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Tradução: Godard - a partir da tradução para o inglês de Mitchell Abidor. Disponível em: https://www.marxists.org/reference/archive/debord/1963/never-work.htm
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Em 1953 Debord grafitou em um parede na Rue de Seine o slogan “Ne travaillez jamais,” “Nunca trabalhe.” Ele considerou esse pedaço de grafite de tremenda importância por toda sua vida, incluindo o mesmo em sua autobiografia, Panégyrique. As três palavras contêm um programa inteiro, e ele estava ciumento do uso e abuso do grafite. A seguinte carta é uma resposta a um cartão postal impresso contendo o grafite.
Para a Cercle de la Librairie
117, bd Saint-Germain
Paris 6
Paris 27 de Junho, 1963
Cavalheiros,
Cartão Postal original fonte: https://situationnisteblog.com/2019/09/28/ne-travaillez-jamais-ca-1965-66/ |
Os impressores de Bernard me enviaram sua carta de 21 de Junho, 1963, na qual vocês demandam 330 Francos de indenização por não-observação da lei de propriedade artística. De fato, a edição 8 de nossa revista contém, na página 42, a fotografia de uma inscrição em uma parede, “NUNCA TRABALHE,” uma fotografia retirada de um cartão postal de Monsieur Buffier, cujo nome não é mencionado e cuja autorização prévia não foi solicitada.
Acontece que eu sou o autor de tal inscrição presente na Rue de Seine, cuja origem, se necessário, poderia ser atestada por 10 ou 15 testemunhas. Você entende que nestas condições Eu de boa fé, não pensei que teria de solicitar autorização prévia para reprodução, mesmo se este último fosse menos oneroso do que a soma que você possui agora fixada (de acordo com a escala estabelecida em 1962 pelo Sindicato da Imprensa para periódicos com uma circulação de menos de 10.000 cópias, a reprodução fotográfica para menos de meia página custa 20 Francos).
Só posso aprovar sua defesa da propriedade artística, que é muitas vezes ignorada. Eu queria dizer que a esse respeito a foto publicada na Internationale Situationniste é reenquadrada de tal maneira que a mesma só reproduz a parte do cartão postal de Monsieur Buffier que diz respeito ao documento propriamente dito (a inscrição em si), isto excluindo as características que conferem a este cartão postal a marca artística exclusiva de Monsieur Buffier. Isto é, o enquadramento que ele escolheu e também o título ao assunto, os cartões postais desta série todos possuindo, no canto inferior esquerdo da imagem, uma inscrição integrada que comenta sobre seu significado (neste caso, “Conselho supérfluo”). Agora para o terceiro elemento, é reconhecível que se tratando da responsabilidade artística de uma fotografia – pela qual me refiro a escolha do assunto – parece que neste ponto eu posso reivindicar propriedade criativa que se iguala, e provavelmente eclipsa, os méritos artísticos pessoais de Monsieur Buffier, limitado neste caso a simples escolha reprodutiva.
Para chegar ao cerne da questão referente à propriedade artística, eu gostaria de assegurar que eu de maneira alguma demandarei uma porção das vendas do cartão postal ou indenizações pela reprodução indevida aqui e lá. Mas existe outra questão, que a meus olhos soa mais importante. A inscrição em questão foi feita em outro período, e sem qualquer duplo sentido foi apresentada pelo movimento Situacionista de vanguarda (comparando com o título da fotografia na página 42 de nossa revista) como um sério símbolo da atmosfera artística de uma era, e como um momento no desenvolvimento das teorias deste movimento artístico, teorias como uma certa pretensão de seriedade. Mas Monsieur Buffier, de acordo com sua própria interpretação da inscrição, que não é exposta na edição 8 da Internationale Situationniste, a espalha de maneira humorada. O título de Monsieur Buffier, é de fato “Conselho supérfluo.” Sabido que a grande maioria das pessoas trabalha, e que tal trabalho é, apesar da mais forte repulsa, imposto na quase totalidade dos trabalhadores por uma restrição esmagadora, o slogan NUNCA TRABALHE não pode ser considerado de maneira alguma um “conselho supérfluo.” Esta descrição de Monsieur Buffier implica que tal posição já é incontestavelmente seguida por todos, e portanto descredita da maneira mais irônica possível minha inscrição, e consequentemente minhas ideias e as ideias do Movimento Situacionista, do qual me honro de editar a versão Francesa de sua revista.
No caso em que esta questão não pode ser resolvida amigavelmente, como você diz, me parece, que forçado a provar que a confecção da inscrição original devia ser atribuída a mim, eu estaria no meu direito de demandar que você pare a confecção dos cartões postais que apresentam essa interpretação irônica e falaciosa, até que ele imprima neles uma menção reconhecendo as intenções sérias do autor original.
Agora para um acerto amigável, ao qual pessoalmente prefiro, me parece que em primeiro lugar tudo dependerá da posição que Monsieur Buffier adotará quando ele se tornar ciente dessa informação adicional concernente aos nossos direitos legais e obrigações neste caso, que eu peço que seja transmitida a ele.
Atenciosamente
Guy Debord