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Toda ciência representa um conhecimento sistematizado dos fenômenos de uma dada esfera da experiência humana. O conhecimento de tais fenômenos significa a compreensão de suas relações mútuas, o estabelecimento de sua interdependência, o que permite utilizá-los em proveito do homem. Da mesma forma que em outras esferas, esta necessidade se manifesta na atividade econômica do homem, no processo da luta que a Humanidade continuamente sustenta contra a Natureza pela sua subsistência e seu desenvolvimento. No decurso de sua experiência de trabalho, o homem descobre, por exemplo, o fato de que friccionando dois gravetos com suficiente energia e durante suficiente tempo, produz-se fogo, e que este fogo possui a notável qualidade de produzir nos alimentos uma alteração que facilita o trabalho dos dentes e do estômago e, ao mesmo tempo, permite satisfazer o organismo com uma quantidade menor de alimento. As necessidades práticas da Humanidade, pois, obrigam-na a estabelecer uma relação entre estes fenômenos, e, uma vez conhecida esta relação, a Humanidade começa a utilizar aqueles como armas em sua luta pela vida. Entretanto, este conhecimento dos fenômenos não constitui ainda a ciência. Esta pressupõe um conhecimento sistematizado da soma total dos fenômenos de um setor definido da experiência humana. Neste sentido o conhecimento da relação existente entre o friccionamento, o fogo, etc., pode considerar-se unicamente como o embrião de uma ciência, da ciência que atualmente se ocupa dos processos físico-químicos.
A ciência econômica, ou economia política, é a que estuda as relações de trabalho que existem entre os homens.
No processo da produção, os homens, premidos pela necessidade natural, entram em determinadas relações mútuas. A história da Humanidade não conhece nenhuma época em que os homens vivessem completamente isolados uns dos outros e que procurassem individualmente os meios de subsistência. Mesmo nos mais remotos tempos, a caça de animais ferozes, o transporte de grandes pesos, etc., exigiam uma cooperação rudimentar. A crescente complexidade da atividade econômica trouxe consigo a divisão do trabalho entre os homens, e, graças a ela, um homem realizava uma parte do trabalho comum; outro, outra parte, etc. Nessa primeira fase da cooperação e da divisão do trabalho, os homens entram já em relações concretas, com o que ficavam estabelecidas as primeiras relações de produção. Mas a esfera de ditas relações é, hoje em dia, muito mais complexa e maior.
À medida que subimos a escala do desenvolvimento da Humanidade, descobrimos novos fatos: o servo entrega a seu senhor uma parte do produto de seu trabalho; os operários trabalham para os capitalistas; o artesão produz, não para satisfazer ao seu próprio consumo, mas, em sua maior parte, para o camponês, o qual, por sua vez, entrega ao artesão uma parte do produto de seu trabalho, ou diretamente ou por intermédio de um comerciante. Tudo isto constitui relações sociais de trabalho que formam um sistema completo de relações de produção, na mais ampla accepção da expressão. Por conseguinte, abrangem a aquisição e a distribuição dos produtos na sociedade.
"Na vida social, os homens, independentemente de sua vontade, entram em determinadas relações de produção. Estas relações correspondem sempre à fase de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais"(1).
Isto quer dizer que os homens, no processo de sua luta contra a Natureza externa, entram nas relações que correspondem aos métodos de dita luta: a construção da casa, por exemplo, requer métodos de cooperação diferentes dos empregados na construção de grandes obras de irrigação nas regiões assoladas pela seca: a produção mecânica moderna coloca os operários em relações mútuas, diferentes das determinadas pela indústria baseada no trabalho manual.
"A soma destas relações produtivas — continua Marx — forma a estrutura econômica da sociedade. Esta é a verdadeira base sobre a qual se eleva a superestrutura jurídica e política, e a ela correspondem determinadas formas de consciência social. Os métodos de produção determinam o processo da vida social, política e espiritual."
Do ponto-de-vista destas ideias, que constituem a essência da teoria do materialismo histórico, as relações econômicas são vitalmente necessárias, e se criam inevitavelmente de acordo com o grau de desenvolvimento das forças de produção, formando, por conseguinte, a estrutura básica da sociedade.
A tarefa fundamental da ciência econômica, ou economia política, é estudar as relações sociais de trabalho que existem entre os homens; mas, não obstante, não pode deixar de abordar outros aspectos do processo de produção. Forçosamente tem de considerar também os aspectos técnicos e ideológicos de dito processo, à medida em que o desenvolvimento deste depende daqueles.
A ciência econômica, como todas as ciências, emprega dois métodos de investigação: o primeiro é o método indutivo, o método de generalização, que vai do particular para o geral, e o segundo é o método dedutivo, ou aplicação das generalizações, que vai do geral para o particular.
O método indutivo se põe de manifesto na generalização das definições. Ao observar diversos fenômenos nos esforçamos por descobrir o que todos têm de comum, e deste modo fazemos a primeira generalização. Ao descobrir outras características fazemos uma generalização de segunda ordem, e assim sucessivamente. Se examinarmos, por exemplo, certo número de ferrarias, podemos descobrir características comuns a todas elas, e, com estas características comuns, criar uma concepção geral de uma ferraria. O mesmo podemos fazer com uma padaria, uma alfaiataria, uma oficina de encadernação, etc. E, comparando estas primeiras generalizações e observando o que todas têm de comum, poderemos obter uma concepção do artesanato em geral. Esta será, pois, uma generalização de segunda ordem. Tomando em seguida estas características gerais e comparando-as com as correspondentes à pequena agricultura, chegaremos a obter uma generalização ainda mais ampla, a da "economia dos pequenos produtores". Isto já equivale a uma definição generalizada.
Os processos da vida são tão complexos e variados, que às vezes é muito difícil obter uma definição simples. Em fenômenos intimamente relacionados entre si, algumas vezes observamos determinados sintomas e outras vezes não. Em algumas ocasiões estes se manifestam vigorosamente e em outras são imperceptíveis. Isto tudo torna sumamente difícil a generalização e complica a definição. Em tais circunstâncias é mister recorrer a outro método, ao da indução estatística.
O método estatístico nos permite verificar a frequência com que aparece um ou outro sintoma num grupo dado de fenômenos e o grau em que ditos sintomas se manifestam. Com o auxílio de uma definição generalizada da propriedade, distinguimos na sociedade dois grupos: "proprietários" e "não proprietários". O método estatístico pode proporcionar-nos clareza e exatidão na investigação, quer dizer, pode mostra-nos a frequência e a extensão com que encontraremos na sociedade indivíduos pertencentes a um ou outro grupo. Empregando o método estatístico podemos chegar à conclusão de que de cem milhões de pessoas, digamos, oitenta milhões possuem alguma coisa e vinte milhões não possuem nada. Podemos depois verificar, entre os proprietários, quais são milionários, ricos ou pobres. Nosso método, porém, não se limita a esta função. Estes cálculos poderiam permitir-nos igualmente estabelecer, por exemplo, o fato de que dez anos antes, na mesma sociedade, havia oitenta e cinco proprietários em cada cem pessoas, e outros dez anos anteriores àqueles a porcentagem era de noventa. Deste modo podemos perceber também a tendência do desenvolvimento, quer dizer, a direção em que se efetuam as mudanças observadas. Entretanto, a origem desta tendência e até onde ela pode chegar, é coisa que desconhecemos: nosso método estatístico não pode mostrar-nos por que o número de pessoas que se empobreceram neste período é maior que o das que se converteram em proprietários.
O fato é que ainda que o método estatístico nos proporcione uma definição mais completa e mais perfeita dos fatos, não pode, entretanto, explicá-los. Todo fenômeno, especialmente um fenômeno econômico, constitui um resultado complexo de uma infinidade de causas. O método estatístico não pode isolar estas causas de seu encadeamento, não pode definir qual delas é mais comum e fundamental, qual é secundária e qual é acidental, nem pode dizer-nos finalmente como na realidade se encadeiam umas às outras. No exemplo que tomamos pode acontecer que o número de proprietários, que durante um período de vários anos foi diminuindo, comece a aumentar de repente ou gradativamente, o que poderia suceder, por exemplo, em consequência de uma revolução agraria que dividisse as grandes propriedades de vários milhares de proprietários fundiários entre milhões de lavradores, convertendo assim estes em pequenos proprietários. O método estatístico não pode descobrir a base dos fenômenos. Para isto, temos de recorrer ao método de abstração analítica.
O essencial deste método é que simplifica os fatos por meio da análise. Ao investigar os fatos se eliminam e se isolam as diversas circunstâncias que produzem confusão e deste modo consegue-se pôr de manifesto a base mesma dos fenômenos. O isolamento ou abstração destas circunstâncias, pode fazer-se prática ou mentalmente. As abstrações de caráter prático são muito frequentes nas ciências naturais, e se verificam da seguinte maneira: os fenômenos naturais investigados são reproduzidos artificialmente no laboratório, o que permite isolar tais fenômenos de um conglomerado de circunstâncias que habitualmente os complicam. Tomemos como exemplo a queda dos corpos no espaço. A maioria deles cai verticalmente, uns com rapidez, outros devagar; alguns, porém, caem em zigue-zagues e outros há que não somente não caem como até mesmo se elevam no ar. Observando a dependência que existe entre todos estes fenômenos e a direção do vento, por exemplo, não é difícil supor que, neste caso, a resistência do ar constitui um motivo de complicação. Daí surge, automaticamente, a necessidade de eliminar o quanto possível esta circunstância. Reproduzimos, então, o processo da queda dos corpos em um ambiente criado artificialmente, isto é, em um tubo de que se tenha extraído o ar, e descobrimos que o chumbo, a pena e o papel caem, todos, verticalmente, e com a mesma velocidade. Deste modo averiguamos a tendência fundamental e permanente de um grupo dado de fenômenos, descobrimos suas bases, e, assim, podemos dizer que todos os corpos caem em direção á terra com igual velocidade. Uma vez senhores desta lei, podemos passar a investigar a influência da resistência do ar — maior causa de complicação — e, depois, a do vento, ao do impulso casual, etc., graças ao que conseguimos explicar os fenômenos de maneira cada vez mais completa e exata.
Nem sempre é possível realizar semelhantes abstrações práticas, e este método não pode ser aplicado a todos os fenômenos. Não se pode, por exemplo, aplicar a uma ciência como a mecânica celeste, nem tampouco à ciência objeto de nosso estudo. Neste caso temos de recorrer à abstração mental das circunstâncias que envolvem os fatos submetidos à observação. A melhor maneira de explicar a essência deste método será apresentando um exemplo. A estatística estabelece o fato de que, nos países capitalistas, durante um longo período, o grande capital aumenta, enquanto que o capital médio e o pequeno diminuem, e que, ao mesmo tempo, o número de proletários sem nenhum capital toma incremento. Entretanto, a rapidez desse processo varia segundo os países. Em um, dar-se-á aceleradamente; em outro, muito devagar; em um terceiro, manifestar-se-á outra tendência diferente; em um quarto, o pequeno capital superará transitoriamente o grande. A estatística nos convence de que o fenômeno indicado existe em todos os países capitalistas; mas o capitalismo puro não existe em parte alguma: contém sempre algum vestígio feudal, do sistema do artesanato e mesmo de algumas formas de um passado mais remoto. São estas indubitavelmente circunstâncias que acompanham o fenômeno que estamos investigando. A fim de eliminá-las, dividimos a estatística em várias colunas, da seguinte maneira: na primeira colocamos os países em que as formas arcaicas da sociedade são mais pronunciadas, como a Pérsia e a Turquia; na segunda colocamos os países em que ditos vestígios não aparecem tão acentuados, como a Rússia, o Japão, etc. e, por último, reunimos os países, como a Inglaterra e os Estados Unidos, onde o capitalismo está menos entorpecido pelas sobrevivências de precedentes relações econômicas. Descobrimos, então, que o processo que estamos investigando — a concentração do trabalho — se manifesta mais distinta e exatamente, em sua forma mais pura, nos países onde os vestígios das formas sociais pré-capitalistas são menos pronunciados. Prosseguindo mentalmente nossa classificação até eliminar por completo estes vestígios, chegamos a uma concepção do capitalismo puro e deduzimos a conclusão seguinte: a tendência fundamental e permanente do capitalismo é a concentração do capital. Esta conclusão abstrata é a lei abstrata do capitalismo.
A essência e significação das três formas do método indutivo são: a definição exata dos fenômenos, a determinação de seu número e o estabelecimento de suas leis fundamentais, que são as que explicam os fenômenos e, ao mesmo tempo, preparam um terreno sólido para as conjecturas científicas, que se estabelecem por meio do método dedutivo.
Este método implica a aplicação, a casos particulares, de generalizações e de leis, obtidas por meio da indução, o que nos permite tirar nossas deduções e fazer nossas conjecturas.
As deduções podem ser simples e complexas. Por exemplo, se fica estabelecido que o desenvolvimento do capitalismo se liga ao processo da concentração do capital, podemos afirmar, com relação ao Japão, que êle entrou na fase do desenvolvimento capitalista, que nesse país desaparecerão os pequenos produtores, que as massas proletárias aumentarão, etc. Neste caso não fazemos mais que aplicar uma premissa obtida por meio da indução. Trata-se, portanto, de um caso de dedução simples. Mas, para compreender e antecipar um caso particular concreto, a ciência tem de aplicar, muitas vezes simultaneamente, várias generalizações ou leis indutivas. Por exemplo, se temos de prever a oscilação dos preços das mercadorias, deveremos ter em conta certo número de generalizações e leis abstratas relativas ás alterações no valor da moeda, à influência do monopólio capitalista privado, etc., etc. Esta é uma dedução complexa.
É evidente que a segurança e a exatidão de nossas deduções dependem das premissas gerais das quais as inferimos. Por isso, a força da dedução se apoia completamente na segurança do que obtivermos mediante os nossos métodos indutivos. Assim sendo, uma dedução obtida de uma definição generalizada é menos merecedora de confiança que outra obtida de uma premissa estabelecida pela estatística. As deduções mais rigorosas e exatas são as que se baseiam nas leis gerais dos fenômenos; como, porém, estas são obtidas pelo método de abstração analítica, é este que constitui o principal e mais firme apoio do método dedutivo.
Estabelecidas as leis abstratas de um fenômeno, quer dizer, determinadas suas principais tendências, e verificadas as relações que as unem com certas circunstâncias, é bastante conhecer a condição fundamental para prever os caracteres essenciais dos acontecimentos futuros correspondentes. Nisto é que se baseia o poder da ciência, em geral, e da ciência econômica, em particular.
As relações sociais de produção e de distribuição variam de maneira gradual e sucessiva. Nunca se dão transições rápidas nem se observam linhas divisórias distintas entre o precedente e o que se lhe segue.
Não obstante, ao estudar a vida econômica de uma sociedade qualquer, pode dividir-se esta em vários períodos, perfeitamente distintos entre si pela estrutura de suas relações sociais, ainda quando não sejam separados bruscamente uns dos outros.
O que para nós é de sumo interesse é o desenvolvimento das sociedades que contribuíram na formação da Humanidade civilizada de nossos tempos. Em suas características principais, o caminho que estas sociedades têm percorrido em seu desenvolvimento é o mesmo. Até aos nossos dias observamos duas fases principais que, em alguns casos, e em certas particularidades, se desenvolveram de modo desigual, mas, em sua essência, de maneira idêntica, e uma terceira fase, que corresponde ao futuro.
Ao analisar as relações sociais de cada período é necessário explicar por quê e de que maneira surgiram e por quê e de que maneira se transformaram e foram substituídas por outras, novas.
Devido à inseparável conexão que existe entre os fenômenos econômicos e os fenômenos ideológicos e jurídicos, a ciência econômica não pode prescindir do estudo simultâneo das três esferas da vida social humana.
Notas de rodapé:
(1) Carlos Marx: "Critica da Economia Política". (retornar ao texto)
Inclusão | 22/03/2016 |