O Pensamento Econômico dos Clássicos: Bakunin, Proudhon, Kropotkin

Abraham Guillén

1988


Observação: Extraído do livro Economia Libertaria: Alternativa para un mundo en crisis. Bilbau: Fundación de Estudios LIbertarios Anselmo Lorenzo, 1988.

Fonte: Instituto de Estudos Libertários - https://ielibertarios.wordpress.com/2020/12/31/o-pensamento-economico-dos-classicos-bakunin-proudhon-kropotkin-por-abraham-guillen/

Tradução: Inaê Diana Ashokasundari Shravya

HTML: Fernando Araújo.


Na sociedade soviética, onde impera o capitalismo de Estado e não o socialismo e a liberdade, existe a injustiça social por causa da desigualdade econômica entre os homens, criada por uma repartição das riquezas mais de tipo capitalista que comunista. Nestas condições, não é possível superar as classes sociais e o Estado opressor e explorador beneficiário da mais-valia para ele, já que as classes perduram, embora não tenham nome, pelas grandes desigualdades de rendas existentes entre a “Nomenklatura”, por um lado, e os operários e os camponeses, pelo outro. E como os trabalhadores não são donos de suas empresas, em regime autogestionário de propriedade social, produzem mais-valia, não para patrões privados, mas para o Estado -patrão, isto é, para a burocracia totalitária, nova classe dominante.

Sob o modelo soviético de produção e distribuição, embora tenha sido abolida a propriedade privada dos meios de produção e de troca, não há socialismo e menos ainda comunismo, posto que o Estado e sua burocracia totalitária se apropriam do produto do trabalho alheio com uma taxa de mais-valia mais elevada que sob o capitalismo privado, já que o Estado soviético dita, sem apelação, as leis laborais o nível de salários dos trabalhadores e as rendas pessoais diferenciais entre a “Nomenklatura”, com renda de ricos, e os operários e os camponeses, com salários de pobres.

Nestas circunstâncias, no regime soviético uns setores da divisão social do trabalho (os que mandam e nada produzem) se repartem uma boa parte do produto material do país, enquanto que os operários e os camponeses (os que obedecem e produzem), recebem salários no limite do mínimo de subsistência para eles e suas famílias. Tudo isso ocorre porque o Estado é dono, jurídica e economicamente da terra e do capital ou, melhor dito, do produto do trabalho ou de seus produtos.

Isso constitui um capitalismo de Estado, mas jamais o  socialismo, nem em sua primeira nem em ulterior fase como prometem os dirigentes soviéticos nem menos ainda ter alcançado ou se aproximar ao comunismo onde desapareceriam as classes, o Estado, a desigualdade entre os homens, a diferença entre trabalho manual e intelectual e o desenvolvimento tecnológico e econômico desigual entre a cidade e o campo e outras contradições duma sociedade imperfeita.

Mas o real, até o presente, na União Soviética, é que o Estado é mais forte, mais militarista, mais inclinado a desenvolver o complexo militar-industrial, mais hegemonista para fora e menos comunista para dentro, mais totalitário, já que o Estado-Partido, longe de desaparecer, se fortalece em seu expansionismo para o exterior e com sua crescente burocracia totalitária no interior. O fato de que o regime soviético desenvolve preferencialmente a indústria pesada e a de armamentos sobre a indústria civil e a agricultura, indicaria que se propõe  utilizar a sociedade como instrumento econômico o Estado para mobilizá-la militarmente e explorá-la economicamente para criar um império mundial, o qual comporta um grave perigo de guerra mundial entre os blocos antagônicos dirigidos pela URSS ou pelos EUA.

Enquanto os gastos militares na URSS absorvem mais do dobro do produto interno bruto, empregado para tais fins nos países capitalistas, concretamente nos Estados Unidos, o hegemonismo soviético e o imperialismo ianque tenderão à confrontação pelo domínio do mundo, o qual produziria a terceira guerra mundial. E como a fabricação e armamentos e a investigação com fins militares se faz, a cada que passa mais cara, chegará um momento em que os países, até os mais ricos, não poderão suportar os gastos de rearmamento, caindo numa profunda crise econômica, na inflação, no descontento das massas populares, que pagam o rearmamento apertando o cinto, tanto no Leste como no Oeste, criando condições políticas, sociais e psicológicas às insurreições, às greves selvagens, os movimentos massivos de protesto popular que colocariam ao pé do muro os governamentos hegemonistas  ou imperialistas.

E para evitar as revoluções para dentro, nos países onde se armazenam montanhas de armamentos, mas começam a escassear os bens de consumo, os governamentos hegemonistas ou imperialistas iniciariam operações militares fora de suas fronteiras, a fim de que a guerra, com sua mobilização de massas, com seu violão patriótico, difira as revoluções que se produziriam em tempos de paz.

A União Soviética, nem mais nem menos que os Estados Unidos, entrou numa carreira desenfreada de armamentismo, criando uma economia de guerra em tempos de paz gastando assim quase um quinto do produto material nacional, que investido em desenvolver a agricultura e a indústria civil poderia criar as condições objetivas, econômicas e tecnológicas para a abundância de bens e de serviços, para financiar a educação de todos a fim de que não haja diferença entre o trabalho manual e o trabalho intelectual.

O Estado Nacional imperial, seja com capitalismo privado ou com capitalismo de Estado, não supera a guerra imperialista e as crises econômicas, por investir em armamentos mais que em educação, desenvolvimento econômico e tecnológico. E na URSS, Estado multinacional dentro do seu grande espaço geográfico, com aspirações a Estado supranacional universal, o complexo militar-industrial em constante expansão econômica e tecnológica, é a aspiração dos marechais, assim como o Estado totalitário, planificador, ordenador, empresário, banqueiro, comerciante, é o instrumento de Poder da burocracia do Partido único. Ambas, a burocracia militar e a civil, consorciadas no desfrute do Estado totalitário, se aferroam ao seu poder não compartilhado com o povo, a fim de dirigir a economia, os investimentos, para gastos de guerra mais que de paz. Neste sentido, o socialismo burocrático pode desencadear a terceira guerra mundial tanto como o capitalismo de monopólio.

O Estado, alienante e alienado, por causa de a sociedade não participar em nada, de a economia não ser dos produtores diretos nem no Leste nem no Oeste, na época da bomba atômica, pode fazer fracassar todo o progresso econômico, cultural e tecnológico alcançado pelo homem. Por conseguinte, o dilema da nossa civilização é: ou paz perpétua com socialismo libertário ou guerra mundial com comunismo totalitário ou capitalismo de monopólio.

Mas, na realidade, o comunismo soviético não tem nada de comunismo, senão que é outra forma de capitalismo, dirigido pela tecnoburocracia soviética como nova classe dominante que se projeta, fora de suas fronteiras, como outra forma do imperialismo ou um hegemonismo que esmaga a soberania nacional dos países metidos no “rodeio” do COMECON, onde o Kremlin sempre tem o laço para apanhar suas vítimas. Quanto ao capitalismo de monopólio ou multinacional, que se expande sibilinamente por meio de suas corporações internacionais, não é tão inimigo do hegemonismo como parece, já que os “trilaterais” norteamericanos, da época do presidente Carter, aspiravam, igualmente à época de Kissinger, realizar investimentos na URSS e no COMECON, a fim de participar da alta quota de mais-valia que a burocracia soviética extrai dos seus operários. E como a mais-valia não tem nacionalidade, já que é homogênea em todo o mundo tanto com comunismo soviético como com capitalismo ou de outra nacionalidade, a burguesia multinacional e a burocracia soviética sempre sonham em chegar a um acordo para a repartição do mundo entre o capitalismo de Wall Street e a burocracia do Kremlin. Mas acontece que as contradições entre a burocracia oriental e a burguesia ocidental são tão irreconciliáveis que, a curto prazo, serão a causa suficiente da terceira guerra mundial.

Frente a essas maquinações infernais dos dirigentes imperialistas e hegemonistas fariam bem os ecologistas, os pacifistas e os que defendem a instauração do socialismo, não burguês ou burocrático, em se opor à guerra, aos investimentos multimilionários em armamentos, denunciando, ao mesmo tempo, o complexo militar-industrial norteamericano e o soviético. Um pacifismo que vê todos os males da guerra no Oeste e não no Leste, ou é ingênuo ou está manipulado por serviços estrangeiros para desarmar moralmente, frente aos soviéticos, sobretudo os europeus, a fim de “finlandizá-los”…

Por isso, a proposta libertária pela paz, pela liberdade, pela igualdade, pela abolição do capitalismo, tanto privado como de Estado, pela supressão da burguesia imperialista e da burocracia hegemonista, é uma atitude honesta, revolucionária, de interesse de todos os povos, mediante um federalismo universal que faça do mundo um só país, a fim de evitar as guerras nacionais, de classes ou mundiais.

Isto parece muito utópico, mas é mais real que propor a paz perpétua com capitalismo privado ou de Estado, já que seus antagonismos, na medida em que capitalismos nacionais, Estados-Nação, contêm, como algo imanente, a luta de classes, as guerras, as crises econômicas, a falsa política de enganar os povos com uma pseudodemocracia burguesa ou com um falso comunismo burocrático.

No mundo atual, em que se fala da “guerra das galáxias” como algo imediato, quando um satélite artificial ou um ônibus espacial podem dar a volta na Terra em menos de uma hora, consoante sua órbita esteja mais longe ou mais próxima a ela, evidencia que temos, paradoxalmente, as fronteiras da época do cavalo sem nos darmos conta que estamos na era espacial, atômica, cibernética, que exigem a unificação de todas as nações num só país: o mundo, sem diferenças econômicas entre países ricos e pobres, entre as raças e entre as classes sociais, instaurando um socialismo federativo universal e libertário.

Mas para esse socialismo, em que o povo seja o protagonista de tudo, é preciso incorporar à sua teoria econômica, política, social, científica, cultural e universalista, o pleno domínio pelo homem das técnicas mais avançadas, dando soluções às contradições ou antagonismos que não pode ser resolvidos dentro do seu estreito sistema de classes, nem o comunismo totalitário nem o capitalismo multinacional.

Nesta ordem de ideias, o mundo atual, que experimenta mudanças tecnológicas muito rápidas, transferências de população ativa da agricultura às cidades e desta e da indústria, aos serviços burocráticos, tem que ser reestruturado política, econômica, social e culturalmente, a fim de que supere as guerras cíclicas mundiais, múltiplas guerras nacionais ou revolucionárias, crises econômicas, lutas fratricidas de classe, que só no socialismo libertário poderiam ser resolvidas sociológica, econômica e mundialmente.

O século XX é muito diferente do século XIX; o capitalismo, no entanto, é distinto em dimensão; mas igual no que diz respeito a usurpar a mais-valia, seja sob a forma de capitalismo privado, anônimo, multinacional ou de capitalismo de Estado ao modo soviético. Portanto, os grandes teóricos ou revolucionários do século XIX não podem explicar os problemas do século XX; suas teorias, neste sentido são insuficientes. Por isso, neste ensaio, tratamos de revitalizar, atualizar Bakunin, Proudhon e Kropotkin frente aos teóricos do socialismo administrativo, burocrático, que na URSS é um novo capitalismo de… Estado. Neste contexto, Bakunin, Proudhon e Kropotkin, segundo a experiência histórica, são mais socialistas autênticos que Marx, Engels e Lênin.


Inclusão: 21/01/2022