Simplesmente

Antonio Gramsci

15 de dezembro de 1916


Fonte: Antonio Gramsci: escritos escolhidos (1915-1920), editora Lutas Anticapital, 2022.

Tradução: Anita Helena Schlesener e Ana Paula Schlesener.

Transcrição: Bruno Jadson Jardelino Gomes.

HTML: Lucas Schweppenstette.


O "Momento" responde ao "pai de família" que há alguns dias protestava, em uma carta dirigida ao nosso jornal, pelo fato que em uma escola de Turim uma professora faz as crianças recitarem o Pai Nosso antes de iniciar a lição. E faz, ao "bravo pai de família" esta simples argumentação: "Notou na sua menina qualquer coisa de preocupante e que se possa considerar como uma consequência daquela oração que ela recita todas as manhãs com os seus companheiros de escola? É, talvez, menos obediente e respeitosa em relação a você? Em casa comete faltas maiores que antes? Porque, se isto não acontece eu não vejo o motivo de sua preocupação. É verdade, você é um livre-pensador e quer que a sua filhinha cresça livre de qualquer pensamento religioso; se lhe agradar, o procurará mais tarde... diz você; mas você não é sincero, porque sabe muito bem que a sua menina, quando se tornar uma mulher casada e tiver que lutar em meio ao mundo não terá nem o modo nem o desejo de aprender aquela fé e aquela oração que você a fez ignorar completamente. E onde está, então, o seu respeito pela sua liberdade de pensar? É você que exerce uma violência sobre ela e não a professora que a faz recitar o Pai Nosso". Assim responde simplesmente o "Momento". E o “bom pai de família” se encarrega de responder ainda mais simplesmente:

"Eu quero ter realmente a qualificação de 'bom pai' que o 'Momento' utiliza com uma certa ironia, insinuando que eu seja um pai fantasma. De fato, me preocupo de como a minha menina está formando seu caráter por meio dos contatos com a vida escolar e por meio daquele pouco ensinamento que eu próprio lhe dou. Mandando-a para a escola eu entendia dar-lhe a possibilidade de aprender aquelas tantas coisas que eu não seria capaz de lhe ensinar. Mas eu, de fato, não queria abdicar daquilo que considero seja meu máximo dever e minha tarefa essencial a seu respeito: ou seja, ser eu o mestre de suas convicções mais profundas a fim de, em seguida, assumir-me, com absoluta convicção, a responsabilidade do seu futuro e do seu comportamento.

"Estas convicções que crio nela seguindo aquilo que eu considero seja a verdade e habituando-a, com a persuasão e com o exemplo, a colocar sempre como finalidade de suas próprias, ainda que minúsculas ações, o verdadeiro e o justo. Qualquer apriorismo, qualquer pressuposto absoluto em torno aos fatos é banido do meu modo de educação. O único apriorismo indiscutível é aquele da sinceridade, único pressuposto admissível é aquele da imparcialidade na pesquisa na busca cotidiana daqueles elementos que devem servir para fazer dela urna criatura profundamente humana. Mas eu não posso fazer tudo. É necessário o trabalho complementar da escola. Eu reconheço que a minha menina não se tornou má pelo fato de ter sido obrigada a ouvir recitar cotidianamente o Pai Nosso. Mas ela, que é uma criatura viva, ainda se uma menina, e sente profundamente, está desorientada pelo fato que a sua professora lhe ensine também as coisas que o seu pai não lhe ensina e lhe explica de maneira diferente. Está aborrecida pelo fato de estar quase sozinha (apenas em sua companheira de família israelita não recita as orações) a não fazer aqueles por ato especiais que todas as outras crianças fazem. E entre o respeito e o afeto por seu pai e o afeto e o respeito pela professora, é tomada por uma angústia que eu gostaria de evitar, visto não ser ela ainda intelectualmente madura para compreender que pode também existir desacordo entre duas pessoas que para ela representam toda a vida espiritual. Eu sei que nesta angústia, que não deve ser somente a minha menina a sentir, colocou um problema pedagógico que as autoridades deveriam resolver do modo mais liberal, fazendo sim que a escola seja somente uma escola de cultura, e deixando para as famílias individuais a tarefa de educar os próprios filhos como melhor lhes agradar. Se na escola ensinassem o Buda Nosso ou o Nosso Allah, as crianças não se tornariam más por isso: no entanto, então, o 'Momento' se uniria a mim para protestar e provavelmente exibiria também ele o nome da liberdade de consciência. Eu não quero ser hipócrita com a minha menina, eis tudo: e o seria se deixasse que ela pudesse acreditar que não estou suficientemente convencido das minhas ideias, para permitir que o seu espírito se torne uma espécie de valise de todas as opiniões correntes no mundo”.


Inclusão: 14/09/2023