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Primeira Edição: : Avanti, 24 Novembro de 1917.
Fonte: La Revolución contra el Capital, em: Revolución rusa y Unión Soviética, Ediciones R. Torres, Barcelona, 1976, págs. 21-26.
Tradução para o português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez. Junho, 2007.
HTML de: Fernando A. S. Araújo, Julho, 2007.
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A revolução dos bolcheviques inseriu-se definitivamente na revolução geral do povo russo. Os maximalistas(2*) que até há dous meses foram o fermento necessário para que os acontecimentos não se detiveram, para que a marcha em direcção ao futuro não terminasse, dando lugar a uma forma definitiva de organização — que seria uma organização burguesa —, apoderaram-se do poder, estabeleceram a sua ditadura e estão a elaborar as formas socialistas em que a revolução deverá enquadrar-se para continuar a desenvolver-se harmoniosamente, sem excesso de grandes choques, partindo das grandes conquistas já realizadas.
A revolução dos bolcheviques é feita mais de ideologias do que de factos. (Por isso, no fundo, importa-nos pouco saber mais do que já sabemos). É a revolução contra O Capital de Karl Marx. O Capital de Marx era, na Rússia, mais o livro dos burgueses que dos proletários. Era a demonstração crítica da necessidade inevitável que na Rússia se formasse uma burguesia, se iniciasse uma era capitalista, se instaurasse uma civilização de tipo ocidental, antes que o proletariado pudesse sequer pensar na sua insurreição, nas suas reivindicações de classe, na sua revolução. Os factos ultrapassaram as ideologias. Os factos rebentaram os esquemas críticos de acordo com os quais a história da Rússia devia desenrolar-se segundo os cânones do materialismo histórico. Os bolcheviques renegam Karl Marx quando afirmam, com o testemunho da acção concreta, das conquistas alcançadas, que os cânones do materialismo histórico não são tão férreos como se poderia pensar e se pensou.
No entanto há mesmo uma fatalidade nestes acontecimentos e se os bolcheviques renegam algumas afirmações de O Capital, não renegam o seu pensamento imanente, vivificador. Eles não são marxistas, é tudo; não retiraram das obras do Mestre uma doutrina exterior feita de afirmações dogmáticas e indiscutíveis. Vivem o pensamento marxista e que não morre, a continuação do pensamento idealista italiano e alemão e que se contaminou em Marx de incrustações positivistas e naturalistas. E este pensamento coloca sempre como factor máximo da história, não os factos económicos, inertes, mas o homem, a sociedade dos homens, dos homens que se aproximam uns dos outros, se entendem entre si, desenvolvem através destes contactos (civilização) uma vontade social, colectiva, e compreendem os factos económicos, julgam-nos e adequam-nos à sua vontade, até ela se transformar no motor da economia, na plasmadora da realidade objectiva, que vive, se move e adquire carácter de matéria telúrica em ebulição que pode ser canalizada para onde a vontade quiser e como a vontade quiser.
Marx previu o previsível. Não podia prever a guerra européia, ou melhor, não podia prever que esta guerra duraria o tempo que durou e os efeitos que esta guerra teve. Não podia prever que esta guerra, em três anos de sofrimento e miséria indescritíveis, suscitaria na Rússia a vontade colectiva popular que suscitou. Uma vontade deste tipo precisa normalmente, para se formar, dum longo processo de infiltrações capilares, duma longa série de experiências de classe. Os homens são preguiçosos, precisam de se organizar, primeiro, exteriormente, em corporações, em ligas; depois internamente, no pensamento, nas vontades (...)(3*) duma incessante continuidade e multiplicidade de estímulos exteriores. Eis por que, normalmente, os cânones da crítica histórica do marxismo captam a realidade, colhem-na e tornam-na evidente, compreensível. Normalmente as duas classes do mundo capitalista criam a história através da luita de classes, cada vez mais intensa. O proletariado sente a sua miséria actual, está continuamente em estado de dificuldade e pressiona a burguesia para melhorar as suas condições de existência. Luita, obriga a burguesia a melhorar a técnica da produção, a fazê-la mais útil para que seja possível a satisfação das suas necessidades mais urgentes. É uma apressada corrida para o melhor, que acelera o ritmo de produção, que incrementa continuamente a soma dos bens que servirão à colectividade. E nesta corrida caem muitos, tornando mais compulsório o desejo dos que ficaram. A massa está sempre em ebulição, e do caos-povo surge sempre mais ordem no pensamento, torna-se mais cada vez consciente da sua própria força, da sua capacidade para assumir a responsabilidade social, para ser o árbitro do seu próprio destino.
Isto normalmente. Quando os factos repetem com certo ritmo. Quando a história se desenvolve por momentos cada vez mais complexos e ricos de significado e valor, mas em conclusão, semelhantes. Mas, na Rússia a guerra serviu para despertar as vontades. Estas, através dos sofrimentos acumulados ao longo de três anos, unificaram-se com muita rapidez. A carestia estava iminente, a fame, a morte de fame podia tocar a todos, esmagando dum momento para o outro milhões de homens. As vontades unificaram-se, mecanicamente primeiro, activamente, espiritualmente, depois da primeira revolução.(4*)
As prédicas socialistas puseram o povo russo em contacto com as experiências dos outros proletários. A prédica socialista faz reviver num instante, dramaticamente, a história do proletariado, a sua luita contra o capitalismo, a prolongada série de esforços que tem de fazer para se emancipar idealmente dos vínculos do servilismo que o tornavam abjecto, para ser uma consciência nova, testemunho actual do mundo futuro. A prédica socialista criou a vontade social do povo russo. Porque deveria esperar esse povo que a história de Inglaterra se repetisse na Rússia, que na Rússia se formasse uma burguesia, que surgisse a luita de classes para que nascesse a consciência de classe e se desse finalmente a catástrofe do mundo capitalista? O povo russo passou por estas magníficas experiências com o pensamento, embora polo pensamento duma minoria. Ultrapassou estas experiências. Serve-se delas para se afirmar, como se servirá das experiências capitalistas ocidentais para se pôr rapidamente à altura da produção do mundo ocidental. A América do Norte é, sob o ponto de vista capitalista, mais evoluída do que a Inglaterra, porque na América do Norte os anglo-saxões começaram imediatamente no estádio a que a Inglaterra chegara depois duma longa evolução. O proletariado russo, educado socialisticamente começará a sua história no estádio máximo de produção a que chegou a Inglaterra de hoje, porque tendo de começar, fá-lo-á a partir da perfeição já atingida noutros lados, e dessa perfeição receberá o impulso para atingir a maturidade económica que, segundo Marx, é condição necessária do colectivismo. Foram revolucionários que criaram as condições necessárias para a realização completa e plena do seu ideal. Criaram-nas em menos tempo de que o teria feito o capitalismo.
As críticas que os socialistas têm feito e farão ao sistema burguês, para pôr em evidência as imperfeições, o esbanjamento de riquezas, serviram aos revolucionários para fazer melhor, para evitar esse esbanjamento, para não caírem naquelas deficiências. Será em princípio o colectivismo da miséria, do sofrimento. Mas as mesmas condições de miséria e de sofrimento seriam herdadas dum regime burguês.
O capitalismo não poderia fazer jamais imediatamente na Rússia mais do que poderá fazer o colectivismo. Faria hoje muito menos, porque teria imediatamente contra ele um proletariado descontente, frenético, incapaz de suportar por mais tempo e para outros as dores e as amarguras que o mal-estar económico traz consigo. Mesmo dum ponto de vista absoluto, humano, o socialismo imediato tem na Rússia a sua justificação. Os sofrimentos que virão após a paz só poderão ser suportados se os proletários sentirem que está na sua vontade e na sua tenacidade polo trabalho o meio de o suprimir no menor espaço de tempo possível.
Tem-se a impressão que os maximalistas são neste momento a expressão espontânea, biologicamente necessária, para que a humanidade russa não caia no abismo, para que, entregando-se completamente ao trabalho gigantesco, autónomo, da sua própria regeneração, possa ser menos solicitada polos estímulos do lobo esfameado de modo a que a Rússia não venha a ser uma enorme carnificina de feras que se devoram umas às outras.
Notas:
(1*) Assinado António Gramsci, Avanti, edição milanesa, 24 de Novembro de 1917; foi reproduzido por Il Grido del Popolo em 5 de Novembro de 1918, com a nota: A censura torinesa já uma vez mutilou completamente este artigo em Il Grido. Reproduzimo-lo agora do Avanti, passando polo crivo das censuras de Milão e Roma. (retornar ao texto)
(2*) Desta forma eram chamados, na altura, os comunistas. (retornar ao texto)
(3*) Lacuna no texto. (retornar ao texto)
(4*) A revolução de Fevereiro (Março) de 1917. (retornar ao texto)
Inclusão | 01/10/2007 |
Última alteração | 05/03/2016 |