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Primeira Edição: Prólogo ao livro
de Vo Nguyen Giap, Guerra do povo, exército do povo, Editora
Política, Habana 1964
Traduzido de:
Escritos y discursos, tomo 1, Editorial de Ciencias
Sociales, Havana 1972, páginas 225-232
Fonte: Gentilmente cedido pela
primeiralinha.org.
HTML por José Braz para o Marxists Internet Archive
Consideramos umha alta honra prologar este livro baseado nos escritos do vicegeneral Vo Nguyen Giap, actualmente Primeiro Ministro da Defesa Nacional e Comandante em Chefe do Exército Popular da República Democrática do Viet Nam. O general Gial fala com a autoridad que lhe confere a sua longa experiência pessoal e a do partido na luita de libertaçom. A obra, que tem de por si umha actualidade permanente, reveste mais interesse, se couber, devido à tumultuosa série de acontecimentos acontecidos nos últimos tempos nesta regiom da Ásia, e às controvérsias surgidas sobre o uso adequado da luita armada como meio de resolver as contradiçons insalváveis entre exploradores e explorados, em determinadas condiçons históricas.
Os combates que, exitosamente, levaram durante longos anos os heróicos exércitos e o povo inteiro do Viet Nam, repetem-se agora; o Viet Nam do Sul está em pé de guerra; a parte do país arrebatada ao seu legítimo dono, o povo vietnamita, está cada vez mais perto da vitória. Ainda quando os inimigos imperialistas ameacem com enviar milhares de homens, os desaforados falem do uso da bomba atómica táctica e o general Taylor seja nomeado embaixador da chamada "República do Viet Nam do Sul" e, tacitamente, comandante em chefe dos exércitos que tratarám de liquidar a guerra do povo, nada impedirá a sua derrota. Muito perto, no Laos, a guerra civil acendeu, provocada também polas manobras dos norte-americanos, apoiados de umha maneira ou outra polos seus aliados de sempre, e o reino neutral da Camboja, parte, como os seus irmaos Laos e Viet Nam, da antiguamente chamada Indochina francesa, está sujeita a violaçons das suas fronteiras e a ataques permanentes, pola sua posiçom erguida em defesa da neutralidade e do direito a viver como naçom soberana.
Por isto todo, a obra que prologamos sobarda os limites de um episódio histórico determinado e adquere vigência para toda a zona; mas, além disso, os problemas que coloca tenhem particular importáncia para a maior parte dos povos da América Latina submetidos ao domínio do imperialismo norte-americano, sem contarmos com que seria de extraordinário interesse o conhecimento dela para todos os povos de África que dia a dia sustenhem luitas cada vez mais duras, mas também repetidamente vitoriosas, contra os colonialistas de diversa índole.
O Viet Nam tem características especiais; umha civilizaçom muito velha e umha longa tradiçom como reino independente com particularidades próprias e cultura autóctone. Dentro da sua milenária história, o episódio do colonialismo francês é pouco mais do que umha pinga de água. No entanto, as suas qualidades fundamentais e opostas do agressor igualam, em termos gerais, as contradiçons insalváveis que se apresentam em todo o mundo dependente, bem como a forma de resolvê-las: Cuba, sem conhecer estes escritos, bem como também nom outros que sobre o tema se tinham feito narrando as experiências da Revoluçom chinesa, iniciou o caminho da sua libertaçom por métodos semelhantes, com o sucesso que está hoje à vista de todos.
Portanto, esta obra coloca questons de interesse geral para o mundo em luita pola sua libertaçom. Podem resumir-se assim: a factabilidade da luita armada, em condiçons especiais em que tenham fracassado os métodos pacíficos de luita de libertaçom; o tipo que deve ter esta, em lugares com grandes extensons de terreno favorável para a guerra de guerrilhas e com populaçom camponesa maioritária ou importante.
Apesar de que o livro se baseia numha compilaçom de artigos, tem boa ilaçom, e certas repetiçons nom fam mais do que dar-lhe maior vigor ao conjunto.
Trata-se nele da guerra de libertaçom do povo vietnamita; da definiçom desta luita como guerra do povo e do seu braço executor como exército do povo; da exposiçom das grandes experiências do partido na direcçom da luita armada e a organizaçom das forças armadas revolucionárias. O capítulo final trata sobre o episódio definitiov da contenda, Dien Vien Fu, em que já as forças de libertaçom ganham em qualidade e passam à guerra de posiçons, derrotando também neste terreno o inimigo imperialista.
Começa-se narrando como, depois de acabada a guerra mundial com o triunfo da Uniom Soviética e das potências aliadas do Ocidente, França burlou todos os acordos e levou o país a umha situaçom de extrema tensom. Os métodos pacíficos e racionais de resolver as controvérsias fôrom demonstrando a sua inutilidade, até que o povo tomou a via da luitar armada; nesta, polas características do país, o peso fundamentalmente recaia no campesinato. Era umha guerra de características camponesas, polos lugares fundamentais de acçom e pola composiçom fundamental do exército, mas estava dirigida pola ideologia do proletariado, fazendo válida mais umha vez a aliança operário-camponesa como factor fundamental da vitória. Embora nos primeiros momentos, polas características da luita anticolonialista e antiimperialista, era umha guerra de todo o povo, e umha grande quantidade de gente cuja extracçom nom respondia exactamente às definiçons clássicas de camponês pobre ou de operário, incorporava-se também à luita de libertaçom; a pouco e pouco, definiam-se os campos e começava a luita antifeudal, atingindo entom o seu verdadeiro carácter de antiimperialista, anticolonialista, antifeudal, dando como resultado o estabelecimento de umha revoluçom socialista.
A luita de massas foi utilizada durante todo o transcorrer da guerra polo partido vietnamita. Foi utilizada, em primeiro lugar, porque a guerra da guerrilha nom é mais do que umha expressom da luita de massas e nom se pode pensar nela quando esta está isolada do seu meio natural, que é o povo; a guerrilha significa, neste caso, a avançada numericamente inferior da grande maioria do povo que nom tem armas mas que exprime na sua vanguarda a vontade de triunfo. Aliás, a luita de massas foi utilizada nas cidades em todo o momento como arma imprescindível para o desenvolvimento da luita; é muito importante salientar que a luita de massas, no decurso da acçom pola libertaçom do povo vietnamita, nunca cedeu os seus direitos para acolher-se a determinadas concessons ao regime; nom parlamentou sobre concessons mútuas, colocou a necessidade de obter determinadas liberdades e garantias sem qualquer contrapartida, evitando assim que, em muitos sectores, a guerra se figesse mais cruel ainda do que a faziam os colonialistas franceses. Este significado da luita de massas no seu carácter dinámico, sem compromissos, dá-lhe umha importáncia fundamental à compreensom do problema da luita pola libertaçom na Latino-América.
O marxismo foi aplicado conseqüentemente à situaçom histórica concreta do Viet Nam, e por isso, guiados por um partido de vanguarda, fiel ao seu povo e conseqüente na sua doutrina, atingírom tam sonada vitória sobre os imperialistas.
As características da
luita, em que houvo que ceder terreno e esperar muitos anos para ver o resultado
final da vitória, com vaivéns, fluxos e refluxos, dam-lhe o carácter de guerra
prolongada.
Durante todo o tempo da luita pudo-se dizer que a frente estava onde estava o
inimigo; num momento dado, este ocupava quase todo o país e a frente estava
espalhada por onde o inimigo estivesse; logo a seguir houvo umha delimitaçom de
linhas de combate e ali havia umha frente principal, mas a retaguarda inimiga
constituia constantemente um outro cenário para os bandos em luita, de maneira
que a guerra foi totoal e que nunca os colonialistas pudérom mobilizar à
vontade, num terreno de base sólida, as suas tropas de agressom contras zonas
libertadas.
A palavra de ordem "dinamismo, iniciativa, mobilidade, decisom rápida ante situaçons novas", é síntese soma da táctica guerrilheira, e nessas poucas palavras está exprimido todo a dificílima arte da guerra popular.
Em certos momentos, as novas guerrilhas, alçadas sob a direcçom do partido, estavam ainda em lugares nos quais a penetraçom francesa era muito forte e a populaçom estava aterrorizada; nesses casos, praticavam constantemente o que os vietnamitas chamam a "propaganda armada". A propaganda armada é simplesmente a presença de forças de libertaçom em determinados lugares, que vam mostrando o seu poderio e a sua embatibilidade, submidos no grande mar do povo como peixe na água. A propaganda armada, ao perpetuar-se na zona, catalisava as massas com a sua presença e revolucionava imediatamente a regiom, acrescentando novos territórios aos já conseguidos polo exército do povo. É assim que proliferam as bases e as zonas guerrilheiras em todo o território vietnamita; a táctica, neste caso, estava resumida numha palavra de ordem que se expressa assim: se o inimigo se concentrar, perde terreno, se se diluir, perde força, no momento em que o inimigo se concentrar para atacar duramente, cumpre contraatacar em todos os lugares onde reunciou ao emprego disperso das suas forças; se o inimigo volta a ocupar determinados lugares com pequenos grupos, o contraataque fará-se consoante a correlaçom existente em cada lugar, mas a força fundamental de choque do inimigo terá-se diluido mais umha vez. Eis um outro dos ensinamentos fundamentais da guerra de libertaçom do povo vietnamita.
Na luita, tem-se passado por três etapas que caracterizam, em geral, o desenvolvimento da guerra do povo; inicia-se com guerrilhas de pequeño tamanho, de extraordinária mobilidade, diluíveis completamente na geografia física e humana da regiom: com o decorrer do tempo, produzem-se acontecimentos quantitativos que, num dado momento, dam passagem ao grande salto qualitativo que é a guerra de movimentos. Aqui som grupos mais compactos os que agem, dominando zonas inteiras; embora os seus meios sejam maiores e a sua capacidade de castigar o inimigo muito mais forte, a mobilidade é a sua característica fundamental. Depois de um outro período, quando maduram as condiçons, chega-se à etapa final da luita em que o exército se consolida e, inclusive, à guerra de posiçons, como aconteceu em Dien Bien Fu, pontilha à ditadura colonial.
No transcorrer da contenda que, dialecticamente, vai desenvolvenod-se até culminar, no ataque de Dien Bien Fu, em guerra de posiçons, criam-se zonas libertadas, ou semi-libertadas do inimigo, que constituem territórios de autodefesa. A autodefesa é concebida polos vietnamitas também num sentido activo como parte de umha luita única contra o inimigo; as zonas de autodefensa podem defender-se elas próprias de ataques limitados, subministram homens ao exército do povo, mantenhem a segurança interna da regiom, mantenhem a produçom e asseguram o abastecimento da frente. A autodefesa nom é nada mais do que umha parte mínima de um todo, com características especiais; nunca pode conceber-se umha zona de autodefesa como um todo em si, quer dizer, umha regiom onde as forças populares tentem defender-se do ataque do inimigo enquanto todo o território exterior à dita zona fica sem convulsons. Se assim acontecesse, o foco seria localizado, atenazado e abatido, a nom ser que passasse imediatamente à fase primeira da guerra do povo, quer dizer, à luita de guerrilhas. Como já temos dito, todo o processo da luita vietnamita deveu basear-se no campesinato.
Num primeiro momento, sem umha definiçom clara dos marcos da luita, esta fazia-se somente polo interesse da libertaçom nacional, mas aos poucos delimitavam-se os campos, transformavam-se numha típica guerra camponesa e a reforma agrária estabelecia-se no curso da luita, quando as contradiçons aprofundavam e, a um tempo, a força do exército do povo; é a manifestaçom da luita de classes dentro da sociedade em guerra. Esta era dirigida polo partido com o fim de anular a maior quantidade possível de inimigos e de utilizar ao máximo as contradiçons com o colonialismo dos amigos pouco firmes. Assim, conjugando acertadamente as contradiçons, é que o partido pudo aproveitar todas as forças emanadas destes choques e atingir o triunfo no menor tempo possível.
Narra-nos também o companheiro Vo Nguyen Giap a estreita ligaçom que existe entre o partido e o exército, como, nesta luita, o exército nom é senom umha parte do partido dirigente da luita. Da estreita ligaçom que existe por seu turno entre o exército e o povo; como o exército e o povo nom som senom a mesma cousa, o que mais umha vez se vê corroborado na síntese magnífica que figera Camilo: "o exército é o povo uniformado". O corpo armado, durante a luita e depois dela, deveu adquirir umha técnica nova, técnica que lhe permitirá ultrapassar as novas armas do inimigo e rejeitar qualquer tipo de ofensiva.
O soldado revolucionário tem umha disciplina consciente. Durante todo o processo, caracteriza-se fundamentalmente pola sua autodisciplina. Por sua vez, no exército do povo, respeitando todas as regras dos códigos militares, deve haver umha grande democracia interna e umha grande igualdade na obtençom dos bens necessários aos homens em luita.
Em todas estas manifestaçons, o general Nguyen Giap assinala o que nós conhecemos pola nossa própria experiência, experiência que se realiza alguns anos depois de conseguido o triunfo polas forças populares vietnamitas, mas que reforça a ideia da necessidade da análise profunda dos processos históricos do momento actual. Esta deve ser feita à luz do marxismo, utilizando toda a sua capacidade criadora, para poder adaptá-lo às circunstáncias diversas de países, dissímeis em todo o que di respeito ao aspecto exterior da sua conformaçom, mas iguais na estrutura colonizada, na existência de um poder imperialista opressor e de umha classe associada a ele por ligaçons muito estreitas. Após umha análise certeira, chega o general Giap à seguinte conclusom: "Na conjuntura actual do mundo, umha naçom, embora seja pequena e fraca, que se alce num só homem sob a direcçom da classe operária para luitar resoltamente pola sua independência e a democracia, tem a possibilidade moral e material de vencer todos os agressores, nom importa quais forem. Em condiçons históricas determinadas, esta luita pola libertaçom nacional pode passar por umha luita armada de longa duraçom -a resistência prolongadal- para atingir o triunfo". Estas palavras sintetizam as características gerais que deve assumir a guerra de libertaçom nos territórios dependentes.
Achamos que a melhor declaraçom para acabar o prólogo é a mesma que utilizam os editores deste livro e com a qual estamos identificados: "Oxalá que todos os nossos amigos que, como nós, sofrem ainda os ataques e as ameaças do imperialismo, podam encontrar em Guerra do povo, exército do povo, o que achamos nós próprios: novos motivos de fé e esperanças".
Inclusão | 03/11/2004 |