MIA > Biblioteca > Dimitrov > Novidades
Caros camaradas,
Depois dos grandes combates revolucionários que de momento terminaram com a derrota das massas populares, fomos forçados, assim como um grande número de outros militantes, a deixar o país para continuar a servir a grande causa do nosso povo. Afastados de vós provisoriamente, o papel que temos a jogar nesta luta obriga-nos a dirigirmo-nos a vós por esta carta aberta. A primeira palavra que vos dirigimos é:
«Corações ao alto! A vingança sangrenta da gentalha dos guardas brancos, que temem perder o poder, não conseguirá abater o espírito combativo da Bulgária trabalhadora. A derrota nos ensinará o caminho da vitória. Apesar de tudo e contra tudo, a Bulgária terá o seu governo operário e camponês!»
Foram justamente os partidos dos capitalistas e dos tchorbadji que falam a quem os quer ouvir «da ordem e da legalidade» que cometeram em 9 de Junho um golpe de Estado armado desencadeando a guerra civil cujos acontecimentos de Setembro são apenas um episódio de peso e que só poderia terminar com a vitória definitiva do povo trabalhador sobre os seus opressores, exploradores e espoliadores sangrentos.
Os camponeses trabalhadores e os operários búlgaros tinham duas grandes organizações políticas para defender os seus interesses vitais: A União Agrária e o Partido Comunista Búlgaro.
O governo dos guardas brancos aproveitou a sua vitória relativamente fácil de 9 de Junho para dar um rude golpe na União Agrária. Os seus militantes mais notáveis nas cidades e nos campos foram detidos, grande número de entre eles — massacrados covarde e ferozmente, milhares de operários e camponeses, qualificados de rebeldes — submetidos a atrozes torturas, atirados para a prisão ou entregues à vingança de classe nos tribunais. A União Agrária — o partido mais numeroso na Bulgária — foi dissolvido, os seus jornais suspensos, os bens confiscados e toda a sua actividade política interdita.
Considerando que o perigo vindo da União Agrária já não era de temer, o governo dos banqueiros e dos generais virou o seu olhar para a outra organização do povo trabalhador — o Partido Comunista Búlgaro. Já depois de 9 de Junho, aprisionou um grande número de comunistas por terem lutado contra o golpe de Estado e infligiram-lhes uma sorte ainda mais dura do que aos agrários. Pelas suas ligas de oficiais e grupos de conspiradores, prosseguiam sem cessar as agressões contra os comunistas. Assim, uma noite, as autoridades de Tirnovo apoderaram-se de todos os comunistas da cidade, conduziram-nos para dentro de casernas e lá, oficiais camuflados bateram-lhes selvaticamente. Conhece-se também a agressão cometida em Berkovitza por um bando fascista que, sob o olhar benévolo das autoridades, aterrorizou durante uma semana os comunistas da cidade e dos arredores. Um grande número de agressões análogas tiveram lugar em outras localidades.. Toda a população trabalhadora que não se queria resignar a aceitar este regime de violência, vivia constantemente em inquietações, sob a ameaça do arbítrio. Nenhuma vila estava a salvo, nenhum operário ou camponês estava seguro da sua vida.
Ao mesmo tempo, os agentes da burguesia insaciável levantaram a cabeça. Usaram o poder para fins de banditismo. Os grandes proprietários rurais viram chegado o momento de retomarem as suas terras expropriadas; os detentores da grande propriedade imobiliária adestraram-se por sua vez e recomeçaram a extorquir os locatários necessitados; os grandes traficantes e exportadores desviaram os depósitos bancários para melhor espoliarem o operário e o camponês pobre. A exploração do trabalho tornava-se cada vez mais feroz. Numa palavra, os capitalistas das cidades e os tchorbadji do campo tornaram-se os senhores incontestados do povo e do país. Todavia, tudo isto aumentava ainda mais o descontentamento do povo contra o novo governo. A indignação popular era particularmente grande contra a política estrangeira deste governo composto por antigos partidos e elementos nacionalistas belicosos que tinham arrastado por duas vezes o povo para guerras catastróficas. Os conflitos incessantes com a Rússia Soviética e os países vizinhos faziam temer que a Bulgária fosse arrastada, de um momento para o outro, para uma nova guerra ainda mais catastrófica.
Era dentro desta conjectura que a burguesia, unida à volta do poder, devia proceder a eleições a fim de «legitimar» a sua situação. Ela não tinha qualquer esperança em alcançar a confiança da maioria do povo, pois o Partido Comunista continuava no seu posto e defendia corajosamente os interesses e os direitos de todos os trabalhadores da Bulgária. O Partido Comunista tornava-se tanto mais perigoso quanto proclamava a Frente Única dos Trabalhadores das cidades e dos campos, estendia uma mão fraterna aos agrários e ajudava-os a reconstruir as suas organizações dizimadas, realizando assim, de facto, a aliança dos trabalhadores das cidades e dos campos. Os interesses comuns e a miséria comum do povo trabalhador das cidades e dos campos criaram, com efeito, uma aliança entre a União Agrária e o Partido Comunista. Foi então que o governo dos generais, dos banqueiros e dos professores decidiu elaborar uma provocação contra o Partido Comunista, para liquidar as suas contas com ele, como já tinha feito com a União Agrária. Assim, o governo lançou uma acusação falsa, segundo a qual o Partido Comunista estaria a preparar um golpe de Estado para o dia 16 de Setembro e procedia desde 12 de Setembro a detenções em massa para preparar o golpe de Estado.
Nós que ocupamos postos dirigentes e responsáveis no Partido Comunista, declaramos, neste momento histórico, que o Partido Comunista não tinha decidido qualquer acção armada, parcial ou geral, para o 16 ou 17 de Setembro ou para mais tarde. Pelo contrário o Partido Comunista preparava-se activamente para a campanha eleitoral, porque era notório que, se as eleições fossem livres, a maioria do povo trabalhador, com a União Agrária e o Partido Comunista à cabeça, venceria o governo usurpador e instauraria o seu poder operário e camponês. O governo que observou todos os arquivos do Partido, não pode encontrar provas de semelhante decisão nem nunca encontrará — porque não existem — a menos que as invente. Mas o governo queria um pretexto para acabar com o Partido Comunista. Também recorreu a uma mentira, sem mesmo pensar nas consequências desastrosas que a sua provocação podia ter para todo o povo.
O golpe vibrado sobre o Partido Comunista, a prisão de milhares dos seus militantes das cidades e do campo, o selar os clubes, sindicatos e cooperativas, a apreensão dos seus arquivos, a suspensão de qualquer imprensa comunista e operária, a proibição de toda e qualquer propaganda comunista e de toda e qualquer deslocação de comunistas e de operários ao campo, tudo isso fez perder a paciência aos trabalhadores. Toda a gente se apercebeu de que o governo- não tolerava nenhuma luta legal. Não apenas aos comunistas mas também as vastas massas trabalhadoras que se sentiram atingidas e ameaçadas. Um grande número de comunistas do campo, procurados para serem presos e torturados, refugiaram-se nas montanhas, seguidos por um imenso número de simpatizantes. O governo dos guardas brancos não se embaraçou em colocá-los fora da lei e enviou tropas para os perseguir e exterminar.
O Partido Comunista Búlgaro decidiu responder a este golpe com uma greve de protesto de vinte e quatro horas nas cidades e com reuniões de massas em todo o país. Mas o governo mobilizou todas as suas forças para abafar este protesto. Em Sófia e noutros locais tiveram lugar incidentes sangrentos, provocados pela brutalidade das autoridades. O terror sem precedentes que se abateu na Bulgária fazia crescer sem cessar a indignação geral e multiplicava as colisões sangrentas. Estas últimas adquiriram a dimensão de levantamento popular contra o governo, que tinha declarado guerra a toda a população trabalhadora.
Nestes momentos críticos em que o governo abafou toda e qualquer possibilidade de luta legal, em vários locais, as massas populares sublevaram-se de uma forma espontânea. O Partido Comunista foi posto à prova: deveria ele abandonar as massas que seriam abatidas sistematicamente ou colocar-se do seu lado e tentar generalizar o movimento, unificá-lo e dar-Ihe uma direcção política e organizativa? O Partido Comunista apercebia-se das dificuldades da luta e das falhas de organização. Contudo, o Partido do povo trabalhador só podia abraçar a causa do povo, e, apesar das condições serem extremamente difíceis, lançar a palavra de ordem de uma acção comum com a União Agrária em todo o país para o dia 23 de Setembro.
Qual foi essa palavra de ordem? Todo o povo sabe qual foi: derrubar o governo usurpador e terrorista saído do golpe de estado e substituí-lo por um governo operário e camponês.
Contrariamente às mentiras deliberadas do governo, a luta tinha por objectivo não o estabelecimento de uma ditadura e instauração de um governo de sovietes na Bulgária, mas o derrube da ditadura militar desenfreada e a formação de um amplo governo democrático saído da imensa maioria do povo búlgaro — da sua maioria trabalhadora. Com efeito, nos locais onde no decorrer da luta, o povo se tinha apoderado do poder, tinha-se instaurado não um poder dos sovietes, como queria fazer crer o governo, mas comités revolucionários comuns, órgãos do poder operário e camponês.
Foi o Partido Comunista que lançou a palavra de ordem, mas esta última será retomada tanto pelas massas que seguem o Partido como pelos camponeses que seguem a União Agrária, por toda a população trabalhadora. O povo trabalhador ergue-se em uníssono como um único homem e com um entusiasmo sem precedentes para conquistar as suas liberdades políticas, para defender os seus interesses vitais e estabelecer um governo para si próprio.
As lutas revolucionárias de Setembro eram, na plena aceitação da frase, um movimento popular geral. Dele tinham os traços específicos. O povo que aspirava à realização de um ideal, não se entregou em parte alguma a excessos, a pilhagem ou a vinganças pessoais. Os bancos estavam rigorosamente guardados, os bens de todos eram protegidos. Em certos locais, contra-revolucionários pouco numerosos eram presos, mas eles não foram nunca nem mal tratados nem massacrados — e ninguém se arrependeu disso. O comité de excepção e as sentenças de morte não são senão invenções caluniosas. Os prisioneiros tinham a vida segura; aos feridos dos dois lados dedicavam-se cuidados especiais; mesmo a vida dos bandidos de Wrangel capturados, e que o governo tinha lançado contra o povo sublevado, foi generosamente poupada.
Depois de uma épica luta de duas semanas, a insurreição popular foi reprimida pela artilharia e pelas metralhadoras do governo que tinha conseguido mobilizar numerosos bandos de oficiais e de sub-oficiais de Wrangel, enquanto que o povo sublevado só dispunha de um armamento manifestamente insuficiente.
Uma vez senhora da situação, a burguesia aterrorizada com a morte, deu livre curso ao seu terrível ódio contra o povo trabalhador, que tinha ousado perturbar os fundamentos do seu domínio.
E sob os nossos olhos os seus bandos iniciaram o massacre do povo insurrecto. Não poupavam mesmo os feridos, a população pacífica, as mulheres e as crianças. Atacaram vilas e fizeram mão baixa sobre os bens dos trabalhadores das regiões insurrectas.
Não nos queremos estender sobre a vingança sangrenta dos guardas brancos que hoje triunfam. Todos vocês, que gemem sob os seus golpes, sabem-no bem melhor do que nós. Esta vingança será cruel, bárbara, feroz, ela ultrapassará em horror as atrocidades cometidas pelos guardas brancos em todos os outros países. Mas, por isso mesmo, ela cavará mais profundamente ainda o fosso sangrento entre a classe dos opressores e exploradores, por um lado, e o povo trabalhador por outro.
Nunca mais haverá paz entre eles!
Só o desmoronar do governo sangrento dos banqueiros e dos generais monarquistas e o estabelecimento de um governo operário e camponês darão satisfação e trarão o apaziguamento às massas populares do país.
Caros camaradas,
Lutámos juntos por uma grande causa popular. Hoje fomos derrotados. Mas a luta não está terminada e a vitória final está mais próxima do que pensam os nossos inimigos. O povo búlgaro trabalhador não se resignará nunca ao reino dos guardas brancos, de uma minoria ínfima, rapace e terrorista, quaisquer que sejam as belas frases com que se ornamente, quaisquer que sejam as reformas «democráticas» com que o tente iludir. Tiraremos ensinamentos desta derrota e amanhã seremos mais fortes do que ontem, enquanto que os nossos inimigos perdem cada vez mais terreno.
Animados de uma profunda fé na nossa causa que é uma causa popular sagrada, todos nós e todos os trabalhadores do país, suportaremos heroicamente as dores e os sofrimentos da derrota, serviremos a causa do povo com uma energia e um entusiasmo incomensurável, devotar-nos-emos de novo à causa popular, lutaremos novamente e só pararemos depois da vitória conquistada.
Tornaremos a organizar os nossos campos destruídos e desorganizados. Curaremos rapidamente os ferimentos que nos causaram.
Com esforços e sacrifícios comuns, prestaremos ajuda às viúvas e aos órfãos, às famílias necessitadas e aos nossos camaradas refugiados no estrangeiro.
Não dispersaremos as nossas forças em actos terroristas isolados, sabendo desde já que venceremos apenas pela luta organizada do povo trabalhador e que a mais cruel vingança para os carrascos do povo será o desmoronamento do governo dos guardas brancos e a vitória final do governo operário e camponês.
Manteremos e reforçaremos, antes de tudo, a aliança de todos os trabalhadores das cidades e dos campos, que foi cerceada no decorrer das lutas de Setembro, com o sangue derramado em comum por milhares de militantes caídos pela causa do povo.
Não há lugar para o desencorajamento, o desespero e a cobardia.
Cabeças levantadas, combatentes gloriosos!
Viva o governo operário e camponês!
Viva a Bulgária trabalhadora!
Outubro de 1923.
Vassil Koralov e Georges Dimitrov
Inclusão | 05/04/2015 |