Discurso ao Parlamento Italiano

Antonio Gramsci

16 de maio de 1925


Tradução: Elita de Medeiros - da versão disponível em https://www.marxists.org/archive/gramsci/1925/05/speech.htm

HTML: Fernando Araújo.

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LOCUTOR(1): O honrado Gramsci pode falar.

GRAMSCI: A proposta de lei contra as sociedades secretas foi apresentada à Câmara como uma proposta de lei contra a maçonaria; este é o primeiro ato real do fascismo a afirmar o que o Partido Fascista chama de sua revolução. Nós, como partido comunista, queremos buscar não apenas o motivo da apresentação desse projeto de lei contra as organizações em geral, mas também o significado do motivo pelo qual o Partido Fascista apresentou essa lei como dirigida principalmente contra a maçonaria.

Estamos entre os poucos que levaram o fascismo a sério, mesmo quando o fascismo parecia nada mais do que uma farsa manchada de sangue, quando o fascismo era discutido nos termos comuns de psicose de guerra, quando todos os partidos procuravam acalmar a população trabalhadora apresentando o fascismo como um fenômeno superficial, de curtíssima duração.

Em novembro de 1920, previmos que o fascismo tomaria o poder – coisa então inconcebível para os próprios fascistas – se a classe trabalhadora não pegasse em armas a tempo de bloquear seu avanço ensanguentado.

O fascismo, então, hoje declara praticamente ter conquistado o Estado. O que essa expressão, agora transformada em clichê, significa? E que sentido tem, então, a luta contra a maçonaria?

Por considerarmos essa fase da conquista fascista como uma das mais importantes vividas pelo Estado italiano, e por representarmos os interesses da maioria do povo italiano, dos trabalhadores e camponeses, acreditamos que uma análise da questão, mesmo que apressada, é necessária.

O que é a maçonaria? Vocês falaram longamente sobre o significado espiritual, as correntes ideológicas que ela representa, etc.; mas tudo isso são formas de expressão usadas apenas para convencimento próprio.

A maçonaria, dada a forma como a Itália estava unida, dada a fraqueza inicial da burguesia capitalista italiana, era o único partido real e eficaz que a classe burguesa tinha por muito tempo. Não se deve esquecer que pouco menos de vinte anos após a entrada dos piemonteses em Roma, o parlamento foi dissolvido e o corpo eleitoral de cerca de três milhões foi reduzido para 800 mil.

Esta foi uma confissão aberta da burguesia de ser uma minoria muito fraca da população, se depois de vinte anos de unidade foi forçada a adotar as medidas ditatoriais mais extremas para manter o poder, para esmagar seus inimigos de classe, que eram os inimigos do Estado unitário.

Quem eram esses inimigos? Eram principalmente o Vaticano, os jesuítas, e o ilustre Martire deve ser lembrado que, além dos jesuítas que usam o hábito, existem jesuítas leigos, que não têm nenhum símbolo especial que indique sua ordem religiosa.

Nos primeiros anos após a fundação do reino, os jesuítas expuseram, em uma série de artigos publicados na Civiltà cattolica, o programa político do Vaticano e das classes representadas por ele, ou seja, as velhas classes semifeudais, Bourbon por tendência no Sul, ou austríaca por tendência na Lombardia-Veneto, numerosas forças sociais que a burguesia capitalista nunca conseguiu conter, embora no período do Risorgimento representasse o progresso, e um começo revolucionário.

Os jesuítas da Civiltà cattolica, e assim o Vaticano, fez a sabotagem do estado unitário como primeiro ponto de seu programa político, através da abstenção parlamentar, a obstrução do estado liberal em todas as suas atividades que poderiam corromper e destruir a velha ordem; o segundo ponto foi a criação de um exército rural de reserva para colocar contra o avanço do proletariado, pois desde 1871 os jesuítas previam que, no campo da democracia liberal, nasceria o movimento proletário que se desenvolveria em um movimento revolucionário.

O ilustre Martire declarou hoje que a unidade espiritual da nação italiana, à custa da maçonaria, foi finalmente alcançada.

Como a maçonaria na Itália representou a ideologia e a organização real da classe burguesa capitalista, quem é contra a maçonaria é contra o liberalismo, é contra a tradição política da burguesia italiana. As classes rurais que foram representadas no passado pelo Vaticano são, hoje, representadas principalmente pelo fascismo. É lógico que o fascismo tenha substituído o Vaticano e os jesuítas na tarefa histórica, pela qual as classes mais atrasadas da população colocam sob seu controle a classe que foi progressista no desenvolvimento da civilização. Este é o significado da realização da unidade espiritual da nação italiana, que teria sido um fenômeno de avanço há cinquenta anos, e hoje é o maior fenômeno de regressão...

A burguesia industrial não foi capaz de desacelerar o movimento operário, não foi capaz de controlar o movimento operário, nem o movimento revolucionário rural. Assim, a primeira palavra de ordem instintiva e espontânea do fascismo, após a ocupação das fábricas, foi esta: “O rural controlará a burguesia urbana, que não sabe ser forte contra os trabalhadores”.

Se não me iludi, ilustre Mussolini, essa não era a sua tese, e entre o fascismo rural e o fascismo urbano o senhor disse que preferia o fascismo urbano...

(INTERRUPÇÕES):

MUSSOLINI: Devo interromper para lembrá-lo de um artigo meu em louvor ao fascismo rural em 1921-1922.

GRAMSCI: Mas esse não é um fenômeno puramente italiano, por mais que na Itália, com seu capitalismo mais fraco, tenha tido o maior desenvolvimento: é um fenômeno europeu e mundial, de grande importância para a compreensão da crise geral do pós-guerra no domínio da atividade prática e no domínio das ideias e da cultura.

A eleição de Hindenburg na Alemanha, a vitória dos conservadores na Inglaterra, com a liquidação dos respectivos partidos democráticos liberais, são o equivalente ao movimento fascista italiano. As velhas forças sociais, embora não completamente absorvidas por ela, tomaram o controle da organização dos Estados, trazendo para sua atividade reacionária toda a profundidade de ferocidade e decisão implacável que sempre foi sua, mas em substância temos um fenômeno de retrocesso histórico que não é e não será sem implicações para o desenvolvimento da revolução proletária.

Examinada com este fundamento, a presente lei contra as associações será aplicada ou está destinada a ser fútil? Corresponderá à realidade, será um meio para estabilizar o regime capitalista, ou será apenas um novo instrumento dado à polícia para prender Tom, Dick e Harry?... Então, o problema é este: a situação do capitalismo na Itália foi fortalecida ou enfraquecida desde a guerra, pelo fascismo? Quais eram as fraquezas da burguesia capitalista italiana antes da guerra, fraquezas que provocaram a criação desse sistema político maçônico que existia na Itália, que teve seu maior desenvolvimento no Giolitismo? As maiores fraquezas da vida nacional italiana foram, em primeiro lugar, a falta de matérias-primas, ou seja, a impossibilidade de a burguesia criar, na Itália, uma indústria que tivesse raízes profundas no país e que pudesse se desenvolver progressivamente, absorvendo a força de trabalho excedente. Em Segundo lugar, a falta de colônias vinculadas à metrópole é de onde vem a impossibilidade para a burguesia, de criar uma aristocracia operária que pudesse ser permanentemente aliada à própria burguesia. Em terceiro lugar, a questão meridional [do Sul], ou seja, a questão dos camponeses, intimamente ligada ao problema da emigração, que é a prova da incapacidade da burguesia italiana de manter... (Interrupções).

MUSSOLINI: Os alemães também emigraram aos milhões.

GRAMSCI: O significado da emigração em massa de trabalhadores é este: o sistema capitalista, que é o sistema dominante, não é capaz de dar comida, habitação e vestuário à população, a uma parte não insignificante desta população, que é obrigada a emigrar...

ROSSONI: Portanto, a nação deve se expandir no interesse do proletariado.

GRAMSCI: Temos nossa própria concepção de imperialismo e colonialismo, segundo a qual eles são sobretudo uma exportação de capital financeiro. Até agora, o imperialismo italiano consistiu apenas nisto: o trabalhador emigrante italiano trabalha para o lucro dos capitalistas de outros países, ou seja, até agora a Itália foi apenas um meio de expansão para o capital financeiro não italiano. Vocês lavam a boca com declarações de uma alegada superioridade demográfica da Itália sobre outros países; vocês sempre dizem, por exemplo, que a Itália é demograficamente superior à França. Esta é uma questão que só as estatísticas podem finalmente resolver, e às vezes lido com estatísticas: agora, uma estatística publicada depois da guerra, nunca negada e que não pode ser negada, afirma que a Itália pré-guerra, do ponto de vista demográfico, já estava na mesma situação que a França depois da guerra; isso é determinado pelo fato de que a emigração retira do território nacional tal massa da população masculina, economicamente ativa, em que as relações demográficas se tornam catastróficas. No território nacional permanecem os velhos, as mulheres, as crianças, os inválidos, que é a parte inativa da população, que pesa sobre a população mais do que em qualquer outro país, mesmo na França.

E esta é a fraqueza fundamental do sistema capitalista italiano, para o qual o capitalismo italiano está destinado a desaparecer ainda mais rapidamente, pois o sistema capitalista mundial não consegue mais absorver a emigração italiana, explorar o trabalho italiano, que nosso capitalismo é incapaz de organizar.

Os partidos burgueses, a maçonaria, como eles tentaram resolver esses problemas?

Na história italiana conhecemos os dois últimos planos políticos da burguesia para resolver a questão do governo do povo italiano. Tivemos o programa Giolitti, a colaboração do socialismo italiano com o Giolitismo, que é a tentativa de estabelecer uma aliança da burguesia industrial com uma certa aristocracia operária do Norte para oprimir, para submeter a massa do campesinato italiano a esse agrupamento burguês-proletário, especialmente no Mezzogiorno.(2) O programa não teve sucesso. No Sul da Itália, uma coalizão burguesa-proletária foi estabelecida através da colaboração parlamentar e da política de obras públicas; no Sul da Itália, a classe dirigente está corrompida e domina as massas com capangas... (Interrupções do Deputado Greco). Vocês, fascistas, foram os principais autores do fracasso desse programa político, pois empobreceram igualmente a aristocracia operária e o campesinato pobre de toda a Itália.

Tivemos um programa que poderíamos chamar de Correio da noite [Corriere della sera], um jornal que não representa uma força insignificante na política nacional: 800.000 leitores também são um partido.

VOZES: Menos...

MUSSOLINI: Metade! E os leitores de jornais não contam. Eles nunca fizeram uma revolução. Os leitores de jornais geralmente estão errados!

GRAMSCI: O Correio da noite [Corriere della sera] não quer fazer uma revolução.

FARINACCI: Nem a Unità.

GRAMSCI: O Correio da noite [Corriere della sera] apoiou sistematicamente todos os políticos do Mezzogiorno, de Salandra a Orlando, de Nitti a Amendola; em face da solução de Giolitti, opressor não só de classes, mas até de territórios inteiros, como o Mezzogiorno e as ilhas e, portanto, tão perigoso quanto o fascismo atual para a mesma unidade material do estado italiano, o Correio da noite [Corriere della sera] sempre apoiou uma aliança entre os industriais do Norte e uma certa democracia rural vaga, principalmente do Sul, com base no livre comércio. Uma solução e outra tendiam essencialmente a dar ao Estado italiano uma base maior do que tinha originalmente, e tendiam a desenvolver as conquistas do Risorgimento.

O que os fascistas propuseram contra essas soluções? Eles propõem uma lei supostamente contra a maçonaria, e com isso afirmam querer conquistar o Estado. Na realidade, o fascismo luta contra a única força efetivamente organizada que a burguesia tem na Itália, para suplantá-la na ocupação dos postos que o Estado dá aos seus funcionários públicos. A revolução fascista é apenas a substituição de um pessoal administrativo por outro.

MUSSOLINI: De uma classe por outra, como aconteceu na Rússia, como normalmente acontece em todas as revoluções, como faremos metodicamente! (Aplausos).

GRAMSCI: Só é revolução aquela que se baseia em uma nova classe. O fascismo não se baseia em nenhuma classe que já não esteja no poder...

MUSSOLINI: Mas se grande parte dos capitalistas é contra, se eu listar para você os grandes capitalistas que votam contra nós, que são da oposição: os Mottas, os Contis...

FARINACCI: E eles subsidiam jornais subversivos! (Comentários).

MUSSOLINI: Os diretores não são fascistas, e você sabe disso!

GRAMSCI: A realidade, então, é que a lei contra a maçonaria não é principalmente contra a maçonaria: no final, o fascismo chegará facilmente a um compromisso com a maçonaria.

MUSSOLINI: Os fascistas queimaram as lojas maçônicas antes de fazer a lei! Portanto, não há necessidade de uma acomodação.

GRAMSCI: O fascismo usa contra a maçonaria, de forma mais intensa, a mesma tática que usou contra todos os partidos burgueses não fascistas: primeiro criou uma célula fascista nesses partidos; depois tentou extrair, de outras partes, as forças mais úteis para ele, não conseguindo assumi-las como pretendia...

FARINACCI: Está nos chamando de tolos?

GRAMSCI: Vocês não seriam tolos apenas se soubessem como resolver os problemas da situação italiana...

MUSSOLINI: Nós resolveremos em breve. Já resolvemos muitos deles.

GRAMSCI: O fascismo não conseguiu absorver completamente todos os partidos em sua organização. Com a maçonaria, empregou a tática política da noyautage, depois o sistema terrorista de queima de lojas e, finalmente, empregou a ação legislativa, através da qual certas pessoas das diretorias das empresas e da alta burocracia acabarão cedendo aos senhores para não perder seus empregos, mas o governo fascista terá que chegar a um compromisso com a maçonaria. O que você faz quando seu inimigo é forte? Primeiro você quebra suas pernas, depois propõe um compromisso em uma condição de superioridade óbvia.

MUSSOLINI: Primeiro você quebra as costelas do inimigo, depois o aprisiona, como vocês fizeram na Rússia! Vocês pegaram seus prisioneiros e os mantêm, e vocês precisam disso! (Rumores)

GRAMSCI: Fazer prisoneiros significa exatamente assumir compromissos: assim dizemos que, na realidade, a lei é especialmente feita contra as organizações de trabalhadores. Perguntamos por que, durante muitos meses sem que o Partido Comunista fosse declarado ilegal, os carabinieri [uma das polícias italianas] prenderam nossos camaradas toda vez que os encontraram em uma reunião de pelo menos três...

MUSSOLINI: Estávamos fazendo o que vocês fizeram na Rússia.

GRAMSCI: Na Rússia existem leis que são obedecidas: vocês têm suas próprias leis...

MUSSOLINI: Vocês têm grandes reuniões? Fazem bem em tê-las! (Risos).

GRAMSCI: Na realidade, o aparato policial do estado já considera o Partido Comunista uma organização secreta.

MUSSOLINI: Isso não é verdade!

GRAMSCI: Na medida em que alguém, acusado de nenhum crime específico, encontrado em uma reunião de três pessoas, é preso, apenas porque é comunista.

MUSSOLINI: Mas eles são soltos em seguida. Quantos estão na cadeia? Nós os pegamos apenas para descobrir quem eles são!

GRAMSCI: É uma forma de perseguição sistemática que precede e justificará a aplicação da nova lei. O fascismo está adotando os mesmos sistemas do governo de Giolitti. Vocês estão fazendo como os capangas de Giolotti fizeram no Mezzogiorno quando prenderam eleitores da oposição... para saber quem eles são.

UMA VOZ: Houve apenas um caso disso. Você não conhece o Sul.

GRAMSCI: Eu sou do Sul!

MUSSOLINI: No que diz respeito à violência eleitoral, recordo a você um artigo de Bordiga que justifica isso plenamente!

GRECO PAOLO: Você, ilustre Gramsci, não leu esse artigo.

GRAMSCI: Não a violência fascista, a nossa. Temos a certeza de representar a maioria da população, de representar os interesses mais essenciais da maioria do povo italiano; a violência proletária é, portanto, progressiva e não pode ser sistemática. Sua violência é sistemática e sistematicamente arbitrária porque vocês representam uma minoria destinada a desaparecer. Devemos dizer à população trabalhadora o que seu governo é, como seu governo se conduz, para se organizar contra você, para se preparar para derrotá-lo. É muito provável que também nos vejamos forçados a usar os mesmos sistemas que vocês, mas como transição, ocasionalmente. (Murmúrios, interrupções). Certamente: usar os mesmos sistemas que vocês, com a diferença de que vocês representam a minoria da população, enquanto nós representamos a maioria. (Interrupções, murmúrios).

FARINACCI: Mas então, por que você não faz a revolução? Você está destinado para o mesmo fim que Bombacci! Eles vão expulsar você do partido!

GRAMSCI: A burguesia italiana, quando fez a unificação, era uma minoria da população, mas como representava os interesses da maioria, mesmo que não os acompanhasse, conseguiu se manter no poder. Você ganhou pelas armas, mas não tem programa, não representa nada de novo ou progressivo. Você apenas ensinou à vanguarda revolucionária que somente as armas, em última análise, determinam o sucesso de programas, e não programas... (Interrupções, comentários).

LOCUTOR: Não interrompam!

GRAMSCI: Esta lei não conseguirá frear o movimento que vocês mesmos estão preparando no país. Como a maçonaria entrará em massa no partido fascista e formará uma tendência dentro dele, é claro que, com esta lei, vocês esperam impedir o desenvolvimento de grandes organizações operárias e camponesas. Esse é o valor real, o significado real da lei.

Alguns fascistas ainda se lembram vagamente dos ensinamentos de seus antigos mestres, de quando eram revolucionários e socialistas, e acreditam que uma classe não pode ficar permanentemente assim e se desenvolver até a conquista do poder sem ter um partido e uma organização da parte melhor e mais consciente de si mesmo. Há algo de verdadeiro nessa perversão sinistra e reacionária dos ensinamentos marxistas. Certamente é muito difícil, para uma classe, alcançar a solução de seus problemas e chegar àqueles fins que estão embutidos em sua existência e na força geral da sociedade, sem que uma vanguarda se constitua e conduza essa classe para a consecução desses fins.

Mas não se diz que essa afirmação é sempre verdadeira, tal dogmatismo é estranho aos propósitos reacionários! Essa é uma lei que serve para a Itália, que deve ser aplicada na Itália, onde a burguesia não conseguiu e nunca conseguirá resolver, em primeiro lugar, a questão do campesinato italiano, resolver a questão do sul da Itália. Não é à toa que essa lei é apresentada ao mesmo tempo que alguns projetos de recuperação do Mezzogiorno.

UMA VOZ: Fale sobre a maçonaria.

GRAMSCI: Vocês querem que eu fale sobre a maçonaria. Mas no título da lei não há sequer uma pitada de maçonaria, fala apenas de organizações em geral. Na Itália, o capitalismo foi capaz de se desenvolver na medida em que o Estado pressionou as populações camponesas, especialmente no sul. Hoje vocês sentem a urgência desse problema, então vocês prometem um bilhão para a Sardenha, prometem obras públicas e centenas de milhões para todo o Mezzogiorno; mas para fazer um trabalho concreto sério, vocês devem começar por devolver à Sardenha os 100-150 milhões em impostos que vocês extorquem da sua população todos os anos! Vocês devem devolver ao Mezzogiorno as centenas de milhões em impostos que todos os anos vocês extorquem da população do sul.

MUSSOLINI: Vocês não impõem impostos na Rússia!...

UMA VOZ: Na Rússia eles roubam, não pagam impostos!

GRAMSCI: Esta não é a questão, ilustre colega, vocês deveriam pelo menos conhecer os relatórios parlamentares sobre essas questões, que existem na biblioteca. Não trata do mecanismo burguês normal de tributação: trata do fato de que, todos os anos, o Estado extorque, das regiões meridionais, somas em impostos que não restitui de forma alguma, nem por serviços de qualquer natureza...

MUSSOLINI: Isso não é verdade.

GRAMSCI: ...somas que o Estado extorque das populações camponesas do Sul para dar uma base ao capitalismo do Norte da Itália. (Interrupções, comentários). Nesse campo das contradições do sistema capitalista italiano se formará, necessariamente, apesar da dificuldade de construir grandes organizações, a união de operários e camponeses contra o inimigo comum.

Vocês fascistas, seu governo fascista, apesar de seus discursos demagógicos, vocês não superaram essa contradição que já era fundamental; em vez disso, vocês a fizeram sentir mais fortemente pelas classes populares e pelas massas. Vocês trabalharam nessa situação, para as necessidades dessa situação. Vocês acrescentaram poeira nova àquela já acumulada pelo desenvolvimento da sociedade capitalista e acreditam ter suprimido, com uma lei, os efeitos mais letais de sua própria atividade. (Interrupções).

Esta é a questão mais importante na discussão dessa lei!

Vocês podem conquistar o Estado, vocês podem mudar as leis, vocês podem tentar impedir que as organizações existam na forma em que existiram até agora; vocês não podem prevalecer contra as condições objetivas sob as quais vocês são constrangidos a se moverem. Vocês não farão mais do que forçar o proletariado a encontrar uma direção diferente daquela, até agora, mais comumente seguida no campo da organização de massa. Queremos dizer isso ao proletariado e às massas camponesas italianas a partir desta plataforma: que as forças revolucionárias italianas não se deixarão quebrar, que o sonho sinistro de vocês não terá sucesso. (Interrupções). É muito difícil aplicar, a uma população de 40 milhões de habitantes, os sistemas de governo de Cankof. Na Bulgária há alguns milhões de habitantes e, mesmo assim, apesar da ajuda externa, o governo não consegue derrotar a coalizão do Partido Comunista e das forças revolucionárias camponesas, e na Itália há 40 milhões de habitantes.

MUSSOLINI: O Partido Comunista tem menos membros que o Partido Fascista Italiano!

GRAMSCI: Mas ele representa a classe trabalhadora.

MUSSOLINI: Não representa!

FARINACCI: Ele trai, não representa [a classe trabalhadora].

GRAMSCI: O seu consentimento é obtido com o bastão [pela força].

FARINACCI: Você está falando de Miglioli.

GRAMSCI: Exatamente. O fenômeno Miglioli tem grande importância exatamente no sentido do que eu disse anteriormente: que até as massas camponesas católicas estão se voltando para a luta revolucionária. Nem os jornais fascistas teriam protestado contra Miglioli, se o fenômeno Miglioli não tivesse tido grande importância em mostrar a nova orientação das formas revolucionárias em função de suas pressões sobre as classes trabalhadoras.

Para concluir: a maçonaria inclina a balança a favor das medidas antiproletárias reacionárias! Não é a maçonaria que importa! A Maçonaria se tornará uma ala do fascismo. A lei é destinada aos operários e camponeses, que entenderão tão bem do uso que se fará dela. A essas massas queremos dizer que vocês não conseguirão sufocar as formas de organização de sua vida de classe, porque contra vocês está todo o desenvolvimento da sociedade italiana.

(Interrupções).

LOCUTOR: Não interrompam! Deixem que ele fale. Você, entretanto, Ilustre Gramsci, não falou da lei!

ROSSONI: A lei não é contra as organizações!

GRAMSCI: Ilustre Rossoni, ela própria é uma seção da lei contra as organizações. Os operários e camponeses devem saber que não conseguirão impedir que o movimento revolucionário se fortaleça e se radicalize. (Interrupções, murmúrios). Porque estou apenas expondo hoje a situação do nosso país... (Interrupções).

LOCUTOR: Ilustre Gramsci, você repetiu essa ideia três ou quatro vezes. Por favor! Não somos jurados, que precisam ouvir a mesma coisa muitas vezes!

GRAMSCI: Entretanto, precisa ser repetido, vocês devem ouvir até se cansar. O movimento revolucionário derrotará o fascismo. (Comentários).


Notas de rodapé:

(1) O chamado locutor é, provavelmente, o presidente da sessão. (retornar ao texto)

(2) Sub-região continental que consiste nas regiões do sul da Itália de Abruzos, Molise, Campânia, Puglia, Basilicata e Calábria, e uma sub-região insular composta pela Sicília e Sardenha.  (retornar ao texto)

Inclusão: 20/05/2022