A Campanha Sangrenta Contra o Movimento Operário

Georgi Mikhailovich Dimitrov

1925


Primeira edição: «Krasnii International Profsaiouzou». N.°s 5-6, 1925 Assinado: G. Dimitrov.
Fonte:
Dimitrov e a Luta Sindical. Edições Maria da Fonte, Tradução: Ana Salema e Carlos Neves; Biografia e notas: Manuel Quirós.
Transcrição: João Filipe Freitas
HTML:
Fernando A. S. Araújo
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O movimento sindical na Bulgária apareceu desde meados dos anos 90, mas a sua actividade organizada começou em 1904, quando as organizações sindicais disseminadas começaram a unir-se em organizações profissionais nacionais, formando assim a União Geral Sindical Operária.

Várias particularidades importantes caracterizam as condições em que apareceu, se desenvolveu e agiu o movimento sindical búlgaro. Estas particularidades reflectiram-se igualmente na sua organização, ideologia e métodos de luta.

A primeira particularidade consiste no facto da Bulgária ser, antes de tudo, um país de pequenos proprietários camponeses, que representam 80 % da sua população de 5 milhões.

A Bulgária produz e exporta sobretudo produtos agrícolas, e mais particularmente cereais e tabaco. A indústria lá foi sempre fraca e o proletariado industrial representa, apenas, com a mão de obra artesanal, 15 % de toda a população. Além disso, os operários industriais, ligados por muitos laços ao campo, representam geralmente um elemento atrasado e inculto. Desde antes da guerra, o processo de proletarização das massas camponesas e artesanais ultrapassava consideravelmente o do desenvolvimento da indústria urbana; o mercado de trabalho esteve sempre sobressaturado de mão-de-obra excedentária. O afluxo incessante de refugiados da Tácia, Macedónia e Dobroudja, cujo número ultapassa já 500 000, aumenta ainda mais o número de desempregados. A burguesia serve-se do aumento deste exército esfomeado de trabalhadores sem trabalho para a prossecução dos seus objectivos reaccionários e para lutar contra o movimento operário.

A segunda particularidade consiste no facto de a burguesia búlgara, que não representa senão 5% da população, manifestar uma avidez excepcional de lucros e ser extremamente reaccionária. Aparentada em linha directa com os usurários de antanho e os comerciantes da época da dominação otomana, a burguesia búlgara, educada nas tradições do antigo regime bárbaro do Império otomano, distinguiu-se sempre pela sua crueldade e avidez. Em oposição às classes burguesas dos outros países, a burguesia búlgara obtém o seu domínio sobre o país sem luta. A atitude da burguesia búlgara para com o movimento nacional-revolucionário contra o regime turco, dirigido pela intelligentsia que se apoiava nos camponeses, era negativa. O seu poder e os seus privilégios recebeu-os como uma oferta das mãos da Rússia tzarista, em consequência da Guerra russo-turca de 1877. Estranha à luta e às tradições revolucionárias, a burguesia búlgara comportou-se sempre para com as massas populares com desconfiança, desprezo e inimizade. Considerava o povo unicamente como um objecto de exploração e de exacção e servia-se dele, depois da criação de um Estado independente Búlgaro, como de uma moeda de troca nas transacções com os Estados imperialistas. Levando uma existência puramente parasitária e dispondo simultaneamente de todo o aparelho governamental do poder, a burguesia búlgara, no interesse do seu enriquecimento, cumulava de impostos excessivos as massas trabalhadoras, especulava com as mercadorias de primeira necessidade, abusava largamente dos empréstimos do Estado ao estrangeiro, entregando em troca o seu país às potências imperialistas. Para lutar contra a concorrência estrangeira, não recorria aos aperfeiçoamentos técnicos na indústria nacional, mas à exploração ilimitada dos operários.

A terceira particularidade da Bulgária consiste no facto de que a organização política do proletariado búlgaro precedia a sua organização profissional. As organizações sindicais foram criadas sobre a iniciativa, influência e direcção do antigo Partido Social-Democrata (depois Partido Comunista). Donde o laço ideológico e organizativo entre a União Geral Sindical Operária e o Partido, e a ideologia revolucionária e de classe, claramente expressa, do movimento sindical. Eis porque, por exemplo, em oposição às velhas trade-unions inglesas, os sindicatos na Bulgária se consideravam não como organizações que têm por objectivo regular as relações entre o trabalho e o capital, no quadro do capitalismo, mas como órgãos de luta de classe para o aniquilamento do sistema capitalista e, tal como ensinava Marx, como escolas de comunismo.

Uma quarta particularidade, decorrente do que precede, consiste no facto de que a burguesia, no seu medo do movimento sindical revolucionário e de classe, se esforçava por se unir mais estreitamente aos socialistas de direita (os mencheviques búlgaros), conceder-lhes todo o seu apoio e provocar assim uma cisão nas fileiras dos operários organizados. Os socialistas de direita formaram, desde 1904, os seus «sindicatos livres», que opuseram à União Geral Sindical Operária, conduzindo durante dois decénios a mais repugnante campanha contra o movimento sindical revolucionário. No decurso das grandes greves dos mineiros, dos operários de tabaco, dos têxteis, etc., eles ajudaram sistematicamente o governo e os capitalistas contra os operários em greve. Fazendo-se amigos destes últimos, semeavam a desconfiança, encorajavam os fura-greves e, aliados aos agentes reais do capital, fundavam organizações sindicais paralelas que iniciavam as conversações com os capitalistas para o fim das greves e para a desorganização da luta de classe. Com a ajuda dos outros partidos pequeno-burgueses (radicais e democratas) os mencheviques búlgaros puderam obter alguns sucessos temporários, mas unicamente entre os professores, os empregados, os altos funcionários dos caminhos-de-ferro e dos PTT e entre uma parte dos operários tipógrafos — precisamente o meio que geralmente não está inclinado a uma luta resoluta, mas procura caminhos fáceis de «entendimento» com o poder burguês, contentando-se com reduzidas concessões.

Nestas condições excepcionalmente difíceis, cada passo em frente do movimento sindical na Bulgária custava esforços e sacrifícios inacreditáveis.

Mas graças à resistência revolucionária e de classe, à unidade com a organização política do proletariado, assim como à defesa consequente e firme dos interesses dos operários, nomeadamente no período do após-guerra, o movimento sindical revolucionário estendeu de facto a sua influência sobre o conjunto do proletariado industrial, dos transportes e artesanal e tornou-se o seu único dirigente no domínio da luta económica. Toda a luta grevista, que foi considerável na Bulgária, foi conduzida unicamente pelos sindicatos revolucionários. Os sindicatos dos socialistas de direita eram para as massas trabalhadoras os fura-greves detestáveis — agentes da burguesia.

No fim de 1922, a União Geral Sindical Operária reunia já cerca de 40 000 operários organizados nas seguintes dezanove uniões profissionais(1):

Sindicato dos operários do tabaco 7000
Sindicato dos operários dos transportes 6000
Sindicato dos mineiros 3600
Sindicato dos professores 3000
Sindicato dos operários industriais 2500
Sindicatos dos operários da construção 2500
Sindicato do pessoal sanitário 2500
Sindicato dos peleiros 2000
Sindicato dos metalúrgicos 2000
Sindicato dos empregados municipais 2000
Sindicato dos operários têxteis 1500
Sindicato dos marceneiros 1500
Sindicato dos alfaiates 1500
Sindicato dos empregados do comércio e crédito 1500
Sindicato dos operários da indústria alimentar 1200
Sindicato dos operários agrícolas 1200
Sindicato dos tipógrafos 500
Sindicato dos barbeiros 300
Sindicato dos artistas e músicos 300

No domínio da indústria mineira, do tabaco, dos têxteis, do açúcar, da metalurgia, da pelaria, da transformação de madeira, a vanguarda organizada dos sindicatos revolucionários era apoiada por toda a massa operária, e, ao longo das greves que dirigiu, todos os operários e operárias lutaram unidos até ao fim. O número dos fura-greves, foi completamente insignificante, e, muitas vezes, como sucedeu na greve dos mineiros e dos operários do tabaco, praticamente não existiu.

O Sindicato dos mineiros adquiriu uma influência tão decisiva nas maiores minas de carvão do Estado — «Pernik» (7 000 operários) — que a administração, apesar das provocações odiosas da imprensa governamental e dos socialistas partidários da causa comum (obchtodeltsi(2)), foi obrigada a comprometer os porta-vozes e a concluir contratos colectivos.

O Sindicato dos operários do tabaco conseguiu igualmente impôr um contrato colectivo para todo o país. Foram também concluídos contratos colectivos nas indústrias têxteis e nas indústrias do açúcar, assim como num grande número de fábricas de transformação de madeira, metais, etc.

Em 1921 e 1922, os sindicatos obtiveram um aumento do salário real de 25-35% em média. Na maior parte das empresas, obtiveram o dia de oito horas e quase puseram fim ao despedimento sem causa dos operários. Conduziram uma luta enérgica contra a carestia da vida e intervieram activamente na fixação dos preços dos artigos de primeira necessidade e na regulamentação da crise de alojamento.

A crescente influência e a actividade dos sindicatos revolucionários fazia com que a burguesia e os «obchtodeltsi» se enraivecessem. Na imprensa e no parlamento, eles levaram a cabo uma campanha contra os sindicatos que tinham criado uma situação que lhes fazia temer a possibilidade de uma passagem eminente das empresas para as mãos dos operários. Para evitar este perigo, o Ministério da Polícia (dirigido por Kr. Pastoukhov) e o Ministério da Indústria e do Trabalho (tendo à cabeça o doutor Djidrov) foram confiados aos ministros social-democratas da coligação governamental burguesia-socialistas, de 1919. Tendo nas mãos a polícia e o ministério de que dependiam as minas do Estado de «Pernik», os socialistas de direita tentaram imediatamente fazer desmembrar a União Sindical dos mineiros. Os dirigentes do sindicato foram conduzidos a um tribunal militar, acusados de incitar os operários ao derrube, pela violência, do poder estabelecido, enquanto que 150 militantes da União eram enviados para uma outra pequena mina do Estado, nos montes Balcãs perto de Triavna, onde foram guardados à vista durante três meses, sob a vigilância da polícia e do exército. Simultaneamente, os agentes dos socialistas de direita anunciaram que organizavam uma união «livre» de mineiros, com a qual o governo ia conduzir, no futuro, negociações para regularizar a situação daqueles nas minas de «Pernik». Mas a burguesia em breve teria uma amarga desilusão. A massa dos mineiros permaneceu fiel à sua União e, graças a uma nova greve geral, conseguiu fazer libertar os dirigentes aprisionados, fazer regressar os camaradas proibidos de permanência e restabelecer o contrato colectivo.

Paralelamente à luta económica incessante, os sindicatos revolucionários participaram activamente, com o Partido Comunista, nas lutas políticas gerais e efectuaram um trabalho educativo e cultural considerável, por meio da sua imprensa (quase todos os sindicatos tinham o seu órgão de informação), de reuniões, conferências, sessões de cinema, etc.

Nos fins de 1922 e princípios de 1923, a influência dos sindicatos revolucionários aumentou também consideravelmente entre os funcionários.

A iniciativa tomada pelo sindicato revolucionário dos funcionários, que propôs a criação de comités de acção comum na luta pelo aumento de salários e melhoramento das condições gerais de trabalho, encontrou um vasto eco entre as massas. O sucesso desta campanha em comum provou que a unidade do movimento sindical no seu conjunto é possível, e que é indispensável, com este 'objectivo, criar uma única Federação do Trabalho, comum às organizações profissionais dos operários industriais, artesanais, dos transportes e aos funcionários. Apesar da resistência desesperada dos «obchtodeltsi» e da burguesia, a campanha empreendida pela União Geral Operária no sentido de unificar(3) todo o movimento sindical ganhou sempre mais terreno entre as largas massas operárias e de empregados e prometia ser coroada de sucesso num futuro próximo.

O Golpe de Estado de Junho

A burguesia búlgara, que não conhecia nenhuns limites à sua avidez, não queria contentar-se em explorar os operários e camponeses. Durante longos anos ela tinha dirigido as suas ambições para as ricas regiões limítrofes da Macedónia e da Trácia que se encontravam, até 1912, sob o domínio da Turquia, contando atingir a hegemonia nos Balcãs.

Sob a bandeira desta política de rapina, apresentada como «política da união nacional da nação búlgara» e de libertação dos «irmãos búlgaros escravizados da Macedónia e Trácia», a burguesia búlgara, sob a direcção do tzar Fernando implantava neste país o militarismo e preparava-se activamente para uma guerra contra a Turquia.

Efectivamente, em 1912, a Bulgária, aliada à Sérvia e à Grécia, sob a protecção da Rússia tzarista, declarou a Guerra balcânica à Turquia. O exército turco foi prontamente esmagado. A Macedónia e a Trácia foram desembaraçadas dos exércitos turcos. Os exércitos búlgaros chegaram até Tchataldja (mesmo às portas de Constantinopla). Enebriados pela vitória, o tzar Fernando e a burguesia búlgara imaginaram que era chegado o momento de estabelecer a hegemonia dos Búlgaros nos Balcãs. O problema da partilha da presa entre os aliados (Bulgária, Sérvia e Grécia) foi abandonado à boa vontade do imperador russo Nicolau, chamado como árbitro. Não conseguindo para si próprios grandes resultados, Fernando e o seu governo tentaram, com um ataque-surpresa contra os exércitos sérvios, no dia 16 de Junho de 1913, obrigá-los pela força das armas a saírem da Macedónia, e apoderar-se dela, tal como da capital — Salónica. Esta aventura custou dezenas de milhares de novas vítimas ao povo búlgaro, terminou com uma derrota total do exército búlgaro e com uma terrível catástrofe para o país inteiro.

Dois anos mais tarde (Setembro de 1915) a Bulgária foi arrastada para a Grande Guerra, ao lado das potências centrais.

Enquanto os camponeses e operários búlgaros derramavam o seu sangue nas frentes, ao longo de três anos, a burguesia rapace entregava-se, no interior do país, a uma especulação das mais hediondas e despojava o povo.

O descontentamento no país atingiu o paroxismo e depressa atingiu o exército. No dia 10 de Setembro de 1918, os exércitos búlgaros revoltaram-se em Dobro-Polé, abandonaram as trincheiras e dirigiram-se, com armas na mão, para Sófia, a fim de pedir contas aos responsáveis da guerra. Graças à artilharia alemã que se encontrava na Bulgária, os exércitos búlgaros insurrectos que marchavam sobre Sófia foram desfeitos. A burguesia conseguiu então manter o poder. Apenas teve de sacrificar o tzar Fernando que teve de abdicar em favor do seu filho, Boris.

A política de aventura e conquista da burguesia búlgara sofria pela segunda vez um fiasco completo. Segundo o tratado de paz de Neuilly, o território foi diminuído, o seu exército regular dissolvido e o número das forças armadas limitado. E além disto foram-lhe infligidas pesadas reparações de guerra.

A burguesia, que considerava o povo e os seus partidos de massa — A União Agrária e o Partido Comunista— responsáveis pela bancarrota de sua política aventureira, foi tomada por um ódio e um desejo de vingança infinitos para com os operários e camponeses búlgaros. Mas, no momento em que a revolução russa festejava a sua vitória e uma vaga geral revolucionária subia na Europa e nos Balcãs, onde o povo búlgaro gritava vingança pelas calamidades sofridas, a burguesia viu-se constrangida a conter o ódio e a fazer mesmo algumas concessões.

Teve de se resignar, rangendo os dentes, à chegada ao poder, por volta de fins de 1919, do governo agrário de Stamboliiski, esperando que este, tal como os social-democratas na Alemanha e noutros países, a salvaria do perigo da revolução, e contando retomar, no momento oportuno, o poder, a fim de ajustar contas com os camponeses e operários pelas «ofensas» sofridas.

Durante este tempo, as massas trabalhadoras uniam-se rapidamente — os operários e uma parte dos camponeses pobres nas fileiras do Partido Comunista e dos sindicatos revolucionários, e as largas massas camponesas nas da União Agrária. Os partidos burgueses foram completamente isolados.

O governo agrário de Stamboliiski, apesar da sua política inconsequente de meias-medidas, causou contudo alguns prejuízos aos interesses vitais da burguesia, lançando, não sem hesitação, as consequências desastrosas da guerra, do marasmo económico e da crise em especial sobre as costas da burguesia. Estabeleceu o imposto sobre os lucros de guerra, sobre os lucros das sociedades anónimas e sobre os rendimentos do capital. Instituiu o monopólio sobre os cereais e privou assim o capital especulativo dos seus avultados lucros anteriores. Limitou as possibilidades do capital especulativo utilizar créditos do Estado; adoptou a lei sobre a expropriação dos bens imobiliários para interesses de utilidade pública, criando assim uma ameaça para os proprietários; adoptou a lei sobre a propriedade das terras, concedendo-as àqueles que a trabalhavam, e preparava-se para desferir o golpe sobre as grandes propriedades.

O governo agrário votou igualmente uma lei que fazia justiça sobre os governos burgueses das guerras balcânica e europeia, responsáveis pelas calamidades do povo. Os membros desses gabinetes, que eram igualmente líderes de todos os partidos burgueses, foram presos e incriminados. Esta lei previa um referendo sobre a questão da efectivação do julgamento dos ministros dos dois gabinetes burgueses, e os resultados foram 700 000 votos (do Partido Agrário e do Partido Comunista) a favor, e 200 000 votos (pertencentes a todos os partidos burgueses e aos social-democratas) contra.

No decurso das eleições legislativas de 28 de Março de 1920, os partidos burgueses, incluído nestes o partido social-democrata, obtiveram 300 000 votos num 1 000 000 de votantes, mas em 22 de Abril de 1922, obtiveram 272 000, enquanto que a União Agrária via passar o número dos seus votos de 347 000 para 557 000, e o Partido Comunista — de 182 000 para 220 000. Enquanto que o número dos votos expressos pelos partidos burgueses e social-democratas baixava de 38% para 26%, o dos votos em benefício dos agrários e dos comunistas passava de 62% para 74%.

O furor da burguesia atingiu o paroxismo. Tendo perdido a esperança de retomar o poder pela via legal, por eleições, ele concentrou toda a sua atenção e todas as suas forças na preparação das condições que lhe permitissem, por meios não parlamentares, pela violência, desfazer-se do governo agrário e do movimento organizado dos operários e das massas camponesas do país.

Para este efeito, mobilizou, com a ajuda da Corte, oficiais que estavam reformados ou licenciados, no seguimento das restrições impostas ao exército. Utilizou os russos de Wrangel (10 000), que se encontravam no país, atraiu para o seu lado a Organização Macedónica Armada, assegurou-se do apoio da Inglaterra e da Itália, ambas descontentes com a política de Stamboliiski, devido à sua aproximação com a Jugoslávia — agente da França nos Balcãs. A Inglaterra, para quem os balcânicos eram indispensáveis para a consolidação da sua influência na Ásia Menor e para a criação de uma base sólida para a sua luta contra a U.R.S.S., via um sério obstáculo no governo de Stamboliiski e no Partido Comunista de massas na Bulgária, e apoiou, portanto, com prontidão os planos conspirativos da burguesia búlgara.

Assim preparada, no interior e no exterior, a burguesia búlgara não esperava senão o momento para passar à acção. E foi nisso ajudada pelo enfraquecimento da vaga revolucionária na Europa. 0 perigo imediato de uma revolução proletária afastou-se. Os planos da burguesia búlgara eram facilitados igualmente pela política antiproletária do governo de Stamboliiski, que conduzia cada vez mais à desunião entre a classe operária e as massas camponesas. Calculando, depois das eleições de Abril de 1923, que os partidos burgueses estavam definitivamente enfraquecidos, Stamboliiski, receando o movimento a favor do restabelecimento de um poder dos Sovietes, iniciou uma acção muito mais enérgica contra o Partido Comunista e, minando inconscientemente as posições do poder camponês, facilitou o trabalho da burguesia. Melhor ainda, o governo de Stamboliiski, não tendo confiança na classe operária e nas massas camponesas pobres, deixou o exército e as forças armadas do país à disposição dos antigos oficiais, fiéis à burguesia.

No dia 9 de Junho de 1923, um grupo de banqueiros e de especuladores ávidos, de generais que tinham caído na bancarrota durante a guerra e de professores animados pela ambição de fazer uma carreira política fácil, apoiando-se na Liga Militar conspiradora e com a ajuda dos wrangelistas e da Organização Macedónica, que se encontrava na Bulgária, derrubou com um golpe de Estado militar o governo de Stamboliiski, e apoderou-se, uma noite, como o fariam salteadores, do poder, massacrando uma parte dos ministros, dos deputados e de outras personalidades agrárias, enchendo as prisões de milhares de camponeses e operários, que tinham resistido ao golpe de força, e submetendo o povo búlgaro à sua ditadura militar. O lugar do governo agrário foi ocupado pelo governo de Tzankov, formado então por todos os partidos burgueses, incluindo nestes o partido social-democrata, representado no parlamento por 30 deputados apenas, sobre o número total de 245. A imensa maioria do povo búlgaro estava inteiramente contra o golpe de Estado e acolheu com uma animosidade evidente o governo que lhe foi imposto pela força. O erro fatal do Partido Comunista, que ficou passivo perante o golpe de Estado, contribuiu indirectamente para o sucesso do golpe de Estado burguês.

A Provocação de Setembro

Ora, se a burguesia chegou tão facilmente a retomar o poder por meios criminosos, era-lhe menos fácil conservá-lo nas condições criadas no país, tendo em conta a importância da correlação das forças sociais existentes. Era impossível obrigar, por meios legais, as massas a resignarem-se à ditadura da burguesia. Também o governo burguês-socialista de Tzankov não teve outra saída senão enveredar pelo terror branco e pela ditadura militar, a fim de submeter as massas populares.

Simultaneamente, depois do golpe de Estado de Junho, a influência do Partido Comunista e dos sindicatos revolucionários aumentou mais ainda. As massas camponesas, amargamente desiludidas com a política de vistas curtas de Stamboliiski, que conduziu ao golpe de Estado de 9 de Junho, viravam os olhos para o Partido Comunista, na esperança de se libertarem do bando capitalista e da ditadura militar no poder. Pelo seu lado, os operários, compreendendo claramente que tinha sido justamente graças à desunião entre o proletariado e a classe camponesa que a burguesia tinha conseguido estabelecer a sua ditadura militar e que a salvação estava apenas na aliança entre as massas operárias e camponesas, iniciaram energicamente a obra de consolidação dessa união.

Para o governo de Tzankov, era perfeitamente claro que não se podia fazer eleições legislativas e sancionar o golpe de Estado, e que não se podia manter no poder se o Partido Comunista, os sindicatos e as outras organizações operárias continuassem a sua actividade revolucionária no país. Os capitalistas sentiram igualmente que teriam as mãos presas enquanto existissem e agissem livremente os sindicatos revolucionários, esse «Estado dentro doutro Estado».

Foi então que o conselho de guerra dos capitalistas, banqueiros e especuladores organizou a provocação bem conhecida de Setembro, a fim de decapitar o movimento operário, isto é, de esmagar o Partido Comunista, que contava 40 000 membros e que tinha obtido, aquando das eleições parlamentares, 220 000 votos, os sindicatos operários, que reuniam 40 000 membros, a União Cooperativa «Osvobojdénié» e os seus 70 000 membros, as organizações das mulheres e da juventude, aniquilar igualmente a imprensa trabalhadora cuja tiragem ultrapassava duas vezes a de todos os jornais, tomados no seu conjunto — os da burguesia e os dos obchtodeltsi.

Três meses depois do golpe de Estado de Junho, no dia 12 de Setembro de 1923, o governo da Tzankov, sob o pretexto de que os operários e camponeses fomentariam uma insurreição tendo por objectivo estabelecer o poder dos Sovietes na Bulgária, prendeu mais de 2 000 militantes do movimento operário (deputados, conselheiros dos departamentos e municipais, presidentes de câmara, jornalistas, secretários do Partido e dos sindicatos, redactores, etc.), fechou os clubes operários e transformou-os em postos da polícia, confiscou os bens, as impressoras, os fundos e os arquivos das organizações do Partido e dos sindicatos operários, proibiu os seus jornais e toda a sua actividade futura, levado a cabo, ao mesmo tempo, uma vasta operação de repressão contra os trabalhadores em todo o país.

As massas sublevaram-se pela defesa dos seus direitos e das suas liberdades injuriadas. Mas com a ajuda dos wrangelistas, da Organização Macedónica e das suas forças armadas, concentradas nas cidades, o governo de Tzankov conseguiu impedir os operários das cidades de se sublevarem ao mesmo tempo que o campesinato e de se juntarem a este último. Assim, a insurreição, que resultou duma provocação, foi abafada. Mas a clique dos banqueiros e dos generais no poder utilizou-a largamente. Quase todas as pessoas presas desde 12 de Setembro, isto é, antes da insurreição, e milhares doutros militantes operários e camponeses, caídos nas mãos dos carrascos raivosos, foram assassinados. As prisões estavam superlotadas; mais de 15 000 operários e camponeses presos foram submetidos a interrogatórios, e uma grande parte dentre eles foi, seguidamente, julgada e condenada. Outros dois mil militantes operários e camponeses emigraram para salvar a vida.

Mas, apesar de tudo isto, o governo não conseguiu pacificar o país. Pelo contrário, o descontentamento e o rancor depois do massacre de Setembro cresceram ainda mais. As massas operárias e camponesas, tendo tirado uma lição da amarga experiência, compreenderam que a razão da sua derrota estava na desunião e continuaram, portanto, a consolidar a sua frente única de luta contra os carrascos.

As eleições parlamentares sangrentas, que tiveram lugar em Novembro de 1923 e no decorrer das quais as listas comuns dos candidatos-operários obtiveram mais de 300 000 votos (900 000 eleitores participaram nessas eleições), mostraram ao governo de Tzankov que o movimento revolucionário não tinha sido de modo nenhum aniquilado e que ele crescia com uma força nova, procurando sem cessar destruir a ditadura fascista e militar imposta às massas populares.

Então, o governo de Tzankov adoptou a lei draconiana da «defesa do Estado». Consequentemente, modificou e agravou as sanções previstas por essa lei. É justamente em virtude dela que foram formalmente dissolvidas todas as organizações operárias, incluindo nelas a União Cooperativa Operária «Osvobojdénié». Um decreto especial do Supremo Tribunal de Justiça colocava fora da lei a União Geral Sindical Operária e taxava os seus membros de criminosos. Ainda que este decreto não dissesse formalmente respeito aos diversos sindicatos, o governo interpretou-o no seu sentido mais amplo, proibindo muito simplesmente todas as organizações profissionais, com a excepção das dos «obchtodeltsi», que beneficiavam da vigilância muito particular do poder.

Evidentemente que o Partido Comunista, tal como os sindicatos, não quis admitir a sua dissolução e empreender a sua própria liquidação, para maior benefício dos banqueiros e dos generais. O Partido Comunista passou para a clandestinidade, continuando activamente a dirigir a luta das massas. Pelo seu lado, os sindicatos revolucionários continuavam a defender a sua existência legal de todas as maneiras possíveis. Mas as suas reuniões eram proibidas pela força. Os iniciadores e os participantes eram presos e torturados. Os secretários e os militantes dos sindicatos, tal como os redactores dos seus jornais, eram presos ou desterrados para as regiões longínquas do país. Os assassinatos dos deputados operários ao parlamento tornaram-se coisa corrente. Qualquer greve ou protesto aberto eram sufocados pelas forças armadas.

Medidas de excepção foram nomeadamente tomadas contra o sindicato dos mineiros. Além da prisão e encarceramento dos seus dirigentes, mais de 2 000 operários das minas «Pernik» foram despedidos. Estes mineiros qualificados e experientes foram substituídos por wrangelistas cujo número atingiu progressivamente 4 000, num total de 7 000 operários. Evidentemente, a produção baixou de 40 a 50%. Mas, para os que se encontravam no poder, era mais importante aniquilar o sindicato dos mineiros do que manter ao seu nível anterior a produção das minas. A Casa do Mineiro, que anteriormente era um centro de cultura e de ensino para os mineiros, está, desde há já ano e meio, transformada em posto da polícia, onde os membros do sindicato dos mineiros e os seus simpatizantes que ainda permanecem nas minas, são selvaticamente torturados.

Dois mil membros do sindicato dos operários dos transportes foram igualmente despedidos dos caminhos de ferro e dos PTT. A mesma sorte atingiu 2 000 professores, membros da organização dos professores, tal como 1 000 membros do sindicato da função pública.

Nesta campanha brutal e repugnante de destruição dos sindicatos revolucionários, os mencheviques búlgaros foram sempre muito activos. Incitavam o poder com os mais diversos actos arbitrários. Esforçando-se, por todos os meios, por facilitar a tarefa que tinha por objectivo o aniquilamento do movimento operário, denunciavam, entregavam listas de «bolcheviques» não identificados pelo governo, a fim de que fossem despedidos. Por outro lado, continuavam a dirigir-se aos operários e aos empregados «afastados» pelos comunistas, exortando-os a aderir aos sindicatos dos obchtodeltsi para evitar as perseguições.

O terror selvagem do governo de Tzankov criou uma nova categoria de cidadãos no país, os «clandestinos». Milhares de operários, camponeses, intelectuais viram-se constrangidos a viver na clandestinidade(4) a fim de escapar às perseguições do poder. Todos os meios eram bons contra os clandestinos. O governo pô-los fora da lei, como «salteadores» que o poder tem o direito não apenas de prender, mas de matar, onde quer que os descubra. Os que davam refúgio aos clandestinos viam-se guardados para o mesmo destino dos próprios clandestinos. Os bandos de Tzankov não hesitaram em incendiar as casas onde os clandestinos se escondiam.

As pessoas presas eram submetidas a torturas tão desumanas que a maior parte dentre elas se suicidava. Um grande número dessas pessoas recorreu ao veneno, à corda, ou deitaram-se dos andares superiores da antiga Casa do Povo, em Sófia, transformada em sede da polícia.

Os militantes operários e camponeses, julgados nos tribunais, não podiam contar com nenhuma defesa jurídica, porque os advogados estavam igualmente ameaçados de morte se se decidissem a defender diante de tribunal os agentes «bolcheviques». Foram lançadas bombas nas casas de diversos honestos advogados burgueses que, apesar de tudo, tinham tido a coragem de assumir a defesa dos operários e camponeses acusados (Bourgas, Varna, Plévène, etc.).

Assim, o terror contra as massas operárias e camponesas adquiriu uma amplitude sem igual em todo o último período da história.

Sob o Regime do Terror Branco

Suspendendo todos os direitos políticos e as liberdades das massas trabalhadoras, destruindo e decapitando o seu movimento pelo aniquilamento físico em massa da sua vanguarda, a burguesia destruiu igualmente todas as conquistas económicas do após-guerra. Anulou em primeiro lugar a reforma agrária e entregou aos grandes proprietários as terras que lhes tinham sido confiscadas para serem distribuídas aos camponeses; depois foi a lei sobre a expropriação dos imóveis por causa da utilidade pública que foi abolida; a lei sobre a habitação foi modificada a favor dos proprietários; os impostos sobre o grande capital foram levantados, os impostos indirectos e os outros impostos pagos pelos trabalhadores foram aumentados.

Em lugar do antigo monopólio sobre os cereais, realizado com a ajuda de um consórcio cooperativo, foi concedida inteira liberdade ao comércio e à especulação com os artigos de primeira necessidade. Os especuladores no poder exportaram as farinhas da meIhor qualidade e ganharam bastante com isso; depois, a fim de alimentar a população, importaram uma farinha americana amarga, ganhando mais uma vez. A carestia da vida adquiriu proporções nunca vistas. O índice de aumento dos preços passou de 3 000 para 5 000. A balança comercial que, em 1922, tinha encerrado com um lucro de mais de 292 milhões de leva, deu em 1923 um déficit de 1 600 000 000 de leva. Em Junho de 1923, o dólar estava cotado em 92 leva, e por volta de meados de 1925, a 140 leva. As notas em circulação aumentaram, de 3 800 milhões de leva, em Julho de 1923, para 4 500 milhões, no fim de 1924.

O orçamento do Estado que em 1922-23 era, em números redondos, de cinco biliões, subia em 1923-24 para 6,2 biliões, e em 1924-25 para sete biliões de leva. Só para os créditos ao exército, à polícia, aos comandos fascistas, às prisões, etc., foram previstos 1 500 000 00 de leva.

Os impostos indirectos aumentaram de 2 para 3 biliões. O imposto sobre o tabaco atingiu 365 milhões de leva, o imposto predial que tocava os pequenos proprietários aumentou igualmente para atingir 340 milhões de leva. Ao mesmo tempo, as sociedades por acções não pagam mais do que 3 milhões de impostos, em vez dos 30 milhões que anteriormente descontavam.

A crise económica e o marasmo atingiram proporções aterrorizantes. A anarquia sangrenta e a insegurança que reinam no país paralizam o comércio e a indústria. Várias empresas industriais reduziram a sua produção devido à perda dos seus operários mais qualificados. A indústria média arruína-se rapidamente. A agricultura, a que faltam milhares de braços — assassinados, presos, proscritos, emigrados, refugiados no maquis — está em franco declínio. Enquanto em 1922 foram semeados 13 milhões de hectares, em 1923 o seu número baixou para 11 milhões de hectares, e em 1924 para 9 milhões.

O comércio com o estrangeiro conhece igualmente enormes dificuldades devido à situação instável do país. O representante comercial do governo búlgaro em Viena dá a seguinte característica da situação do comércio externo:

«As operações de crédito, mesmo com os comerciantes búlgaros mais honestos e mais íntegros, foram suspensas, e o envio de mercadorias com destino à Bulgária foi cancelado. As transacções com os comerciantes búlgaros, que em grande parte eram concluídas em Viena, tornaram-se hoje impossíveis. Isso aplica-se não apenas ao comércio búlgaro com a Áustria, mas igualmente ao comércio com todos os outros países. Os leitores que têm conhecimento da estatística do comércio externo búlgaro podem compreender facilmente as enormes perdas que sofreu a nossa economia nacional.»

Mas o regime fascista teve sobretudo repercussões desastrosas na condição da classe operária. Apesar do aumento do custo de vida, os salários baixaram de 30% em relação aos salários de 1922. O dia legal de 8 horas é substituído por um dia de trabalho de dez, onze e doze horas. A legislação do trabalho não é praticamente observada em parte alguma. A inspecção nas fábricas foi completamente abandonada. O desemprego aumenta sem cessar. Milhares de operários e empregados são lançados na rua e submetidos por wrangelistas e refugiados da Macedónia, da Trácia e de Dobroudja. Os operários são privados do direito de reunião, organização, de liberdade de imprensa e do direito de greve, e não têm possibilidade de reagir de maneira organizada contra a subida furiosa do capital.

Sob este regime de terror raivoso, os banqueiros, os especuladores e os altos funcionários do exército e da administração acumulam riquezas incalculáveis, enquanto que as massas operárias vivem numa miséria indescritível.

Nova Vaga da Reacção

No começo deste ano, o descontentamento e a indignação das massas operárias e camponesas, encurraladas pelo desespero, começaram a manifestar-se sob formas extremamente violentas.

A luta pelo derrubamento do regime de Tzankov reacendeu-se. O descontentamento atinge já toda a pequena burguesia, também uma grande parte da intelligentsia e mesmo uma parte do corpo de oficiais outrora absolutamente fiéis a Tzankov. O governo de Tzankov sentiu que se aproximava o fim do seu domínio. Mas os banqueiros e os generais agarram-se solidamente ao poder. Decidiram provocar de novo os operários e os camponeses a agir, a fim de repetir o massacre de Setembro de 1923 e de decapitar definitivamente o movimento operário e camponês, aniquilando os seus militantes, poupados aquando do último massacre. Uma terrível ofensiva foi lançada contra os clandestinos. Os assassinatos políticos intensificaram-se. Os dois últimos deputados operários foram assassinados nas ruas de Sófia. Os últimos jornais operários e camponeses foram proibidos. Os antigos deputados comunistas, mesmo depois de terem renegado a sua participação no Partido Comunista, foram expulsos do parlamento. Fizeram-se novas prisões em massa de militantes operários e agrários. As listas de pessoas que deviam ser massacradas, durante estas verdadeiras noites de São Bartolomeu que se preparavam, foram organizadas. Um forte exército de 10 000 assassinos — wrangelistas, macedónicos, oficiais da reserva e fascistas — foi organizado exclusivamente para este efeito.

Ao mesmo tempo, o governo propagava, ao longo de todos os dias, o rumor do «perigo comunista» que crescia, de pretensas manobras sustentadas por Moscovo. Publicou falsos documentos, escritos em folhas com o cabeçalho do «Komintern» e fabricadas pelo russo branco Droujélovski, que por isso mesmo foi preso. Segundo esses documentos, o Komintern dava pretensa ordem aos comunistas e agrários búlgaros da Frente Única para declarar na Bulgária, no dia 15 de Abril, a insurreição armada para o estabelecimento do poder dos Sovietes. Estando, assim, preparado para um novo ajuste de contas sangrento com as massas operárias e camponesas e todos os outros elementos perigosos da oposição, o governo de Tzankov provocava-os obstinadamente a agir e escolhia o momento oportuno para realizar o seu plano infernal.

Foi justamente nestas condições que teve lugar o infeliz atentado da catedral de Sófia. Este atentado foi um acto de desespero e de autodefesa de clandestinos selvaticamente torturados e perseguidos. Ainda que fosse notório que o Partido Comunista, tal como os sindicatos revolucionários ou as amizades agrárias não eram os responsáveis por aquele atentado, o governo de Tzankov apressou-se a servir-se dele para justificar a sangrenta repressão que preparava desde há muito. Segundo um plano e listas já organizadas, mais de 2 000 militantes operários e agrários, estudantes, universitários, intelectuais e oficiais da oposição, e mesmo os antigos comunistas que, depois do golpe de Estado se tinham comprometido publicamente a não participarem novamente na vida política do país, foram presos e assassinados. Entre as vítimas encontravam-se, portanto, todos os dirigentes, secretários, redactores e militantes dos sindicatos revolucionários. Perto de 20 000 operários organizados, camponeses e simpatizantes ou suspeitos de simpatizar com o movimento popular, foram encarcerados, submetidos a torturas dignas da Inquisição da Idade Média. Os tribunais militares sucediam-se ininterruptamente distribuindo penas de morte. Depois dos processos dos «culpados» do atentado da catedral, levantam-se agora outros processos. Condena-se igualmente à morte aqueles que ofereceram asilo aos clandestinos, e entre estes «ocultadores» há um grande número de mulheres. Muitas das pessoas presas continuam a ser executadas sem julgamento e sem inquérito, na maior parte dos casos por «tentativa de evasão».

Mas o bando enraivecido de Tzankov não se contenta com estes horrores inacreditáveis. Pretende «erradicar», como escreve a imprensa governamental, «o perigo bolchevique» e, ao mesmo tempo, o movimento sindical revolucionário. Todos os serviços governamentais, departamentais e municipais receberam a ordem severa de despedir imediatamente os membros dos sindicatos revolucionários. Os chefes dos serviços administrativos e os directores das empresas, que respondem pessoalmente pela execução desta ordem, são obrigados a assinalar a presença de tais operários ou empregados, e, em caso contrário, responderão perante o tribunal militar por «não-denúncia». Já 10 000 empregados, professores, operários e outros funcionários foram lançados na rua e votados à fome.

Melhor ainda: o governo deu ordem às empresas e serviços privados para fazerem o mesmo. Em virtude desta ordem, os proprietários das empresas industriais e outras devem igualmente: primeiro, ser responsáveis moral e materialmente pelos seus operários e empregados; segundo, nomear por cada vinte operários um oficial de reserva, membro da organização de oficiais que deverá controlar a «fidelidade» dos operários ao regime e que será assalariado da empresa. Esta medida pareceu inútil mesmo aos capitalistas. Um grande número de fábricas declararam que nessas condições não poderiam subsistir.

A imprensa americana em Nova York recebeu o seguinte telegrama de Sófia:

«O director da filial búlgara da Standard Oil Company (financiada por Rockefeller) foi convidado pela polícia búlgara a abandonar o país num prazo de 24 horas, se não estiver de acordo em declarar por escrito que, entre os empregados da sua empresa, não há comunistas.»

O dirigente dos departamentos da Standard Oil Company não simpatiza, evidentemente, com os comunistas, mas declarou que não podia tomar a responsabilidade dos actos e opiniões dos seus empregados fora dos departamentos, e menos ainda dos seus pensamentos secretos. Em resposta, a polícia pediu-lhe que abandonasse o país dentro de 24 horas.

Estes factos caracterizam o regime de terror selvagem e sem vergonha que actualmente reina na Bulgária.

Os Socialistas da Direita e os Sindicatos Amarelos

Expulsos, já antes da guerra, do seio da classe operária e do seu movimento sindical de massas, os socialistas de direita concentraram os seus esforços entre os professores e funcionários. As suas tentativas para criar, depois da guerra, por intermédio da sua «União dos Sindicatos Livres» (uma organização puramente política), as suas organizações sindicais nos sectores da produção privada, a fim de contrabalançar a influência dos sindicatos revolucionários, não tiveram sucesso algum. Apenas algumas dezenas de tipógrafos da Imprensa Nacional e um número insignificante de operários artesanais, dependentes dos seus patrões, membros do partido dos obchtodelsí, continuavam na sua «União dos Sindicatos Livres».

Pelo contrário, os socialistas de direita, com os radicais e os democratas, fizeram o seu ninho no sindicato dos professores e noutras organizações neutras dos funcionários. A «neutralidade» dessas organizações consistia em não conduzirem uma política proletária e, contra as reduzidas vantagens concedidas aos seus dirigentes, prestarem serviços a um ou a outro partido pequeno-burguês ou burguês. Pode-se imaginar até que ponto os sindicatos «neutros» se mantêm numa posição burguesa, pelo facto de se declararem até contra a Internacional de Amsterdão, porque esta última (embora apenas por palavras) exorta à luta de classe... Estas organizações são verdadeiros sindicatos amarelos, agentes do governo, tendo por objectivo impedir os funcionários de se juntarem ao proletariado e ao movimento sindical revolucionário, de adoptarem as ideias da luta de classe e de conduzirem uma política independente, pela defesa dos seus interesses e direitos em relação ao poder e à burguesia.

É natural, uma vez que os socialistas de direita, os radicais e os democratas participaram no golpe do Estado de Junho e o governo que dele saiu, que o socialista de direita Kazassov se tornasse ministro dos Correios e das Comunicações, e que os sindicatos «livres» e as uniões «neutras» dos funcionários, fossem postos ao serviço do governo. Uma parte dos seus dirigentes foram eleitos deputados ao parlamento nas listas da coligação governamental.

Saudaram calorosamente o golpe de Estado e as perseguições levadas a cabo pelo governo de Tzankov contra o movimento sindical revolucionário, visto que podia assim ser detido o movimento que se tinha esboçado entre os funcionários antes do golpe de Estado e que procurava unir-se com o resto do proletariado e criar uma única federação geral do trabalho na Bulgária, baseada na luta de classes. Os líderes dos socialistas de direita e dos sindicatos amarelos viam no aniquilamento dos sindicatos revolucionários um meio de consolidarem as suas posições precárias e esperavam assim obter o monopólio absoluto no domínio do movimento sindical no país. Também foram eles os mais encarniçados e os mais vis adversários dos sindicatos revolucionários. Insistiam abertamente para que estes fossem declarados fora da lei como organizações «perigosas para a ordem do Estado». Nunca chegaram, nem uma única vez, a elevar a voz contra as cruéis perseguições e contra os assassinatos dos militantes operários e regozijavam-se cinicamente com -isso. Ainda que milhares de militantes operários, camponeses e membros dos sindicatos revolucionários fossem massacrados e torturados pelos carrascos de Sófia, ainda que as prisões estivessem repletas de operários, camponeses e trabalhadores intelectuais, ainda que mais de 10 000 operários e empregados fossem despedidos por serem membros ou simpatizantes dos sindicatos revolucionários, a imprensa dos «obochtodeltsi» considerava tudo isso como perfeitamente normal, pedindo humildemente ao governo que se mantivesse atento para que não fossem, por acaso, atingidos alguns dos membros das uniões «neutras». A imprensa dos «obchtodeltsi» estava cheia de insinuações abjectas e calúnias contra os combatentes operários caídos como heróicos mártires. Os dirigentes e os militantes dos sindicatos revolucionários assassinados e presos são qualificados pelos socialistas de direita como «bandidos», «monstros» e «facínoras». Os documentos, evidentemente falsos, que o governo de Tzankov utilizou para fomentar a provocação de Setembro e o sangrento massacre que se lhe seguiu, foram apresentados como pura verdade pela imprensa dos «obchodeltsi», que deles se serviu como de uma arma contra o movimento sindical revolucionário.

O veridicto tenebroso, uma vergonha pela falta de provas de apoio, na questão do atentado de Sófia, foi proclamado pelos socialistas de direita como «acto de justiça, para dar razão à consciência pública indignada», contra os «terroristas» e «agentes de Moscovo».

No momento em que o proletariado búlgaro é privado de todos os direitos e de todas as liberdades políticas, quando o seu movimento sindical é aniquilado, a sua imprensa suprimida, os seus dirigentes e militantes selvaticamente assassinados, quando a sangrenta repressão contra as massas operárias e camponesas prossegue, quando os operários são votados à miséria, explorados até ao último limite, quando todo o direito de se organizarem, de fazerem greve lhes são recusados, assim como qualquer defesa legal, o secretário da «União dos Sindicatos Livres» dos «obchtodeltsi» e o ministro do Comércio e da Indústria, nos trabalhos da Conferência do Bureau Internacional do Trabalho, em Génova, vindos como representantes dos «operários búlgaros», escolheram ambos esse momento para declarar aos olhos do mundo inteiro que, no domínio da legislação social, a Bulgária se distanciou para bem longe da França...

Não é portanto espantoso que os sindicatos dos «obchtodeltsi» e os sindicatos amarelos, apesar da mais ampla das protecções que o poder fascista lhes confere, não tenham conseguido consolidar as suas posições sob o regime de Tzankov, mas tenham até perdido a importância que tinham anteriormente. Este desprezível instrumento da clique dos banqueiros e dos generais não mereceu senão o ódio impossível de conter do proletariado búlgaro.

Até mesmo o mais antigo líder socialista de direita, lanko Sakazov, escreveu sobre estes sindicatos, no órgão dos obchtodeltsi, «Narod»:

«O mais triste é ver que os homens do trabalho estão completamente desorganizados. Os sindicatos são tão fracos e insignificantes que não podem sequer ser tomados em conta».

As Perspectivas do Movimento Sindical Búlgaro

Os sindicatos revolucionários, ao mesmo tempo que todo o movimento operário revolucionário na Bulgária, são aniquilados, exterminados, decapitados.

Os seus quadros dirigentes são aniquilados. Os militantes, afastados, apodrecem na prisão, escondem-se nas florestas ou no estrangeiro. O proletariado encontra-se no estado do terror branco desencadeado. Para os rapaces capitalistas não há obstáculo à monstruosa exploração, ao arbítrio absoluto e às humilhações com que o sobrecarregam.

A burguesia búlgara rejubila. Julga ter-se desembaraçado do seu inimigo de classe. «O Estado dentro doutro Estado» já não existe. Já não existem nem sindicatos revolucionários, nem greves, nem contratos colectivos, nem imprensa operária, nem nenhuma restrição à exploração do trabalho. O capitalista, o explorador, o especulador tem as mãos livres. Agora que o «perigo bolchevique» está extirpado, pode-se pensar em substituir o cancro de Tzankov, manchado dos pós à cabeça de sangue operário e camponês, que se tornou incómodo aos olhos do mundo «civilizado», mas com a condição de que :a ditadura militar seja a todo o preço conservada. E Tzankov partirá, depois de ter brilhantemente terminado a sua obra sangrenta.

Mas a burguesia búlgara grita vitória demasiado cedo. Visto que corta o ramo em que se apoia, aproxima assim a sua queda. O golpe de Estado de 9 de Junho, o massacre de Setembro de 1923, a repressão sangrenta de Abril deste ano, os indescritíveis horrores, as crueldades e selvajarias medievais do regime fascista, as torrentes de sangue operário e camponês, tudo isso criou um abismo intransponível entre os trabalhadores e a burguesia. Qualquer reconciliação entre os dois tornara-se impossível para sempre. Mas sabe-se que a burguesia não se pode manter no poder sem ter ao seu lado uma parte das massas populares. Na Alemanha, na França, na Inglaterra e noutros países, a social-democracia ou os outros partidos pequeno-burgueses têm ainda uma certa influência entre os trabalhadores e mantêm assim o poder da burguesia. Na Bulgária, não há nada de semelhante, as massas operárias e camponesas sentem em relação aos social-democratas e radicais o mesmo ódio que em relação a Tzankov.

Os sindicatos revolucionários estão aniquilados. Mas o proletariado está vivo. Ele está na produção. As massas camponesas estão igualmente vivas e mantêm entre as mãos a agricultura. A União dos operários e dos camponeses está concluída e selada pelo sangue. Viverá e consolidar-se-á. As chagas do proletariado curar-se-ão. Ele empreenderá com uma energia renovada a reedificação do seu movimento sindical. Sairão novos dirigentes e militantes das fileiras operárias. Serão menos qualificados do que os quadros dirigentes assassinados, mas continuarão a luta com uma dedicação, uma abnegação e um encarniçamento ainda maiores. A reacção será vencida. E o apoio recebido do exterior pela burguesia será igualmente sacudido. O proletariado revolucionário em Inglaterra, França e Itália, ao fazer a sua obra de libertação, ajudará os seus irmãos búlgaros. O movimento operário revolucionário búlgaro colocar-se-á, no fim de contas, em pé e, mobilizando todas as suas forças, obterá a vitória final.


Notas de rodapé:

(1) Trata-se de números arredondados. (retornar ao texto)

(2) Partidários da acção comum. (retornar ao texto)

(3) O problema absolutamente correcto, e em que Dimitrov tanto insiste, da unificação do movimento sindical, como é lógico, tem de ser entendida como um trabalho em comum de todos os sindicatos que têm uma orientação correcta, marxista, fornecida pelo Partido Comunista. Ontem, tal como hoje, eram os socialistas de direita, agora os revisionistas modernos, que prejudicam esta unidade da classe operária, que defendem uma unidade fictícia, para porem os trabalhadores da cidade e do campo ao serviço da burguesia. Os socialistas de direita, tal como os revisionistas modernos, se se encontram em maioria tentam esmagar as posições marxistas firmes no trabalho sindical; se são minoritários, como é inevitavelmente o seu destino, actuam como agentes sabotadores, como elementos que tentam criar uma real desunião entre os operários e os trabalhadores em geral. Não temos de nos admirar. São os métodos de actuação de uma classe, a burguesia, contra os quais é necessário mobilizar toda a força de combate da classe operária e das massas populares (N.P.). (retornar ao texto)

(4) A clandestinidade a que Demitrov se refere é uma necessária situação de fuga perante a ofensiva policial e não o corpo de funcionários clandestinos, de revolucionários profissionais, absolutamente necessários ao trabalho partidário. (N. P.) (retornar ao texto)

Inclusão 16/11/2014