MIA> Biblioteca> Amílcar Cabral > Novidades
Primeira Edição: Texto originalmente publicado no livro “Amílcar Cabral – Unity and Struggle”, lançado em 1979.
Fonte: TraduAgindo - https://traduagindo.com/2021/03/03/amilcar-cabral-homenagem-a-kwame-nkrumah/
Tradução: Cláudio Mario
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Depois dos discursos que ouvimos hoje e, acima de tudo, depois da declaração, tão militante quanto comovente, pelo nosso irmão mais velho e companheiro de luta, Presidente Ahmed Sékou Touré, o que mais há pra dizer? Mas devemos falar, pois neste momento se não falássemos, nossos corações poderiam se partir.
Aqui, ao lado dos restos mortais do Presidente Kwame Nkrumah – um dos maiores homens que a humanidade viu neste século – nós estamos vivendo um momento marcante na história da luta pela libertação e pelo progresso na África; podemos dizer simplesmente, na história.
Devemos, portanto, meditar profundamente neste momento, e tirar todas as lições dos eventos; como o Presidente Kwame Nkrumah diria, as lições positivas e as lições negativas.
Antes de dizer um pouco do que tenho em meu coração e na minha cabeça, eu gostaria de saudar todos os representantes aqui e, em nome dos movimentos de liberação africanos, para lembrar que o fato de que deveríamos estar todos aqui juntos, ao lado dos restos mortais do Presidente Kwame Nkrumah, não é apenas uma prova de respeito e consideração pela sua pessoa e suas conquistas, mas também uma promessa para a liberação total da África e o progresso dos povos africanos.
Em nome dos combatentes do nosso Partido, quem são os representantes legítimos do nosso povo na Guiné e Cabo Verde, nós gostaríamos de oferecer nossas condolências fraternais para sua viúva, Madame Nkrumah, para toda a família Nkrumah, para o Presidente e nosso companheiro de luta Ahmed Sékou Touré, quem sempre foi um camarada fiel do Presidente Nkrumah, para o povo ganês e para toda a África.
Porém, nossas lágrimas não devem afogar a verdade. Nós, como lutadores pela liberdade, não estamos chorando pela morte de um homem, mesmo de um homem quem era um companheiro de luta e um revolucionário exemplar. Para, como o Presidente Ahmed Sékou Touré costuma dizer: “O que é o homem diante do devir infinito e transcendente dos povos e da humanidade?” Nem estamos chorando pelo povo ganês, cujas melhores realizações, cujas aspirações mais legítimas são sufocadas. Nem estamos chorando pela traição da Àfrica. Mas nós estamos chorando com ódio por aqueles que foram capazes de trair Nkrumah no serviço ignóbil do imperialismo!
Mas traição, assim como fidelidade, é característico do homem. Traição a Gana, ao Congo e em outros lugares na África, tem um aspecto positivo: mostra a verdadeira dimensão humana do homem africano. E, neste caso específico, permite compreender melhor o verdadeiro estatura de Nkrumah como um gigante político, e contribui para imortalizá-lo ainda mais.
Nós ouvimos falar de reabilitação para Nkrumah. Nós entendemos esta expressão apenas na esfera da linguagem da diplomacia, ou de tática, porque para nós, como lutadores pela liberdade, aqueles que realmente devem ser reabilitados são aqueles que traindo o povo ganês e a África traíram Nkrumah.
África, exigindo pela voz do povo da república da Guiné, interpretada com fidelidade, como sempre, pelo Presidente Ahmed Sékou Touré, que Nkrumah seja restaurado ao seu lugar de direito-no pico mais alto do Kilimanjaro da revolução africana-a África é reabilitada antes de si mesma e antes da história.
Nós ouvimos muito hoje sobre a ação e a conquista gigantesca de Nkrumah em um tempo relativamente curto.
Presidente Nkrumah, a quem prestamos homenagem, é principalmente o estrategista de gênio da luta contra o colonialismo clássico. Ele é o homem que criou o que podemos chamar de “positivismo africano”, ao qual ele mesmo deu o nome de ação positiva. Ação positiva tem sido a melhor, mais apropriada solução encontrada para a luta, no contexto da dominação colonial britânica.
Nós prestamos homenagem para o pioneiro do pan-africanismo, para o incansável, combatente constantemente inspirado para unidade africana. Nós prestamos homenagem para o inimigo declarado do neocolonialismo na África e em outros lugares, para o estrategista do desenvolvimento econômico de seu país.
No que diz respeito ao neocolonialismo, tudo mundo agora sabe que o livro de Nkrumah Neocolonialismo: Último Estágio do Imperialismo é uma profunda, materialista análise da realidade, a realidade terrível que o neocolonialismo é na África. No que diz respeito ao desenvolvimento do seu país, nós rejeitamos as críticas caluniosas por inimigos da África – e um pouco da imprensa ocidente – até mesmo algumas fossas que se passam por imprensa africana – críticas que pretendem mostrar a falência de Nkrumah. Todo mundo sabe muito bem que desde 1970, com base em todas as medidas econômicas tomadas por Nkrumah e seu governo, Gana estava se tornando um país em pleno desenvolvimento que mostraria ao mundo que a África não foi apenas capaz de conquistar a independência política, mas também de construir sua independência econômica.
Nós saudamos em Nkrumah o lutador pela liberdade pelos povos africanos, que sempre foi capaz de conceder suporte incondicional para os movimentos de libertação nacional. E queremos dizer a você aqui que para nós na Guiné e Cabo Verde, embora seja verdade que o fator externo primordial no desenvolvimento da luta foi a independência da república da Guiné – o heróico ‘Não’ do povo guineano em 28 de setembro de 1958-também é verdade que embarcamos na luta com o forte incentivo do apoio prático de Gana, e particularmente do presidente Nkrumah.
Nós finalmente saudamos Nkrumah, o filósofo e pensador. Como presidente Sékou Touré disse, filósofo e pensador porque ele podia se aplicar à prática consequente.
Nós saudamos da mesma forma e prestamos homenagem para o amigo pessoal, para o camarada que podia sempre nos encorajar na difícil mas emocionante luta que estamos travando contra o mais retrógrado de todos os colonialismos. Colonialismo português.
Nós devemos lembrar neste momento que toda moeda tem dois lados. Todas as realidades da vida têm dois aspectos: positivo e negativo. A ação positiva sempre opõe-se e é oposta por uma ação negativa e vice-versa. Se o presidente Nkrumah continua a viver na história da África e do mundo, é porque o balanço da sua ação positiva não é só positiva, mas também mostra uma conquista que marcou época, atividade criativa frutífera em serviço do povo africano e da humanidade.
Devemos, entretanto, tirar lições de todos os eventos. Mesmo neste momento de luto, nós devemos nos perguntar algumas perguntas para entender melhor o passado, viver o presente e nos preparar para o futuro.
Por exemplo, que fatores econômicos e políticos fizeram o sucesso da traição da Gana possível, apesar da personalidade, coragem e ação positiva de Nkrumah?
Verdade, o imperialismo é cruel e inescrupuloso, mas nós não devemos colocar toda culpa em suas costas largas. Pois como dizem os africanos: “O arroz só cozinha na panela”.
Até que ponto o sucesso da traição da Gana estaria ligado ou não às questões da luta classes, contradições na estrutura social, o papel do Partido e outras instituições, incluindo as forças armadas, no quadro de um novo estado independente? Até que ponto, nós imaginamos, o sucesso da traição da Gana estaria ligado ou não à questão de uma definição correta daquela entidade histórica, artesã da história, o povo, e com sua ação diária em defesa de suas próprias conquistas na independência? Ou então, até que ponto o sucesso da traição não pode estar ligado à questão-chave da escolha dos homens na revolução?
Ponderar sobre essas questões talvez nos permita compreender melhor a grandeza da conquista de Nkrumah, da mesma forma a complexidade dos problemas que ele teve que enfrentar, muitas vezes sozinho.
Tais problemas certamente nos levarão à conclusão que, enquanto existir o imperialismo, um estado africano independente deve ser um movimento de libertação no poder, ou não será independente.
Presidente Nkrumah entendia essa verdade muito bem e nunca se cansou de apontar isso para nós durante as longas e amigáveis conversas que tínhamos, fosse em Acra ou aqui em Conacri. Basta reler suas obras para ver que estão repletas de preocupações com essas questões.
Existem verdades que devemos dizer uns aos outros neste momento, mas devemos, acima de tudo, dizer àqueles que gostariam de derramar lágrimas de crocodilo sobre os restos mortais de Kwame Nkrumah.
Os povos africanos e particularmente os lutadores pela liberdade não podem ser enganados. Não deixe ninguém vir e nos dizer que Nkrumah morreu de câncer de garganta ou qualquer outra doença. Não, Nkrumah foi morto pelo câncer da traição, que devemos arrancar pelas raízes na África, se nós realmente quisermos definitivamente liquidar a dominação imperialista nesse continente.
Mas nós, africanos, acreditamos fortemente que os mortos continuam vivendo ao nosso lado. Somos sociedades dos vivos e dos mortos. Nkrumah vai ressurgir a cada amanhecer no coração e na determinação dos lutadores pela liberdade, na ação de todos os patriotas africanos. O espírito imortal de Nkrumah preside e presidirá ao julgamento da história nesta fase decisiva da vida dos nossos povos, na luta vitalícia contra a dominação imperialista e pelo progresso genuíno do nosso continente.
Nós, os movimentos de libertação, não perdoaremos aqueles que traíram Nkrumah. O povo ganês não perdoará. A Humanidade Progressiva não perdoará. Que aqueles que estão para ser reabilitados se apressem em reabilitar-se. Ainda não é tarde.
Como diz um provérbio africano: “aqueles que cospem para o céu vão sujar o rosto”. Aqueles que tentaram sujar a personalidade brilhante de Kwame Nkrumah deveriam entender muito bem que o povo africano está certo. Outro provérbio africano diz:”Uma mão, por maior que seja, nunca pode cobrir o céu.” Ai está: aqueles que tentaram depreciar a magnífica conquista de Kwame Nkrumah devem hoje admitir que este provérbio africano também está certo.
Antes de encerrar – embora saibamos que não devemos fazê-lo – permita-me, em nome de todos os lutadores pela liberdade africanos, agradecer fraternal e militantemente ao povo da República da Guiné e ao seu amado líder, o Presidente Ahmed Sekou Touré, por mais esta prova de coragem ilimitada que nos mostraram. Em primeiro lugar, dando boas-vindas a Kwame Nkrumah e dando-lhe a devida posição como co-presidente dessa república. Depois, na insistência e na luta pelo funeral nacional que se realiza aqui na Guiné, solo africano e símbolo da libertação e da dignidade africana.
Se nesse momento de luto em nossa vida, um novo entendimento pudesse nascer entre Guiné e Gana, deveríamos estar profundamente contentes e seria mais uma conquista significativa de Kwame Nkrumah.
Para nós, como africanos, a melhor homenagem que podemos pagar a Kwame Nkrumah e sua memória imortal, é a vigilância reforçada em todos os campos da luta, luta mais fortemente desenvolvida e intensificada, a libertação total da África, sucesso no desenvolvimento e progresso econômico, social e cultural para os nossos povos, e na construção da unidade africana. Esse era o objetivo fundamental da ação e pensamento de Kwame Nkrumah. Este é o juramente que todos nós devemos fazer perante a história a respeito do continente africano.
Para nós, lutadores pela liberdade, as melhores flores com as quais podemos enfeitar a memória de Kwame Nkrumah, são as balas,os projéteis, os mísseis de todo tipo que disparamos contra as forças colonialistas e racistas na África.
Estamos certos, absolutamente certos de que emolduradas pelo verde eterno das florestas africanas, flores de carmesim como o sangue dos mártires e de ouro como a colheita da abundância florescerão sobre o túmulo de Kwame Nkrumah; pois a África triunfará.