Discurso no Acto de posse do Professor Fernando Dias Agudo, Presidente da Junta de Investigação Científica e Tecnológica

Vasco Gonçalves

1 de Novembro de 1974


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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Falando sem risco de grande erro, poderíamos dizer que, em Portugal, não existe investigação científica. Aliás, o Governo fascista não estava interessado nisso, não estava interessado no progresso tecnológico e científico; estava interessado numa política de manutenção de um «statu quo», e as pessoas que dele beneficiavam só em limitada medida necessitavam dessa investigação. Mas o País necessita que haja investigação científica e tecnológica e, portanto, esta Junta tem, fundamentalmente, nas circunstâncias actuais, um papel dinamizador dessa investigação. Não quero, porém, dizer com isto, rigorosamente, que ela não exista; existe investigação científica entre nós, alguma mesmo do melhor nível que se encontra em qualquer parte do mundo. E se atendermos às circunstâncias em que ela é desenvolvida, são de louvar todos esses esforços, que de um modo geral, dependem de vontades individuais ou de pequenos grupos, mas que não correspondem a uma integração num plano geral de investigação científica no nosso País. Ora seria isso que o Governo Provisório gostaria que fosse desenvolvido. Sei que não é uma tarefa a curto mas sim a longo prazo; também sabemos que, no contexto geral do progresso económico, científico e tecnológico actual, todos esses problemas têm de ser ponderados. Não vamos montar instituições de investigação ou fazer investigação que já esteja feita. Há um grande papel no campo da apropriação da investigação e da tecnologia feita nos outros países, do ponto de vista dos custo, dos rendimentos, etc. E, em particular, também há que ver qual é a investigação científica e tecnologia que mais nos interessa, o que está directamente ligado às condições históricas, no sentido geral, em que vivemos.

Portanto, a palavra de ordem seria a de dinamizar e impulsionar a investigação científica em Portugal, mas do ponto de vista da planificação e dos interesses do progresso do nosso País, o que quer dizer, dos interesses do nosso povo.

Do mesmo passo, não queria deixar de referir o sr. dr. João Salgueiro como uma pessoa que nos merece a melhor consideração. Foi deslocado para outras funções, onde, pensamos, poderá ter uma actividade bastante dinamizadora, num momento em que o País tanto precisa da dinamização da banca nacionalizada. Julgamos que tem também funções muito importantes, hoje, na vida geral do País e, portanto, o seu afastamento da Junta de Investigação Científica e Tecnológica não foi mais do que um ajustamento de pedras e de procurar colocar as pessoas em lugares onde possa ser obtido o melhor rendimento dos seus conhecimentos, da sua cultura. Ao sr. dr. João Salgueiro agradeço, pois, aquilo que fez, pela Junta. Sobretudo, há que salientar que dispôs de condições limitadas, bastante diferentes daquelas que vai hoje encontrar o sr. prof. Dias Agudo; de modo que a ambos agradeço. Tenho a convicção de que se darão passos seguros neste campo da investigação científica e tecnológica, dentro, repito, do contexto em que vivemos: uma vez que hoje as condições são diferentes, o sr. prof. Dias Agudo terá todo o apoio que lhe pudermos dar e dirigirá este departamento de um modo descentralizado, em relação ao poder; digamos que terá a maior liberdade e a responsabilidade correspondente, sobretudo, para dinamizar toda a gente com ideias criadoras, quer dizer, levar esta democracia a todos os que devem estar interessados no desenvolvimento da investigação tecnológica e científica em Portugal, de modo que o trabalho seja eminentemente colectivo, colegial, e no qual a crítica tenha um papel fundamental e desempenhar, além da honestidade profissional, a sobriedade, etc. Quer dizer, os cientistas têm que ser homens que se devotem, de facto, às suas funções e não que vão lá buscar mais uns dinheiros para completar os vencimentos; isto é uma coisa fundamental. É preciso que os cientistas estejam investidos totalmente nas suas funções e que façam do objecto do seu trabalho o fim da sua vida. Só assim poderemos ter também investigadores, mestres, professores, homens que ensinem os outros, criem disciplinas. Cientistas que vão, em «part-time», buscar aqui ou ali qualquer coisa, isso não; e ainda muito menos homens que, às vezes, se possam servir, porventura, de laboratórios e de instalações científicas para interesses particulares e não no interesse geral do País. Isto também é importante: que toda a investigação seja polarizada no interesse do País, quer dizer, no interesse do povo português, e que o oportunismo e a burocracia sejam completamente banidos. A investigação científica não pode ser, de maneira nenhuma, uma escada, não pode ser um instrumento de promoção de interesses individuais; aliás, os verdadeiros cientistas são pessoas das mais modestas que se podem encontrar. Portanto, todo esse aspecto que possa, na nossa investigação científica, ser distorção dela no caminho de certos interesses particulares, isso deve ser completamente banido. Dentro destas bases, que são muito gerais e que o prof. Dias Agudo decerto aprofundará, de harmonia com os conhecimentos que possui e com a sua tradição de trabalho e a sua competência profissional, tem toda a nossa confiança e servir-lhe-ão para dar os necessários passos em frente, no sentido do progresso de Portugal.

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Abriu o arquivo 05/05/2014