui trabalhavam ditos produtores com meios de produção pertencentes ao capitalista, subordinados por completo à sua autoridade. Nisto se assenta a característica principal da empresa capitalista industrial, que a princípio tomou a forma de manufatura. Se examinarmos detidamente esta característica observaremos que ela já existia na oficina artesã da Idade Média, onde os jornaleiros e os aprendizes estavam para com o mestre artesão em igual relação que os operários assalariados para com o capitalista. A diferença consiste nas proporções das empresas e em que o mestre artesão não se limitava às funções diretivas, mas se via obrigado a trabalhar como os demais, enquanto que o capitalista era única e exclusivamente o organizador.

A transição para a nova forma de produção foi vantajosa para o capitalista, não só porque se converteu no organizador direto e dotado de plenos poderes, mas também pela considerável redução obtida no custo de produção, despesas de local, iluminação e ferramentas. A manutenção de uma grande oficina em que trabalham vinte operários custa menos que a de vinte oficinas individuais, e ao menos enquanto não se tenha introduzido ainda a divisão técnica do trabalho, não se precisa, não obstante, um jogo completo de ferramentas para cada operário, como sucede nas oficinas isoladas. O trabalho pode organizar-se facilmente de maneira que uma só e mesma ferramenta é usada por todos os operários, o que apresenta, além do mais, a vantagem de que nenhuma ferramenta permanece inativa. Igualmente se obtém certa economia no material pelo custo menor de sua aquisição em grandes quantidades e pelo aproveitamento dos resíduos acumulados.

Os privilégios de que gozavam os grêmios artesãos constituíram um obstáculo importante para a aparição da manufatura. Como já vimos, os grêmios tinham o monopólio da produção em uma cidade dada e, demais, seus regulamentos limitavam rigorosamente o número dos operários assalariados (jornaleiros e aprendizes) que podiam ser empregados na oficina, número que, em geral, era muito reduzido. Mas os capitalistas industriais dispunham de tais regulamentos de forma a, em parte, se oporem a elas e, em parte, a burlá-las.

Em primeiro lugar, as fábricas costumavam ser estabelecidas em lugares onde não existiam os privilégios dos grêmios, a saber, em cidades recém-formadas, nas em que não se havia estabelecido o sistema gremial, ou nos arredores das cidades, aonde não podiam estender-se as disposições dos grêmios. Por outro lado, os privilégios destes foram diminuindo pouco a pouco, até mesmo nas cidades. A hostilidade dos capitalistas mercantis e industriais para com os grêmios se refletia na política dos governos. Os reis favorecias aos manufatureiros, porque viam neles uma rica fonte de renda para o Estado.

Por este motivo permitiram frequentemente a abertura de fábricas nas mesmas cidades, e destruíram deste modo o monopólio de que gozavam os grêmios para a produção.

Por último, ao desenvolver-se a manufatura, manifestou-se entre os próprios membros dos grêmios certa tendência para converter suas pequenas oficinas em fabricas. Mas para competir com os capitalistas industriais encontravam grandes obstáculos nos regulamentos de suas corporações, que limitavam o número de operários que podiam empregar, e os mestres artesãos mais poderosos fizeram o possível por burlar essas disposições e mesmo por conseguir sua abolição. Quando estes esforços se viram coroados de êxito e o número dos operários das respetivas oficinas aumentou consideravelmente, tornou-se empresa natural e simples passar do artesanato à manufatura.

Em essência, a mesma transformação das formas de produção operada na indústria manufatureira ocorreu na agricultura quando o capitalista, em lugar de explorar o camponês como comerciante ou como agiota, começou a organizar a agricultura em grande escala com auxilio de trabalhadores assalariados em terras arrendadas. Não obstante, isto ocorreu como resultado de circunstâncias especiais, e a divisão do trabalho, característica da manufatura, se desenvolveu então com grande lentidão. Por este motivo teremos que examinar separadamente a agricultura capitalista.

Nas primeiras fases da manufatura, todos os operários da fábrica capitalista são, como antes, verdadeiros artesãos: cada um realiza um trabalho completo, de maneira igual à que fazia anteriormente o pequeno produtor independente. Mas ao desenvolver-se, a manufatura conduz a outra forma da técnica do trabalho manual mais elevada e mais perfeita, quer dizer, à subdivisão do trabalho, à qual se chega por duas maneiras diferentes.

Entre os operários do capitalista, uns demonstram mais perícia que outros em uma ou outra peça. Tarde ou cedo o capitalista chega à conclusão de que lhe seria mais vantajoso constranger a cada operário ao trabalho particular em que mais perícia demonstre. A princípio, cada indivíduo vai executando várias operações complexas: mais adiante, porém, ao aumentar o número de operários, é possível designar para cada um uma operação menor e mais simples. Deste modo a subdivisão do trabalho chega a tal extremo que, na manufatura de agulhas, por exemplo, cada agulha passa pelas mãos de setenta e dois operários.

Neste caso, a subdivisão do trabalho aparece como uma continuação da divisão social do trabalho, como uma nova fragmentação dos processos que antes eram distribuídos entre vários artesãos.

Em outros casos, a subdivisão do trabalho segue outra trajetória. Indústrias há que requerem a participação de vários artesãos, como, por exemplo, a construção de carruagens. Na construção de uma carruagem intervém carpinteiros, marceneiros, ferreiros, ajustadores, tapeceiros, vidraceiros, etc.. O mestre construtor tinha de confiar as diversas peças aos diferentes artesãos, e sua atribuição consistia em montá-las e rematar a tarefa. Para dirigir tal empresa era necessário dispor de grandes recursos. Não é, pois, para estranhar que, com o correr do tempo, o artesão mercantil submetesse aos demais artesãos e começasse a proceder como capitalista mercantil, para converter-se por último em capitalista industrial e reuni-los a todos, em uma fábrica de sua propriedade, como operários assalariados.

Neste caso, o capitalista transfere para sua fábrica uma divisão do trabalho já existente; mas reúne os vários componentes em uma oficina. Ao mesmo tempo, a função de cada artesão é limitada, e o ajustador, o ferreiro, o carpinteiro, etc., se veem obrigados a adstringir-se a operações pertencentes inteiramente à construção de carruagens e a abandonar outras especies de trabalho que realizavam antes.

É assim que a subdivisão dos processos manufatureiros vem a unir-se à divisão do trabalho já existente entre o organizador e o operador, entre o trabalho manual e o trabalho intelectual da manufatura.

O industrial aluga os operários, quer dizer, compra-lhes sua força de trabalho por um período determinado e sob determinadas condições. Proporciona-lhes meios de produção e eles trabalham de conformidade com suas ordens e instruções.

Deste modo, a sujeição dos operários ao industrial é limitada pelas condições do contrato firmado com eles, ao admiti-los.

O industrial organiza a divisão do trabalho e a cooperação na forma e proporções que julga mais vantajosas para seus interesses. Ao fazê-lo, limita-se exclusivamente à função de organizador e não trabalha na oficina, como o artesão. Não só assim é, como também, ao desenvolver-se a empresa capitalista, a função organizadora é deferida, pouco a pouco, a operários assalariados especiais. A princípio, o capitalista se vê obrigado a fazer isto porque o desenvolvimento de seu negócio faz com que lhe seja extremamente difícil, e finalmente impossível, incumbir-se, sozinho, de tudo. Per conseguinte, o capitalista contrata capatazes, escriturários, contadores, administradores, etc.. Com o correr do tempo a única função que se reserva é a do controle supremo das atividades de seus trabalhadores; mas nem ainda aqui, como mais tarde se verá, termina este processo.

Assim, pois, a função organizadora, da mesma forma que a função executora, vai sofrendo na manufatura uma divisão técnica cada vez mais considerável.

A divisão técnica do trabalho, em relação com a cooperação simples entre os operários, se distingue na manufatura desenvolvida por uma forma especial que pode chamar-se o grupo manufatureiro.

Na manufatura de facas, por exemplo, participam fundidores, ferreiros, polidores, afiadores, etc. Ora, é evidente que para o capitalista tem uma grande importância saber em que número deve admitir os respetivos artesãos. Se contrata muitos demais de uma classe, estes perderão muito tempo sem fazer nada, porque os outros não poderão manipular todo o material que se torne necessário proporcionar-lhes. A experiência ensina ao capitalista determinar o número que precisa de cada classe de operários. Assim, por exemplo, descobre que para cada dois fundidores deve ter um ferreiro, três polidores, um afiador e talvez também um capataz. Se o capitalista deseja ampliar sua empresa, não teria cabimento contratar dois ou três operários separados, porque não poderia adaptá-los a seu negócio; teria que contratar todo um grupo como o anteriormente citado: dois fundidores, um ferreiro, três polidores, etc. Entre os grupos manufatureiros individuais de cada fábrica só existe a cooperação simples.

Sob o ponto de vista histórico, a manufatura começou na Inglaterra e na Holanda entre os séculos XV e XVI, e nos demais países muitíssimo depois. Seu termo pode dizer-se que data do período das grandes invenções, em fins do seculo XVIII, na Inglaterra. Em outros países a manufatura começou a ceder o passo à produção mecânica mais tarde, quer dizer, na primeira metade do seculo XIX.

c. O desenvolvimento da produção mecânica

As relações inerentes à sociedade capitalista deram lugar a que o capital se esforçasse continuamente por desenvolver a produtividade do trabalho. No período da manufatura esta tendência esbarrava com os obstáculos criados pelo caráter mesmo da força de trabalho da época. O trabalho continuava sendo manual; a força física do homem desempenhava o principal papel na produção. Como a força humana tem seus limites, a produção do trabalho não podia ultrapassar certo ponto, enquanto que as mãos humanas continuaram sendo a força motriz direta das ferramentas.

A manufatura desenvolveu a produtividade do trabalho, aumentando a divisão deste, fracionando o trabalho complexo em um número cada vez maior de operações isoladas. Ao mesmo tempo foram simplificadas extraordinariamente, as atividades de cada operário, as quais adquiriram um caráter mecânico. A isso precisamente se deve o fato de que, quando a manufatura teve desenvolvido o trabalho manual até o limite extremo, sendo difícil todo novo progresso nesta direção, foi relativamente fácil transferir para a máquina aquelas operações simples. Convertendo o operário em uma máquina, a manufatura havia preparado o caminho para o advento da maquinaria. Quando a expansão do mercado exigiu novos progressos nos meios de produção, e a manufatura não pôde desenvolver-se mais, passou-se do trabalho manual para o trabalho mecânico.

A característica principal da produção mecânica consiste em que as operações diretas da produção obtêm-se, não com a força do homem, mas com a força da natureza. A função do operário fica reduzida a dirigir e a vigiar a máquina.

Como as forças da natureza são ilimitadas, com o progresso do conhecimento científico a produtividade do trabalho mecânico pode aumentar indefinidamente.

A história da maquinaria começa muito antes do período do capitalismo mecânico. Já no período da escravidão clássica, foi inventado o moinho hidráulico, assim como bombas hidráulicas e máquinas escavadoras. Na Idade Média havia moinhos de vento, e no período da manufatura frequentemente se empregavam máquinas para efetuar operações rudes, como a ruptura do mineral, a extração de água das minas, etc., que requeriam um emprego considerável de força mecânica. Não obstante, nesta época a maquinaria desempenhava um papel secundário na produção.

A aplicação da maquinaria na época pré-capitalista não era limitada somente pela falta de conhecimentos técnicos, devido a que se inventavam poucas máquinas e mui imperfeitas: frequentemente, as máquinas inventadas não podiam ser postas em uso simplesmente porque as condições sociais eram desfavoráveis. Assim, por exemplo, o pisão(5), que realizava o trabalho de vinte e quatro homens, foi inventado já no seculo XI; mas até o seculo XV foi proibido seu emprego na Inglaterra, Flandres e França. O mesmo sucedeu com outras máquinas da indústria têxtil, que durante muito tempo esbarravam com a hostilidade geral. A oposição mais ativa que se fazia à maquinaria provinha das organizações dos artesãos, as quais, se bem que em rápida decadência, possuíam entretanto um considerável poder econômico e, portanto, político.

Devido ao desenvolvimento do capitalismo mercantil e industrial, estas antigas organizações perderam seu poder econômico e, com ele, seu poder político e sua autoridade moral. Os comerciantes e os industriais adquiriram o poder predominante na vida econômica e sua atitude para com a maquinaria era totalmente diferente. Para eles, a maquinaria não ameaçava destruir um sistema apreciado e habitual de vida social nem solapar os alicerces materiais de sua existência, como acontecia aos artesãos. A maquinaria prometia lucros e este era um argumento incontestável em seu favor.

Mas mesmo depois que as organizações artesãs passaram à história, a maquinaria teve de vencer ainda uma vigorosa oposição: a dos operários assalariados, que se viam desbancados por ela. Na segunda metade do seculo XVIII inventou-se na Inglaterra uma tosquiadora mecânica, que deixou sem trabalho a 100.000 homens. Isso deu motivo a um verdadeiro motim e a máquina foi destruída. Ainda em 1826, quando já se havia verificado a transição para a produção mecânica, reinava entre as massas grande agitação contra a maquinaria. Mas o proletariado acabou por convencer-se de que não era a máquina desalmada a que os explorava, mas sim o sistema de relações sociais, que os convertia em objeto de exploração.

Deste modo, debilitando, despedaçando e destruindo as forças que se lhe opunham, o desenvolvimento econômico forçou o caminho de sua expansão.

No desenvolvimento do capitalismo mundial, a manufatura constitui uma etapa essencial: é, com efeito, impossível imaginar-se que a produção em grande escala pudesse haver saído diretamente, digamos, da técnica artesã. Não obstante, na historia de alguns países que seguiram o caminho do desenvolvimento capitalista mais tarde que outros, a influência de seu ambiente histórico (a cultura de sociedades arcaicas) lhes permitiu evitar quase por completo a etapa da técnica manufatureira: da pequena produção artesã e agrícola organizada pelo capitalismo mercantil passaram, diretamente, à produção mecânica em grande escala, com todas suas consequências econômicas e sociais.

III - O processo da produção capitalista

A característica essencial do sistema de produção capitalista consiste em que é obtido com o auxílio de operários assalariados, em que o operário vende sua força de trabalho, e em que a força de trabalho é uma mercadoria.

Isto é originado, como já se disse, por duas condições: a primeira, do operário ser livre (não escravo nem servo) e poder vender sua força de trabalho a qualquer pessoa e por qualquer preço; a segunda, de, ao mesmo tempo estar privado dos meios de produção, não tendo, portanto, meios de subsistência, e obrigado a vender sua força de trabalho.

Como mercadoria, a força de trabalho é vendida por um preço definido, e o preço de toda mercadoria é determinado por seu valor. Por conseguinte, o capitalista tem de comprar a força de trabalho por seu valor. Qual é, pois, o valor da força de trabalho? Em conformidade com a definição que demos anteriormente do valor, o valor da força de trabalho será a quantidade de trabalho social necessário para produzir a força de trabalho. Quanto trabalho social se emprega na produção da força de trabalho?

A força de trabalho é o poder de trabalhar, a capacidade de um operário para trabalhar. O operário só pode trabalhar tendo satisfeitas suas necessidades vitais. Se um homem não tem meios de comer, de beber e de vestir-se não pode trabalhar, quer dizer, não possui força de trabalho. Se suas necessidades vitais não estão satisfeitas de todo, sua força de trabalho ver-se-á diminuída.

Por conseguinte, a força de trabalho é produzida pela satisfação das necessidades indispensáveis do operário. Seu valor, portanto, é evidentemente o valor dos meios de vida necessários com que são satisfeitas essas necessidades.

Em um dia, um operário consome certa quantidade de pão e de carne, gasta certa quantidade de roupas, etc. A quantidade de trabalho necessária para provê-lo de todas essas coisas é o valor social da força de trabalho. Como já dissemos, a unidade de trabalho é representada por uma hora de trabalho simples de intensidade média. Se, pois, o valor das necessidades diárias de um operário equivale a cinco horas, o valor da força de trabalho será de cinco horas. O preço da força de trabalho deverá ajustar-se por termo médio a este valor, quer dizer, os operários deverão receber em forma de salários uma quantidade de dinheiro cuja produção equivalha a cinco horas de trabalho simples de intensidade média. Suponhamos que esta quantidade é de dois shillings e meio: então o preço da força de trabalho oscilará ao redor de dois shillings e meio.

Não deve crer-se que as necessidades indispensáveis do operário que determinam o valor da força de trabalho são constituídas unicamente pelas necessidades fundamentais naturais, mas também pelas necessidades artificiais, às que o operário se habituou e das quais não pode prescindir. Se o operário está acostumado a fumar, a ler jornais e a ir ao teatro, o valor dos cigarros, dos jornais e dos espetáculos teatrais entrará a fazer parte do valor da força de trabalho, pois se não satisfizer estas necessidades sua força de trabalho não alcançará o nível normal.

A necessidade de perpetuar sua classe é uma das necessidades fundamentais do operário, tanto quanto da indústria, porque a continuação da indústria exige que uma geração de operários seja seguida de outra. Por isso o valor da manutenção de uma família também é computado no valor da força de trabalho.

Na prática, o preço que no mercado recebe a força de trabalho nem sempre se ajusta exatamente a seu valor: às vezes é superior e outras inferior a este. Mas como acontece com todas as mercadorias, a concorrência tende a manter os preços de acordo com o valor social.

Se o preço desce abaixo do nível normal, se as necessidades do operário não são plenamente satisfeitas, seu trabalho sofre depreciação e desce também abaixo do nível normal, ou então o operário se nega a trabalhar a esse preço, casos, ambos, em que a oferta de força de trabalho diminui em relação com a procura, e o preço sobe. Geralmente, em circunstâncias normais ao capitalista convém muito mais não pagar menos do valor da força de trabalho, com o fim de obter uma atividade de primeira ordem e dirigir pacificamente sua indústria. Tão pouco, sem dúvida, lhe convém pagar acima do valor: mas em regra geral não tem necessidade de fazê-lo, porque sua posição no mercado costuma ser mais vantajosa que a do vendedor de força de trabalho. Este vende sua força de trabalho porque não tem outro meio de subsistência, enquanto que o industrial, na maioria dos casos, não se vê obrigado a admitir um operário determinado: há muitos outros entre os quais se pode escolher, e, onde o capital se desenvolveu por completo, a quantidade de força de trabalho disponível no mercado é, quase sempre, maior que a necessitada imediatamente pelos industriais(6).

O salário proporciona ao operário os meios de vida; mas esta não é a finalidade que o capitalista visa: o que lhe interessa é obter um lucro com o produto de seu trabalho. Para compreender a origem deste lucro é mister explicar o valor da mercadoria produzida pelo operário e as partes de que se compõe. Como o valor de uma mercadoria é determinado por seu valor de trabalho, é pois, necessário começar por este valor.

O valor social de uma mercadoria é a soma de tempo de trabalho social empregado em sua produção. É evidente que o valor de um produto acabado contém uma sucessão de gastos de tempo de trabalho, desde o desenvolvido para obter as matérias primas da natureza até a do transporte do produto acabado, do lugar de sua produção ao de seu consumo. Para compreendê-lo melhor examinemos um exemplo concreto, chamando, para abreviar, uma hora à quantidade de tempo de trabalho, e entendendo por tal uma hora de trabalho simples de intensidade média.

Um operário fabrica dois fuzis. É evidente que no valor de um fuzil está compreendido, primeiramente, o valor dos materiais com que se constrói: ferro, cobre, madeira, verniz, etc. Suponhamos que o valor de tudo isto equivale a cem horas. Além disso, os fuzis são fabricados com o auxílio de ferramentas, verrumas de vários calibres, martelos, serras, limas, etc. Entretanto, o valor dessas ferramentas não contribui integralmente para formar o valor do fuzil, porque com elas pode fazer-se mais de um; mas se supomos que podem servir para fabricar cem fuzis, a centésima parte de seu valor será a que se acrescenta ao valor do fuzil ou a décima parte, se só servirem para dez; em suma, a parte correspondente ao desgaste das ferramentas no processo de fabricação do artigo. Se o valor da verruma é de cinquenta mil horas e pode durar para cinco mil fuzis, a parte de seu valor que virá incorporar-se ao valor do fuzil equivalerá a dez horas. Se o valor da oficina equivale a um milhão de horas e pode servir para a produção de cem fim fuzis, serão cinco horas de seu valor as que se acrescentam ao valor do fuzil, etc. Suponhamos que o valor do desgaste das ferramentas na produção do fuzil seja de quatrocentas horas, o qual, unido ao valor das matérias primas, forma um total de quinhentas horas.

Ora; como o operário intervem na fabricação do fuzil, seu trabalho "vivo" (em oposição ao trabalho "morto", personificado nas ferramentas e nas matérias primas) entra na formação do valor social do produto. Claro está que, segundo o princípio da divisão do trabalho, o fuzil não é fabricado por um só operário, mas, por muitos; mas isto em nada modifica a questão: o de que unicamente necessitamos é calcular a soma de trabalho vivo. Suponhamos que esta equivale a duzentas unidades de trabalho, quer dizer, duzentas e cinquenta horas. O valor do fuzil será, portanto, setecentas e cinquenta horas.

O preço usual deste fuzil, de conformidade com as leis da troca, corresponderá a uma soma de dinheiro cujo "custo" seja setecentas e cinquenta horas: ou sejam, dezoito libras e quinze shillings. Em casos especiais, o capitalista poderá vendê-lo mais caro ou mais barato; mas o preço do mercado tenderá a manter-se ao nível de seu valor, que provavelmente será mantido. Para nosso raciocínio, suponhamos que o trabalho do operário é o trabalho simples de intensidade média e que uma hora do mesmo equivale, digamos, a meio shilling.

O capitalista compra força de trabalho a dois shillings e meio por dia, de acordo com seu valor, que equivale a cinco "horas". Se o gasto diário de força de trabalho do operário só produzisse também cinco libras, quanto receberia o capitalista?

Tinha gasto no fuzil: por materiais e ferramentas, doze libras e dez shillings (equivalentes a quinhentas horas); a força de trabalho, que teve de comprar por cinquenta dias de cinco horas diárias, duzentas e cinquenta horas, ou sejam seis libras e cinco shillings; total, dezoito libras e quinze shillings. Pois bem; vende-se o fuzil por dezoito libras e quinze shillings porque seu valor é de setecentas e cinquenta horas. Portanto, o capitalista não perde nem ganha e desta maneira não pode manter seu negócio.

A razão é que o operário gasta no dia o mesmo tempo que se necessita para produzir sua força de trabalho: cinco horas. Assim, recebe dois shillings e meio do capitalista e acrescenta dois shillings e meio ao valor do produto. O trabalho vivo do operário não cria lucro. O trabalho morto, por sua vez, não pode produzir lucro algum: as quinhentas horas que foram gastas nas ferramentas e nas matérias primas continuam sendo quinhentas horas; a força de trabalho gasta em sua produção passa para o produto, mas não se modifica, e as doze libras e dez shillings, que o capitalista teve de pagar por aquelas, ficam integrando o valor do produto.

Mas o capitalista comprou o trabalho de um operário e tem o direito de dispôr dele como melhor lhe pareça. Seu objetivo é obter o máximo lucro possível. Pois bem; como a força de trabalho de um operário pode ser utilizada durante dez, doze e até quinze horas diárias, o capitalista obriga o operário a trabalhar, não cinco, mas, digamos, dez horas por dia. O operário se submete a isso porque vendeu sua força de trabalho e aquele que a comprou tem legalmente o direito de dispor dela como julgar conveniente. Assim, a produção de fuzis não exigirá cinquenta dias de trabalho, mas vinte e cinco (vinte e cinco dias, a dez horas diárias, duzentas e cinquenta horas).

O capitalista gasta doze libras e dez shillings com os meios de produção, e três libras e dois shillings (vinte e cinco dias a dois shillings e meio) com a força de trabalho: total, quinze libras e doze shillings e meio. Como o valor de um fuzil é de dezoito libras e quinze shillings, o resultado é um lucro de três libras e dois shillings e meio.

Este lucro é originado da seguinte maneira: o produto de um dia de força de trabalho custa cinco horas e seu valor é, portanto, de cinco horas; mas, no entanto, o operário trabalha dez horas. Enquanto recebe um salário de dois shillings e meio diários, seu trabalho cria durante o dia um valor equivalente a cinco shillings. As três libras e dois shillings e meio que o capitalista pagou pela força de trabalho, representam cento e vinte e quatro horas, e o total de força de trabalho vivo gasto representa, realmente, duzentas e cinquenta horas. O operário, não só reproduziu os valores consumidos na criação de sua própria força de trabalho, como também criou um valor adicional de cento e vinte e cinco horas à razão de cinco horas diárias. Este novo valor se chama "mais-valia" e é a fonte do lucro do capitalista.

As primeiras cinco horas do gasto diário de força de trabalho do operário constituem o que se chama tempo de trabalho necessário, quer dizer, o tempo durante o qual o operário reproduz o valor de sua força de trabalho. As horas restantes constituem o tempo de trabalho suplementar quer dizer, o tempo empregado no trabalho suplementar.

Assim, ainda que a força de trabalho seja uma mercadoria, possui uma qualidade peculiar: seu consumo cria valores consideravelmente maiores que o seu próprio. Todo o objetivo e a finalidade da produção consiste, para o capitalista, em conseguir, aplicando a força de trabalho de operários assalariados a certos valores de sua propriedade, personificados nos meios de produção, um valor suplementar que, à venda do produto, revista a forma monetária do valor. Para o capitalista, seu capital é um "valor que se aumenta a si mesmo".

No exemplo anterior, o capitalista invertia em seu negócio um capital de quinze libras e dez shillings, correspondentes a seiscentas e vinte cinco horas de "trabalho morto". Destas, as quinhentas horas contidas nas ferramentas e matérias primas integravam o valor do produto sem sofrer alteração: eram "conservadas" no processo de produção; mas não tomavam parte na criação da mais-valia. Isto é o que se chama "parte constante do capital" ou, abreviadamente, capital constante. As cento e vinte e cinco horas restantes, que representam o valor da força de trabalho comprada pelo capitalista, possuem uma qualidade mui diferente: não são simplesmente "conservadas" no processo do trabalho, no processo de seu consumo pelo capitalista, mas acrescem duzentas e cinquenta horas de trabalho "vivo" ao valor total do produto, o qual deste modo sofre uma alteração quantitativa, posto que consegue um aumento de cento e vinte e cinco horas de valor suplementar, ou mais-valia. Esta é a "parte variável do capital", ou capital variável.

Assim, pois, só é o capital variável, com o qual se compra a força de trabalho, o que cria realmente a mais-valia. O capital constante, quer dizer, os meios de produção, não possui esta qualidade.

A relação da mais-valia com o capital variável, ou, o que é o mesmo, a relação do tempo de trabalho suplementar com o tempo de trabalho necessário, chama-se taxa da mais-valia. No exemplo citado anteriormente, o gasto diário de dois shillings e meio de capital variável é acompanhado de um gasto de cinco horas de trabalho suplementar, que representa também dois shillings e meio. Portanto, a taxa da mais-valia é, neste caso, de cem por cento. É evidente que a taxa da mais-valia pode servir como medida do lucro que o capitalista obtém da força de trabalho que compra, como medida da exploração. Por este motivo, seria exato também chamar-lhe "taxa de exploração".

A essência da produção capitalista consiste em que a força de trabalho, transformada em mercadoria e adquirida pelo capitalista com o auxílio de seu capital variável, é consumida na produção, e durante seu consumo reproduz seu próprio valor e cria um valor suplementar, que é a fonte do "lucro" da classe capitalista.

Entre os economistas tem prevalecido a opinião de que os lucros da classe capitalista não são criados na produção, mas na troca; de que os lucros provêm de vender as mercadorias acima de seu valor. Assim, por exemplo, uma mercadoria cujo valor é de cem horas, e cujo preço (de acordo com o valor) é duas libras e dez shillings, é trocada por outra mercadoria de um valor de cento e dez horas e do preço de duas libras e dez shillings, obtendo-se assim um lucro de cinco shillings. O certo é que deste modo só podem enriquecer-se os indivíduos: os lucros da classe capitalista não podem explicar-se desta maneira. Se o primeiro capitalista recebeu uma mercadoria que valia duas libras e dez shillings em troca de outra que valia duas libras e dez shillings, o segundo capitalista recebeu uma mercadoria que valia duas libras e dez shillings em troca de uma que valia duas libras e quinze shillings, sofrendo, portanto, um prejuízo. Considerados conjuntamente, não houve prejuízo nem lucro. Antes que a troca se efetuasse, o valor das mercadorias que ambos possuíam era de cinco libras e dois shillings, e, depois da troca, este valor continuava sendo o mesmo, com a única diferença de que um tinha mais e outro menos. Ainda admitindo que cada vendedor explora o comprador, temos de considerar que o vendedor se converte também em comprador e, portanto, é por sua vez explorado.

Se não houvesse outra fonte de lucros senão a troca, a classe capitalista não poderia existir.

IV - A circulação do dinheiro

O principal e quase exclusivo método de distribuição na sociedade capitalista é a troca, quer dizer, a distribuição desorganizada do mercado. No processo da troca, todas as classes sociais e membros de cada classe recebem sua parte do produto social. A distribuição social direta costuma conservar-se dentro da família.

O progresso da circulação do dinheiro corresponde a um desenvolvimento considerável da troca. Na produção capitalista o dinheiro é uma força motriz essencial: sem ele é impossível o capitalismo. Por meio do dinheiro o capitalista consegue os meios de produção e a força de trabalho. Quando, mediante a mutua colaboração dos elementos de produção, se obtém um produto, o capitalista torna a vender este por dinheiro. Com parte deste dinheiro compra mais força de trabalho, ferramentas e matérias primas e a nova mercadoria é por sua vez vendida. Posteriormente, a mercadoria passa de mão em mão até chegar ao consumidor e tudo isto acontece, igualmente, com o auxílio do dinheiro.

Assim, pois, para o processo normal do capitalismo é de máxima importância que o dinheiro circule perfeitamente e sem obstáculos, e que a oferta dele se ajuste à procura. Como se consegue isto?

Como já demonstramos, o dinheiro, ou forma monetária do valor, pode ser guardado por tempo indefinido e acumulado em quantidades ilimitadas. Isto dá origem ao desejo de guardá-lo e acumulá-lo. O resultado é que a soma total de dinheiro em um país, sob o sistema da troca, excede quase sempre à soma imediatamente necessária à circulação. A totalidade do excedente fica fora do meio circulante, nos bolsos ou nos cofres de seus proprietários, e constitui um tesouro monetário.

Graças à existência deste tesouro a oferta de dinheiro pode, fácil e rapidamente, em condições ordinárias, ajustar-se à procura.

A procura de dinheiro é determinada pela combinação de circunstâncias da troca e do crédito. Como já vimos, a extensão desta procura em um período dado se determina acrescentando à soma dos preços das mercadorias vendidas no mercado a soma dos pagamentos a prazo realizados durante o mesmo período, menos aqueles que se eliminam entre si, e dividindo o resultado pela média das rotações efetuadas pelo dinheiro. Por conseguinte, a oscilação do dinheiro depende, ou de uma alteração na quantidade e nos preços dos artigos do mercado e de uma modificação na extensão e na técnica do crédito, ou de uma alteração na rapidez da circulação do dinheiro.

Suponhamos que durante uma semana a soma total dos preços das mercadorias vendidas no mercado se eleva a cem mil libras, a soma dos pagamentos a prazo, menos aqueles que se eliminam entre si, a cinquenta mil libras, e que o número de rotações é um. Em tal caso, a quantidade de moeda necessitada será cinquenta mil libras. Durante a semana seguinte, devido a um aumento na quantidade ou nos preços das mercadorias, a soma total dos preços equivale a cento e cinquenta mil libras, continuando o mais o mesmo. As cinquenta mil libras a mais têm de ser tiradas do dinheiro "entesourado", pois, do contrário, as mercadorias não poderão ser adquiridas. A oferta de dinheiro aumentou, por conseguinte, em cinquenta mil libras e o tesouro ficou reduzido da mesma quantidade. Ao inverso, se a soma dos preços não houvesse aumentado, mas diminuído, essa parte do dinheiro, em lugar de ser utilizada para o pagamento de mercadorias, teria passado aos bolsos de seus proprietários, aumentando, assim, o tesouro.

O mesmo ocorre no caso de aumento ou de diminuição da soma dos pagamentos pospostos. A este respeito, a técnica do crédito desempenha um importante papel. Com o desenvolvimento das instituições financeiras chega a estabelecer-se uma "girocirculação", que em essência consiste no seguinte: as empresas individuais guardam o dinheiro nos bancos, em contas correntes, fazendo os bancos, neste caso, de caixas de ditas empresas. Suponhamos que Pedro, que tem conta corrente em determinado banco, tem de pagar certa quantia a João, o qual tem conta corrente no mesmo banco. Para fazê-lo, Pedro envia uma ordem ao banco (isto é, um cheque) para que este transfira essa quantia de sua conta à de João. Deste modo, Pedro liquida sua conta com João sem fazer uso do dinheiro. Mas como as várias pessoas podem ter o dinheiro em diferentes bancos, estabeleceram-se instituições especiais, chamadas Caixas de Liquidação, que se encarregam de saldar as contas entre os bancos. A Caixa de Liquidação confronta a soma de dinheiro que um banco tem de pagar com a que tem de receber e unicamente se liquida, de fato, a diferença. Se não houvesse instituições de crédito para confrontar e estornar as dívidas das diferentes empresas, o mercado do crédito exigiria uma quantidade de dinheiro muitíssimo maior.

Suponhamos agora que com uma soma constante de preços, equivalente a cem mil libras, e uma soma constante de pagamentos a prazo, equivalente a cinquenta mil libras o número das rotações aumenta de um para dois. Em tal caso as mercadorias e o dinheiro circulam com mais rapidez e o mercado pode fazer uso da mesma quantidade de dinheiro, não uma vez, mas duas. Por exemplo, um capitalista pode comprar com cem libras meios de produção; recupera, depois, este dinheiro pela venda de suas mercadorias e torna a comprar novos meios de produção: quer dizer que ao comprar mercadorias no valor de duzentas libras só emprega, efetivamente, cem libras. Por conseguinte, o mercado monetário necessita de setenta e cinco mil libras, em vez de cento e cinquenta mil, e as setenta e cinco mil restantes ficam nos bolsos dos proprietários e vão aumentar o tesouro. Com a redução na rapidez da mercadoria-dinheiro, a circulação toma uma direção oposta e uma parte do tesouro entra no meio circulante.

Assim, pois, no curso normal dos negócios, a oferta de dinheiro se ajusta sempre à procura. O tesouro constitui uma reserva da qual aflui dinheiro ao campo da circulação em caso de necessidade e que vem a aumentar, no caso contrário de que haja excesso de dinheiro no mercado.

Com o desenvolvimento da sociedade capitalista a soma de dinheiro em circulação no mercado aumentou com muito maior rapidez que a do tesouro; mas também este teve de aumentar, pois do contrário teria sido incapaz, com o tempo, de regular o imenso mercado monetário e suas oscilações. A produção de dinheiro tinha de aumentar forçosamente, e, com efeito, os primeiros passos do capitalismo na Europa foram assinalados pela extraordinária importação de metais preciosos dos países recém-descobertos, em particular da América. A importância da afluência de dinheiro diminuiu, não obstante, até certo ponto, pelo fato de que seu valor, e, por conseguinte, sua capacidade aquisitiva, diminuiu em comparação com a Idade Média. Isto foi determinado, por sua vez, pela maior facilidade com que se obtinha o metal-moeda, pois a quantidade de força de trabalho social representada por uma soma dada de dinheiro era consideravelmente menor.

Não se limitaram as coisas à introdução de grandes massas de metais preciosos na circulação. A procura de dinheiro aumentou com tal rapidez que, com o tempo, gerou a necessidade de estabelecer, junto ao metal-moeda, as chamadas notas de banco(7).

A característica especial da nota de banco, que desempenha, tanto como o metal-moeda, a função de meio de troca, salta à vista considerando a maneira como apareceu.

A Idade Média se distinguia pela diversidade de cunhagem das moedas. Quase todos os senhores feudais cunhavam moeda a seu modo. Isto levou a uma extraordinária confusão na circulação monetária e havia muitíssimas pessoas que não conheciam o valor das diferentes moedas. A determinação e denominação dês- te valor acabou por converter-se na função de peritos na matéria, os "banqueiros" medievais, cuja principal ocupação consistia na troca das diferentes moedas.

Os comerciantes levavam o dinheiro a esses "banqueiros" e o trocavam, para atender as suas necessidades, ou o deixavam nos bancos, para sua guarda. Neste último caso os banqueiros exprimiam as somas a eles confiadas em uma só unidade monetária e as registavam no nome do depositante. Cada novo depósito, ou retirada, era anotado na conta do depositante, o qual pagava ao banqueiro determinada quantia por servir-lhe de caixa.

Estes bancos apareceram primeiramente nas cidades mercantis da Itália. A princípio, o comerciante que desejava pagar a seus credores tinha de provar sua identidade no banco para retirar a soma de que necessitava. Se o credor tinha conta no mesmo banco, o devedor solicitava que se lhe transferisse a importância necessária. Com o tempo, entretanto, esta operação foi se simplificando. Os banqueiros começaram por entregar a seus clientes recibos especiais de deposito, certificando a entrada, no banco, de determinadas importâncias. Quando o depositante desejava pagar a seus credores, escrevia simplesmente uma ordem para que se abonasse a importância necessária contra o recibo do banqueiro, com o qual o credor podia receber dinheiro deste em qualquer momento. Quando os banqueiros desfrutavam da confiança dos comerciantes, as pessoas que recebiam estas ordens ou cheques não se apressavam em trocá-las no banco por metal-moeda, mas guardavam-nas ou as punham em circulação.

Os banqueiros começaram a observar que uma parte considerável dos recibos de depósito por eles emitidos não era apresentada para trocar, e que certa parte do dinheiro que tinha sob sua guarda permanecia intacta. Isto os induziu, a par dos recibos que emitiam aos depositantes em exata correspondência com as importâncias depositadas, a emitir outros recibos não lastreados por metal-moeda. A experiência ensinou aos banqueiros que parte dos documentos por eles emitidos não era apresentada para cobrança e, de acordo com isto, puderam determinar a soma total de bilhetes de crédito, não garantidos por metal-moeda, que podiam emitir sem correr o perigo de ver-se na impossibilidade de resgatá-los ao lhes serem apresentados.

Esta operação recebeu o nome de emissões bancárias e as garantias monetárias que emitiam, foram chamadas notas de banco.

Com o desenvolvimento do capitalismo os bancos de emissão adquiriram uma importância enorme em todos os países adiantados. Paralelamente ao desenvolvimento da troca, aumentou a procura de bilhetes, os quais foram emitidos em quantidade pelos bancos de emissão. Isto fez diminuir a necessidade de metal-moeda e dispensou o sistema capitalista da massa de trabalho social, que teria sido necessária para obter os metais preciosos, se não houvesse empregado as notas de banco.

Atualmente, os bancos de emissão estão em poder do Estado ou de companhias privadas. No último caso se acham submetidas a rigoroso controle do Estado e têm um caráter semioficial.

A quantidade de papel-moeda, como vimos, é determinada por leis econômicas. Sua emissão em excesso produz uma superfluidade de moeda no país. Se se tratasse de uma superfluidade de moeda metálica seria retirada da circulação e passaria a integrar o erário, ficando só em circulação a quantidade necessária para a troca. Onde existe moeda-metálica e notas, toda a gente prefere desde, logo ter um "tesouro", não de notas, mas de ouro. Por este motivo toda emissão excessiva de papel-moeda faz com que aumente a procura de sua troca por ouro. Em tal caso, o banco pode encontrar-se em uma situação difícil e chegar até mesmo à falência. Com o fim de evitar isto, o Estado regula as operações dos bancos de emissão, atendo-se às normas rigorosamente estabelecidas pela legislação do país.

Apesar da limitação legal das emissões bancárias o Estado emprega muitas vezes os bancos de emissão para seus próprios fins. Neste ponto se deixa guiar não pelas necessidades da circulação, mas pelas exigências de seu erário. A emissão de papel-moeda pelo Estado equivale a um empréstimo sem juros. O Estado imprime apólices e com elas paga serviços prestados ao Governo. Os governos costumam recorrer a este método quando se acham necessitados de dinheiro e a renda ordinária proveniente da tributação é insuficiente, como acontece em caso de guerra, revolução, etc. Mas a emissão excessiva de papel-moeda pelos governos cria a situação descrita anteriormente. O número de notas apresentadas para a troca por ouro aumenta e o governo tem de decretar a cessação de sua conversão.

O governo obriga por meio da lei aos cidadãos a aceitar o "papel-moeda" inconversível e, por sua vez, o aceita em pagamento de impostos, etc. Em tais circunstâncias a circulação de notas se converte em circulação de papel-moeda. Esta substituição da moeda-papel conversível em papel-moeda inconversível verificou-se em quase todos os países beligerantes durante a guerra europeia.

O ouro não circula em simultaneidade com o papel-moeda inconversível: ou passa para o tesouro ou é enviado para o estrangeiro em pagamento de mercadorias importadas. Somente o papel-moeda é que permanece no campo da circulação interna. No estrangeiro não é aceito e, como tesouro, não oferece nenhuma garantia. O resultado é que a quantidade de papel-moeda excede às necessidades da circulação e tem de desempenhar a mesma função que antes desempenhava uma quantidade muito menor de papel-moeda. Isto conduz à sua depreciação e a uma correlativa elevação do preço das mercadorias.

Se a moeda metálica continua em circulação juntamente com o papel-moeda, a primeira tem um valor superior ao segundo . Então se estabelece um ágio para a moeda metálica, quer dizer, acrescenta-se certa proporção a cada unidade de moeda-metálica, ou, ao inverso, se faz certa dedução do valor nominal do papel-moeda ao trocá-lo por ouro.

A relação entre o valor do papel-moeda e o equivalente em metal, chama-se cotação de cambio. Dentro de um país dado não existe oscilação na cotação de cambio do papel-moeda como no mercado exterior, as oscilações são bitoladas por limites muito estreitos. No comércio internacional liquida-se o importe das mercadorias, não com metal-moeda, mas por meio de cambiais, documento de crédito que toma uma forma especial. Suponhamos que um comerciante espanhol, A, remete um carregamento de trigo a um comerciante inglês, C, e que um industrial inglês, D, vende maquinaria pelo mesmo valor que o trigo a um industrial espanhol. B. Este, então, compra de A sua letra contra o inglês C e a envia ao inglês D, o qual liquida sua conta com ela. Deste modo não há necessidade de mandar dinheiro algum e evita-se o risco que correria sua dupla remessa. As cambiais desempenham o mesmo papel e são consideradas no mercado internacional como obrigações do pais que as emite. Se a soma que um país dado tem de pagar a outro durante determinado período de tempo (por mercadorias ou juros de um empréstimo) é maior que a que o último tem de pagar ao primeiro, forma-se no mercado internacional um excedente de cambiais do primeiro país. Isto leva a um aumento de sua oferta no mercado internacional, e, como sua procura é pequena, começam a depreciar-se, se bem que esta depreciação não passa de certos limites.

Suponhamos que na Alemanha se acumulasse um excedente de documentos de crédito russos que excedesse à soma de que a Alemanha necessitava para atender a suas obrigações para com a Rússia. Em tal caso haveria escassa procura para os documentos de crédito russos e ninguém daria por eles seu valor nominal (duzentos e dezesseis marcos por cem rublos, antes da guerra). Então a cotação do rublo baixaria de tal modo que o possuidor de documentos de crédito russos preferiria não trocá-los e mandá-los a São Petersburgo, para trocá-los por rubros-ouro, os quais conservavam sempre a mesma equivalência com os marcos-ouro da Alemanha. A remessa do ouro russo para Berlim, mais a embalagem e o seguro, custava, naquela época, oitenta e um kopeks por cada cem rublos. Deduzindo 0,81% do valor normal do rublo obter-se-á o limite abaixo do qual não podia descer a cotação dos documentos de crédito russos em Berlim . Por haver insuficiência de documentos de crédito russos na Alemanha, a cotação seria favorável à Rússia; mas não poderia elevar-se mais de 0,81% sobre a cotação normal do cambio. Assim, a flutuação da cotação de cambio das cambiais russas na Alemanha antes da guerra pode fixar-se em 1,62%, contando a alta e a baixa. Pelo exemplo anterior compreender-se-á que as flutuações da cotação de cambio dependem da distância entre os países.

Pois bem; com o papel-moeda inconversível não acontece o mesmo. A baixa em sua cotação de cambio não é limitada de modo algum. Esta pode descer como resultado das causas econômicas anteriormente citadas e igualmente de razões políticas, pois, por exemplo, a falta de confiança no governo que o emite pode motivar uma baixa considerável de sua cotação. Esta baixa, como é natural, origina uma alta nos preços de todas as mercadorias dentro do país, e vice-versa. Mas estas alterações na cotação do cambio não produzem imediatamente uma oscilação nos preços. Os preços mais afetados são os das mercadorias fabricadas principalmente para exportação e os das importadas do estrangeiro. Isto se deve a que a cotação de cambio do papel-moeda é determinada sobretudo no mercado exterior: no mercado monetário interno não pode ser determinada com exatidão porque o metal-moeda, que estabelece a cotação de cambio do papel-moeda, circula apenas nele. Os preços das mercadorias produzidas principalmente para o mercado interno e só em parte importadas ou exportadas, flutuam menos, e os últimos em sofrer alteração são os preços das mercadorias produzidas em sua totalidade para o consumo interno. Entre estas últimas deve incluir-se a força de trabalho. Por este motivo a baixa da cotação de cambio é desvantajosa para a classe operária porque os preços dos artigos de primeira necessidade sobem com mais rapidez que os salários e os capitalistas não se apressam nunca a subir os salários de acordo com a elevação do custo da vida.

A moeda inconversível, é, portanto, uma medida muito instável de valor. É em extremo prejudicial para o sistema da troca porque com ela é impossível o cálculo comercial. Comerciar com uma libra esterlina que varia continuamente de valor é como querer medir com um metro cuja extensão varie a cada momento.

A fim de evitar estas situações anormais todos os países que têm papel-moeda se têm esforçado no sentido de restabelecer a moeda metálica para ter uma unidade monetária mais estável. Em vésperas da guerra mundial todas as potências beligerantes possuíam um sistema monetário estável baseado no ouro. A circulação da moeda-papel era em todos eles normal. A guerra motivou em todos estes países a interrupção da troca de moeda-papel e, portanto, a introdução do papel-moeda. A emissão de papel-moeda atingiu em toda parte proporções enormes, superando em trinta e quarenta vezes os algarismos de ante-guerra. O estabelecimento do papel-moeda originou a depreciação monetária e foi uma das principais causas da grande elevação que sofreram os preços nos países beligerantes.

V - A distribuição do produto social entre as diversas classes do sistema capitalista
a) Lucros

Desde o aparecimento da classe social dos comerciantes, o termo "lucro" foi empregado para exprimir a participação destes no produto social, enquanto que o termo "economias" exprimia a dos artesãos. A diferença entre os dois termos demonstra claramente que de conformidade com o critério predominante naquela época. a receita do artesão constituía o resultado direto de seu trabalho, enquanto que o comerciante não produzia nada, eis que o produto saía de suas mãos na mesma forma em que o havia recebido. O trabalho do artesão, ao contrário, transformava evidentemente os materiais, criava um novo produto. Esta opinião, baseada nas simples aparências, obedece a um raciocínio errôneo. Um produto não pode considerar-se terminado se não pode ser consumido no lugar de sua produção: seu transporte de um lugar a outro, ou de uma a outra empresa, constitui a operação final necessária da "produção". Neste sentido, o trabalho do comerciante não é nada diferente do que o artesão realiza, e toda vez que seu lucro é determinado pelo gasto socialmente útil de sua força de trabalho, equivale a um verdadeiro estipendio.

A verdade, entretanto, é que a receita do comerciante não era constituída unicamente, em regra geral, pelos lucros mercantis: desde o início o comerciante atua como capitalista mercantil. Submete o pequeno produtor a seu domínio e o lucro que obtém não depende da quantidade de trabalho socialmente útil que realiza, mas da quantia de seu capital e da extensão de seu poderio sobre, o produtor. Assim, pois, a maior parte de seus lucros não se origina de simples economias, e quanto mais aqueles aumentam mais absorvem as economias reais do comércio e mais insignificantes se tornam estas ao seu lado.

O mesmo pode dizer-se do capitalista industrial. Os lucros que este obtém não correspondem de modo algum à quantidade de trabalho que emprega em suas atividades organizadoras. Antes ao contrário, quanto mais se desenvolve seu negócio mais transfere esta função aos operários assalariados, reduzindo sua participação no trabalho organizativo, ao mesmo tempo que seus lucros aumentam.

Neste sentido, o costume de considerar os lucros do capitalista como coisa diferente das economias se ajusta perfeitamente aos fatos.

Já explicamos anteriormente a origem dos lucros industriais, que se devem à mais-valia, quer dizer, ao valor suplementar criado pelos operários assalariados. Os lucros do capital mercantil no sistema capitalista doméstico são também o resultado do trabalho suplementar de pequenos produtores aparentemente independentes. A diferença entre ambos é insignificante e ainda diminui à medida que o capitalismo mercantil se transforma em capitalismo industrial.

Ao estudar a questão dos lucros do capitalista deve ter-se em conta sobretudo que a taxa da mais-valia está muito longe de ser uma medida suficiente dos lucros. A taxa da mais-valia explica somente um aspeto da questão, a saber: as desvantagens que há para o operário trabalhar em empresa alheia; mas não demonstra porque é vantajoso para o capitalista manter sua empresa.

Anteriormente examinamos um caso isolado de empresa capitalista: a fabricação de fuzis. A taxa da mais-valia era então de cem por cento, porque as três libras e dois shillings e meio que o capitalista invertia na aquisição da força de trabalho lhe produziam cento e vinte e cinco horas de trabalho suplementar, que equivalem a três libras e dois shillings e meio. Mas o capitalista não invertia somente capital variável; também invertia doze libras e dez shillings de capital constante que havia gasto na aquisição de matérias primas e ferramentas. Vemos, pois, que obtinha três libras e dois shillings e meio de lucro sobre o total das quinze libras e doze shillings e meio que havia gasto, ou sejam, vinte por cento. A porcentagem do lucro sobre a totalidade do capital invertido chama-se taxa de juro.

É evidente que a taxa de lucro é menor que a taxa de mais-valia porque é calculada sobre a totalidade do capital, tanto do variável como do constante. No exemplo anterior a totalidade do capital é cinco vezes maior que o capital variável e a taxa de lucro é a quinta parte da mais-valia.

Suponhamos que outro capitalista inverteu uma proporção maior de capital constante; por exemplo, vinte e oito libras e dois shillings e meio. Em tal caso, com a mesma taxa de mais-valia, a taxa de lucro será de dez por cento. Por conseguinte, a segunda empresa será menos rendosa que a primeira, e isso devido a que o capital constante invertido na segunda é consideravelmente maior.

Em regra geral, com uma taxa igual de mais-valia, quanto menor é o capital variável invertido em comparação com o capital constante, mais reduzida é a taxa de lucro.

Isto pode exprimir-se também de outra maneira. Com uma dada taxa de mais-valia, quanto menor é a composição orgânica do capital, menor é a taxa de lucro. A "composição orgânica do capital" é a relação existente entre os valores do capital constante e os do capital variável. Quando o capital constante é relativamente maior que o variável, a composição orgânica chama se "superior" porque, como mais adiante se verá, o processo de desenvolvimento conduz a um incremento na proporção relativa do capital constante.

Todas as considerações precedentes apresentam a questão de uma forma simples, pois unicamente estudam a taxa de lucro tratando-se de uma só rotação do capital. O capitalista compra um dia matérias primas e ferramentas, contrata operários, vende suas mercadorias, e o capital que inverte volta às suas mãos com lucro. Na realidade as coisas não sucedem de uma maneira tão simples. O capitalista não se limita a uma rotação, mas dirige sua empresa por um largo período de tempo e mede a produtividade de seu negócio pela porcentagem de lucros de todo um ano. Adquire força de trabalho, ferramentas e matérias primas conforme são necessárias, e vende suas mercadorias quando se lhe oferece oportunidade. Seu capital realiza numerosas rotações, às quais não é possível separar rigorosamente entre si. Simultaneamente, o capitalista vende produtos acabados, produz novas mercadorias com auxílio da força de trabalho que compra, e adquire tudo o que é necessário para a produção ulterior. O capital monetário é invertido em partes e, de maneira nenhuma, em iguais proporções.

O desembolso realizado para a aquisição de forças de trabalho é recuperado inteiramente cada vez que se vende a mercadoria produzida por aquela. O desembolso efetuado nas matérias primas para um número dado de mercadorias é recuperado também completamente ao serem estas vendidas. Se, por exemplo, um capitalista vende mil metros de pano recuperará tudo o que gastou em matérias primas e força de trabalho para sua produção. Está claro que também obterá um lucro, mas vamos prescindir disto por ora.

Entretanto o mesmo não sucede com o capital invertido nos utensílios: a fábrica, as ferramentas, etc.

Esta parte do capital não retorna a cada venda da mercadoria. Ao vender os mil metros de pano o capitalista não recupera o dinheiro que gastou em sua fábrica, digamos dez mil libras. Isto é muito natural; a fábrica não sofreu todo seu desgaste, continua funcionando e pode servir para muitos anos de produção. Suponhamos que pode servir para a produção de um milhão de metros de pano. Em tal caso, em cada metro de pano entrará uma milionésima parte do valor da fábrica, e ao vender mil metros só se recuperará a milésima parte do capital invertido nela.

O mesmo pode aplicar-se aos utensílios, maquinaria, etc. Ao vender o pano, o capitalista recuperou só uma parte do capital invertido em teares, fusos, etc., com auxílio dos quais produziu o pano. Se os teares serviam para produzir cem mil metros de pano, ao vender mil metros deste o capitalista recuperou, em forma de dinheiro, a centésima parte do valor do tear, etc. Uns utensílios duram mais tempo que outros: a fábrica pode durar cinquenta anos e, o tear, cinco. O capital invertido na fábrica será recuperado pouco a pouco no transcurso de cinquenta anos; em outras palavras, o período de sua rotação será de cinquenta anos. O período de rotação do capital invertido no tear será de cinco anos. O capital invertido nas matérias primas e na força de trabalho tem um período mais curto de rotação; por exemplo, um mês.

A diferença entre as duas partes do capital, indicada anteriormente, encerra extraordinária importância para o capitalista. A parte invertida em matérias primas e força de trabalho e recuperada pelo capitalista a cada venda das mercadorias, chama-se capital circulante; a outra parte, gasta em utensílios, etc., e recuperada pelo capitalista pouco a pouco, chama-se capital fixo. O capital fixo é aplicado em quantidades relativamente grandes na instalação da empresa, enquanto que o capital circulante necessário para a manutenção do negócio é gasto à proporção que as vendas são efetuadas. Isto constitui um importante fator nos cálculos do capitalista.

Existem ainda outras diferenças entre capital fixo e capital circulante. O capital fixo, durante todo o período de sua utilização, não muda de forma: uma fábrica continua sendo uma fábrica; um machado continua sendo um machado. O capital circulante, ao contrário, muda de forma na produção: o fio se converte em tecido; o carvão se queima. Ambos deixam de existir em sua forma primitiva. E a força de trabalho, enquanto é consumida, deixa de ser capital, já não pertence ao capitalista e este se vê obrigado a comprar nova força de trabalho para a produção ulterior.

Deve-se procurar não confundir o capital circulante com o capital variável, e o capital fixo com o capital constante. Uma divisão se faz do ponto de vista do capitalista e a outra do ponto de vista do operário. O capital variável — o valor da força de trabalho — é só uma parte do capital circulante, no qual se acha compreendido também o valor das matérias primas: o capital constante é maior que o capital fixo porque compreende o valor das matérias primas.

Processo de produção:
Capital constante Capital variável
Utensílios e Matérias primas Força de trabalho
Capital fixo Capital circulante
Processo de circulação

Conhecendo o período de rotação das diversas partes do capital, seria possível calcular o período de rotação do capital inteiro, quer dizer, poderíamos saber em quanto tempo a totalidade do capital invertido tornaria às mãos do capitalista em forma de dinheiro.

Fácil é compreender o papel que desempenha o promédio da rotação nos cálculos do capitalista. Se a cada rotação obtém um lucro de dois por cento, em três rotações obterá um lucro de seis por cento, e em cinco, de dez por cento.

A composição orgânica do capital, quer dizer, a relação entre o valor do capital constante e o capital variável, é de grande importância no que respeita à taxa de lucro.

Vamos ilustrá-lo com um exemplo.

Suponhamos que temos três empresas em três ramos diferentes da produção. Uma delas, A tem uma reduzida composição orgânica de capital, isto é, o papel da maquinaria, em comparação com a força viva de trabalho, é insignificante. A segunda empresa, B, tem uma composição média, e a terceira, C, possui uma composição elevada, emprega os processos técnicos mais perfeitos, e, com auxílio de um número relativamente pequeno de operários põe em movimento enormes quantidades de valores em forma de matérias primas e maquinaria.

Suponhamos que a taxa de mais-valia em uma sociedade dada é de 100%, quer dizer, a classe capitalista consegue manter a exploração neste nível; e suponhamos, ainda, que o capital invertido em cada uma das três empresas completa sua rotação em um ano, quer dizer, no transcurso de um ano todo seu valor fica incorporado no produto, o qual é vendido em sua totalidade em uma só transação. (Na realidade as coisas não ocorrem de uma maneira assim tão simples: o capital fixo — edifícios e maquinaria — se consome, não em um ano, mas no transcurso de muitos anos, e algumas de suas partes se consomem mais depressa que outras, como no exemplo que citamos, em que a fábrica durava cinquenta anos e, o tear, cinco). Por outro lado, a venda da totalidade do produto, ao finalizar o ano, só se verifica na agricultura e mesmo aqui em casos excepcionais. Entretanto, daremos tudo isto por hipótese, para simplificar, embora isso não modifique a conclusão.

Suponhamos, finalmente, que as três empresas, A, B e C, têm um capital de 100.000 libras e que seus capitais variáveis sejam 24.000, 15.000 e 6.000 libras, respectivamente.

Deste modo teremos o seguinte quadro, no qual os algarismos representam milhares de libras de unidades de trabalho:

Empresas Capital Mais-valia Taxa de lucro
%
Variável Constante Total
A 24 76 100 24 24
B 15 85 100 15 15
C 6 94 100 6 6
Total 45 255 300 45 45

Assim, baseando-nos na suposição de que as mercadorias são vendidas de conformidade com o seu valor de trabalho, vemos que a taxa de lucro varia consideravelmente de acordo com a composição orgânica do capital: A tem 24%; B, 15%; e C, 6%.

É possível semelhante coisa na realidade? Não, porque isso desmentiria as leis da concorrência que imperam na sociedade capitalista. Quando, na prática, um ramo da indústria demonstra ser mais rendoso que outro, o capital passa do segundo para o primeiro, no qual se produz um incremento de produção, aumentando a oferta de seus produtos no mercado. No segundo, a produção diminui, do mesmo modo que a oferta de seus produtos no mercado. Portanto, o preço das mercadorias da primeira indústria diminui e o da segunda aumenta, variando ao mesmo tempo a produtividade relativa das indústrias, quer dizer, a taxa de lucro. Por conseguinte, como resultado da concorrência se produz um reajustamento de preços de molde a diminuir a receita das empresas mais rendosas. A porcentagem anual dos lucros tende a manter-se, portanto, em um nível comum, tende a estabelecer uma taxa de lucro para a totalidade do capital social, uma taxa média de lucro.

Se a composição orgânica do capital da empresa B coincide com a composição orgânica da totalidade do capital social, a taxa de lucro a que tenderá a receita das de todas as empresas capitalistas será de 15%. Uma afluência de capital deixa o terceiro ramo da indústria à primeira, conduzirá à redução dos preços abaixo de seu valor de trabalho em A, e a uma elevação de preços acima de seu valor de trabalho em C, e isto continuará enquanto não se estabeleçam os preços que deem a todas as empresas a mesma porcentagem de lucro, em nosso exemplo, 15%. Com uma taxa de lucro de 15% todas as empresas que tenham o mesmo capital produzirão o mesmo lucro, a saber: 15.000 libras. Esta soma não coincide com o valor da mais-valia criada nas empresas que estamos examinando: em A será inferior 9.000 libras à mais-valia criada; em C, superior 9.000, e só em B coincidirão ambos os valores.

Empresas Capital Total Mais-valia Taxa de Lucro
%
Lucro Valor de trabalho
de todo o produto
Preço de
todo o produto
Diferença a mais ou a menos
entre o lucro e a mais-valia
A 100 24 15 15 124 115 - 9
B 100 15 15 15 115 115 0
C 100 6 15 15 106 115 + 9
Total 300 45 45 45 345 345 0

Se supusermos que cada uma das empresas produz mil unidades acabadas, o valor de trabalho e o preço médio real de cada mercadoria serão os seguintes:

(em Libras) Empresas
A B C
Valor de Trabalho 124 115 106
Preço 115 106 115
Diferença -9 0 +9

Assim, pois, as mercadorias isoladas não são vendidas por seu valor de trabalho, mas a um preço umas vezes superior e outras inferior a este. O que se ganha nos preços de uma mercadoria se perde nos de outra. Somente considerando o produto social como um todo se obtém uma coincidência perfeita entre o preço e o valor de trabalho.

O preço das mercadorias, nivelado pela concorrência e calculado sobre a base do lucro médio, chama-se preço de produção.

Os adversários da teoria do valor determinado pelo trabalho asseguram que se o preço de produção se afasta do valor do trabalho médio, toda a teoria vem abaixo, porque este desvio há de aumentar indefinidamente Um capitalista compra para sua empresa, em forma de utensílios e matérias primas, grande número de diferentes mercadorias, a maior parte das quais, senão todas, se afasta de seu valor de trabalho. Isto quer dizer que estes desvios se somam e a eles vêm a acrescentar-se novos desvios dependentes da taxa média de lucro, aumentando o custo. Este crescente desvio dos preços entra nos cálculos dos capitalistas que adquirem as primeiras mercadorias, e isso vem aumentar ainda mais o desvio dos preços, e assim sucessivamente. Por conseguinte, poderia parecer que o valor do trabalho médio perde toda sua significação.

O erro de semelhante raciocínio se descobrirá facilmente se tivermos em conta que o capitalista vende suas mercadorias, sobretudo, com o intuito de poder continuar a produção em igual ou maior escala. Conseguinte mente, o dinheiro que recebe é utilizado, em primeiro lugar, para a aquisição de utensílios, matérias primas e força de trabalho, objetivando o desenvolvimento ulterior de seu negócio. Por este motivo, abstraindo por um momento o lucro, poderemos dizer que o capitalista troca suas mercadorias por meios de produção e que o dinheiro só constitui, nesta troca, um intermediário transitório. Esta é a troca fundamental que se efetua na produção capitalista. Tendo isto presente, prosseguiremos nossa investigação.

Em uma só rotação de produção de uma empresa, por exemplo, C, a soma de capital constante invertido em matérias primas e em desgaste de utensílios equivaleria, em valor de trabalho, a 900.000 horas de trabalho simples.

Suponhamos que o capital variável — os salários dos operários, quer dizer, na realidade os produtos que estes adquirem com seus salários e que mantêm sua força de trabalho durante a rotação dada — representam 100.000 horas de valor de trabalho. Qual será então o valor de trabalho das mercadorias produzidas? Evidentemente, 900.000 horas, mais 100.000, mais a soma total do trabalho suplementar do operário durante a rotação considerada, ou sejam 1.000.000 de horas, mais M, a mais-valia.

Por quanto deverá ser vendido ou, para ser mais exato, trocado isto? As mercadorias que têm de adquirir-se em troca por mediação do dinheiro são desde logo as seguintes:

  1. Meios de produção para a rotação seguinte, quer dizer, uma quantidade de matérias primas equivalente à consumida e à do desgaste parcial dos utensílios, que equivalem a 900.000 horas;
  2. Uma quantidade de nova força de trabalho equivalente às 100.000 consumidas;
  3. Aquilo por quê o capitalista mantém seu negócio, quer dizer, artigos de consumo e meios suplementares de produção, se se propõe ampliar seu negócio (ou que, por não o fazer assim no momento, acumula para o futuro).

A totalidade do item terceiro representa o lucro real do capitalista.

Vemos, pois, que os valores de trabalho criados equivalem a 1.000.000 de horas, mais M (mais-valia). Estas são trocadas por mercadorias cujo valor equivale também a 1.000.000 de horas, mais a quantidade de mercadorias que forma o lucro do capitalista. O mesmo ocorre em todas as empresas. É evidente que o desvio do preço do valor de trabalho verifica-se na segunda parte, em que a mais-valia se transforma em lucros reais. Na parte primeira e fundamental, composta de capital constante e capital variável, C + V, não há desvio.

Se os adversários da teoria do valor determinado pelo trabalho não veem isto é porque concentram suas atenção nos preços em dinheiro, e não veem que o dinheiro não é senão um intermediário na aquisição de meios de produção e de consumo.

Convém acrescentar que a mercadoria fundamental do capitalismo — a força de trabalho — costuma ser trocada por seu valor de trabalho, sem desvios dependentes da taxa de lucro. Estes desvios só se produzem de modo parcial e acidental. A razão é que a força de trabalho é trocada mediante dinheiro por artigos de consumo dos operários, e seu valor é, ao mesmo tempo, o valor de trabalho destes artigos de consumo.

A venda de mercadorias individuais em desacordo com seu valor é uma peculiaridade do sistema capitalista de produção. Na sociedade de troca não capitalista, mas pequeno-burguesa — que, entre parêntesis, nunca existiu em sua forma pura, sendo o que mais se assemelha a ela o sistema do artesanato urbano e da agricultura livre — o vendedor de mercadorias era o produtor direto. De uma ou outra maneira, nas operações de troca tinha de ajustar-se ao valor dos produtos, pois do contrário, como dissemos, as empresas individuais declinavam e sua produção cessava, e as alterações na oferta e na procura, por isso motivadas, tendiam a estabelecer a harmonia entre os preços e os valores. Então, sim, o preço médio, no mercado, de uma mercadoria podia ser igual ao seu valor. Na sociedade capitalista, porém, não se dá o mesmo. As mercadorias não são vendidas pela pessoa que as produziu, mas por outra: o capitalista. A troca de quantidades iguais de força de trabalho social não constitui uma necessidade para os capitalistas; o que lhes importa são os lucros. A taxa de lucro deve manter-se uniforme ainda quando os preços se desviem de tal forma que as empresas que se distingam pela elevada composição orgânica do capital recebam, além de sua própria mais-valia, outra mais-valia criada em empresas de reduzida composição orgânica do capital. A soma total das mais-valias criadas pela totalidade da classe operária adquire, deste modo o caráter de verdadeiros despojos que os capitalistas repartem entre si no processo de produção, de acordo com os capitais que cada um inverteu.

Tudo o que se disse em relação à porcentagem anual de lucros se aplica, não só às empresas industriais, como também às comerciais e de crédito. Por insignificante que nestas instituições possa ser o capital variável; por insignificante que seja a soma de mais-valia criada nelas, têm de produzir a porcentagem anual média de lucro, ou do contrário, são abandonadas por improdutivas, e o capital nelas invertido é transferido para outros ramos da produção social.

A porcentagem anual de lucros pode variar nos diferentes ramos da indústria. Isto se deve, primeiro, a que as funções organizadoras do capitalista são mais complexas em umas indústrias que em outras. Ao deferir a operários assalariados algumas das funções organizadoras, o capitalista tem de contentar-se com uma porcentagem de lucro um pouco menor. Por análogas razões, os juros percebidos sobre o crédito costumam ser menores que os lucros industriais. Se invertendo 100 libras em uma empresa industrial uma pessoa poderia obter um lucro de sete libras, contentar-se-ia em receber cinco libras emprestando essa mesma quantia a um capitalista industrial e evitando desse modo todos os incomodos e preocupações inerentes à direção de uma indústria.

Outra causa da diferença na taxa de lucro consiste nos vários riscos que se correm. Para induzir um capitalista a empreender alguma coisa excepcionalmente arriscada, os lucros têm de ser maiores que de costume. Isto pode observar-se sobretudo no caso das instituições de crédito. Um capitalista estará disposto a aceitar 5% de juros sobre um empréstimo, quando os lucros industriais são de 7%, só no caso de encontrar as garantias suficientes. Se não tem tais garantias, o credor não se contentará com 5%, porque corre o risco de não recuperar seu dinheiro, e nesse caso pedirá 6%, 8% ou 10%.

A terceira e última causa que impede a nivelação das taxas de lucro entre as diversas indústrias consiste no diferente grau em que o capital está sujeito às exigências técnicas de cada empresa. Nas fases elevadas do desenvolvimento do capitalismo uma parte cada vez maior do capital é invertida em edifícios, maquinaria, etc. O capital fixo aumenta rapidamente em relação ao capital circulante (matérias primas, materiais auxi- liares e salários), e a transferência do capital de um para outro ramo da indústria torna-se, nestas condições, cada vez mais difícil. Comparemos duas causas. Suponhamos que a porcentagem de lucros de determinada empresa comercial diminui como resultado da concorrência. Em tal caso o proprietário da empresa pode realizar facilmente todo seu capital circulante (vender seus "stocks" e despedir seus empregados) e vender os elementos de seu capital fixo: vitrines, armações, etc., e o dinheiro que deste modo obtém pode invertê-lo em outros ramos mais rendosos da indústria. Mas a situação do proprietário de uma fábrica metalúrgica é muito diferente. Se os lucros de sua empresa diminuem, não pode retirar seu capital tão facilmente como o comerciante e transferi-lo a outra empresa, mas vê-se obrigado a aceitar a taxa inferior de lucro até cessar a absorção de novo capital por sua indústria, e o aumento da procura dos produtos desta faça voltar os lucros ao nível da taxa média.

Geralmente, a taxa de lucro anual em uma sociedade dada é determinada pela soma total do capital e a soma total da mais-valia criada durante o ano. Se a soma total do capital é de 100.000.000 de libras e a soma total da mais valia de 10.000.000 de libras, a taxa média de lucro será 10%. Mas aqui deve fazer-se a seguinte modificação: uma parte desta mais-valia é absorvida pelo Estado em forma de impostos, e outra parte, como mais adiante veremos, é absorvida pela renda da terra. Se supomos que estas duas partes formam um total de 3.000.000 de libras, o lucro do capitalista ser de 7.000.000 de libras e a taxa média anual será 7%.

No período da manufatura, a taxa de lucro era mui elevada. Isto pode explicar-se da maneira seguinte: enquanto o trabalho consiste em trabalho manual, o desembolso que exige a força de trabalho quer dizer, o capital variável, constitui uma parte considerável da totalidade do capital, e como o lucro é criado pelo capital variável, quanto maior é sua proporção mais elevada é a taxa de lucro. Por este motivo, se bem que a taxa da mais-valia das empresas manufatureiras não seja muito elevada, a porcentagem de lucros é alta.

Por outro lado, tendo em conta que os manufatureiros são poucos e a concorrência entre eles fraca, predominando sempre o trabalho manual, encontram-se, por assim dizer, em uma posição privilegiada: a produtividade do trabalho é maior em suas oficinas que nas oficinas artesãs. Dai poderem vender seus produtos pelo mesmo preço que os artesãos, obtendo, por conseguinte, uma especie de superlucro.

O período da maquinaria apresenta duas características distintas no que respeita aos lucros: em primeiro lugar, há uma diminuição gradual da taxa anual de lucro, e em segundo lugar observa-se um rápido incremento da soma geral total de lucro. Vamos examinar, pois, a causa principal de ambas as características.

Uma máquina é um instrumento de trabalho, e seu valor entra na composição do capital constante. Ao mesmo tempo, a máquina substitui o operário e, por conseguinte, permite prescindir de uma parte de força de trabalho: o gasto exigido pela força de trabalho diminui, quer dizer, diminui o capital variável.

Assim, a cada introdução de uma nova máquina é substituída certa quantidade de capital variável por certa quantidade de capital constante; paralelamente ao aumento do capital constante produz-se uma diminuição do capital variável.

Se com a introdução da maquinaria a produção aumenta, o capital variável não tem por que diminuir, e até mesmo pode aumentar: apesar da introdução da máquina, operários podem fazer mais falta que antes. Mas o capital constante, quer dizer, a soma gasta em maquinaria e matérias primas, aumenta neste caso evidentemente muito mais que o capital variável, e, em relação com o primeiro, o segundo diminui; quer dizer, o capital variável representa uma parte menor que antes da totalidade do capital.

Suponhamos, por exemplo, que antes da introdução da maquinaria o capital variável era de 5.000, enquanto que o capital constante era 10.000. Neste caso o capital variável era a metade do capital constante e a terça parte de todo o capital. Suponhamos que depois da introdução da maquinaria o capital variável se converte em 8.000 e o capital constante em 37.000; quer dizer que o capital variável ficou reduzido à quarta parte do capital constante e à quinta parte de todo o capital. Em outras palavras: considerado isoladamente, o capital variável sofreu um aumento absoluto; mas em relação com a totalidade do capital .diminuiu.

Em termos gerais, isto pode aplicar-se a todos os progressos da técnica: se em uma indústria dada a produtividade do trabalho aumenta, necessita-se de menos trabalho humano, menos força de trabalho, menos capital variável para uma dada quantidade de capital constante. Mas na produção mecânica, em que o aumento da produtividade do trabalho se manifesta com uma rapidez excepcional, este fato ressalta com particular evidência.

Já explicamos que a mais-valia é criada pela aplicação da força de trabalho, e por este motivo a quantidade da mais-valia depende, não do vulto de todo o capital, mas da quantia da parte variável, a que é invertida na aquisição de força de trabalho.

A taxa de mais-valia demonstra a proporção em que se encontra a mais-valia com o capital variável; a taxa de lucro demonstra a porcentagem de lucro sobre a totalidade do capital constante e variável. Por este motivo, a taxa de lucro é menor que a totalidade do capital.

Com a introdução da maquinaria e em geral com o progresso da técnica, o capital variável diminui relativamente. Ainda quando a taxa de mais-valia não varie, a taxa de lucro tem de diminuir.

Suponhamos que a taxa de mais-valia é 100%; que o capital constante é 8.000 libras e o capital variável 2.000 libras; quer dizer, o primeiro forma as quatro quintas partes e o segundo a quinta parte da totalidade do capital. Neste caso a mais-valia é 2.000 libras e a taxa de lucro, 20%.

A aplicação de nova maquinaria origina um aumento no capital constante, que se eleva, digamos, a 27.000 libras, e o capital variável, a 3.000 libras; quer dizer, as nove décimas e a decima parte, respectivamente, de todo o capital. Ainda que o capital variável tenha aumentado de modo absoluto em 1.000 libras, relativamente diminuiu na metade, da quinta parte à decima, e a taxa de lucro ficou reduzido igualmente à metade.

A fim de simplificar, supusemos que a totalidade da mais-valia se convertia no lucro do capitalista. Na prática assim não acontece; mas a diferença neste caso é insignificante e não altera substancialmente a questão.

Voltemos, agora, ao nosso exemplo. Se o capitalista conseguisse uma duplicação da taxa de mais-valia, quer dizer, 200%, a taxa de lucro não diminuíra, mas continuaria sendo de 20%. Para manter o nível de lucro na medida do possível, o capitalista tem de aumentar a duração da jornada de trabalho, a intensidade deste, etc.

Para a aplicação deste método o capitalista tem de entender-se, não com uma máquina inanimada, mas com seres humanos. Uma máquina é uma coisa inerte. Se o capitalista o desejar pode fazê-la trabalhar vinte e quatro horas diárias e com toda a celeridade que a construção dela permita. Quer isto dizer, todavia, que a maquina desgastaria e se inutilizaria muito mais depressa que se trabalhasse só doze horas diária e com menor velocidade. O organismo dos seres humanos é diferente, e o aumento da exploração acaba, tarde ou cedo, por suscitar a resistência dos operários, os quais opõem àquela uma luta sistemática. Neste caso, a diminuição relativa do capital variável, como resultado de sua substituição pelo capital constante, conduzirá à redução na porcentagem de lucro, coisa que efetivamente se observa.

Por este motivo, nos países cm que o capitalismo não é muito desenvolvido, a taxa de lucro é comparativamente elevada. Na Rússia, por exemple, no período anterior à guerra não era raro que uma empresa obtivesse 25% de lucro quando 10% eram considerados, na Europa ocidental, como uma boa remuneração. Claro está que neste caso intervieram também outras causas; a mais importante e fundamental, porém, consistia na diminuição relativa do capital variável.

A diminuição da taxa de lucro não significa uma diminuição nos lucros totais absolutos: 20% sobre um capital de 10.000 libras produzirão 2.000 libras; mas 10% sobre um capital de 40.000 libras produzirão 4.000 libras. Em geral, os lucros aumentam se o aumento do capital se verifica com mais rapidez que a diminuição da taxa de lucro.

No período da maquinaria, a acumulação de capital se efetua com assombrosa rapidez. Para o desenvolvimento da produção mecânica precisa-se de uma grande acumulação; mas a produção mecânica, por sua vez, em seu extraordinário e rápido desenvolvimento acelera a acumulação.

Apesar de aumentar o consumo das classes não produtoras, a parcela de mais-valia que se converte em capital e que serve para a extração ulterior de mais-valia do trabalho assalariado aumenta continuamente. Por esta causa, a acumulação do capital se desenvolve com muito maior rapidez que a diminuição da taxa de lucro, de modo que os lucros absolutos não só aumentam, como mesmo aumentam muito mais depressa.

Calcula-se que a Alemanha "acumulou", no princípio da seculo passado, mais de 100.000.000 de libras e a Inglaterra cerca de 200.000.000 de libras de capital. Nos Estados Unidos o processo foi mais rápido ainda: em 1840 a riqueza do país se avaliava em 3.700.000.000 de dólares; em 1894 era de cerca de 82.000.000.000 de dólares, enquanto que hoje se avalia em cerca de duzentos bilhões de dólares.

A renda anual dos capitalistas e senhores de terras da Grã Bretanha e Irlanda durante o período transcorrido entre 1843 e 1883 subiu mais do dobro (344.000.000 de libras a 720.000 000 de libras). A maior parte do aumento compreendia os lucros dos capitalistas.

Estes algarismos dão uma ideia da magnitude dos lucros e da massa de mais-valia que são criados normalmente nos países em que prevalece a produção mecânica, assim como da rapidez do desenvolvimento das forças sociais de produção.

Deve ter-se em consideração, entretanto que a diferença no valor monetário das rendas anuais e da riqueza material dos diversos períodos pode depender, não só da acumulação, como também, em parte, da depreciação do valor do dinheiro (como consequência do aumento da produtividade do trabalho na produção da mercadoria-dinheiro). Esta depreciação tem-se verificado efetivamente em épocas recentes; mas tem sido tão pequena, que só pode afetar em grau muito exíguo os algarismos já citados. Por outro lado, a importância destes algarismos é consideravelmente reduzida pelo aumento do valor do capital fictício representado pelo direito à propriedade privada da terra (o preço da terra sobe como consequência da alta da renda).

b. Renda da terra

No período feudal da vida do homem, quando a agricultura constituía a forma básica e predominante de produção, a propriedade da terra estava estreitamente relacionada com a função organizadora na luta social contra a natureza. A renda do senhor de terra feudal (tributos e servidão) era um resultado inevitável desta atividade organizadora e ao mesmo tempo uma condição necessária para que o senhor de terra pudesse desempenhar sua função socialmente útil.

O desenvolvimento do sistema da troca modificou o caráter e a significação da renda do senhor de terra. Quanto à forma, a modificação consistiu em que a renda começou a ser percebida, não em espécie, quer dizer, em produtos, mas em dinheiro. Quanto à sua essência, consistiu em que a renda começou a guardar cada vez menos relação com as funções produtivas organizadoras do senhor de terra porque, ao ser absorvido pelo sistema das relações de troca, este foi abandonando cada vez mais aquelas funções.

Isto não quer dizer que a renda do senhor de terra começasse a diminuir. Ao contrário, como já demonstramos, o desenvolvimento da troca motivou uma intensificação da exploração feudal: primeiramente conduziu à sujeição dos camponeses à gleba, e depois, a sua expropriação parcial ou completa.

Ao desaparecer a servidão e os tributos feudais e ser substituído o camponês dependente, em parte por um camponês livre, e em parte por um arrendatário, quase nada subsiste das funções organizadoras feudais. Algumas vezes o senhor de terra não arrenda sua propriedade, mas a cultiva, ele mesmo, por meio de operários assalariados; mas o tipo de tal empresa é totalmente diferente do da organização feudal da produção e tem um caráter completamente capitalista. Neste caso a renda do senhor de terra vem a ser análoga ao "lucro" do capitalista: a terra se converte em capital, e, da soma de mais-valia criada na sociedade, o senhor de terra recebe sua parte como qualquer outro capitalista. A única diferença consiste em que a quantia desta parte é determinada por circunstâncias diferentes das que deter minam a dos demais capitalistas.

O desenvolvimento da forma capitalista da propriedade da terra verificou-se de modo paulatino. Os últimos vestígios das relações feudais não desapareceram na Inglaterra até meados do seculo XVIII, e em outros países europeus subsistiram por muito mais tempo, até fins do seculo XVIII na França e até há pouco tempo na Alemanha, Áustria, etc. Na Rússia prevaleceram os vestígios da servidão feudal até à revolução de 1917, que aboliu a propriedade privada da terra.

Os vestígios do feudalismo variam de forma, segundo os países e os períodos. As vezes tomam a forma do pagamento da renda em espécie, como, por exemplo, quando o arrendatário paga em forma de trabalho, sobrevivência do sistema da servidão. Outras vezes o arrendatário paga ao senhor de terra com uma parte determinada de seu produto (em geral a metade, algumas vezes mais), o que constitui também uma sobrevivência dos tributos feudais.

Estes vestígios de anteriores relações econômicas foram abolidos de várias maneiras. Como já se disse, o senhor de terra, ao desenvolver-se o sistema monetário, achou mais conveniente converter os tributos em espécie do camponês em pagamentos monetários, e, pelo mesmo motivo, substituiu depois, em grande número de casos, por arrendatários livres os arrendatários dependentes e hereditários. Onde as sobrevivências do passado subsistiram tanto tempo que constituíam um obstáculo para o desenvolvimento, foram abolidas geralmente pela legislação. Não é mister examinar aqui em detalhe estas transformações, as quais se verificaram à medida que se prosseguia o desenvolvimento da troca.

A essência da renda e das leis que regulam suas alterações se evidenciam quando se estudam as formas mais desenvolvidas das relações agrárias da sociedade capitalista. Conhecendo estas formas mais desenvolvidas ser-nos-á fácil estudar as primitivas.

Um capitalista deseja, por exemplo, estabelecer algum negócio, seja industrial, comercial ou agrícola. Pois bem: não lhe é possível estabelecê-lo fora do espaço, mas tem de ocupar uma parte de terra adequada. Nos países capitalistas civilizados não há terra sem dono, e é necessário comprá-la ou alugá-la, porque os proprietários não a entregam gratuitamente.

Assim, pois, o capitalista compra ou aluga um trato de terra que, imaginemos, está sem cultivar e não contém um átomo de trabalho humano; quer dizer, uma terra sem valor. Que é, pois, o que paga o capitalista quando arrenda a terra? Paga a possibilidade de aplicar trabalho socialmente necessário a esse pedaço de terra. A troca está sujeita, não às leis do valor de trabalho, mas às leis do monopólio. Se a terra não houvesse sido monopolizada, o capitalista não teria de pagar pela necessidade de aplicar a ela o trabalho socialmente necessário. Isto de ter de pagar pela mera possibilidade de desenvolver uma atividade produtiva, não é nada fora do comum na sociedade capitalista; acaso não obtém lucros o mesmo capitalista por dar aos operários a possibilidade de participar na produção social?

A forma de pagamento — preço de compra, ou renda — é o de menos. Suponhamos que a renda de uma extensão dada de terra se eleva a 100 libras por ano. Se o senhor de terra vende a propriedade cobrará por ela uma soma que possa produzir-lhe, sem risco nem preocupações, uma renda anual de 100 libras (quer dizer que se a taxa de juros é de 4% ao ano, o preço de compra da terra será 2.500 libras, porque esta soma produzirá para o senhor de terra, invertida em outras coisas, uma renda anual de 100 libras). Em regra geral o preço de compra da terra representa o que costuma chamar-se renda capitalizada; quer dizer, a renda substituída por uma soma de dinheiro que produz iguais juros. O capitalista carrega o capital invertido na compra da terra à conta dos gastos necessários de sua empresa e espera tirar um lucro desta soma: em outras palavras, havendo-se convertido em senhor de terra, tem de receber daí por diante uma renda da sua terra.

Mas de onde tira o capitalista a renda que paga ao senhor de terra ou a se mesmo, se o proprietário é ele? Evidentemente, dos compradores de suas mercadorias no preço do produto. Daí porque o preço do produto, a par do custo usual da produção e do lucro habitual, tem de incluir também o rendimento. Suponhamos que o proprietário de uma mina inverte 75.000 libras em utensílios, matérias primas e força de trabalho, com os quais produz, por exemplo, 20.000 toneladas de minério de ferro; a taxa usual de lucros é de 10% e a renda da mina e de seus edifícios é de 2.500 libras. Neste caso o produto deve vender-se por £ 75.000 + 7.500 + 2.500 = 85.000, ou seja a quatro libras e cinco shillings à tonelada, para que a empresa seja remuneradora.

Assim se apresenta a questão abordada do ponto de vista do capitalista individual; mas que aspecto apresenta do ponto de vista do conjunto da produção social7

O senhor de terra deseja cobrar uma renda, a mais elevada possível; o capitalista, ao contrário, deseja pagar pouco. Isto origina um antagonismo de interesses entre os dois, e daí surge a luta pela renda. O resultado desta luta é determinado, como acontece sempre em tais casos, pela correlação de forças, pela extensão do poder do senhor de terra sobre o capitalista, e vice-versa. Se há muita terra desocupada no país cujos proprietários desejam cedê-la para qualquer empresa agrícola ou industrial, as condições são favoráveis ao capitalista: os senhores de terras competem entre si para atrair os compradores, e, portanto, não podem pedir uma renda elevada. Inversamente, se a quantidade de terra desocupada e adequada para uma empresa é pequena, os capitalistas competem entre si por sua aquisição e se veem obrigados a pagar uma renda mais elevada. Em tais condições, é evidente que à medida que aumenta a produção e diminui a extensão de terra disponível apropriada para as empresas capitalistas, o poder do monopolizador de terra tem de aumentar e a renda tem de subir. Os limites deste aumento são determinados, em qualquer momento dado, pela correlação de forças e de interesses em luta. Se os senhores de terras, de determinada região exigem uma renda extraordinariamente elevada, que priva o capitalista de grande parte de seus lucros, o capitalista procura a maneira de transferir seu capital para outras regiões, coisa que de fato frequentemente acontece. Se, apesar de tudo, isto não for possível, o desenvolvimento industrial fica retardado porque as possibilidades de acumulação capitalista se reduzem. Então a luta recrudesce e se precipita a derrocada das empresas pequenas: o capital se concentra em mãos de uns tantos capitalistas importantes, os quais constituem uma força muito maior que até então, porque menos fragmentada, e os senhores de terras, que podiam facilmente impor condições às empresas pequenas, têm de fazer concessões às empresas fortes.

Deste modo, a soma total da renda dos senhores de terras em uma sociedade dada é determinada pelas duas condições seguintes: em primeiro lugar, pela soma total da mais-valia produzida no país, que tem de ser dividida entre o senhor de terra e o capitalista, e, em segundo lugar, pelo desenvolvimento histórico da correlação de forças de ambas as classes na luta pelas rendas e pelos lucros. A primeira condição se determina evidentemente pelo limite geral do desenvolvimento da produção, e esta determina por sua vez a segunda, como se vê pelo fato de que um aumento na procura de terra, causada pela expansão da produção, aumenta o poder do senhor de terra sobre o capitalista, e a substituição das empresas pequenas pelas grandes origina um movimento no sentido contrário.

c. Salários
1. Formas de salários

O operário recebe o valor de sua força de trabalho em forma de salários.

No período da sociedade autônoma natural, o trabalho assalariado constituía uma rara excepção. O trabalho de um artesão ambulante do período feudal, que trabalhava em casa de seu freguês e com materiais fornecidos por este, só apresenta uma semelhança artificial com o trabalho assalariado. O pagamento que aquele trabalhador recebe corresponde, não ao valor de sua força de trabalho, mas aos valores novamente criados por seu trabalho. Aqui não existe, entretanto, exploração, porque o artesão possui os utensílios e pode prescindir do freguês.

O trabalho assalariado começa a desempenhar um papel perceptível na vida da sociedade ao começarem a desenvolver-se os grêmios artesãos das cidades. Os jornaleiros e os aprendizes são então os operários assalariados dos mestres artesãos. Não obstante, enquanto subsistem as relações patriarcais no sistema do artesanato, ao passo que o papel do jornaleiro constitui simplesmente uma fase transitória, relativamente à posição de mestre artesão, os salários não são determinados estritamente pelo valor da força de trabalho, mas são um tanto superiores a ela, pois do contrário o jornaleiro não poderia economizar o suficiente para estabelecer-se. Entretanto, quando o capitalismo mercantil destrói a harmonia das relações patriarcais do artesanato e. explorando o mestre artesão, o obriga a explorar o jornaleiro, o nível dos salários fica reduzido ao valor dos meios de vida necessários, ao nível do valor da força de trabalho.

Como já explicamos, o capital mercantil não converte formalmente o mestre artesão e o jornaleiro em operários assalariados; mas, na realidade, não lhes dá, pelo seu trabalho, senão o valor da força de trabalho, pelo que essencialmente sua situação não difere em nada da do operário assalariado.

O desenvolvimento do capitalismo industrial significa o desenvolvimento do trabalho assalariado, o qual só nesta fase começa a desempenhar um papel importante na vida econômica da sociedade. As "economias" do pequeno produtor independente são substituídas cada vez mais pelos salários do produtor proletário.

A primeira forma do salário é o pagamento em espécie; quer dizer, o pagamento em artigos de consumo. Esta forma de salario é muito interessante pela razão de que o valor da força de trabalho é considerado evidentemente como o custo de produção dos meios necessários de vida.

O pagamento em espécie é conservado durante um largo período na agricultura, coisa perfeitamente compreensível, de vez que os produtos da agricultura constituem em grande medida os meios necessários de existência do operário. Nesta esfera é conservado ainda onde o capitalismo se desenvolveu em considerável escala; mas aqui vai sempre acompanhado de algum pagamento em dinheiro. Esta forma dupla de pagamento era a estabelecida com o jornaleiro da Idade Média mas a maior parte de seu salário era em espécie. Ainda na atualidade os pequenos produtores acham mais vantajoso manter seus empregados e pagar-lhes em dinheiro só uma parte do salário.

Com o amplo desenvolvimento da troca e da circulação do dinheiro, os salários em espécie chegam a desaparecer. A forma monetária de pagamento é mais conveniente, tanto para o operário, ao qual permite escolher por se mesmo os artigos de consumo que deseja adquirir, como para o capitalista, que se poupa os incômodos de aquirir artigos de consumo para os operários

Na produção capitalista em grande escala pode encontrar-se um sistema parecido com o da forma dupla de salários; mas de uma maneira especial, e no sistema que consiste em que o capitalista abre armazéns de gêneros de primeira necessidade, nos quais obriga seus operários a comprar, está claro que a preços convenientes para ôle. O sistema permite ao capitalista reduzir os salários ao limite extremo sem o dar a perceber.

Os salários são calculados por duas formas diferentes: por tempo (diários, semanais ou mensais) ou por peça. O mestre artesão costumava pagar ao jornaleiro de conformidade com a primeira forma. A segunda relaciona-se historicamente com a produção capitalista doméstica, em que o produtor não podia receber o pagamento de seu trabalho de outro modo senão por peça.

No período do capitalismo industrial são utilizadas simultaneamente ambas as formas, escolhendo o capitalista na ocasião oportuna a mais vantajosa das duas.

Sob o sistema de trabalho por tempo, o operário desenvolve menos atividade, seu trabalho é menos intenso, porque, trabalhe muito ou pouco, seu salário é sem pre o mesmo.

O trabalho por peça, ou por empreitada, obriga o operário a desenvolver atividade muitíssimo maior, porque quanto mais intensamente trabalhe mais ganha. Por conseguinte, o trabalho por tempo é mais vantajoso para o patrão quando o que mais lhe importa é a qualidade.

Claro está que o industrial pode tomar medidas para obter um trabalho cuidadoso em artigos de alta qualidade, mesmo com o trabalho por peça. Por outro lado, o trabalho por peça tem a vantagem de permitir ao industrial aumentar pouco a pouco o lucro que obtém de cada operário. Isto ocorre da seguinte maneira: calculando as economias individuais, o operário trabalha muito mais energicamente e por mais tempo, percebendo um pagamento realmente superior ao habituai. Mas quando este nível de intensidade se tenha tornado normal, o industrial reduz o pagamento por peça, de modo que os salários voltam a descer ao nível antigo. A fim de aumentar seu salário, o operário aumenta novamente a intensidade de seu trabalho, e uma vez mais é reduzido o preço da peça.

Em tais condições é natural que o trabalho por peça substitua pouco a pouco o trabalho por tempo.

Para terminar o exame das formas de salários é necessário aludir ao sistema da participação nos lucros, segundo o qual, além do salário, por tempo ou por peça, habitual, se distribui entre os operários certa parte dos lucros da empresa, por exemplo, 5 ou 10%. Este sistema é aplicado principalmente quando é necessário interessar os operários na qualidade de seu trabalho (como, por exemplo, na fabricação dos instrumentos musicais) ou quando o número de operários peritos em uma profissão dada é muito reduzido e convém tê-los sujeito ao emprego. A significação desta forma de salário repousa em que encobre o antagonismo de interesses entre o capitalista e o operário.

2. Magnitude dos salários

A questão do nível dos salários apresenta certas dificuldades especiais ao investigador. Em primeiro lugar tem de estudar de que maneira se pode comparar a magnitude dos salários dos diversos lugares e das diversas épocas.

Sob o sistema de pagamento em espécie, esta comparação é relativamente simples: onde os operários recebem mais produtos não padece dúvida que o salário é mais elevado (se, está claro, os produtos são iguais, pois, a não ser assim, a comparação só pode ser aproximada) .

Sob a forma monetária de pagamento as dificuldades aumentam. Neste caso não sucede de modo algum que se o operário de determinado lugar recebe o dobro de dinheiro que o de outro o salário do primeiro é realmente mais elevado. O dinheiro que um operário recebe só tem valor para ele, porque lhe permite comprar artigos de consumo. Se em um país o salário é de cinco shillings e em outro de dois e meio, e no primeiro país os artigos consumidos pelo operário custam o dobro do que no segundo, na realidade os salários são em ambos os países iguais.

Assim, pois, é necessário distinguir entre salário nominal (quantidade monetária) e salário real. Para ter uma ideia clara do salário real é necessário saber quantos artigos de consumo (pão, carne, roupas, etc.) podem adquirir-se com uma quantidade dada de dinheiro.

Só é possível comparar os salários monetários em um mesmo lugar e em uma mesma época, pois do contrário, pode incorrer-se facilmente em erro.

Isto não é tudo, entretanto. Ao examinar o padrão de salário temos de ter em consideração a duração da jornada de trabalho e a intensidade deste. isto é, a quantidade de força de trabalho gasta. Se os operários de um país recebem por dez horas de trabalho o mesmo que recebem os de outro por doze horas, os salários do segundo país devem considerar-se inferiores aos do primeiro. Se a jornada de trabalho é em ambos os países a mesma, dez horas, por exemplo, mas o trabalho é no segundo país mais intenso, os salários do segundo país continuam sendo mais baixos.

Todas estas dificuldades motivam as intermináveis discussões que se verificam na literatura dos economistas acerca da questão sobre se os salários subiram ou não em um lugar dado e durante uma época determinada.

Em todo caso, os salários não constituem outra coisa que o preço corrente da força de trabalho. Em termo médio correspondem aproximadamente ao valor da força de trabalho.

Como já explicamos, o valor da força de trabalho é o valor dos artigos que satisfazem as necessidades habituais do operário e de sua família. Entretanto, isto requer algumas explicações complementares.

Em primeiro lugar, as necessidades artificialmente desenvolvidas do operário contribuem para formar o valor da força de trabalho quase tanto como as necessidades naturais. A observação tem demonstrado que onde, devido a condições favoráveis, os salários se têm mantido por um largo período de tempo em um nível elevado, rara vez retornam a seu nível antigo. Não obstante, se os salários baixam, acontece com frequência que os operários reduzem seu consumo de pão, carne, etc., a fim de poder comprar cigarros, vinho ou cerveja, chá, jornais, livros, etc.

Em segundo lugar, quando dizemos que os artigos necessários para satisfazer as necessidades da família do operário contribuem para formar o valor da força de trabalho, referimo-nos ao número de artigo;, necessários para manter uma família média. Não obstante, se na sociedade dada vende sua força de trabalho mais de um membro da família, nesse caso o promédio de todos os salários reunidos deve ser suficiente para satisfazer as necessidades da família.

Em geral, a parte da totalidade do produto social que a classe operária receba deve ser suficiente para permitir que a força de trabalho se reproduza, de modo que sempre haja a quantidade necessária de operários das diversas categorias ao serviço dos capitalistas. Isto quer dizer que os salários devem bastar para a vida do operário e para a propagação da raça, pois a não ser assim, a classe operária acabaria por extinguir-se, e o sistema capitalista desapareceria. O mesmo princípio pode aplicar-se aos salários especiais dos operários especializados. A diminuição constante dos salários dos operário que consumiram muito tempo em aprender sua profissão, e que requerem determinado nível de vida, conduziria ao dano da qualidade de sua própria força de trabalho e impediria a proliferação de operários como eles.

Após estas observações sobre os salários em geral, vamos examinar a questão dos salários no período da manufatura e da maquinaria.

No período da manufatura desenvolvida subsiste ainda o trabalho manual como sob o sistema do artesanato. Por este motivo a perícia individual do operário encerra, como antes, grande importância.

Com a divisão técnica do trabalho, umas operações passam a ser mais complexas que outras e requerem especial destreza e vários períodos de preparação. Sob o sistema da manufatura, os operários se dividiam em várias categorias, segundo a dificuldade e a duração da aprendizagem, e os salários variavam de conformidade com essas categorias.

A categoria inferior era constituída pelo operário não especializado, representante do trabalho "simples" no período da manufatura. Seu trabalho não exigia uma preparação especial e qualquer pessoa podia executá-lo. Este operário recebia um salário que correspondia a suas necessidades, ainda pouco desenvolvidas. Os camponeses sem terra, os vagabundos e os mendigos eram os que formavam a imensa maioria desta categoria de trabalhadores.

Os operários especializados constituíam como uma aristocracia operária e recebiam muito mais que os outros. Também se dividiam por sua vez, em diferentes graus, de conformidade com a sua perícia e com o seu pagamento. Esta categoria de operários era formada, a princípio, por mestres artesãos arruinados e por antigos jornaleiros.

Tendo em consideração que os salários são determinados pelo valor da força de trabalho, quer dizer, pelo valor dos artigos que satisfazem as necessidades vitais dos operários, não é difícil compreender que no período da manufatura existissem grandes e permanentes diferenças de salários. Toda vez que executavam diferentes funções na produção e gastavam diferentes quantidades de força de trabalho socialmente necessário no processo de produção, as diversas categorias de operários tinham diferentes padrões de necessidades. Diferiam até mesmo em sua origem, eis que procediam uns de grupos mais ricos outros de grupos mais pobres da sociedade. Mas por que tinha o capitalista em consideração os diferentes padrões de necessidades? Por que não reduzia o salário do operário especializado ao mesmo nível do do aprendiz? Seguramente não o preocupava o tempo, por mínimo que fosse, que o operário pudesse haver empregado em sua preparação, e, quanto aos interesses da sociedade, pouco se lhe dava.

E m primeiro lugar, é evidente por si mesmo que um operário especializado defende a todo custo um nível de existência superior. Na história das lutas operárias na Inglaterra tem-se podido observar mais de uma vez que quando os salários desciam excessivamente, esses operários preferiam executar o trabalho dos simples aprendizes, cujo pagamento era menor, mas que exigia um gasto mais reduzido de energia. Em segundo lugar, na luta pelos salários, os operários especializados estão colocados em condições muito mais favoráveis que os não especializados. Entre os primeiros há menos concorrência e é menos fácil substituí-los; em uma palavra, a relação entre a oferta e a procura é mais favorável para eles, pelo que o capitalista acha mais difícil diminuir, à força, seus salários.

De qualquer forma, a imensa maioria do proletariado era formada pelos operários pouco ou nada especializados. Procedentes das classes sociais oprimidas e debilitadas economicamente ao máximo grau, desenvolviam suas necessidades com extraordinária morosidade. Por este motivo, nos séculos XVI e XVII os salários eram muitos baixos. Isto pode aplicar-se à agricultura em maior grau que à manufatura, porque na primeira apenas existia o trabalho "especializado" e as necessidades dos trabalhadores eram particularmente exíguas.

Uma das circunstâncias que favoreciam o operário no período da manufatura era que ainda não se havia difundido o trabalho das mulheres e das crianças. Em regra geral, só um membro da família vendia sua força de trabalho, e a força de trabalho de um só pessoa proporcionava os meios de existência à toda a família. Devido a isto, a mulher continuava limitando-se a cuidar da casa.

Os baixos salários do período da manufatura costumavam ser acompanhados de uma jornada de trabalho muito longa e de uma reduzida intensidade do trabalho. Isso se devia, quanto aos representantes do trabalho complexo, à sua favorável posição no mercado de trabalho, e no que diz respeito aos representantes do trabalho simples, devia-se em grande medida ao escasso desenvolvimento de suas necessidades.

Ulteriormente, a duração da jornada de trabalho foi regulada por lei, estabelecendo-se uma jornada mínima. Na Inglaterra, por exemplo, foram ditadas leis no seculo XVII que fixavam a jornada de trabalho em onze e doze horas e impunham multas aos patrões e operários que fizessem contratos privados para uma jornada mais curta.

Na prática, entretanto, estas leis não eram obedecidas, e recorria-se a uma infinidade de expedientes para burlá-las, quando não se as infringiam patentemente.

Nas últimas fases do período manufatureiro mudou a situação, em prejuízo dos operários. A afluência contínua dos camponeses expropriados e a decadência da pequena indústria aumentaram o número de proletários. Nem a manufatura nem o que ainda restava do artesanato era capaz de proporcionar suficientes salários a esta massa de gente faminta, e a concorrência foi se tornando cada vez mais aguda no mercado de trabalho. Não obstante, a duração da jornada de trabalho não aumentou senão mui paulatinamente.

Tal era a situação nas primeiras fases do desenvolvimento da indústria capitalista mecânica. A divisão do trabalho na manufatura havia motivado a divisão da classe operária em vários grupos com diferentes salários, correspondentes à diferente complexidade do trabalho que executavam e ao diferente grau de preparação e perícia dos operários. Devido a isto, não existia uma classe operária só: havia várias classes de operários que viviam em condições muito diversas.

Ao abolir a divisão do trabalho da manufatura e substituí-la pela especialização da máquina, a produção mecânica tende a abolir as antigas diferenças dos salários e a nivelá-los para todos os operários. Se como consequência da introdução da maquinaria a função produtiva dos operários se unifica, também têm de unificar-se suas condições materiais de existência.

Com auxílio da máquina, o trabalho requer tão pequena preparação, que qualquer pessoa é capaz de realizá-lo em muito pouco tempo. Todas as antigas categorias ficam reduzidas a uma só, que a muitos respeitos é semelhante à do operário não especializado. A principal diferença entre ambos consiste em que o operário da máquina tem de possuir alguma instrução, pois a não ser assim seria perigoso e improdutivo encarregá-lo de um mecanismo muito complexo, que, ao menos até certo ponto, deve entender para poder dirigir. E quanto mais automática seja a função da máquina, menos intervenção física direta exige do operário e mais esforço puramente mental requer.

Assim, pois, como o trabalho manual do aprendiz, o trabalho do operário da máquina se converte em trabalho simples, quer dizer, em trabalho que exige um mínimo de aprendizagem e de instrução para a participação no trabalho social.

Mas este mínimo compreende uma inteligência geral do operário, que aumenta à medida que se desenvolve o processo.

O aumento da inteligência está relacionado forçosamente com um nível de vida superior e, por conseguinte, com um padrão mais elevado de salários. Assim, se bem que todo o capitalista se esforça no sentido de reduzir os salários tanto quanto possível, as exigências da produção o obrigam a conformar-se com a alta real dos salários. Ainda quando conseguisse por algum tempo vencer as pretensões dos operários em tal sentido, como estes não poderiam satisfazer suas crescentes necessidades, não se adaptariam perfeitamente à máquina e seriam, portanto, improdutivos.

Além dos representantes do trabalho mecânico simples, toma parte na produção um grupo especial de representantes do trabalho complexo, a saber: o pessoal técnico, intelectual: engenheiros, técnicos, químicos, diretores, administradores, contadores, etc. Este grupo, relativamente pequeno, se distingue completamente dos operários ordinários no que respeita aos salários. Como grupo intermediário entre o patrão e o operário no capitalismo mecânico, não pode ser incluído na classe operária(8).

O trabalho das mulheres e das crianças foi empregado no período manufatureiro; mas só em pequena escala. Na manufatura, o trabalho requer uma energia física que geralmente as mulheres e as crianças não possuem, quer dizer, a energia do homem adulto. Por este motivo, no período manufatureiro era fraca a concorrência que o trabalho das mulheres e das crianças fazia do homem.

No sistema da produção mecânica, o trabalho manual é insignificante, e a maior parte do trabalho não requer a energia física do varão adulto. Por este motivo, o trabalho das mulheres e dos jovens é utilizado cada vez mais, e onde não se precisam nem energia física nem inteligência aparece em cena o trabalho das crianças. Em grande número de casos torna-se mais vantajoso para o capitalista substituir o trabalho do varão adulto por operários mais baratos, ainda que fisicamente mais fracos.

O resultado é que a concorrência entre os operários aumenta com o aparecimento, no mercado, de nova força de trabalho, e os salários diminuem proporcionalmente à medida que aumenta o emprego do trabalho das crianças. Não é difícil adivinhar a que nível tendem a descer os salários. De conformidade com a lei do valor, os salários devem corresponder aos preços dos artigos habituais de consumo de uma família operária. Agora, entretanto, não se trata já do salário de um membro só da família, mas de todos os membros desta que vendem sua força de trabalho, considerados no total. Agora, como antes, a família recebe em média o necessário para sua subsistência, consistindo a diferença em que isto é ganho, não só pelo chefe de família, mas também por sua esposa e seus filhos.

O emprego do trabalho das mulheres e das crianças aumenta com o desenvolvimento do capitalismo. As diferenças entre os salários dos homens, das mulheres e das crianças são muito consideráveis, e só em parte podem explicar-se pela inferior capacidade dos últimos. Ainda quando se comparam iguais trabalhos, observa-se que o homem recebe mais que a mulher e mais ainda que a criança. A razão consiste em que as mulheres e as crianças têm menos consciência de classe e lutam com menos energia em defesa de seus interesses.

Os resultados sociais do trabalho das mulheres e das crianças são mui complexos e têm seu lado bom e seu lado mau.

Por um lado, aumenta a concorrência entre os operários e coloca a estes em uma dependência maior que antes relativamente ao industrial. É então mais fácil substituir os operários, e o número de desempregados aumenta. A vida da fábrica significa para as mulheres, e em particular para as crianças, um esgotamento prematuro do organismo, e conduz à degenerescência física dos operários. Igualmente, destrói os lares, pois separa a esposa do marido e a mãe do filho, o que dá motivo a inúmeros dissabores. Ao mesmo tempo, não obstante, a mulher se emancipa de sua anterior escravidão doméstica. Ao converter-se em trabalhador independente e conseguir deste modo sua independência econômica, obtém pouco a pouco direitos iguais aos de seu marido. A situação das crianças melhora também neste sentido e se lhes reconhece alguns direitos.

A significação fundamental do trabalho das mulheres e das crianças tem de ser procurada no desenvolvimento das forças de produção da sociedade, que se consegue com a completa participação das mulheres e das crianças no sistema de cooperação. Estes são os efeitos bons da aplicação do trabalho das mulheres e das crianças. Os maus são um simples resultado da maneira como se aplica este trabalho no moderno sistema capitalista de produção, e não são inerentes a outros sistemas. Estes maus efeitos podem ser modificados sempre pela legislação e suprimidos de todo, mediante uma reconstrução radical da sociedade.

3. O exército de reserva do capitalismo

O trabalho das mulheres e das crianças não constitui a única causa do aumento de desempregados. Outra causa das mais importantes é o rápido aumento da produtividade do trabalho como consequência da aplicação da maquinaria, que torna supérfluas grandes massas de operários para a produção capitalista e os afasta do sistema de produção. Deste modo se cria uma massa de operários sem trabalho de proporções superiores a quanto tenha podido ver-se nas fases precedentes do desenvolvimento social.

No sistema capitalista, considerado como um todo, mesmo este setor da classe operária tem importância produtiva; serve como reserva de força de trabalho para as necessidades da produção. Quando as condições favoráveis do mercado induzem os capitalistas a intensificar a produção, este exército de reserva se põe à sua disposição, e deste modo não há falta de força de trabalho.

À medida que a produção se desenvolve, este exército de reserva é absorvido, devido ao que diminui transitoriamente. Mas o desenvolvimento da técnica e o retraimento do mercado afasta novamente uma parte dos operários da produção. (Uma das forças que mais influem neste sentido são as crises industriais, acerca das quais falaremos mais adiante) . O aparecimento da nova maquinaria, que origina o aumento do exército de reserva, origina também sua diminuição gradual. A maquinaria reduz o preço das mercadorias, de sorte que o círculo de compradores se estende, o aumento da procura permite um aumento da população e o operário, que havia sido substituído pela máquina, encontra ocupação de novo. Não obstante, nem todo o exército de reserva consegue voltar à indústria. Frequentemente a redução no número de operários empregados não é transitória, mas permanente. Por exemplo, na Inglaterra, durante o período de 1830-45, apesar de haver aumentado o rendimento da indústria algodoeira em 142%, o número de operários empregados se reduziu de 4%.

Em regra geral, com o progresso da maquinaria o exército de reserva aumenta. A concorrência do exército de reserva com os operários empregados conduz à redução dos salários. O aperfeiçoamento dos meios de comunicação contribui para colocar todo o exército de reserva de cada país à disposição de cada patrão individual, de sorte que a crise de trabalho em um lugar afeta o mercado de trabalho em outros.

A máquina, pela concorrência, desloca para o proletariado pequenos produtores independentes que antes viviam do trabalho manual e que com ela não podem competir. Nos países atrasados onde a maquinaria se introduz, não de um modo paulatino, mas rapidamente, ou que se convertem de súbito em um mercado para os produtos mecânicos de países mais desenvolvidos, forma-se em pouco tempo um grande exército de reserva para a produção em grande escala, a maior parte do qual perece antes de tornar-se necessária aos capitalistas. Tal foi o resultado obtido com a introdução da maquinaria têxtil inglesa nas índias orientais durante a terceira década do seculo passado. Se há possibilidade, o novo exército de desempregados procura trabalho em países capitalistas mais desenvolvidos. Assim, os pequenos produtores da China, arruinados pelo capital europeu e pelo capital nascente da China, emigraram em massa para a costa ocidental da América. Esta concorrência exerce uma influência depressiva sobre o mercado de trabalho social local, tanto mais quanto devido a seu reduzidíssimo teor de existência, os novos concorrentes podem vender sua força de trabalho incrivelmente mais barata. Tudo isto pode aplicar-se, não já a países economicamente atrasados como a China, que caem dentro da esfera do capitalismo europeu, mas também aos setores economicamente atrasados das sociedades capitalistas . À medida que o desenvolvimento industrial afeta a estes setores atrasados — privando de terra ao camponês, arruinando o trabalhador doméstico e o artesão — a força de trabalho começa a afluir destes lugares para os centros industriais, para os mercados de trabalho da produção em grande escala, e frequentemente deflagram conflitos entre os operários locais e os recém-chegados, porque estes fazem baixar os salários.

O setor desempregado da classe operária constitui a mais pura forma da superpopulação relativa. Os meios de existência do exército de reserva capitalista são diferentes e precários, sendo constituídos pela economia prévia, a caridade pública, o roubo, a prostituição, etc., e, certamente, não cabe falar da satisfação de suas necessidades. A fome, o frio, a miséria e até a morte por esgotamento — tal é a sorte reservada a esta parte da classe trabalhadora.

4. A tributação

A sociedade capitalista é formada por classes que têm interesses antagônicos. Em sua forma puramente abstrata é formada pela burguesia e pelo proletariado, classes que sustentam uma luta incessante pela distribuição do produto da indústria. A burguesia se esforça por aumentar a mais-valia que constitui sua parte, enquanto que o proletariado pugna por aumentar os salários que são gastos na reprodução de sua energia humana. Não obstante, como a mais-valia e os salários constituem partes de um mesmo todo — o produto social anual criado pelos operários — a luta vital entre as duas classes assume inevitavelmente a forma de uma luta de classes velada ou franca.

Sendo assim, a sociedade capitalista é formada por duas classes fundamentalmente hostis; se entre estas duas classes existe uma luta incessante; se, apesar de tudo, a sociedade não se desmorona, é evidente que tem de haver alguma coisa que mantém o sistema existente. Isto quer dizer, antes de tudo, que tem de haver alguma organização que protege a burguesia, que mantém a classe operária submissa e ajuda a burguesia a explorá-la. Esta organização é o Estado burguês, com sua burocracia, seu exército permanente, sua polícia, seus tribunais, suas prisões, etc.

O Estado capitalista é a força que permite à burguesia fortalecer e perpetuar as relações de produção existentes. Portanto, o Estado capitalista é, em primeiro lugar, a arma de dominação de classe da burguesia (a classe governante ou dominante), a qual tem em suas mãos todo o aparelho do Estado, quer se trate de uma monarquia constitucional ou absoluta quer de uma republica democrática.

Mas as funções do Estado não terminam aqui.

A característica fundamental do sistema capitalista de produção é sua anárquica estrutura. Compõe-se de centenas de milhares de empresas individuais, somente relacionadas entre si por meio da troca. Não existem entre elas outros vínculos mais estáveis. A consequência disto é a concorrência, ou, em outras palavras, a luta de todos contra todos. Mas algumas unidades produtivas, algumas empresas, têm interesses comuns. Estes são os interesses da classe capitalista considerada como um todo. Além da organização necessária para manter os operários na submissão, a burguesia precisa ter um aparelho para a execução das funções gerais tecnicamente necessárias no sistema capitalista de produção. Estas funções compreendem a organização dos meios de comunicação, a regulamentação da circulação do dinheiro, a instrução pública (que é um instrumento poderoso para o desenvolvimento das forças de produção e, por conseguinte, para toda a sociedade burguesa), a assistência médica para as massas (cuja constante falta de saúde destruiria a força de trabalho necessária para a burguesia e, em caso de epidemia, poria em perigo a saúde das classes superiores), etc. Todas estas funções são executadas pelo órgão de dominação da burguesia: pelo Estado capitalista.

Pois bem; o Estado necessita de recursos para a execução destas funções, e estes recursos são obtidos com a tributação imposta às rendas nacionais do país, quer dizer, à totalidade dos produtos criados anualmente nele. Isto dá lugar à seguinte pergunta: de onde tira o Estado seus impostos; da mais-valia ou dos salários? A análise abstrata demonstra que na sociedade capitalista pura os impostos só podem ser obtidos da mais-valia. Como já explicamos, os salários são a parte do produto social que é utilizada para a reprodução da energia humana da classe operária, para a manutenção da existência do proletariado, e exprime o valor normal da força de trabalho aplicada à indústria, o valor dos meios de vida do operário. O gasto, com o sustento dos operários de certa parte do produto social é, para o sistema capitalista tão necessário como o gasto com a substituição da maquinaria usada e com o fabrico de novos utensílios. Se o sistema capitalista desse à classe operária menos do valor normal da força de trabalho, os operários começariam a degenerar e perecer, o que significaria a destruição das forças de produção fundamentais e, por conseguinte, o desmoronamento geral do sistema capitalista.

As formas de tributação usualmente adotadas são diretas e indiretas. Os impostos indiretos são os estabelecidos para gêneros, como o chá, o açúcar, o sal, etc. Os impostos diretos são os estabelecidos para o capital, a terra, as casas, os indivíduos e os rendimentos. A característica dos impostos indiretos consiste em que podem ser transferidos, pela pessoa sobre quem recaíram a princípio, a uma terceira pessoa, isto é, ao consumidor. Quanto aos impostos diretos, costuma supôr-se que não podem ser transferidos; mas isto só pode aplicar-se integralmente ao caso do imposto progressivo sobre a renda(9). Seja como for, esta divisão foi estabelecida pelo fato de os métodos de arrecadação variarem em cada caso e exigirem um aparelho técnico diferente.

Poderia parecer que a definição que demos anteriormente da tributação indireta está em contradição com o que dissemos a respeito de que os impostos eram satisfeitos com a mais-valia, posto que os impostos indiretos, que são aplicados em geral sobre os artigos de consumo, são transferidos aos consumidores, que, na sociedade capitalista idealmente desenvolvida são, principalmente, os operários, pelo que os impostos são tirados da receita dos operários, quer dizer, dos salários. Mas isto só é uma contradição aparente, porque a introdução dos impostos indiretos motiva uma redução dos salários reais para aquém do nível do valor da força de trabalho, e isto, como já se explicou, origina inevitavelmente uma elevação dos salários monetários à custa da mais-valia do capitalista.

Tudo isto, não obstante, se aplica ao capitalismo em sua forma perfeita, quer dizer, a uma sociedade capitalista em que só há burguesia e proletariado, e onde não existem classes intermédias, como os pequenos artesãos, os camponeses e os pequenos produtores em geral. Nos países capitalistas atrasados, onde a pequena burguesia e, em particular, os camponeses constituem a imensa maioria da população, o Estado se serve da tributação indireta para obter uma renda enorme das economias da pequena burguesia. Ao fazer isto, não só se apodera da parte de suas economias que correspondem à mais-valia, como também muitas vezes absorve uma parte do produto necessário que corresponde aos salários.

Nos países atrasados ou que começam a seguir o caminho do desenvolvimento capitalista, a tributação indireta, que apenas atinge à mais-valia da classe capitalista e afeta quase exclusivamente à pequena burguesia, serve de instrumento poderoso para a expropriação dos produtores independentes. A par do capital dos usurários mercantis, a tributação indireta expropria os artesãos e camponeses e os atira às fileiras dos operários assalariados. Isto assume uma forma particularmente aguda nas colonias, onde as nações capitalistas adiantadas aplicam deliberadamente o sistema da tributação indireta com o fim de arruinar os indígenas.

Tudo isto, não obstante, só se aplica a países atrasados que conservam vestígios da produção pré-capitalista. Nas sociedades capitalistas completamente desenvolvidas, tanto os impostos diretos como os indiretos são extraídos, em última análise, da mais-valia. Mas se assim é, por que o proletariado de todos os países capitalistas sustenta uma luta tão decidida pela abolição dos impostos indiretos e sua substituição pelos impostos diretos?

A razão está em que nos países capitalistas só os impostos indiretos são extraídos em última análise da mais-valia. À sua primeira introdução aumentam a massa de mais-valia à custa dos salários. Isto significa um aumento no teor de exploração em uma escala social e, por conseguinte, um arruinamento absoluto da classe operária. Já dissemos anteriormente que a participação dos operários no produto social não pode ser inferior a certo mínimo, quer dizer, aos meios necessários de existência. Não queira dizer-se, não obstante, que enquanto os impostos indiretos reduzem os salários abaixo deste nível estes se elevam de novo automaticamente; antes ao contrário, não se elevam senão depois de renhidas lutas de classes — greves, etc. — e frequentemente os operários têm de fazer enormes esforços para recuperar o nível de existência precedente, sem que o consigam às vezes senão depois de muitíssimo tempo.

Por outro lado a tributação indireta tem um caráter regressivo, pois pesa principalmente sobre os que menos receita têm. Os impostos indiretos costumam ser aplicados sobre gêneros de consumo geral, como o sal, as velas, o açúcar ou os cigarros. Se a renda de uma pessoa é mil vezes superior à de outra, isso não quer dizer que a primeira compre mil vezes mais velas ou sal que a segunda; poderá comprar três ou quatro vezes mais. Quer dizer que uma pessoa com uma renda de 100.000 libras só pagará três ou quatro vezes mais imposto que a pessoa que tem uma renda de 100 libras, de sorte que se a segunda paga 1 % de sua renda em impostos, a primeira pagará somente 0,004%.

Todas estas razões obrigam o proletariado a lutar pela completa abolição da tributação indireta regressiva e pela implantação de um imposto progressivo sobre a renda. Este imposto é aplicado sobre as rendas e começa pelas de determinada grandeza. Não afeta à renda ganha e além disso aumenta em proporção ao aumento da renda e impõe a carga mais pesada sobre as rendas maiores.

Assim, as rendas de 200 a 300 libras pagam 1%; de 300 a 700 libras, 1 1/2%, e assim sucessivamente. O imposto progressivo só aumenta até certo limite, pois do contrário poderia chegar até 100% e absorver a totalidade da renda.

Por meio do imposto progressivo sobre a renda, pode-se evitar a ruína demasiado rápida dos pequenos produtores, dos camponeses e dos artesãos, coisa prejudicial para o proletariado, porque cria um exército enorme de desempregados, e talvez também para o capitalista, porque destrói a capacidade aquisitiva das massas camponesas e diminui deste modo a procura de seus produtos.

O estabelecimento de um só imposto progressivo sobre a renda é uma das reivindicações por que o proletariado propugna na luta que sustenta dentro do regime do Estado democrático burguês. Com a implantação do socialismo, todos os impostos, inclusive o progressivo sobre a renda, serão desnecessários, porque a totalidade do produto social, tanto o necessário como o excedente, ficará à disposição da sociedade para ser empregada na satisfação de suas necessidades.

VI - Principais tendências no desenvolvimento do capitalismo

A classe economicamente predominante no sistema capitalista é a burguesia industrial. A principal força motriz do desenvolvimento neste sistema é — tal como antes a concorrência, com seus resultados psicológicos — a luta por uma acumulação ilimitada e pela ilimitada expansão das empresas.

Vejamos como operam estas forças de desenvolvimento dentro do limite das diferentes empresas e como influem nas relações que unem estas. Como a participação do capitalista na distribuição social é a mais-valia, sua única finalidade ao organizar a produção é aumentar a mais-valia criada por sua empresa.

A quantidade de mais-valia obtida de uma empresa dada é determinada por duas condições: em primeiro lugar, pela quantidade de mais-valia criada por cada operário, e, em segundo lugar, pelo número de operários empregados. Aumentando a primeira ou os segundos, o capitalista aumenta a quantidade de mais-valia de sua empresa. Suponhamos o tempo de trabalho necessário em cinco horas e o tempo de trabalho suplementar também em cinco horas. O método mais simples de aumentar a mais-valia criada, por cada operário será evidentemente aumentar o tempo de trabalho suplementar, e neste caso a jornada de trabalho é prolongada. Se a jornada de trabalho aumenta de dez para doze horas, os valores suplementares ou mais-valias serão criados, não em cinco horas, mas em sete horas diárias, e a quantidade de mais-valia aumentará de 40%. Mas a prolongação da jornada de trabalho tem seu limites: é fisicamente impossível fazê-la passar de vinte e quatro horas diárias. Por outro lado, o organismo do operário não pode resistir um esforço demasiado prolongado, obtendo-se em tal caso um trabalho menos intenso e de inferior qualidade. Uma jornada de trabalho demasiado longa pode resultar menos lucrativa para o capitalista que outra mais curta.

Por exemplo, uma jornada de quinze horas seria menos lucrativa que uma de doze se o trabalho fosse na primeira três vezes menos intenso que na segunda. Por último, os operários não se conformariam com uma jornada de trabalho demasiado longa e empreenderiam uma luta enérgica contra os patrões.

Juntamente com a dilatação direta da jornada de trabalho aparece em certa fase do desenvolvimento da produção uma maneira encoberta de prolongá-la. Quando, ao estender suas próprias culturas, os senhores de terras feudais se assenhorearam das terras pertencentes aos camponeses que deles dependiam, a expropriação completa destes apresentou sérios inconvenientes: os camponeses expropriados rumavam para as cidades porque não se lhes deixava no campo nada com que viver e os senhores de terras corriam o perigo de ficar sem força de trabalho. Para evitar isso, os senhores de terras deixaram aos camponeses reduzidos lotes de terra, tão reduzidos que seus ocupantes só podiam obter neles uma exígua parte de seus meios de subsistência e se viam obrigados, portanto, a oferecer sua força de trabalho ao senhor de terra. Os salários que os camponeses recebiam não representavam todo o valor da força de trabalho, mas eram ajustados de modo que com eles e com o rendimento que lhes produzia seu pequeno lote de terra integravam o preço dos meios necessários de subsistência.

Nas primeiras fases do desenvolvimento da produção em grande escala foi aplicado o mesmo método à indústria manufatureira; os operários recebiam um pequeno lote de terra para a cultura de hortaliças, e os salários eram reduzidos proporcionalmente às férias obtidas com ela. Umas vezes eram reduzidas as tabelas de salários e outras faziam-se deduções destes como pagamento pelo uso de dita terra.

Em ambos os casos o resultado é o mesmo: a jornada de trabalho é aumentada para o lavrador ou para o operário fabril com o número de horas que consagra ao cultivo de seu lote. Ao mesmo tempo torna-se inevitável o esgotamento absoluto e a perda de vitalidade do trabalhador. Não obstante, este se sente atado ao lugar pela atração que sobre ele exerce o fato de que tem um negócio próprio, conquanto raquítico.

A distribuição da terra entre os camponeses, depois da abolição da servidão, conduz praticamente aos mesmos resultados econômicos. Os lotes que os camponeses recebem são tão pequenos que não podem manter seus proprietários nem absorver toda sua força de trabalho. O camponês se vê obrigado, ou a vender ao senhor de terra sua força de trabalho que sobra, ou a tomar em arrendamento outra parcela de terra. As condições do arrendamento são tais que um estudo detido demonstra que dito arrendamento constitui uma forma encoberta de vender a força de trabalho. As férias obtidas nesta parcela só são suficientes para completar as economias do camponês de modo que estas cheguem ao nível do valor dos meios necessários de vida. O senhor de terra prefere arrendar sua propriedade em pequenas parcelas a explorar o cultivo em grande escala por se mesmo, porque deste modo obtém uma maior quantidade de trabalho.

Tal sistema só oferece certas vantagens ao capitalista enquanto não há necessidade imperiosa de aumentar o rendimento do trabalho e enquanto a questão da qualidade não é de grande importância. Por este motivo, desaparece com o transcurso do tempo, primeiro nas indústrias manufatureiras, que se desenvolvem mais rapidamente, e depois, pouco a pouco, na agricultura (em que ainda hoje dá sinais de vida).

O aumento da intensidade do trabalho encerra quase a mesma significação que a dilatação da jornada. Neste caso, verifica-se o gasto de uma maior quantidade de força de trabalho em um número menor de horas. À parte algumas considerações de menor importância (como, por exemplo, que com uma jornada mais curta se gasta menos com iluminação, etc.), ao industrial lhe é indiferente aumentar a jornada de dez para onze horas ou aumentar a intensidade do trabalho em uma decima parte. O método usual de aumentar a intensidade do trabalho consiste em introduzir o trabalho por peça ou por empreitada. Nas primeiras fases do capitalismo este sistema de aumentar a mais-valia desempenhou um papel relativamente insignificante, porque é quase incompatível com uma larga jornada de trabalho, como a então habitualmente estabelecida, e porque o escasso nível de desenvolvimento da classe operária, sua pouca alimentação e, em geral, suas reduzidas necessidades, tornavam simplesmente impossível uma grande intensidade do trabalho.

Se a jornada de trabalho continua sendo a mesma e o tempo de trabalho necessário diminui, o tempo de trabalho suplementar e a mais-valia aumentam. Por exemplo, se em uma jornada de doze horas o tempo de trabalho necessário é reduzido de seis para cinco horas, o tempo de trabalho suplementar é aumentado de seis para sete horas.

Mas de que maneira é reduzido o tempo de trabalho necessário? Evidentemente reduzindo o valor da força de trabalho.

O valor da força de trabalho é o valor dos meios necessários de vida do operário, é a quantidade da força de trabalho social necessária para sua reprodução. Se estes meios de vida — pão, carne, roupas, etc. — podem ser produzidos com menos gasto de força de trabalho que antes, quer dizer, se a produtividade do trabalho na agricultura, na indústria têxtil, etc., aumenta, o valor da força de trabalho diminui.

Assim, se o valor dos artigos que um operário costuma consumir em um dia representa cinco horas, e, com o desenvolvimento dos meios de produção, é reduzido a quatro, em uma jornada de dez horas o tempo de trabalho suplementar aumentará de cinco para seis horas e a taxa de mais-valia aumentará de 100% para 150%. Ao mesmo tempo, o salário do operário baixará de dois shillings e meio diários para dois shillings. Com este dinheiro poderá comprar os mesmos artigos de consumo que antes.

Com o aumento da produtividade do trabalho aumenta simultaneamente a mais-valia de todos os capitalistas da sociedade. Em determinadas circunstâncias, não obstante, o capitalista individual pode reduzir o tempo necessário em sua empresa e assim aumentar o tempo suplementar. Isto ocorre quando se encontra em condições de poder aumentar a produtividade do trabalho em sua empresa acima do nível normalmente estabelecido no ramo da indústria de que se trate. Pode, por exemplo, implantar em sua empresa uma maior divisão do trabalho que a que existe nas outras ou introduzir uma máquina cujo emprego não se tenha generalizado ainda.

Quando um capitalista individual aumenta a produtividade do trabalho em sua fábrica, a mais-valia desta aumenta também. Não obstante, este fenômeno é completamente transitório. Pouco a pouco os demais capitalistas introduzem os mesmos melhoramentos em suas fábricas, c os que não possuem suficientes meios para fazê- lo são eliminados pela concorrência. Neste caso o método usual de fabricação sofre uma modificação e o tempo socialmente necessário para a produção diminui. Baixam, então, o preço dos artigos e os lucros de cada capitalista individual, inclusive do que primeiro introduziu os melhoramentos, descem às proporções normais e mesmo podem reduzir-se ainda mais.

Portanto, é vantajoso para cada capitalista individual introduzir melhoramentos em sua fábrica; mas para a classe capitalista como um todo, isto não constitui nenhuma vantagem, porque conduz finalmente à redução dos valores e, por conseguinte, à redução dos preços das mercadorias.

Aumentando de diversas maneiras a quantidade de mais-valia que obtém de seus operários, o capitalista aumenta seu lucro, que é o mais importante para ele. Mas existem diversos meios de que pode servir-se o capitalista para aumentar seus lucros acima do nível normal independentemente da quantidade de mais-valia. Entre eles se encontra o sistema de empregar mais cuidado que o habitual no emprego do capital constante e do capital variável.

Se na construção de sua fábrica o capitalista economiza o espaço mais que de ordinário, de modo que os operários se acotovelam em suas oficinas; se gasta o menos possível com calafetação, iluminação, ventilação e higiene; se obriga seus operários a empregar os utensílios até que sofram muito maior desgaste que no caso dos demais capitalistas, os quais não fariam isto, pelo perigo que pudesse constituir para os operários, ou por outros inconvenientes, com tudo isto obterá no capital constante uma economia superior à normal. A quantidade de capital invertido para uma quantidade dada de lucros resultará reduzida e, por conseguinte, aumentará o teor de lucro do capitalista, sem afetar a soma de trabalho suplementar da fábrica, que continua sendo a mesma.

Quando o capitalista compra força de trabalho por menos de seu valor social, obterá uma economia superior à ordinária no capital variável. Também neste caso os lucros individuais aumentam sem que a soma de mais-valia varie (posto que a mais-valia é a força de trabalho que um operário gasta acima do valor social deste, e esse não sofre alteração).

Estes são, em largos traços, os métodos com cuja aplicação se aumentam os lucros de uma empresa com um número dado de operários. Se o número de operários aumenta, é evidente que as mais-valias também aumentam, e, com elas, os lucros. A mais-valia obtida de duzentos operários é o dobro da obtida de cem, etc.

O emprego de grande número de operários é importante também pela razão de que permite uma maior divisão do trabalho e, por conseguinte, um aumento de sua produtividade, o que, como já vimos, conduz a um aumento transitório da mais-valia.

O aumento direto do trabalho suplementar mediante a dilatação da jornada de trabalho ou pelo aumento da intensidade deste é limitado sempre pela capacidade física do organismo humano e, em determinadas circunstâncias, pela oposição dos operários.

O aumento da produtividade do trabalho em uma empresa é limitado pelo estado geral do conhecimento técnico no período dado. É impossível introduzir um aperfeiçoamento antes que haja sido inventado. E a economia extraordinária de capital — a superexploração — só é possível desde logo à medida em que não tropeça com suficiente resistência por parte da classe operária.

O sistema de aumentar os lucros aumentando o número de operários, com o aumento correspondente das proporções da empresa, quase pode considerar-se isento de toda limitação. O único obstáculo com que pode tropeçar é a insuficiência do capital para a ampliação do negócio.

Toda expansão industrial é levada a cabo graças à acumulação capitalista, em lugar de gastar todos seus lucros em suas necessidades pessoais, junta parte deles a seu capital e adquire utensílios, matérias primas e força de trabalho. Esta acumulação é também necessária para outros fins, como, por exemplo, quando, para aumentar a produtividade do trabalho, é necessário efetuar um gasto extraordinário em algum aperfeiçoamento técnico. A mesma prolongação da jornada de trabalho acarreta um gasto extraordinário de matérias primas e de utensílios e, portanto, exige acumulação capitalista.

É mister fazer uma rigorosa distinção entre acumulação capitalista e acumulação primitiva simples, a qual consiste não na expansão de empresas industriais, mas simplesmente na acumulação de dinheiro.

Na época do capitalismo só é de importância a acumulação capitalista: a acumulação primitiva se torna insignificante e se converte mesmo em acumulação capitalista. Suponhamos que a soma total do capital acumulado primitivamente se eleva a 100.000.000 de libras, com cuja soma se tenham estabelecido empresas que produzem uma mais-valia anual, de 10.000.000 de libras. Para simplificar, suponhamos que o capitalista não realize uma acumulação crescente, mas consuma a totalidade do produto suplementar. Neste caso, no ano seguinte o capital será, como antes, de 100.000.000 de libras; mas do capital acumulado primitivamente somente subsistirão 90.000.000 de libras, porque os 10.000.000 restantes são formados pela mais-valia. No ano seguinte ficarão 80.000.000 de libras do capital acumulado primitivamente, e os outros 20.000.000 serão de mais-valia. Ao cabo de dez anos, a totalidade do capital acumulado primitivamente terá desaparecido, sendo substituído por completo pela mais-valia obtida nos dez anos.

Por conseguinte, todo capital dado, seja qual for o sistema seguido na acumulação primitiva, pode considerar-se como mais-valia acumulada. Como já explicamos, a mesma acumulação primitiva deve sua existência em grande parte a diversas formas de aquisição de trabalho suplementar (servidão, escravidão, pilhagem colonial, etc.). desempenhando a economia dos produtores escasso papel neste sentido.

Assim, desenvolvendo a acumulação em geral, esforçando-se por aumentar suas forças monetárias, o capitalista chega naturalmente à acumulação capitalista, que constitui uma necessidade para expansão de sua empresa capitalizando de vez em quando os lucros que obtém.

Ainda quando a ânsia de acumulação monetária tivesse um limite além do qual fosse impossível ao capitalista ampliar e aperfeiçoar tecnicamente sua empresa, a concorrência o obrigaria a abaixar dito limite.

A concorrência entre as diferentes empresas consiste em que cada uma se esforça por derrotar as outras no mercado. O sistema de luta consiste em reduzir os preços e melhorar a qualidade das mercadorias.

Nesta luta as grandes empresas, que dispõem de vultosos capitais, levam uma vantagem decisiva sobre as pequenas.

O custo de produção nas grandes empresas é menor que nas pequenas, ainda quando o nível da técnica seja o mesmo. Suponhamos duas fábricas de tecidos, uma das quais tem dez máquinas de fiação e a outra cem. A segunda poderá produzir dez vezes mais fio que a primeira, mas o custo de produção não será de modo algum dez vezes maior. A estrutura da segunda fábrica não necessitará ser dez vezes superior à da primeira. Suponhamos que é oito vezes maior: não terá de manter dez foguistas, mas, digamos, quatro; nem dez engenheiros, mas somente um. As economias realizadas pelas grandes empresas são singularmente importantes no caso do emprego da força motriz. O seguinte quadro demonstrará como o custo por unidade de cavalo de força por hora diminui em proporção ao aumento do motor:

Classe de Motor 1 HP. 3 HP. 6 HP.
Shll. D. Shll. D. Shll. D.
A vapor 0 7 1/2 0 41/2 0 3 3/4
A gas 0 6 0 41/2 0 3 3/4
A querosene 1 3 0 11 0 7

Como pode ver-se o aumento em seis vezes na força do motor a vapor, origina uma redução de 50% do custo da unidade, redução que no motor a querosene é de 53%. Nos motores grandes se obtém também economia de combustível.

Mas isto não é tudo. Uma grande empresa que disponha de muito capital, não somente pode organizar a produção em grande escala e deste modo reduzir, como já se demonstrou, o custo de produção, mas também está em condições de adquirir os últimos aperfeiçoamentos técnicos, que reduzem ainda mais o custo de produção das mercadorias.

Por outro lado, o grande capital e, por conseguinte, as grandes empresas, se desenvolvem muito mais rápidamente que as pequenas. Quanto maior é a empresa maior é o lucro que seu proprietário obtém e maior a parte desse lucro que pode ser invertido na ampliação do negócio.

Igualmente, as grandes empresas têm muito mais probabilidades de conquistar o mercado porque estão em melhores condições para suportar certa redução dos preços. Um pequeno capitalista que apenas obtém lucro suficiente para ir vivendo ver-se-á levado à borda da ruína por uma baixa transitória dos preços e sua ruína será certa se esta baixa se prolongar. O grande capitalista, ao contrário, que só emprega parte de seus lucros em suas necessidades pessoais e dedica o resto à ampliação de sua empresa, em caso de redução dos preços não tem a fazer mais que paralisar a expansão, e, se bem possa sofrer perdas, não acabará por arruinar-se senão depois de muito tempo.

Incapaz de resistir a concorrência, o pequeno capitalista se vê obrigado a vender sua fábrica e seus utensílios e perde suas funções organizadoras na produção social. O grande capitalista adquire sua empresa e deste modo o capital se concentra paulatinamente em suas mãos.

Tal é o processo da concentração da indústria, que é ao mesmo tempo o processo da concentração do capital, sua concentração em um número decrescente de empresas. Do ponto de vista estatístico, isto se manifesta na diminuição continua do número de empresas.

O processo da concentração do capital, que se manifesta pelo incremento das grandes empresas e pela concentração de uma parte cada vez maior da produção das grandes fábricas e finalmente pela eliminação das pequenas empresas, é o resultado da capitalização, quer dizer, da conversão em capital operante de uma enorme massa de mais-valia produzida pelos capitais individuais. Mas este processo tem como complemento a centralização do capital, quer dizer, a fusão de varias empresas em uma só. Isto se verifica pelo estabelecimento de companhias de responsabilidade limitada que reúnem capitais que se haviam formado independentemente uns de outros e permitem organizar as gigantescas empresas peculiares ao período do capitalismo desenvolvido. Criadas por este sistema de centralização de capitais, estas grandes empresas aceleram ainda mais o processo da concentração, pois o desenvolvimento desta progride com o aumento de proporções das empresas individuais.

O processo de centralização encontra sua mais alta expressão na fusão de diferentes empresas sob uma direção comum, em outras palavras, no estabelecimento de organizações capitalistas que às vezes abrangem indústrias inteiras. Estas organizações recebem o nome de "carteis", sindicatos e trustes, que constituem a característica distintiva do capitalismo moderno e que mais adiante serão estudados.

Uma consequência imediata da concentração e centralização do capital é a centralização dos operários.

Esparsos nas primeiras fases do desenvolvimento entre centenas de empresas individuais, pouco a pouco se vão concentrando em enormes fábricas e oficinas. Deste modo, milhares e às vezes dezenas de milhares de operários trabalham sob o mesmo teto, ligados por interesses comuns e pela identidade de sua situação. Isto facilita a organização dos operários, os quais se unem em pujantes sindicatos que sustentam uma luta conjunta pela melhoria de sua situação.

Devido ao incremento da proletarização, motivado pela concentração do capital que elimina as empresas pequenas, e pelo desenvolvimento da produção mecânica, que requer menor número de operários, assim como pela afluência de trabalhadores dos países atrasados — a classe capitalista dispõe sempre de um grande contingente de operários. Isto significa, em primeiro lugar, que a soma recebida pela classe operária diminui correlativamente, e, em segundo lugar, que os operários dos países capitalistas desenvolvidos tropeçam com a concorrência da mão-de-obra "negra" ou "amarela". O teor de vida dos operários destas raças e, por conseguinte, o custo da reprodução de sua força de trabalho é menor que o dos operários civilizados, e isto contribui para piorar a situação dos trabalhadores.

Tudo isto estimula em geral a luta de classes e os operários começam a compreender que dentro do sistema capitalista não há salvação. Conseguintemente, empreendem uma luta pela abolição completa da sociedade capitalista e pela organização da produção sobre a base socialista. No curso desta luta desempenha um importante papel o processo de concentração, porque facilita a organização dos operários, desperta sua consciência de classe e põe de manifesto o caráter contraditório do sistema capitalista, em que a produção adquire um caráter cada vez mais social, enquanto que a propriedade do que é produzido tem um caráter cada vez mais privado e individual.

VII - Conceito do mercado e das crises

Na sociedade autônoma natural, o processo de produção é dirigido de conformidade com um plano concreto e preconcebido. Suponhamos uma grande família de tipo eslavo, formada por sessenta ou oitenta pessoas, e economicamente autônoma. Os que dirigirem o trabalho de toda esta família conhecerão a extensão de suas necessidades, a quantidade que se precisa de alimentos, roupas, utensílios, etc., de um lado, e de outro, a quantidade de forças de produção de que se dispõe, quer dizer, os meios de produção e o número de pessoas capazes de trabalhar. A força motriz de semelhante sociedade é o desejo de satisfazer completamente as necessidades de seus membros e nisso se baseia igualmente a distribuição das forças de produção. Neste caso, a produção se desenvolverá normalmente ano após ano, sem contratempo nenhum, à exceção das calamidades naturais, como uma má colheita, um incêndio, uma epidemia, etc..

O sistema da troca, e sobretudo o capitalismo, apresentam um quadro completamente diferente. Formado por um aglomerado de empresas formalmente independentes, tem um caráter anárquico e desorganizado.

Sequer um capitalista sabe quantas mercadorias de uma ou de outra especie serão compradas, que limites poderá alcançar a procura. Aqui não há nenhum órgão que indique a cada empresa individual quanto deve produzir para um período dado, nem órgão nenhum para distribuir entre os consumidores os artigos produzidos. Ao contrário, cada fabricante procede com absoluta independência e por sua conta e risco, e sua única finalidade é aumentar o rendimento para aumentar seus lucros.

A única lei que regula a produção capitalista, considerada como um todo, é o movimento dos preços do mercado. Se a quantidade de produtos de uma indústria dada excede à sua necessidade real, a oferta supera a procura e os preços começam a baixar, e vice-versa.

No primeiro caso, o fabricante, sofrendo prejuízo, passa a diminuir a produção e, no caso contrário, aumenta-a.

Assim, pois, o órgão regulador do sistema autônomo natural e a vontade consciente da comunidade são substituídos pelas forças do mercado, forças que existem acima do homem e que são independentes de sua vontade. O mercado é o lugar onde podem ser vendidas as mercadorias produzidas, onde o fabricante pode converter a mais-valia na forma monetária universal e onde pode encontrar dispositivos de diversa índole para obter lucros. O mercado é a força cega que dirige todas as operações do fabricante capitalista. Por conseguinte, devemos proceder antes de tudo a seu estudo.

Toda indústria serve de mercado para certo número de outras indústrias, as quais por sua vez servem de mercado a outras.

A indústria mineira proporciona combustível e matérias primas para as fábricas de maquinaria, as quais proveem por sua vez, às minas, de máquinas diversas: ventiladores, ascensores, etc. A maquinaria, as matérias primas e toda classe de materiais auxiliares são necessários a todas as indústrias, e por conseguinte para a fabricação de artigos de consumo, e o mercado principal para os artigos de consumo é a força de trabalho, que se acha positivamente ligada a todas as indústrias. Devido a estes laços, as alterações que uma indústria experimenta no mercado (expansão ou retraimento) repercutem sobre as outras e originam consideráveis alterações na produção capitalista considerada em conjunto.

Todas as indústrias relacionadas pelos indissolúveis laços anteriormente mencionados devem dividir-se em dois grandes grupos: o da produção dos meios de produção (utensílios e matérias primas) e o da produção de artigos de consumo. O primeiro compreende a fabricação de diferentes máquinas, matérias primas (metais, algodão em bruto, tintas, etc.) e materiais auxiliares (carvão, lubrificantes, etc.); o segundo compreende as indústrias que satisfazem as necessidades humanas imediatas, como a agricultura, a panificação, a fabricação de tecidos, etc. A característica da produção dos artigos de consumo consiste em que pode originar indistintamente uma expansão ou um retraimento do mercado, enquanto que a dos meios de produção só aparece como um elo subsequente na cadeia da expansão ou do retraimento. Apesar da anarquia da produção capitalista, as máquinas não são produzidas de modo algum por elas mesmas, nem o carvão, nem o ferro. É certo que há máquinas que produzem outras da mesma especie; mas em última análise estas são destinadas à fabricação de artigos de consumo. Por conseguinte, a expansão só pode originar-se na esfera dos artigos de consumo, e o ponto de partida da expansão do mercado como um todo será sempre o aumento do mercado de consumidores. Logo, a produção dos meios de produção pode originar uma alteração no mercado; mas esta alteração não terá um caráter independente, mas derivado.

Tendo explicado a cadeia de conexões que existe entre as diversas indústrias, poderemos passar a estudar o processo de realização e as condições que são necessárias para a circulação normal da produção capitalista.

A realização dos valores das mercadorias outra coisa não é senão a venda das mercadorias no mercado. Isto constitui o objetivo final de toda empresa capitalista e o meio de assegurar-se novas energias para a prolongação de sua existência. Se a realização se interrompe, se uma fábrica não pode vender as mercadorias que produziu, não lhe será possível comprar novas matérias primas nem contratar novos operários e terá de fechar-se.

O processo de realização dos valores das mercadorias na produção capitalista transcorre sem tropeço nenhum quando não há expansão da produção. Isto sucede quando a classe capitalista limita sua mais-valia e suas necessidades pessoais e, por conseguinte, não acumula. Nestas condições, a escala da produção não pode variar, e, durante um largo período de tempo, a repetição da atividade produtiva se verifica em uma mesma escala. Isto é o que se chama reprodução simples.

No caso da reprodução simples, a realização se verifica sem entraves e sem nenhuma alteração do curso da produção. Mas semelhante coisa só é concebível em teoria. Na prática, a reprodução simples é uma rara exceção, posto que a sociedade humana nunca estaciona, mas está em contínuo desenvolvimento. Na realidade só uma parte da mais-valia é consumida pelo capitalista, o qual, sob a pressão das forças elementares da concorrência, inverte a maior parte dela na expansão de sua empresa. Na prática encontramos a reprodução, não simples, mas desenvolvida, em que a realização já não é tão simplista.

Para simplificar nosso estudo suponhamos que a totalidade da produção é um simples aparelho técnico. Suponhamos que o capital total invertido anualmente se eleva a 1.000 unidades (seja de tempo, de trabalho ou de libras esterlinas). Suponhamos que a composição orgânica do capital, quer dizer, a relação entre o capital constante e o variável, é de 4 : 1. Em tal caso, a totalidade de nosso capital social será 800 C + 200 V (representando por C o capital constante e por V o variável) . Com uma taxa de mais-valia de 100%, teremos, depois da primeira rotação, produtos no valor de 800 + 200 V + 200 MV (mais-valia) = 1.200. Se se trata de uma indústria que quer ampliar sua produção, a mais-valia (200 MV) só em parte será consumida pelos capitalistas, e, o resto, será acumulado, quer dizer, convertido em capital produtivo. Suponhamos que se acumula a metade da mais-valia, isto é, 100. Esta soma, supondo que a composição do capital não varie, se dividirá em 80 C + 20 V. A segunda rotação começará com um capital de 880 C + 220 V e os produtos resultantes serão 880 C + 220 V + 220 MV = 1.320. Para que possa ser possível a acumulação nesta escala é necessário produzir uma quantidade adicional de meios de produção, no valor de 80 unidades, e artigos de consumo, no valor de 20 unidades. Se isso não acontece; se, por exemplo, a quantidade de artigos de produção criados continua sendo a mesma, quer dizer, só de 800 unidades, haverá superprodução destes artigos, no valor de 80 unidades, que não encontrarão saída, e o equilíbrio do sistema capitalista ficará alterado.

Suponhamos, não obstante, que não se produziu tal transtorno e que a rotação que estamos estudando terminou satisfatoriamente. Vem então o terceiro ciclo, no qual tem de ser acumulada a metade da mais-valia do ciclo precedente, isto é, 110 unidades. O produto excedente, sempre e quando a composição do capital continue sendo a mesma, se dividirá em 88 unidades para meios de produção, 22 para artigos de consumo dos operários e 110 para artigos de consumo dos capitalistas. Para que isto venha a ser possível, a produção tem de ser ampliada, não de 100 (80 C + 20 V), como no caso precedente, mas de 110 (88 C + 22 V).

Mas existem sempre condições favoráveis para a realização na acumulação? Já vimos que o consumo dos capitalistas tem de aumentar na mesma medida que a expansão da produção: de 100 para 110, de 110 para 121, etc. Mas, à medida que aumenta a mais-valia, o consumo de sua metade pelos capitalistas é cada vez mais difícil e menos lucrativo, Se bem seja fácil para um capitalista gastar, em suas necessidades pessoais, 10.000 libras esterlinas, de um rendimento de 20.000 libras, gastar 500.000 libras de um rendimento de um milhão só é possível em casos de excessiva extravagância. Por outro lado, como o capitalista vive sob a ameaça contínua de ser vencido na concorrência, vê-se obrigado a aumentar continuamente a produção, e, para isso, não se guia pela consideração de que a realização feliz das mercadorias só é possível acumulando unicamente a metade da mais-valia (segundo a suposição de nosso exemplo). Finalmente, o número de capitalistas diminui, e por conseguinte diminui a extensão de seu consumo. Sendo assim, encontramo-nos ante uma contração relativa do mercado de artigos de consumo, a qual, tendo em conta a cadeia de conexões que já examinamos, origina uma contração geral do mercado, consideravelmente superior à primeira. Aqui tem raiz a causa que leva á destruição de todo o sistema capitalista de produção.

Tal é a situação enquanto a técnica permanece em estado estacionário; mas as forças que perturbam o equilíbrio do sistema capitalista adquirem maior influência com os aperfeiçoamentos técnicos que inevitavelmente acompanham o desenvolvimento do capital. Suponhamos que se tenha introduzido algum aperfeiçoamento técnico sem se haver verificado nenhuma expansão da produção. Em tal caso, devido ao aumento da produtividade do trabalho, necessitar-se-á de menos operários para produzir a mesma quantidade de mercadorias. Isto origina uma contração do mercado de consumidores, o que, como já dissemos, origina por sua vez uma contração, muitíssimo maior ainda, de todo o mercado em geral. Aparece, então, a superprodução em certo número de indústrias, o que dá como resultado uma perturbação de todo o sistema.

É certo que os progressos da técnica é acompanhado, quase sempre, de uma expansão da produção. Suponhamos, por exemplo, que se introduz nova maquinaria na indústria têxtil. O aumento da produtividade do trabalho reduz o custo das mercadorias, e o fabricante, esperando que o tecido produzido seja usado em maiores quantidades que até então, produzirá seu artigo em maior escala. Neste caso, o número de operários empregados não sofrerá diminuição e, por conseguinte, não haverá contração do mercado de consumidores. Até mesmo pode suceder que este se amplie como consequência de um aumento na procura de artigos de consumo por parte dos capitalistas, e indubitavelmente aumentará a procura dos produtos de todas as indústrias que proveem à indústria têxtil. Deste modo pode estabelecer- se o equilíbrio sobre bases novas e mais amplas.

O mesmo não acontece quando o aperfeiçoamento da técnica se verifica, não na esfera dos artigos de consumo, como no exemplo anterior, mas na esfera dos meios de produção. Suponhamos, por exemplo, que se tenha introduzido um aperfeiçoamento nos métodos da construção de maquinaria. Em tal caso tornar-se-ão precisos menos operários para produzir o número anterior de máquinas. Aumentar a produção destas e conservar o mesmo número de operários só é possível quando há uma expansão nas indústrias que empregam maquinaria. Para isso, sem dúvida, é necessário aumentar a base do setor consumidor do mercado, mas o que se dá é que este não só não aumenta como mesmo sofre uma contração devido à redução do número de operários empregados na produção de máquinas. Para que a realização dos valores das mercadorias possa desenvolver-se sem obstáculo, é necessário que, junto à expansão da produção de máquinas, haja uma expansão em outras indústrias; mas as probabilidades de que isto aconteça são mui pequenas. E aqui o sistema capitalista vê seriamente ameaçado seu equilíbrio.

Para restabelecer este os capitalistas procuram novas saídas para seus produtos nos mercados exteriores, como, por exemplo, em países pré-capitalistas atrasados e nas colonias, e entre os agricultores independentes dos países burgueses(10). Mas no curso de seu desenvolvimento, a agricultura é atraída tarde ou cedo à esfera do capitalismo e deixa de ser, para o capitalismo um "mercado exterior". O mesmo ocorre com os países atrasados. O capitalismo destrói sua economia autônoma natural, desenvolve neles a produção de mercadorias e, inundando-os com seus próprios produtos origina a ruína de inumeráveis pequenos produtores. Deste modo a colonia se converte em um país industrial e se incorpora ao sistema capitalista mundial como um novo concorrente. A esfera dos mercados exteriores se reduz e já não pode evitar a superprodução, mas apenas encobri-la A superprodução é inevitável porque a força elementar da concorrência dá origem à expansão ilimitada do capitalismo. O capitalista não pode fazer outra coisa senão submeter-se a este influxo. Não pode pôr termo à ampliação de sua empresa nem ao desenvolvimento de sua técnica, porque se o fizesse seria vendido logo na concorrência pelos capitalistas mais enérgicos. Como o desejo de sobreviver é comum a todos os capitalistas, todos agem de igual maneira, daí resultando que a produção em geral adquire esta tendência da expansão ilimitada. Já vimos que à medida que se desenvolve o capitalismo e aumenta a produção mecânica consequente produz-se uma contração proporcional da parte fundamental do mercado, isto é, do mercado de consumidores. Tarde ou cedo, estas tendências têm de acarretar inevitavelmente uma séria desorganização de todo o sistema capitalista: temos, então, a superprodução geral.

A superprodução apareceu pela primeira vez de modo concreto no primeiro quartel do seculo XIX, quando o maquinismo capitalista havia realizado já consideráveis progressos. O período do capitalismo manufatureiro não conheceu a superprodução, porque, então, não existia esta grande tendência para o desenvolvimento, e porque havia muitos países não capitalistas que podiam ser utilizados como mercados.

A superprodução geral se manifesta pelo que se costuma chamar crises industriais. Uma crise industrial constitui uma profunda e vastíssima perturbação para todo o sistema social. É uma combinação complexa de vários fenômenos de caráter alarmante e ameaçador: baixa brusca de preços, falência de numerosas empresas, grandes massas de operários sem trabalho, etc. Esta é uma grande calamidade social que de vez em quando açoita o mundo capitalista.

Para compreender por quê a superprodução não aparece pouco a pouco, por exemplo, como uma notória e paulatina saturação dos mercados, com uma grande baixa dos preços, mas se manifesta de súbito, em forma de "crise", mister é ter-se em conta a complexidade do mecanismo capitalista e a desorganização de sua produção. Nem um capitalista sequer está exatamente inteirado acerca do estado da indústria em geral nem de uma indústria particular. A organização da Bolsa facilita até certo ponto a obtenção de tais informes mediante a publicação de um boletim diário dos preços que predominam nas praças mais importantes do mercado mundial.

Devido, porém, ao incremento incessante da produção em geral e às consideráveis oscilações da procura, isto não basta para poder julgar as mutáveis relações entre o produto total e a procura total. Deste modo, a rápida expansão da produção prossegue, não só quando há uma procura insuficiente, mas, às vezes, ainda depois que a relação entre a produção e a procura haja sido já alterada. A superprodução pode existir sem se haver manifestado. O fabricante continua seu negócio não só na escala anterior, como ainda em maior escala, crendo que encontrará clientes como os encontrou até agora. O vendedor atacadista faz-lhe grandes pedidos, contando, ou com uma venda gradual ao varejista ou com uma revenda imediata da totalidade das mercadorias. Na aparência, a situação é completamente normal e isto mesmo faz com que a superprodução se manifeste bruscamente.

Afinal chega o momento em que a superprodução se manifesta palpavelmente pela falta de compradores de determinadas mercadorias. Os preços destas baixam rapidamente e muitos fabricantes e comerciantes que oferecem estes artigos no mercado acabam arruinados, enquanto que outros se veem obrigados a reduzir ou paralisar por completo a produção. Deste modo verifica-se em uma esfera da produção social uma redução considerável e repentina da produção, com todas suas consequências: diminuição de salários, crises de trabalho, etc. Devido à estreita conexão que existe entre as indústrias, outras se veem arrastadas à crise, como, por exemplo, as que fornecem à primeira as matérias primas e os utensílios, cuja procura subitamente diminuiu. Estas, por sua vez, afetam às indústrias que têm alguma relação com elas, e assim sucessivamente. A contração do mercado afeta como uma avalanche a todas as indústrias, e todo o sistema capitalista se vê ameaçado.

Ocioso é dizer que o comércio e o crédito sofrem um perturbação econômica geral juntamente com a indústria. O que se pode acrescentar é que estas empresas, dada sua própria natureza, são as que mais sofrem. Os comerciantes são os mais diretamente afetados pela redução da procura, e os bancos se ressentem por causa da falência de muitos de seus devedores e pela corrida de seus depositantes que, amedrontados pela crise, desejam retirar seu dinheiro. A falência dos bancos e dos comerciantes, por sua vez, desorganiza as empresas industriais, que deixam de fazer uso de seus serviços, etc., etc..

Assim, pois, a deflagração de uma crise em um ramo da vida industrial afeta a todos os demais. No período da economia autônoma natural, quando os diversos grupos viviam quase isolados uns dos outros, não podia sobrevir nada semelhante: nem mesmo a destruição completa de todo um grupo afetaria sequer aos demais. Na sociedade do artesanato urbano, os vínculos que uniam as empresas individuais estavam mais desenvolvidos; mas em cada caso individual não se ex- tendiam senão a um número reduzido de empresas, pelo que toda alteração da vida econômica não tinha grande repercussão. A sociedade capitalista, com suas complexíssimas divisões do trabalho, pode comparar-se, a este respeito, com um organismo altamente desenvolvido, enquanto que as formações sociais precedentes podem ser comparadas com os organismos inferiores. Se uma parte do corpo humano sofre algum dano, o organismo inteiro se ressente, inclusive os órgãos mais afastados da parte lesada. Ao contrário, no caso do pólipo, em que as funções vitais não estão extraordinariamente repartidas entre as várias partes do corpo, um dano gravíssimo em qualquer parte deste só levemente afeta aos demais.

A característica de uma crise aguda é a transição brusca do florescimento da indústria para sua depressão. A indústria se desenvolve rapidamente até o momento mesmo em que começa a crise, e em vésperas do dia fatal as atividades industriais alcançam seu máximo grau. Os comerciantes por atacado compram dos fabricantes e compram uns dos outros entre si; os varejistas compram dos atacadistas; os especuladores que compram para a revenda criam um aumento fictício da procura. Tanto o capitalista como o operário se sentem em situação melhor que nunca. Os produtos suplementares se acumulam em grau cada vez maior. Uma enfermidade oculta se desenvolve dentro do organismo social e não se manifesta por uma crise senão quando tenha chegado a certo ponto, pelo que ao sobrevir produz uma enorme comoção.

Os primeiros sintomas da iminência de uma crise se anunciam pela falência de empresas especuladoras: começam a correr rumores de que faliu uma empresa, logo uma segunda, uma terceira depois. A esfera do crédito, parte a mais suscetível do organismo econômico, se ressente imediatamente da comoção que se avizinha e a reflete com extraordinária intensidade em uma crise financeira.

O crédito se baseia em um sentimento de confiança, e os homens são desconfiados. Ao mais leve choque que ameaça à produção social, todos os capitalistas, grandes e. pequenos, se sentem cheios de temor pela ameaça, pela sorte de seu capital. Quando impera o medo, a confiança desaparece e o crédito se funde. Por toda parte a gente se obstina em reclamar seu dinheiro. Só se procura dinheiro e nada mais, porque já não se tem confiança nos homens. Uma onda de pânico se apodera dos bolsistas, dos banqueiros e dos correntistas, e os bancos se veem assediados por uma multidão de depositantes. Obrigados a pagar a seus credores, mas sem poder cobrar suas dívidas ativas, muitos bancos chegam à falência e, com eles, seus depositantes, os capitalistas.

As empresas comerciais e industriais, possuídas da febre do dinheiro, se apressam a vender suas mercadorias. Enquanto isso, a procura diminui ainda mais, porque todo o mundo se empenha em reter seu dinheiro. O mercado se vê abarrotado de mercadorias e os preços baixam até o máximo. Novas empresas industriais começam a fracassar uma após outra, e as que sobrevivem reduzem ou paralisam a produção. O exército de operários sem trabalho se eleva rapidamente a centenas de milhares, e entre eles se encontram agora muitos capitalistas arruinados. Todos os fracos, no sentido capitalista da palavra, são eliminados, e até os fortes sofrem considerável abalo.

Toda crise é seguida de uma paralisação. Já não se verifica nenhuma nova falência; mas tão pouco se faz qualquer progresso: a produção e o mercado se mantêm em um estado de depressão.

Pouco a pouco a massa de produtos que enche o mercado começa a desaparecer, e estes são vendidos paulatinamente. As grandes empresas se refazem e começam a estender pouco a pouco seu negócio. Pouco a pouco a paralisação cede o caminho à prosperidade industrial. A produção torna a alcançar suas proporções precedentes e depois as supera. Ao mesmo tempo se põe de manifesto que muitas das pequenas empresas desapareceram e que o número total de empresas é menor. O comércio floresce ainda mais. O desenvolvimento impetuoso da produção se torna novamente inevitável. A repetição das causas traz consigo a repetição dos efeitos, até que, no momento em que parece existir um maior florescimento, deflagra uma nova crise.

Estes ciclos se têm repetido várias vezes no seculo passado. A primeira crise geral ocorreu em 1825-26; a segunda, em 1836-37; a terceira, 1847-48, e, a seguinte, em 1857. Até esta data costumavam produzir-se cada dez anos. A seguinte, entretanto, se produziu em 1873. Por sua magnitude e dimensões superou em muito a todas as precedentes: estendendo-se de um país a outro, durou vários anos, pelo menos até 1878, e, depois, houve uma pausa até começos de 1890.

Pouco a pouco a paralisação cedeu o passo a uma nova fase de prosperidade, e, depois de vários anos de florescimento, estalou outra crise, em 1899, que afetou a toda a Europa capitalista. Durou vários anos e atingiu tremendas proporções. Na França, por exemplo, onde os efeitos foram menores que na Alemanha, o número de operários sem trabalho aumentou de 400.000, em 1896, para 900.000, em 1902.

A história do capitalismo demonstra, pois, que se bem bem que as crises se repetem não o fazem com intervalos regulares. As primeiras estão separadas entre si por períodos de dez anos; a de 1873 verificou-se dezesseis anos depois da precedente, e, a que se produziu nos albores do seculo XX, vinte e seis anos depois.

Isto se deve a que a duração dos ciclos industriais (prosperidade e paralisação) é determinado por forças retardatárias e aceleradoras. As primeiras consistem na crescente complexidade e expansão do sistema capitalista, que, à medida que se desenvolve, abrange novos países. A divisão social do trabalho e o aumento da especulação produzem também um efeito retardatário. Os vínculos que unem as indústrias que fabricam artigos de consumo às que as suprem dos utensílios e matérias primas necessários tornam-se cada vez mais complexos, e a difusão de uma onda de retraimento ou expansão do mercado exige mais tempo,

As forças que aceleram a crise consistem, em primeiro lugar, no aperfeiçoamento da técnica das comunicações. Os trens de ferro e os vapores, o correio, o telégrafo e o telefone, reduzem o tempo necessário para o transporte dos produtos e aceleram a rotação do capital, encurtando, por conseguinte, o período dos ciclos industriais. Também influi neste sentido a estandardização das empresas produtoras de matérias primas e semimanufatureiras com as que produzem o artigo (plantações de algodão, fábricas de fiação e de tecidos).

Se ambas as tendências têm igual intensidade e se neutralizam, a duração dos ciclos industriais, como sucedeu durante 1836-47 e durante 1847-57, não sofre nenhuma modificação. Se as tendências retardatárias prevalecem, os ciclos são mais prolongados, como em 1857-73 e 1873-99.

As crises parciais se distinguem das crises gerais, em primeiro lugar, pelo fato de que as primeiras são devidas a causas acidentais, alheias à tendência do capitalismo para a superprodução, e em segundo lugar, porque têm um alcance muitíssimo menor. Em regra geral, só afetam a países isoladamente ou a uma esfera determinada da produção social, fora da qual têm fraca repercussão. Mas as crises parciais podem ser por se sós extraordinariamente graves, e em certos casos apenas por sua intensidade podem distinguir-se das verdadeiras crises mundiais.

As crises parciais podem ser motivadas por guerras, revoluções, más colheitas e grandes especulações bolsistas. Assim, por exemplo, a crise algodoeira inglesa de 1863-1864 foi motivada pela guerra de Secessão nos Estados Unidos. A depressão econômica geral que predominou na Rússia em 1891-92 foi devida a uma serie de más colheitas, etc.

De todas as esferas da economia social, a mais afetada pelas influências perturbadoras é a do crédito. Por exemplo, quando se aproxima uma guerra, surge o temor de que vários países venham a ficar arruinados e seus capitalistas, e sobretudo seu Governo, não possam pagar suas dívidas. A instabilidade da situação destrói o crédito. Ao mesmo tempo aumenta a procura de dinheiro e muitos capitalistas são convidados a satisfazer compromissos que contavam adiar. Devido à desproporção entre a procura e a oferta de dinheiro, a crise do crédito se complica com uma crise financeira, e a depressão do crédito se alia a uma diminuição do dinheiro necessário para os pagamentos. Como é natural, a perturbação se estende à indústria e o aumento da procura de dinheiro afeta aos capitalistas industriais, cujo capital consiste principalmente em meios de produção e artigos acabados, mas não em dinheiro, constituindo para eles uma carga fastidiosa.

As crises originam certa deterioração da produção social, uma decadência transitória das forças de produção, da sociedade; mas também servem de poderoso estímulo para o progresso técnico, para o desenvolvimento ulterior das forças de produção. Em primeiro lugar, como resultado das crises, a concorrência se intensifica até o máximo. Em segundo lugar, o desejo de recompor-se das perdas experimentadas obriga os capitalistas a procurar novos métodos de enriquecimento. E, em terceiro lugar, e principalmente, os capitalistas consideram a extraordinária baixa dos preços como a causa das perdas que experimentaram durante a crise, e se esforçam naturalmente por elevar a técnica de suas empresas a tal grau que a baixa dos preços, por maior que possa ser, não lhes origine nenhuma perda.

Ao acelerar o progresso técnico, as crises facilitam o desenvolvimento das relações capitalistas com todas suas consequências, inclusive as novas crises. Neste caso, a tendência ao desenvolvimento se apresenta estreitamente ligada com a tendência à deterioração.

Vemos, pois, que as crises são uma doença inevitável que afeta de vez em quando a toda a sociedade capitalista. Constituem uma ameaça contínua e deparam aos capitalistas o problema de regular a produção.

É possível, entretanto, regular a produção dentro da estrutura do capitalismo?

A isto pode responder-se negativamente pela seguinte razão; para regular a produção é necessário, sobretudo, suprimir seu caráter anárquico e a concorrência que predomina no capitalismo. Nos países capitalistas industriais às vezes se organizam indústrias inteiras em poderosas organizações: sindicatos e trustes. É certo que estas organizações conseguem frequentemente suprimir a concorrência entre as empresas isoladas de uma mesma indústria; mas no marcado mundial, que é o verdadeiro mercado capitalista, subsiste a concorrência pela razão de que, devido ao antagonismo de interesses, nã6 costumam realizar-se convênios entre as grandes unidades capitalistas, e quando se efetuam se desfazem logo em seguida, como bolhas de sabão. A diferença entre esse e o reinado ilimitado da livre concorrência é que a luta entre numerosos capitalistas individuais é substituída por uma luta entre uns tantos batalhões, economicamente bem armados, de capitalistas organizados em sindicatos e trustes.

A ideia de suprimir as crises na sociedade burguesa é, portanto, uma utopia. As crises são um resultado das características fundamentais do sistema capitalista e só podem desaparecer com elas. Unicamente a produção organizada e baseada, não no lucro, mas na maior satisfação possível das necessidades da sociedade inteira, só uma sociedade que não conheça uma "insuficiência" da capacidade aquisitiva das massas e em que, por conseguinte, não haja classes, pode suprimir as crises.


Notas de rodapé:

(5) Engenho hidráulico. (retornar ao texto)

(6) Convém advertir de antemão que as próprias relações capitalistas criam um excedente permanente de força de trabalho, o chamado exército de reserva da indústria. De fato, a acumulação primitiva da força de trabalho assalariado na Europa criou um excedente considerável desde o início do período manufatureiro. (retornar ao texto)

(7) Dinheiro papel. (N. do T.). (retornar ao texto)

(8) Não obstante, é tendência peculiar do capitalismo mecânico aproximar cada vez mais a função produtiva, a posição social e a mentalidade deste grupo, do trabalho menos complexo. Esta tendência afeta principalmente ao setor inferior e mais numeroso do pessoal intelectual, que pouco a pouco perde sua linha divisória e se confunde com o setor não privilegiado dos operários. No que respeita ao setor mais reduzido do pessoal intelectual, que ocupa os postos mais elevados ao serviço do capitalista e está mais perto dele, por sua origem e seus hábitos, a tendência opera de modo diferente. À medida que as relações econômicas se desenvolvem e o definem, este setor superior se associa definitivamente com a classe capitalista. (retornar ao texto)

(9) Entre os impostos diretos se encontram os aplicados sobre os bens imóveis. Estes impostos, diferentemente dos aplicados aos indivíduos (por exemplo, o imposto sobre a renda, determinado sobre a totalidade da renda das propriedades do contribuinte) são estabelecidos sobre coisas que produzem lucros ou que têm valor, como prédios, terras, empresas, etc., e, portanto, podem ser transferidos ao consumidor. Qual é, por exemplo, o resultado de um imposto sobre as propriedades urbanas? O proprietário de uma casa, da mesma forma que o capitalista, só inverterá seu capital no imóvel se este produzir a taxa de lucro habitual. Se a aplicação de um imposto reduz seus lucros, sua taxa de lucro será inferior ao dos demais capitalistas. A consequência será que a construção de casas sofrerá uma paralisação temporária e os alugueres subirão até que os lucros do proprietário de imóveis alcancem o nível normal, o que significa que o imposto foi transferido aos inquilinos ou arrendatários. Vê-se, portanto, que os impostos diretos sobre os bens imóveis só são diretos quanto à forma de sua imposição: na realidade não são mais que uma forma de tributação indireta. (retornar ao texto)

(10) Em regra geral, o termo "mercador exterior" se aplica aos mercados situados fora da fronteira de um Estado capitalista dado; mas quando se considera o "capitalismo" como uma só entidade, o conceito de "mercados exteriores" neste sentido não tem significação para nós outros. (retornar ao texto)

Inclusão 17/05/2016