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Em nossa vida agitada, preocupados como estamos com os inúmeros assuntos mesquinhos da existência cotidiana, estamos todos muito inclinados a ignorar vários grandes males que afetam a sociedade sem lhes dar a atenção que realmente merecem. Se revelações sensacionais sobre algum lado sombrio de nossa vida ocasionalmente chegam à imprensa diária, se conseguirem abalar nossa indiferença e despertar a atenção do público, poderemos ter nos jornais, por um mês ou dois, excelentes artigos e cartas sobre o assunto. Muitas coisas bem-intencionadas podem então ser ditas, os sentimentos mais humanos expressos. Mas a agitação logo passa, e depois de ter solicitado alguns novos regulamentos ou leis, além das centenas de milhares de regulamentos e leis já em vigor; depois de ter feito algumas tentativas microscópicas de combater, por alguns esforços individuais, um mal profundamente enraizado que deveria ser combatido pelos esforços combinados da sociedade em geral, logo voltamos às nossas ocupações diárias sem nos importar muito com o que foi feito. Seria bom o suficiente se, depois de todo o barulho, as coisas não fossem de mal a pior.
Se esta observação é verdadeira em relação a tantos aspectos de nossa vida pública, é especialmente verdade em relação às prisões e prisioneiros. Para usar as palavras da Srta. Linda Gilbert, a americana Sra. Fry: “Depois que um homem foi confinado à cela como criminoso, a sociedade perde todo o interesse e cuidado com ele”. Desde que tenha “pão para comer, água para beber e muito trabalho para fazer”, a sociedade considera ter cumprido todos os seus deveres para com ele. De vez em quando, alguém que conhece as prisões começa uma agitação contra o mau estado das nossas prisões e carceragens. A sociedade reconhece que algo deve ser feito para remediar o mal. Contudo, os esforços dos reformadores são quebrados pela inércia do sistema organizado; eles têm que lutar contra os preconceitos amplamente difundidos contra todos aqueles que caíram sob a proibição da lei; e logo eles são abandonados a si mesmos em sua luta contra um imenso mal. Tal foi o destino de John Howard, e de quantos outros? Alguns homens e mulheres bondosos e enérgicos continuam, é claro, em meio à indiferença geral, a fazer seu trabalho de melhorar a condição dos presos, ou melhor, de mitigar os maus efeitos das prisões sobre seus detentos. Entretanto, guiados apenas pelo sentimento filantrópico, raramente se aventuram a criticar os princípios das instituições penais; menos ainda procuram as causas que todos os anos trazem milhões de seres humanos para dentro dos muros das prisões. Eles tentam mitigar o mal, raramente tentam lidar com ele em sua fonte.
Todos os anos, cerca de cem mil homens, mulheres e crianças são trancados nas prisões da Grã-Bretanha - quase um milhão nas de toda a Europa. Quase 1.200.000 libras do dinheiro público são gastas todos os anos, somente neste país, para presidiários e prisões locais; quase dez milhões na Europa - para não falar das despesas envolvidas na manutenção da enorme maquinaria que abastece as prisões com os detentos. Todavia, além de alguns filantropos e profissionais, quem se importa com os resultados alcançados com um gasto tão pesado? Nossas prisões, vale o enorme gasto em trabalho humano anualmente dedicado a elas? Elas garantem a sociedade contra a recorrência dos males que deveriam combater?
Tendo ocorrido, em minha vida, várias oportunidades de dar mais do que uma atenção passageira a essas grandes questões, pensei que seria útil reunir as observações que pude fazer sobre as prisões e as reflexões que elas sugeriram.
Meu primeiro contato com prisões e exílio ocorreu na Sibéria, em conexão com um comitê para a reforma do sistema penal russo. Lá, tive a oportunidade de conhecer o estado das coisas, tanto no que diz respeito ao exílio na Sibéria quanto às prisões na Rússia, e então minha atenção foi atraída, primeiro para a grande questão do crime e do castigo. Mais tarde, de 1874 a 1876, fui mantido, aguardando julgamento, quase dois anos na fortaleza de Pedro e Paulo em São Petersburgo, e pude apreciar os terríveis efeitos do confinamento celular prolongado sobre meus companheiros de prisão. Dali fui transferido para a recém-inaugurada Casa de Detenção, que é considerada uma prisão modelo para a Rússia, e de lá novamente para uma prisão militar no Hospital Militar de São Petersburgo.
Quando neste país, fui chamado, em 1881, para descrever o tratamento dos presos políticos na Rússia, a fim de dizer a verdade diante da deturpação sistemática do assunto por um admirador do governo russo. Fiz isso em um artigo sobre o Partido Revolucionário Russo, publicado na Fortnightly Review, em junho de 1831. Nenhum dos fatos revelados nesse artigo foi desmentido pelos agentes russos. Tentaram, no entanto, fazer circular na imprensa inglesa relatos de prisões russas, representando-os sob um aspecto um tanto sorridente. Fui, assim, compelido a dar uma descrição geral das prisões e exílios na Rússia e na Sibéria, e o fiz em uma série de quatro artigos publicados no século XIX. Abstendo-me tanto quanto possível das queixas sobre o tratamento de nossos amigos políticos na Rússia, preferi dar uma ideia do estado geral das prisões russas, do exílio na Sibéria e de seus resultados; e contei os sofrimentos indescritíveis que dezenas de milhares de prisioneiros de direito comum estão suportando nas prisões de toda a Rússia, a caminho da Sibéria e na imensa colônia penal do Império Russo. Para completar minha própria experiência, que poderia estar desatualizada, consultei a volumosa literatura russa que ultimamente tem se dedicado ao assunto. A leitura atenta dessa literatura me convenceu de que as coisas permaneceram quase no mesmo estado de vinte e cinco anos atrás; mas também aprendi com ela que, embora as autoridades prisionais russas estejam muito ansiosas para ter porta-vozes na Europa Ocidental, a fim de divulgar relatos embelezados de seus esforços humanitários, elas não escondem a verdade, nem do governo russo, nem do público leitor russo, e tanto em relatórios oficiais quanto na imprensa eles representam as prisões como estando nas condições mais execráveis. Algumas dessas confissões serão encontradas nas páginas seguintes.
Mais tarde, ou seja, de 1882 a 1886, passei três anos em prisões francesas: na Prisão Départementale de Lyon, e na Maison Centrale de Clairvaux. A descrição de ambas foi dada em um artigo publicado no ano passado, para o século XIX. Minha estada de quase três anos em Clairvaux, na vizinhança de 1.400 prisioneiros de direito comum, me deu a oportunidade de obter uma visão pessoal dos resultados alcançados pela detenção naquela prisão, uma das melhores da França, e até onde minha informação vai, também da Europa. Induziu-me a tratar a questão dos efeitos morais das prisões sobre os presos de um ponto de vista mais geral, em conexão com as visões modernas sobre o crime e suas causas. Parte desse inquérito foi objeto de um discurso proferido em dezembro passado, perante a Instituição Filosófica de Edimburgo.
Ao mesmo tempo que reimprimi alguns artigos de revisão, completei-os com informações e dados mais recentes, principalmente retirados de publicações oficiais russas; ao mesmo tempo em que eliminei deles o elemento controverso, eliminei também tudo o que não pode ser apoiado por documentos que podem ser publicados agora sem causar danos a nenhum dos nossos amigos na Rússia. O capítulo recém-adicionado, sobre o exílio em Sakhalin,(1) completará a descrição das instituições penais russas. Aproveito a oportunidade para expressar meus melhores agradecimentos ao editor do Nineteenth Century pela gentil permissão para reimprimir os artigos publicados em sua resenha.
Notas de rodapé:
(1) Nota da Tradutora - A maior ilha da Rússia. (retornar ao texto)