Entrevista à Revista Espanhola Triunfo

Vasco Gonçalves

12 de Outubro de 1974


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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Jornalista:Talvez saiba, senhor ministro, que alguns jornais espanhóis qualificaram os acontecimentos de Portugal (28 de Setembro), de golpe de Estado da esquerda...

Resposta: — Este foi o primeiro ataque em forma contra a democracia portuguesa. Uma conspiração reaccionária destinada a destruir as liberdades conseguidas desde o 25 de Abril, que foi possível desmontar graças à vigilância do Povo e das Forças Armadas.

O que pode ter sido é um golpe de Estado de direita. Da extrema-direita. Não, não foi um golpe de Estado da esquerda, mas um complot reaccionário para deitar por terra a situação democrática que se está a viver em Portugal.

O que o Movimento das Forças Armadas e as brigadas populares de vigilância fizeram, foi impedir que pudesse consumar-se a conspiração reaccionária que se tinha preparado sob o pretexto da manifestação chamada da maioria silenciosa. Tudo o que se fez foi impedir que as forças reaccionárias conduzissem o país a uma situação semelhante à anterior ao 25 de Abril.

Jornalista:O que se disse é que as brigadas populares de vigilância eram formadas por comunistas...

Resposta: — Nos meios reaccionários insistiu-se muito nisso. É certo que havia muitos comunistas, mas havia também muitos de outras tendências. Todos os portugueses esclarecidos correram em defesa da democracia ao vê-la ameaçada.

Não tem nada de extraordinário que o Movimento das Forças Armadas tenha coincidido nisto com os partidos interessados no estabelecimento de uma democracia em Portugal. O Movimento é antifascista, como teve ocasião de demonstrar, e dado que esses partidos são antifascistas, é natural que coincidam.

Os objectivos da MFA são transparentes. E quem não os vê é porque não quer vê-los. Os militares comprometeram a sua honra nesses objectivos. Pusemos o nosso empenho na institucionalização da democracia a fim de tomar possível que o povo escolha livremente o seu futuro.

A nossa tarefa terminará quando sejam empossadas as novas autoridades eleitas.

Jornalista:Tem algum comentário a fazer à afirmação feita pelo general Spínola no seu discurso de demissão, no sentido de que Unha havido desvios na aplicação do programa do MFA?

Resposta: — Esta acusação não é exacta. Não houve desvio nenhum na aplicação do Programa.

Jornalista:Como explica a posição do general Spínola?

Resposta: — Como já disse há uns dias, o general Spínola demonstrou no seu discurso, que tinha uma visão apocalíptica ou catastrófica do presente processo de democratização.

O MFA e o Governo Provisório não compartilham em absoluto da visão oferecida pelo general Spínola. Não estamos vivendo na anarquia, mas sim na ordem.

O senhor mesmo pode ver a tranquilidade que reina nas ruas. Não houve necessidade de impor o estado de excepção, nem recolher obrigatório, nem medidas especiais de segurança. A operação de vigilância feita por parte do povo e das Forças Armadas fez-se sem nenhum incidente.

Jornalista:Diga-me, senhor ministro, é a situação portuguesa no seu conjunto, tão alarmante como alguns dizem?

Resposta: — Não é tão alarmante. Herdámos os problemas de uma ditadura fascista que se prolongou durante quase cinquenta anos, cuja decomposição se ocultava graças a uma férrea censura. Não podemos fazer milagres, mas lançamos as bases para resolver os nossos problemas. Os inimigos da revolução democrática que aqui se está levando a cabo, esses sim, consideram alarmante a situação, simplesmente porque estão interessados em que seja verdadeiramente alarmante. Nós temos confiança no futuro.


Abriu o arquivo 05/05/2014