MIA > Biblioteca > Antonio Gramsci > Novidades
Primeira Edição: Il Grido del Popolo, 8 de dezembro de 1917
Fonte: Escritos Políticos, edição portuguesa, Lisboa, Seara Nova: 1976.
Tradução: Manuel Simões.
Transcrição: Bruno Jadson Jardelino Gomes.
HTML: Lucas Schweppenstette.
Intransigência a não permitir que se adotem — para alcançar um fim — meios não adequados ao fim e de natureza diversa do fim. A intransigência é o predicado necessário do caráter. É a única prova da existência de uma determinada coletividade, como organismo social vivo, isto é, tem um fim, uma vontade única, uma maturidade de pensamento. Porque a intransigência requer que cada parte singular seja coerente com o todo, que cada memento da vida social seja harmonicamente pré-estabelecido, que tudo tenha sido pensado. Quer que se tenham princípios gerais, claros e distintos e que tudo o que se faz dependa necessariamente deles. Para que um organismo social possa ser disciplinado intransigentemente é necessário, pois, que ele tenha uma vontade (um fim) e que o fim esteja de acordo com a razão, seja um fim verdadeiro e não um fim ilusório. Não basta: é preciso que da racionalidade do fim estejam convencidos todos os componentes singulares do organismo, para que nenhum possa recusar a observância da disciplina, para que os que querem fazer observar a disciplina possam pedir esta observância como cumprimento de uma obrigação livremente aceite, em vez de uma obrigação a fixar para a qual o próprio recalcitrante contribuiu.
Destas primeiras observações resulta que a intransigência na ação tem por seu pressuposto natural e necessário a tolerância na discussão que precede a deliberação.
As deliberações estabelecidas coletivamente devem apoiar-se na razão. Pode a razão ser interpretada por uma coletividade? Decerto que o único consegue deliberar mais depressa (pare encontrar a razão, a verdade) do que uma coletividade. Porque o único pode ser escolhido entre os mais capazes, entre os mais bem preparados para interpretar a razão, enquanto a coletividade é composta por elementos diversos, preparados em diversos grau, para compreender a verdade, para desenvolver a lógica de uma finalidade, para fixar os diversos momentos através dos quais é preciso passar para se alcançar o próprio fim. Tudo isto é verdade, mas é também verdade que o único pode tornar-se (ou ser visto) num tirano e a disciplina por ele imposta pode desagregar-se porque a coletividade se recusa, ou não consegue compreender, a utilidade da ação, enquanto a disciplina fixada pela própria coletividade aos seus componentes, mesmo que tarde a ser posta em prática, dificilmente falha na sua efetivação.
Os componentes da coletividade devem, portanto, pôr-se de acordo, discutir entre eles. Através da discussão, deve resultar uma fusão dos espíritos e das vontades. Os elementos singulares de verdade, que cada um pode oferecer, devem sintetizar-se na complexa verdade e ser a expressão integral da razão. Para que isto se realize, pare que a discussão seja exaustiva e sincera, é necessária a máxima tolerância. Todos devem estar convencidos que aquela é a verdade e que, portanto, é preciso necessariamente pô-la em prática. No momento da ação, todos devem estar unidos e solidários porque no fluir da discussão foi-se formando um tácito acordo e todos se tornaram responsáveis pelo insucesso. Pode-se ser intransigente na ação só quando se foi tolerante na discussão e quando os mais preparados ajudaram os menos preparados a acolher a verdade, quando as experiências singulares foram postas em comum, quando todos os aspectos do problema foram examinados e não se criou nenhuma ilusão [dezoito linhas censuradas].
Naturalmente que esta tolerância — método da discussão entre homens que fundamentalmente estão de acordo e devem encontrar a coerência entre os princípios comuns e a ação que deverão desenvolver em comum — não tem que ver com a tolerância entendida vulgarmente. Nenhuma tolerância para o erro, para a imprudência. Quando se está convencido que uma pessoa está em erro — e foge à discussão, recusa-se a discutir e a experimentar, sustentando que todos têm direito de pensar como querem — não se pode ser tolerante. Liberdade de pensamento não significa liberdade de errar e disparatar. Nós somos apenas contra a intolerância que seja um produto do autoritarismo ou da idolatria, porque impede os acordos duráveis, porque impede que se fixem regras de ação moralmente obrigatórias, porque ao fixá-las participaram livremente todos. Porque esta forma de intolerância conduz necessariamente a transigência, a incerteza, a dissolução dos organismos sociais [seis linhas censuradas].
Por isso estabelecemos estas aproximações: intransigência-tolerância, intolerância-transigência.