Entrevista à Revista Espanhola «Cambio 16»

Vasco Gonçalves

31 de Março de 1975


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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Intentona de 11 de Março

As nossas ideias ainda não estão completamente definidas a propósito da conjura do passado dia 11 de Março. Uma comissão «ad hoc» trabalha intensamente para esclarecer os factos a partir das informações de que dispomos. Temos muitos elementos, mas não podemos ainda definir totalmente o alcance da conjura. Por Outro lado, é importante realçar que se trata de uma conspiração feita por civis e militares, com relações muito estreitas com o capital monopolista. O secretário-geral do Partido da Democracia Cristã utilizava nos comícios desta organização uma linguagem provocatória, tendente a agravar a situação. Pensávamos que isto se iria dar, embora não conhecêssemos evidentemente a data. Sempre acreditámos que a preparação do golpe se fazia paralelamente ao nosso próprio processo de institucionalização do Movimento das Forças Armadas.

O poder

O processo bastante complexo iniciado no passado dia 25 de Abril, ficou muito mais esclarecido. O 28 de Setembro equivaleu a uma primeira clarificação. O 11 de Março representou mais um passo nessa direcção. A nacionalização da Banca e dos Seguros representa o primeiro ataque frontal ao capital monopolista. Até agora tínhamos feito conquistas de ordem política e social na depuração do Estado fascista, tomado algumas medidas no sentido de beneficiar as classes mais desfavorecidas, desenvolvido o processo de descolonização, mas não tínhamos atacado directamente o capital monopolista. As forças que se nos procuram opor contam com apoio aos mais variados níveis: no grande capital, na administração pública, no ensino, inclusivamente entre os pequenos agricultores e comerciantes. O Conselho da Revolução insere-se nesta situação, imprimindo ao processo uma maior firmeza. O Conselho da Revolução passará a fazer parte dos órgãos políticos do Estado depois da eleição da Constituinte e ratificará, evidentemente, a Constituição.

Nacionalizações

Não podemos imaginar, «a priori», o desenrolar do processo. Este aponta contudo para uma via socializante, económica, política e social, na qual a economia esteja ao serviço do povo português. E uma economia só pode estar ao serviço do Povo se se situar numa perspectiva socializante. Actualmente, encontramo-nos em período de transição.

As condições objectivas e as de carácter subjectivo marcarão os ritmos do processo. Hoje, adoptamos medidas que são aceites, aclamadas pelo nosso Povo.

Consideramos que a iniciativa privada tem um papel importante a desempenhar nesta etapa de transição. Agora que deixou de estar sob a pressão do capital monopolista poderá desenvolver-se mais tranquilamente. Na situação actual, a transformação das pequenas e médias empresas não se efectuará pela via da concentração do capital, num sistema de capitalismo monopolista de Estado, mas seguindo processos que permitam a sua participação activa na economia nacional.

Aspiramos evidentemente a uma reforma agrária, integrada no conjunto do processo. Não pretendemos contudo impor essa reforma pela força. Pensamos levar aos pequenos agricultores as ideias de cooperativismo, de rentabilidade das empresas, do progresso económico e social.

Exército

Julgo que o processo actualmente em curso no seio das Forças Armadas portuguesas é único em todo o mundo. Trata-se da transformação de um corpo tradicionalmente conservador, como o são as Forças Armadas, numa vanguarda progressista, sob a iniciativa do MFA. Contudo, não pode esquecer-se que, depois do 25 de Abril, esta transformação ocorreu em estreita ligação com o Povo. Neste sentido, a campanha de dinamização cultural foi fundamental.

Sem esta aliança com as classes mais desfavorecidas da população não teríamos podido alcançar tal êxito.

Religião

Desejamos com veemência que não se «misture» a religião com a política. E com a mesma veemência estaremos contra as atitudes anticlericais, por mais que a Igreja tenha estado comprometida na sua hierarquia com o regime fascista. Sabemos também que no seio da Igreja se desenvolvem forças progressistas, tendo algumas delas contribuído para o derrube do fascismo.

No nosso movimento há muitos cristãos, uma maioria, até porque a maioria do povo português é cristão.

Espanha

Procuraremos manter com a Espanha as mais cordiais relações, partindo do princípio de que um país não deve interferir nos assuntos internos, de outro país. A Espanha tem o seu próprio regime político como Portugal tem o seu. Pela nossa parte, desejamos que a Espanha não interfira nos nossos assuntos políticos, da mesma maneira que nós não tencionamos interferir nos seus.

Temos acordos militares com a Espanha e depois do 25 de Abril as relações com este país têm sido muito boas. Opinamos, portanto, que, da mesma maneira que o povo português decide o seu próprio destino, o povo espanhol deve decidir o seu, o que evidentemente não quer dizer que o que acontece nos dois países não exerça repercussões mútuas.


Abriu o arquivo 05/05/2014