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Depois de tantas décadas, o esquema de interpretação estatista e orientado na economia de guerra marca o marxismo profundamente. A crítica fundamental de Marx ao sistema produtor de mercadorias foi reprimida ou esquecida. Por isso, no discurso sobre o colapso do socialismo real, o fundamento comum de ambos os sistemas, a sociedade do trabalho, aparece tão pouco quanto a determinação de suas formas básicas; o fossilizado sistema que se baseia na economia de guerra, com todas as suas deficiências, é somente medido em seu par ocidental, mais desenvolvido, e não numa crítica da reprodução em forma-mercadoria como tal.
Particularmente a esquerda, a caminho de seu Waterloo, cujo universo conceitual, até a extrema esquerda, originam-se na compreensão teórica da antiga social-democracia, destaca-se a esse respeito com falhas colossais. O absurdo lógico que desde sempre se esconde no conceito do "mercado planejado" fica agora óbvio, mas não obstante passa por outra desfiguração que ignora os fatos, por parte de uma ideologia que já se encontra no fim. Não confiamos nos nossos olhos e ouvidos quando, por exemplo, certos economistas da RDA, abruptamente interrompidos em sua ladainha há muito tempo ridícula de uma "economia política do socialismo", põem-se a afirmar redondamente que aquilo que fracassou tenha sido uma "economia não monetária" (!) ou um "comunismo imediato" errôneo (Land et alii, 1990). Sistematicamente, eles confundem e misturam a economia estatista de comando e de caserna, baseada na produção de mercadorias, com a reprodução social que não se baseia na forma-mercadoria, apesar de sempre terem existido todas as categorias básicas do sistema produtor de mercadorias; em vez de pôr criticamente a mira em sua existência, declaram-nas categorias não propriamente ditas e escamoteiam-nas às escondidas, para poderem cumprimenta-las depois com entusiasmo em sua forma supostamente nova (ocidental).(1)
Entretanto, quem fala de categorias de mercado "não propriamente ditas", tratando simplesmente de faze-las "propriamente ditas" e de instituí-las em seus direitos, nem sequer chegou a interpretar ideologicamente errado a inclinação alternante da consciência e da realidade burguesas ao estatismo e ao monetarismo. Já que agora é supostamente a vez do elemento monetarista, o estatista, que na verdade é complementar, é mais uma vez denunciado como "errado", como estorvo do mercado "propriamente dito" e como prejudicial, o que fica particularmente cômico em pessoas que acabam de fanfarronar como marxistas convictos. Na verdade, também no Ocidente o elemento estatista está presente por toda parte, e dizem que os turistas acadêmicos em assuntos de economia de mercado, da Polônia e da RDA, quase se puseram a chorar ao conhecerem mais de perto, por exemplo, o sistema de agricultura da Comunidade Européia.
O estatismo como elemento integrante do sistema produtor de mercadorias reúne o socialismo real em dissolução e o Ocidente numa estrutura contínua da modernidade, em vez de constituir um desenvolvimento errôneo alheio e apenas externo. Do absolutismo iluminado ocidental até o atual Estado de crescimento estende-se essa continuidade, que inclui o socialismo real baseado na economia de guerra e cujo objetivo idêntico consiste em impor a sujeição das necessidades, finalidades e intenções humanas à riqueza nacional abstrata de um sistema produtor de mercadorias e ao aumento desta, em preparar os homens sistematicamente para esse fim que, como tal, não tem "sentido" algum.
Portanto não pode residir no estatismo, como tal, a diferença de sistema tão comentada, nem em sua predominância temporária, pois por esta passou varias vezes também o Ocidente, mas unicamente no congelamento da ação recíproca com o elemento monetarista, formal e basicamente também presente. Este, porem, não consiste na simples existência do dinheiro, e sim na forma em que o dinheiro existe dentro de um sistema produtor de mercadorias, isto é, no contexto específico da modernidade. Aqui o dinheiro está vinculado ao mecanismo funcional da concorrência, e sobretudo nesta manifesta-se o que chamei de elemento monetarista.
É estranho que o socialismo real, seus ideólogos e apologistas sempre se orgulham de terem eliminado esse mecanismo funcional. Na ideologia do antigo movimento operário, a concorrência figurava como algo puramente negativo: por um lado, por motivos morais, como princípio social-darwinista e destrutivo da "luta de todos contra todos", e por outro lado, por motivos econômicos, como aquela famosa "anarquia de mercado" que tinha que ser substituída por um "planejamento" racional. Essa crítica econômica, apoiada por considerações morais, do princípio da concorrência, não penetrou, no entanto, na base do sistema produtor de mercadorias, e sobretudo excluiu sistematicamente a questão da emancipação social daquela "classe trabalhadora" que, segundo Marx, deveria ter-se comportado no sentido de sua auto-supressão, enquanto o movimento operário marxista real, muito ao contrário, chegou à auto-afirmação conseqüência do "trabalhador".
Sem dúvida, revela-se aqui um dilema até hoje insuperado no centro da teoria de Marx, que nas expressões de movimentos dos "trabalhadores", "posição do trabalhador", "posição de classe" etc, atravessa toda a sua obra, é na verdade inconciliável com sua própria crítica da economia política, que desmascara precisamente aquela classe trabalhadora não como categoria ontológica, mas sim como categoria social constituída, por sua vez, pelo capital. Do mesmo modo que se excluem a ontologia do trabalho e a crítica do trabalho abstrato, excluem-se também a "posição do trabalhador" e a crítica da vida do trabalhador.
Na verdade, Marx enfrentava duas lógicas históricas completamente diferentes, amalgamadas e em suas obras ainda não claramente distinguíveis: por um lado, a autoconscientização da mercadoria força de trabalho dentro do sistema produtor de mercadorias, a qual, por meio do movimento operário, conduziu à emancipação capitalista dos trabalhadores assalariados de todas as escórias feudais e patriarcais, isto é, a sua existência atual como mônadas-dinheiro e mônodas-cidadão democráticas; por outro lado, porém, o automovimento tautológico e sem sujeito do dinheiro e seu limite próprio, imanente.
Do ponto de vista da lógica de desenvolvimento apenas infra-histórica do sistema produtor de mercadorias, a "classe trabalhadora" não podia ser concebida no sentido de sua supressão efetiva. O conceito de emancipação social tinha que ficar preso dentro do sistema do trabalho abstrato e somente podia ser definido com as categorias deste, o que ressalta claramente no palavreado moralista sobre justiça social etc., tal como ainda hoje caracterizava a linguagem dos sindicatos que perdeu seu fervor primitivo. O elemento racional, mas hoje historicamente esgotado, dessa constelação na verdade não era nada mais do que a emancipação das massas para – e não do trabalho assalariado moderno.
Mas precisamente por isso, esse ponto de vista não podia aparecer como crítica concreta do sistema produtor de mercadorias, mas tinha que permanecer no mais-ou-menos, com a tendência ao charlatanismo ético. A crítica apenas empírica, não lógica, da vida do trabalhador implicava uma crítica igualmente imanente, restrita aos fenômenos empíricos negativos, da concorrência: entre ambos os elementos existia, portanto, um abismo lógico que não podia ser fechado por propostas concretas teóricas ou práticas, precisando ambos constantemente de muletas morais.
Nessa situação, tinha que cair uma sombra fatal sobre a crítica da concorrência. Pois, em princípio, a eliminação da concorrência não conduziu de modo algum à emancipação social.(2) Os trabalhadores continuavam sendo trabalhadores, sob o ditado da economia de mercado e de caserna do Leste muito mais do que na economia de concorrência do Oeste. Isso não escapou aos observadores críticos que não se comprometeram nem como ideólogos da guerra fria nem como apologistas esquerdistas, como sobretudo Adorno, Horkheimer e sua escola. A estes parecia que a lógica negativa da sociedade do trabalho e o estatismo do socialismo real e outros fenômenos estatistas análogos da época da guerra mundial tivessem se unido, também no Ocidente, de forma hermética no princípio racional "errado" do "totalitarismo", como se o comando estatista tivesse conseguido a supressão "errada" da contradição capitalista e o mecanismo funcional do trabalho abstrato se tivesse instalado para sempre como sistema sem atritos e retroalimentado:
Sob os jacobinos, o capitalismo estatal não passou dos inícios sangrentos. Mas o Termidor não acabou com a necessidade de praticá-lo. Esta fazia-se valer sempre de novo nas revoluções do século XIX. [...] E desde que em certa ocasião, na batalha de junho, as oficinas nacionais e o direito ao trabalho puderam ser suprimidos apenas mediante o desencadeamento dos generais, a economia de mercado mostrou-se cada vez mais reacionária. [...] Sob as condições da grande indústria, lutaram para decidir quem ficaria com a herança da sociedade de concorrência. Tanto os dirigentes clarividentes quanto as massas perceberam que essa sociedade tinha acabado. [...] A forma mais conseqüente do Estado autoritário, liberada de toda dependência do capital privado, é o estatismo integral ou socialismo estatal. Intensifica a produção como somente o faz a transição do período mercantilista ao liberalista. [...] A circulação é abolida. [Horkheimer, 1972 91942), pp.20 ss.]
A referencia ao passado mercantilista e jacobino do comando estatista sobre o mercado poderia muito bem ter levado Horkheimer a reconhecer que dessa maneira a concorrência (o elemento e motivo oposto, monetarista) não pode ser afastada da reprodução capitalista, que ela jamais tinha realmente acabado. Nesse ponto, Horkheimer permaneceu preso ao ponto de vista tradicional do marxismo do movimento operário (só com tendência negativa) e ao empirismo da época. Não vê toda a história da modernidade como processo contraditório do capital que historicamente agrava-se cada vez mais, insolúvel sobre seus próprios fundamentos, mas sim como ascensão lógica, unilateral, irrefreável do elemento estatista em direção ao totalitarismo, em que "a circulação é abolida".
Essa ilusão, porém, não é apenas irmã gêmea da idéia positiva de um possível "mercado planejado", como também de sua atual variação negativa, que compreende a aparente ausência da concorrência no "mercado planejado" como pura economia distribuidora estatista (economia não monetária, comunismo imediato), sem circulação alguma. Aqui manifesta-se mais uma vez aquela estranha cegueira teórica que confunde a existência não propriamente dita das categorias de mercado com a inexistência destas. De fato, a tentativa de planejar a circulação não significa, de modo algum, a mesma coisa que sua abolição.
A abolição efetiva da circulação, pela lógica, deveria ser idêntica à abolição do dinheiro e da instituição do mercado, como tal. Mas então, conseqüência igualmente lógica, acabaria também a necessidade, e até a possibilidade, do Estado, pois este, no processo da modernidade, nada mais é que o elemento contraditório imanente do sistema produtor de mercadorias. Quem poder apenas imaginar de forma estatista a abolição da circulação, sem poder sair desse círculo lógico defeituoso, é refutado praticamente pelo fato de que junto com o Estado moderno aparecem sempre, sendo até desencadeados e impostos por este, o dinheiro e a circulação (e com estes, o mercado).
O estado moderno é o recipiente institucional da riqueza nacional abstrata, para cuja acumulação sem sentido ele tem que reunir as necessidades e os impulsos humanos numa única vontade global exteriormente imposta. E a existência encarnada da riqueza abstrata, do trabalho morto que se multiplica, é precisamente o dinheiro, que por sua vez somente pode existir no contexto do mercado e da circulação. Se esse Estado quisesse mesmo abolir o dinheiro e a circulação, teria que destruir sua própria finalidade.
Tanto o mercado quanto o dinheiro e sua circulação surgiram historicamente como relação social extrínseca que servia para trocar produtos de produtores individuais entre cujos processos de produção propriamente ditos não existia ligação alguma; do ponto de vista histórico, mercado e dinheiro nada mais são, portanto, que a expressão de uma divisão de trabalho relativamente pouco desenvolvida e ainda não universalmente engrenada. A interpretação habitual é justamente a contrária, mas então os critérios para a compreensão podem ser tomados somente de sociedades primitivas cuja reprodução se realiza quase sem divisão do trabalho.(3)
Mas para reconhecer, em comparação ao desenvolvimento histórico primitivo das categorias do mercado e do dinheiro, as contradições lógicas do moderno sistema produtor de mercadorias, deve-se examinar, ao contrário, a divisão do trabalho na sociedade industrial moderna. De modo algum os sistemas com divisão do trabalho altamente desenvolvida têm por conseqüência "natural" a expressão e generalização correspondente da forma-mercadoria e forma-dinheiro. Tal idéia pressupõe uma identidade direta da divisão social do trabalho e da forma-mercadoria, que na verdade não existe. Se entre os povos primitivos não existem categorias de mercadoria porque sua divisão de trabalho ainda está pouco desenvolvida, essas categorias existem, ao contrário, dentro da civilização simplesmente porque o sistema de divisão do trabalho somente chegou a estabelecer formas básicas relativamente grosseiras.
Sem dúvida, já se pode falar nessa fase de certa socialização; trata-se, porém, de formas de socialização ainda embrionárias e extrínsecas, posteriormente estabelecidas mediante a "troca" e subordinadas a relações de dependência e apropriação "primitivas" (sistemas escravocratas e feudais). As produções reais, pelo menos em parte, já dependem uma da outra, mas ainda não estão reciprocamente engrenadas nem ligadas a agregados logísticos sociais globais. Mas, logo que no processo da modernidade a divisão do trabalho transgride definitivamente essas estruturas primitivas, logo que as produções industriais, em escala crescente, estão diretamente engrenadas, soldando-se num sistema global imediato, alimentado por agregados sociais globais como ciências, educação, etc., logo que, portanto, nasce um entrelaçamento universal, o sistema de divisão do trabalho deixa de corresponder, em seus aspectos "materiais", "técnicos" e de "conteúdo", às categorias primitivas do mercado e do dinheiro. Essas categorias foram sobrepujadas. Pois a divisão do trabalho uniu as produções reais (e nisso consiste o lado "material" do processo da modernidade) num sistema de socialização direta, enquanto o mercado e o dinheiro são expressão da socialização indireta, apenas posteriormente imposta, das produções reais, sobre a base de sistemas de divisão do trabalho simples e pouco desenvolvidos. Como conseqüência lógica, a existência ulterior do mercado e do dinheiro, muito longe de ser expressão das novas formas superiores da divisão do trabalho, novas sob aspectos materiais e de conteúdo, entre numa contradição irreconciliável com estas últimas.
A progressiva socialização direta das produções reais acontece, portanto, paralelamente à generalização precisamente das categorias formais de uma socialização indireta e posteriormente imposta, isto é, as da mercadoria e do dinheiro. Nisso consiste a absurda contradição básica da modernidade. A reprodução social vira-se contra seu conteúdo, o dinheiro, que passou a trazer seu fim em si mesmo, contra o mundo sensível e concreto. Somente sobre essa base pode nascer a concorrência como necessidade lógica e princípio impulsor do sistema produtor de mercadorias. Os produtos, em seu contexto social, já não representam aquilo que realmente são no sentido material-sensível; sua produção é, na verdade, produção de mais-valia. Sem dúvida, a troca no mercado continua apresentando-se como compra e venda de bens necessários concretos, sendo, porém, em seu contexto social efetivo apenas a realização da mais-valia encarnada nos bens, a transformação em sua forma verdadeira, a de dinheiro. Os bens de uso são degradados a um mero estado transitório no processo de mudança de forma do valor econômico abstrato. A concorrência é apenas a forma na qual esse automovimento do dinheiro impõe-se aos sujeitos como "lei coativa" externa (Marx), provocando assim uma dinamização social cujo caráter contraditório se explica pela relação entre produção e circulação dentro de um sistema produtor de mercadorias.
O dinheiro representa a abstração real social, é a encarnação do trabalho abstrato por excelência, totalmente desvinculado do conteúdo concreto da produção. Como essa abstração real, o dinheiro é a coisa diretamente social, do mesmo modo que, por outro lado, a produção penetrada pelas ciências e universalmente engrenada, sob aspectos materiais e de conteúdo, se torna diretamente social, enquanto os próprios homens permanecem num estado não social, flutuando como mônadas-dinheiro na superfície da situação de socialização em que se encontram e que se apresenta a eles nos fenômenos materiais de forma estranha e extrínseca. O caráter social do dinheiro, porém, que como quantia global representa a riqueza nacional, implica sua "liquidez" universal, em oposição ao pesado mundo real dos bens materiais.
Uma vez que o objetivo final de todo o processo já não é a mediação de bens concretos, mas sim a transformação de dinheiro em (mais) dinheiro, surge uma estranha tensão e incongruência entre a produção da mais-valia e sua realização na esfera da circulação. Como quantia de dinheiro, a riqueza abstrata, em sua última encarnação, já é um fenômeno social global, e com isso também a mais-valia. Em sua forma apenas transitória de produtos concretos, por outro lado, ela é ainda particular, não social, "inacabada".
Dessa tensão entre os diferentes estados de agregação da mais-valia nasce a concorrência, como luta entre as unidades empresariais particulares pela realização da mais-valia. Enquanto o sapateiro, na época das corporações com seus métodos de produção e preços rigorosamente fixados, tinha ainda a garantia de uma fixação análoga entre padeiros, açougueiros, etc., podendo ele por isso, contar com uma mediação quase sem dificuldades dos bens de uso, ainda que inflexível e permanecendo em seu nível uma vez estabelecido, o sistema da mercadoria moderna já não tem a oferecer tais garantias e fixações.
A unidade empresarial individual não recebe aquela quantia de mais-valia de incorporou, ela mesma e particularmente, a seus bens produzidos, como quantidades de horas e minutos de trabalho abstrato despendido. Pois não se trata mais de produzir sapatos, pão e carne, em proporções fixas, para a mediação no mercado, mas os bens de uso são atirados no dinâmico processo de automovimento do dinheiro. Por isso, a unidade empresarial não pode "trocar" pela quantia correspondente de dinheiro "sua" mais-valia, em forma de bens de uso, tal como o sapateiro trocava seus sapatos por pão e carne; ao contrário, tem que "lutar", na esfera da circulação, mediante a venda de seus produtos num mercado, por uma participação na forma-dinheiro social global da mais-valia (nascida de abstratos processos passados de exploração de trabalho vivo), mercado que, devido à mudança de sua finalidade, já não pode ser inflexível e garantido.
Portanto separam-se, lógica e praticamente, a produção e a apropriação da mais-valia: como particularidade do produto e universalidade do dinheiro, como incongruência da forma material, de valor de uso, e da forma abstrata, de dinheiro, da mais valia. Mas precisamente essa incongruência torna-se a força motriz de todo o processo da modernidade, a fonte de uma dinâmica social enorme. A verdadeira mais-valia não é a simples soma dos excedentes particulares que resultam da exploração do trabalho vivo; não é nenhum fator fixo e inflexível, mas sim um fator móvel, vivo, oscilante, elemento em que se manifesta um processo social infatigável. Da última forma da mais-valia, isto é, da forma-dinheiro, a unidade empresarial individual pode apropriar-se de uma parte maior ou menor que a parte incorporada em seus próprios produtos. Isso depende diretamente do relativo sucesso ou insucesso no mercado, isto é, na esfera da circulação.
Como se sabe (abstraindo-se de influencias perturbadoras "extra-econômicas", que, porém, jamais podem suprimir completamente a lógica básica), tem nesse processo, em princípio, o maior sucesso relativo aquela unidade empresarial que pode fazer as "ofertas mais baratas". Essa capacidade, por sua vez, depende da produtividade mais alta ou mais baixa com que a empresa pode operar. E alta produtividade nada mais significa que poder fabricar grande quantidade de produtos com pouco dispêndio de trabalho vivo. Já que a concorrência pela apropriação da mais-valia, isto é, por sua transformação na forma-dinheiro, força constantemente o aumento da produtividade, sob pena da ruína da unidade de reprodução particular, esse mecanismo social, uma vez instalado, deu origem a um surto nunca vista, uma explosão enorme da produtividade, que dentro de um período historicamente minúsculo de menos de duzentos anos se intensificou mais do que em toda a história anterior.
Precisamente essa dinâmica é o "sentido" secreto da concorrência. A crítica da economia política de Marx aponta isso claramente. Marx está muito longe de uma condenação apenas externa, em parte moral, em parte social-tecnológica, da concorrência, tal como era corriqueira nas idéias do movimento operário. Pois para Marx, a concorrência no sistema produtor de mercadorias era historicamente necessária para iniciar, numa forma a princípio ainda inconsciente e fetichista, a emancipação humana dos fundamentos puramente naturais, do trabalho como labor, como sofrimento "com o suor do rosto".
Pois nas formações sociais pré-capitalistas não existia nenhum motivo impulsor para desenvolver as forças produtivas; ao contrário, os métodos de produção estavam muitas vezes expressamente fixados, com ameaça penal para toda tentativa de modifica-los. A idéia ingênua de que os homens, nessas condições tradicionais, poderiam ter criado conscientemente e coletivamente o moderno desenvolvimento das forças produtivas de outra maneira, com menos fricções, evitando o "capitalismo", pressupõe um sujeito que não existia e nem podia existir. Somente a concorrência, como "coação muda" (Marx) do sistema produtor de mercadorias, nascida e atuando "atrás das costas" dos sujeitos, podia pôr em movimento de modo tão enérgico as forças produtivas, ainda que em contradições gritantes de destruição e emancipação.
Pois a concorrência priva o homem de todo sossego, mas também desacredita a inflexibilidade e estupidez em baixo nível; destrói grande número de existências, mas também torna obsoleta toda relação existencial estamental e grosseira, toda relação de dependência pessoal; priva massas humanas, em escala cada vez maior, da satisfação de suas necessidades, mas também desenvolve, em escala cada vez maior, as necessidades das massas e "barateia" (Marx) certos bens até então reservados para o consumo de luxo de alguns poucos, incorporando-os ao consumo das massas; desumaniza os homens, fazendo deles meras máscaras do dinheiro, mas ao mesmo tempo os humaniza, transformando-os em sujeitos (por enquanto abstratos, condicionados, constituídos), ao destruir todos os fetiches naturais e poderes institucionais, sob os quais as massas vegetaram como mero acessório da propriedade territorial, sem serem sujeitos.(4)
Sobretudo, porém, força e chicoteia a concorrência dos homens ao dispêndio abstrato de sua força de trabalho, sendo ao mesmo tempo o principio dinâmico que tendencialmente suprime o "trabalho" e o torna obsoleto mediante sua outra tendência, igualmente implacável, a cada vez novos surtos de produtividade e cientificismo; transforma as forças produtivas em forças destrutivas, mas eleva ao mesmo tempo a apropriação da natureza pelo homem a um nível nunca visto. Marx nunca deixou de ver o lado positivo, progressista, emancipatório da concorrência, chamando-o de "missão civilizatória do capital". Quase admirado observa Josef Schumpeter que Marx, apesar de sua crítica fundamental do capital, apesar de pronunciar sua "sentença de morte", deu no fundo uma "descrição quase entusiasmada dos resultados que trouxe o capitalismo" (Schumpeter, 1980 [1942], pp. 23ss.).
Na verdade, a crítica da economia política de Marx somente tem em conta a ambigüidade da dinâmica capitalista. Apesar de sua força destrutiva frente aos homens e à natureza, a máquina da concorrência é ao mesmo tempo emancipação negativa, por alcançar inevitavelmente, mediante desenvolvimento ininterrupto das forças produtivas, o ponto de uma "abolição do trabalho", isto é, do trabalho de produção abstrato, repetitivo, somente destinado a "criar valores"; com isso, no entanto, suprime também sua razão de ser, fazendo-se obsoleta a si mesma. O entrelaçamento dos conteúdos da reprodução num sistema global de socialização direta opõe-se às categorias da mercadoria, mas é precisamente o sistema produtor de mercadorias, aperfeiçoando até trazer seu fim em si mesmo, que cria essa penetração das ciências e esse entrelaçamento, fazendo nascer, ao perseguir inconscientemente seu objetivo limitado, "sem sentido", seu próprio antagonista. A concorrência trabalha, sem saber e sem querer, na destruição de seu próprio fundamento.
Em outras palavras: a abolição do trabalho, no invólucro do sistema produtor de mercadorias, não nasce como pura alegria e felicidade, mas somente em forma negativa, como crise, e finalmente como crise absoluta da reprodução realizada dessa forma, situação que já se anunciou por uma seqüência histórica de crises de ascensão relativas da sociedade de trabalho moderna. A sociedade mundial capitalista está se aproximando assim de sua prova de resistência e sua ruptura, pois tem que chegar a um ponto (que aos contemporâneos possa talvez parecer uma linha) em que suprimirá o trabalho abstrato em sua aptidão de ser a substancia social do valor econômico. Mas por outro lado quer conservar à força o invólucro formal dessa forma-valor, manter seus frutos (salário, preço e lucro), apesar de estes terem perdido sua substância.
O movimento operário marxista não reconheceu claramente esse caráter ambíguo da modernidade e somente o aceitou com relutância num sentido geral, como dito pelo mestre, porque ele faz parte de seus próprios traços. Enquanto na própria obra de Marx a contradição aparece ainda como oposição insuperada entre a "posição do trabalhador" e a crítica da economia política, o marxismo dos epígonos eliminou quase completamente a decisiva crítica formal de Marx do trabalho produtor de mercadorias, mantendo a fixação à sociedade do trabalho.
Até a segunda metade do século XX, o desenvolvimento empírico não forneceu nenhum indício que desse razão à crítica de Marx, cuja lógica precisamente por isso parecia obscura. O desenvolvimento das forças produtivas não tinha alcançado aquele ponto a partir do qual se torna obsoleto o princípio básico da sociedade do trabalho. Por isso, a crítica da concorrência permanecia ainda durante muito tempo dentro do horizonte da sociedade do trabalho, parecendo duvidosa. Na base dessa concepção era impossível reconhecer o lado emancipatório da concorrência.
Por conseguinte, considerava-se, de forma abstrata, o capitalismo uma "formação empiricamente necessária", cujo tempo dentro do horizonte da sociedade de trabalho (imaginada como ontologicamente insuperável) já acabou, ou até (e isso precisamente por parte das tendências supostamente radicais e críticas) um simples "erro desde o princípio"(5), que a cada momento poderia e deveria ter sido interrompido, do ponto de vista do trabalhador, como é claro. Repete-se aqui aquela crítica dos bolcheviques que os inculpa de não terem posto em prática a utopia supostamente realizável a qualquer momento (tratando-se, na verdade, apenas de ideais burgueses).
Desse modo, o elemento dinamizador da concorrência apresenta-se como escândalo moral, como princípio puramente negativo e a ser abolido. O movimento operário marxista nunca compreendeu que ele mesmo libertou os trabalhadores assalariados não da concorrência, mas sim para ela; por outro lado, o que é paradoxal, pretendia parar e abolir a concorrência justamente pela elevação a fenômeno absoluto de um segmento dessa concorrência que, como tal, somente podia surgir na concorrência e por meio dela, a saber, a classe trabalhadora.
Nos países ocidentais mais desenvolvidos, o antigo movimento operário tem cumprido sua missão. Tornou-se, despido de toda ênfase e de todo objetivo futuro, um elemento banal da concorrência na sociedade burguesa. Na União Soviética e nos países do socialismo real, ao contrário, a modernização burguesa recuperadora conduziu a um novo paradoxo na reprodução social. A contradição interna do capitalismo não foi suprimida, mas sim, ao contrário, quase redobrada. A Revolução de Outubro fez surgir um moderno sistema produtor de mercadorias, sem permitir que este seguisse seus próprios mecanismos funcionais; a concorrência entre os participantes do mercado foi impossibilitada e substituída pelo comando estatal.
A ideologia do movimento operário, cuja encarnação social é o socialismo real, limitou-se a contrapor determinadas categorias reais burguesas a seu pólo complementar: o "trabalho" ao "capital", o elemento estatista ao monetarista do princípio concorrente. Mas essa ideologia tinha seu firme fundamento material nas próprias circunstancias, e também sua imposição real em regiões relativamente pouco desenvolvidas da socialização mundial capitalista nascente não foi nenhum "erro", mas sim resultado dessas próprias circunstâncias.
O paradoxo lógico de um sistema produtor de mercadorias sem concorrência teve sua origem no paradoxo histórico de que, nos inícios do século XX, uma nova economia nacional independente somente podia ser desenvolvida pela aplicação absoluta do elemento estatista. A concorrência tinha que ser abolida por causa da concorrência; para se poder subsistir na concorrência externa com os países relativamente mais desenvolvidos do ocidente, para não ser absorvido por estes ou degradado a uma zona marginal subdesenvolvida, a concorrência interna tinha que permanecer eliminada por comandos estatais no sentido stalinista. O desvio estrategicamente "planejado" das massas de mais-valia da acumulação interna, forçadamente criada, para os setores centrais das indústrias básicas e da infra-estrutura somente era possível à custa da anulação do princípio funcional da própria produção de mais-valia.
Mas essa eliminação paradoxal da concorrência interna no sistema da economia soviética conduziu necessariamente à situação de que o meio se virou contra o fim, não se dispondo, por outro lado, de nenhum outro meio para alcançar esse fim. A mesma razão que produziu a aplicação absoluta e petrificação do estatismo da economia de guerra, na União Soviética, tornou também este desesperadamente obsoleto. O que a economia de comando estatal tinha construído com as mãos do planejamento estratégico da mais-valia, derrubou depois com os traseiros da estagnação.
Essa lógica trágica da infrutuosidade não era historicamente óbvia à primeira vista, e isso sobretudo por duas razoes. Por uma lado, a primeira fase de expansão extensiva do sistema produtor de mercadorias soviético trouxe da fato bons resultados, isto é, altas taxas de crescimento. Não admira, pois as massas de camponeses foram "chicoteadas, marcadas a ferro e torturadas" – para empregar as expressões de Marx – para forçá-las ao dispêndio abstrato de sua força de trabalho. Massas enormes de produções em parte destinadas à mera subsistência, num nível de necessidade extremamente baixo, as quais nem poderiam aparecer numa estatística econômica moderna, foram pela primeira vez incorporadas à maquina de trabalho social e transformadas em processos industriais.
Paralelamente investimentos gigantescos foram feitos na indústria pesada e básica, respectivamente na infra-estrutura, áreas em que, apesar de todos os defeitos logo perceptíveis da economia de comando, não se podia cometer quase nenhum erro e que já por si mesmas garantiam um crescimento rápido. Uma vez que esses processos elevaram, pelo menos em parte, também o nível das necessidades e fizeram surgir certos elementos daquela "missão civilizatória" do capital, na máscara socialista da economia de guerra estatista, espalhou-se temporariamente na União Soviética de fato uma espécie de euforia de desenvolvimento, que mais tarde se repetiria em alguns países do Terceiro Mundo, desfazendo-se ali rapidamente e criando toda uma superestrutura de literatura edificante socialista.(6)
Por outro lado, podia-se ter a impressão nessa fase, e isso não apenas por causa das próprias taxas altas de crescimento, de que a economia soviética nascente seria capaz, dentro de um espaço de tempo historicamente previsível, de acompanhar o Ocidente. Pois o próprio Ocidente encontrava-se durante toda a primeira metade do século XX numa fase de ascensão do estatismo. As estruturas da economia de guerra das duas guerras mundiais fizeram recuar o mecanismo de concorrência do princípio oposto, monetarista, ainda que o estatismo não tivesse chegado a petrificar-se tanto na forma de um sistema quanto ocorreu na União Soviética; a crise intermediária do sistema produtor de mercadorias, a última e maior em sua ascensão à socialização mundial capitalista, refreou o desenvolvimento, fortaleceu as tendências estatistas e provocou um clima de fim do mundo que marcou as reações ideológicas até a Teoria Crítica.
Somente no apogeu fordista do capital definitivamente amadurecido a um sistema mundial total, essa situação mudou fundamentalmente. A concorrência, depois de alcançar um grau mais alto de desenvolvimento e de libertar-se da economia de guerra e de crise, impeliu, sob a égide da Pax Americana, a novos surtos enormes o desenvolvimento das forças produtivas e a penetração das ciências, até a introdução mais recente da micro-eletrônica e dos computadores com seus potenciais de automatização antes inimagináveis em todos os setores da reprodução social. Para as unidades empresariais esse processo significa uma "coação muda" da concorrência, cada vez mais ligada ao mercado mundial, que obriga à intensificação do processo de produção, isto é, uma coação que atua no sentido de uma racionalização a cada vez renovada, penetração das ciências e automação.
Nesse processo de dinamização social mundial do capitalismo da época pós-guerra, a intensificação da produção de mais-valia alcançou dimensões empiricamente nunca vistas. Nesse caminho, os sistemas petrificados de economia de guerra da produção de mercadorias real-socialista não conseguiram mais acompanhar o Ocidente. Fixadas desde o princípio exclusivamente à produção extensiva de mais-valia, enquanto o aumento sempre exigido da produtividade somente podia ser estimulado por ucasses estatais e campanhas de propaganda morais, as economias de comando e de caserna do sistema soviético voltaram a ficar muito atrás, e poder-se-ia ter reconhecido logo que isso significava sua ruína inevitável.
Vingou-se, portanto, o meio em seu próprio fim; a eliminação "recuperadora" de uma economia nacional baseada na sociedade do trabalho, trouxe conseqüências sensíveis não apenas para a concorrência externa (dos sistemas), como também para toda a reprodução social. Ironia da história: "A vida castiga", para citar o secretário-geral Gorbatchev, "aquele que se atrasou", isto é, a "vida" do capital castigou aqueles que lhe tiraram a alma mecânica do princípio da concorrência, tomando isso por socialismo.
Com a mesma ironia, a adesão absoluta dos marxistas ao principio do trabalho foi bruscamente substituída pela crescente invalidade social mundial do dispêndio de força de trabalho no socialismo real, porque esse dispêndio estava ficando abaixo do padrão global da produtividade. A suposta supressão do caráter contraditório do capital, sobre seus próprios fundamentos, não tinha eliminado o capital como tal, senão que apenas o privara durante muito tempo, junto com seu "caráter contraditório", também de sua dinâmica interna.
Por isso, na dinamização capitalista da época pós-guerra, o socialismo real tinha que encontrar-se numa situação cada vez mais desesperada, como o imbecil histórico que levara o trabalho demasiadamente a sério, querendo ser, nesse aspecto, mais capitalista do que o próprio capitalismo. Nessas condições, a divinização do trabalho sem o princípio da concorrência que imediatamente contradiz, muito longe de "alcançar e ultrapassar" o capitalismo ocidental da época pós-guerra ou de criar alternativa social qualitativa, produziu no melhor caso um fordismo bonsai ridículo, simbolizado na Alemanha pelos veículos anãos e fedorentos da industria automobilística da RDA.
Num longo combate em retirada, com esforços de reformas que acabaram em concessões feitas a algum aspecto do princípio da concorrência, sem tocarem na base do sistema de economia de guerra e estatismo petrificado, as economias de caserna corriam atrás do ocidente e de seus próprios planos, com esperança cada vez menor. É fácil provar isso empiricamente, precisamente no exemplo da RDA, em comparação à RFA. Numa pesquisa já publicada em 1985, a comparação da produtividade prevê para 1990, num prognóstico quase exatamente acertado, uma diferença muito acentuada em prejuízo da RDA (%, RFA =100):
1960 | 1970 | 1980 | 1990 | |
produtividade | 70 | 55 | 46 | 35 |
salários reais | 78 | 58 | 44 | 35 |
Fonte: Wirtschaftswoche, n. 36, 30.08.1985 |
A proporção é ainda mais desfavorável quando comparamos indústrias-chave como, sobretudo, a produção de automóveis. Assim, o professor Horst Siebert, presidente do Instituto de Economia Mundial em Kiel, resumiu numa conferencia:
Enquanto na República Federal, nos últimos vinte anos, o número de funcionários da indústria teria diminuído constantemente, de 10, 1 para 8 milhões, este número teria aumentado na RDA. Siebert refere-se à indústria automobilística como exemplo da falta de produtividade: o combinat "ifa", com 65 mil funcionários, teria produzido 200 mil carros por ano. Com o mesmo número de funcionários, a Toyota produziria 4 milhões de automóveis. Com uma relação de produtividade de 1:20, essa indústria não teria, de modo algum, capacidade competitiva. [Handelsblatt, 25.5.90]
Revela-se assim que a casa de trabalho forçado do socialismo de caserna tem conservado e congelado num padrão há muito tempo ultrapassado a "honra do trabalho", que se torna cada vez mais obsoleta.(7) Somente por isso podia ele garantir o emprego total, festejar este como suposta "força da classe trabalhadora" e de uma maneira muito ingênua ainda orgulhar-se da falta de mão-de-obra, atitude que agora está sendo desmascarada como orgulho de um trabalho simplesmente improdutivo.(8)
O atraso cada vez mais acentuado na produtividade da sociedade do trabalho do socialismo real indica também um atraso correspondente no processo de entrelaçamento da reprodução. Mas um entrelaçamento desenvolvido seria a condição prévia da supressão da produção de mercadorias, e com isso, de uma transformação revolucionária efetiva da sociedade burguesa. Esse atraso pode ser observado no grau de terciarização que hoje indica o grau de penetração das ciências. Enquanto em 1987, na RDA, ainda 58% da população ativa trabalhava na agricultura e na indústria, e apenas 42% no setor terciário, na RFA apenas 46% ocupava-se da produção material e, por outro lado, já 54% no setor terciário. Esse desenvolvimento atrasado na densidade do entrelaçamento manifesta-se também na própria estrutura industrial. Assim, lê-se nos resultados publicados recentemente de uma pesquisa do Instituto de Pesquisas Econômicas Renano-Vestefálico (RWI):
Também o entrelaçamento interno das áreas industriais e o destas com o setor de serviços e o comércio estaria menos desenvolvido na RDA do que República Federal. [...] Uma razão seria a de que os combinats teriam passado a reagir cada vez mais com a produção própria às dificuldades no fornecimento de produtos prévios. Na República Federal, ao contrário, teria aumentado a divisão de trabalho inter-social. [Handelsblatt, 8.5.1990]
Também nesse ponto mostra-se, portanto, a ironia da história: a socialização real, material, está muito menos desenvolvida no socialismo do que no Ocidente. Do mesmo modo que, em oposição ao Ocidente, a produtividade relativamente baixa, sem o estímulo da concorrência, petrificou-se muito abaixo do nível crítico de supressão do trabalho, o entrelaçamento relativamente insignificante petrificou-se abaixo do nível crítico de supressão da forma-mercadoria. Do mesmo modo que a economia de caserna conservou o dispêndio de força de trabalho, manteve separadas, na esfera material-técnica, as empresas individuais. A contradição imanente ao capital extinguiu-se, portanto, abaixo de sua "massa crítica". Mas, já que o capital somente no apogeu de seu desenvolvimento pode existir em escala mundial, precisamente essa extinção de sua dinâmica provocou a crise e o colapso no Leste.
Mas adotando-se esse ponto de vista seria um erro muito maior esperar da assimilação e da adaptação aparentemente mais do que urgente à "bem-sucedida" economia de concorrência ocidental uma solução dos déficits já catastróficos do socialismo real. A tal visão bastante ingênua escapa totalmente o fato de que esses déficits já são um resultado histórico das contradições capitalistas. A eliminação da concorrência interna não foi um "engano" ou "erro", e tampouco pode agora ser simplesmente corrigida.
Ao contrário, a crise que levou ao colapso do socialismo real, no nível atual de socialização mundial capitalista, está relacionada com o nível de desenvolvimento do sistema global. Resulta, agora mais do que nunca, da "divergência temporal" deste último. A crise da sociedade do trabalho do socialismo real marca a crise iminente da moderna sociedade de trabalho em geral, e isso precisamente porque os mecanismos de concorrência tiveram tanto êxito e minaram e debilitaram de fato os fundamentos do sistema produtor de mercadorias. Faz parte da lógica desse sistema o fato de que seus componentes mais fracos, no que se refere à produtividade e ao entrelaçamento, são os primeiros a cair no abismo de colapso do sistema; mas, mais cedo ou mais tarde, a penetração das ciências que passa dos limites lógicos do sistema produtor de mercadorias ocorrerá também no ocidente, sendo os indícios disso perceptíveis há muito tempo.
A vida realmente castiga quem se atrasa. Mas quando os países do ex-socialismo real, com mais entusiasmo do que juízo, invadem com determinação furiosa o mercado mundial aberto da economia de concorrência, esperando sua salvação, terão o azar de chegar atrasados pela segunda vez, e "a vida" parece ter preparado castigos muito piores do que os até agora sofridos. Na verdade, a moderna sociedade de trabalho como um todo está no fim e, com isso, também o estão suas categorias básicas da forma-mercadoria e forma-dinheiro. O exame isolado da crise final do socialismo real deixa de reconhecer a lógica de crise do próprio princípio da concorrência, a qual, como emancipação negativa, se descarregará em futuros surtos de crise da produção mundial de mercadorias.
Notas de rodapé:
(1) A escuridão conceitual que reina na compreensão da crítica da economia política de Marx já é documentada pelo termo "economia não monetária". Já nos debates sobre o socialismo depois do fim da Primeira Guerra Mundial confundia-se a ausência da forma-mercadoria com a "abolição do dinheiro" apenas externa: não se pretendia suprimir a lógica básica incompreendida do sistema produtor de mercadorias, mas realizá-la sob a direção do Estado como "economia não monetária", em sua forma imediata e concreta, sem o "véu do dinheiro". As raízes desse debate não se encontram na crítica da economia de Marx, mas na economia política burguesa, que até hoje discorda na questão de um "sistema de troca de mercadorias" ser ou não imaginável sem dinheiro – uma forma insípida de colocar o problema. (retornar ao texto)
(2) Isso também revela-se no fato de que, nessa concepção do socialismo, os trabalhos exclusivamente subalternos, inferiores, sujos e/ou mecânicos não são abolidos, mas sim seus portadores "reconhecidos" como cidadãos e homens "equivalentes" aos demais, com a premissa de que todos os tipos de trabalho contribuíram igualmente para a riqueza nacional e por isso seriam honrosos. Através do brilho desse palavrório moral oculta-se naturalmente também aqui a equivalência efetiva do trabalho abstrato e das mônadas que o realizam, como portadoras da mercadoria força de trabalho. (retornar ao texto)
(3) Existiam historicamente as exceções mencionadas por Marx, da sociedade antiga e da sociedade dos incas, onde a divisão do trabalho para além dos fundamentos da sociedade primitiva não produziu as categorias da mercadoria e do dinheiro; ali a união social devia-se evidentemente a instituições religiosas que nada têm em comum com o Estado moderno. Esses desvios do desenvolvimento social humano podem dificilmente ser reclamados como perspectiva civilizatória perdida ou "totalmente diferente"; parecem ter produzido, ao contrário, uma divisão de trabalho apenas em nível muito baixo (os incas, por exemplo, nem conheciam a roda). Nesse sentido, trata-se de exceções que apenas confirmam a regra. (retornar ao texto)
(4) Essa contradição no processo da modernidade, condicionada pela concorrência, também possibilitou, em todas as etapas de sua imposição, uma oposição conservadora, desde os ideólogos defensivos do feudalismo até os "conservadores de valores" de nossos dias. A oposição reacionária combate o lado emancipatório da modernização, repreendendo-o pelo lado negativo, destrutivo, do mesmo processo. (retornar ao texto)
(5) Uma atitude bem iluminista, pois o próprio iluminismo, em sua "falta de iluminação acerca de si mesmo" (Hegel), compreendera a história anterior, em grande parte como "erro" e "afastamento da razão"; nesse aspecto, como também em muitos outros, a ideologia do movimento operário, inclusive determinados elementos do marxismo, revela-se como mera "segunda edição" do iluminismo burguês no contexto do sistema produtor de mercadorias também intelectualmente insuperado e como expressão imanente das formas de consciência por este constituídas. (retornar ao texto)
(6) Enquanto esse acompanhamento literário de uma acumulação primitiva recuperadora, por mais sinceras que possam ter sido inicialmente suas intenções, se transformou numa propaganda estatal vazia, era desde o princípio uma grande mentira na periferia ocidental da União Soviética, porque ali a imposição da economia de caserna estatista jamais teve nenhuma justificativa histórica, nem sequer relativa, nas condições do desenvolvimento. (retornar ao texto)
(7) O exemplo citado fica menos drástico quando se inclui na Toyota as indústrias fornecedoras externas que no combinat "ifa", em virtude da diversificação maior da produção, já fazem parte dele. Nesse sentido, a superioridade da produtividade da Toyota refere-se apenas à empresa particular (à custa de fornecedores) e não à sociedade global. Mas, mesmo levando-se em consideração esse efeito, é enorme a distancia social global na produtividade. (retornar ao texto)
(8) Ainda durante o colapso da RDA, uma parte dos apologistas "críticos" e da esquerda ocidental teimou em culpar as "condições iniciais desiguais" após a Segunda Guerra Mundial e os diversos handicaps daí resultantes pelo atraso catastrófico da produtividade da Alemanha Oriental. Na verdade, a RDA, como país já industrializado, oferece até as melhores condições para uma comparação; como provam os números, o atraso era até muito menos acentuado sob as "más condições iniciais", e até os anos 60 não se fazia sentir, de modo algum, de forma tão drástica quanto hoje. Tornou-se tanto mais evidente quanto mais as sociedades das duas partes da Alemanha se afastaram daquelas condições iniciais, tendo que se fazer valer sobre seus próprios fundamentos. A argumentação desajeitada mostra apenas com que obstinação essa esquerda permanece anacronicamente nas constelações e idéias da época pós-guerra, incapaz de uma concepção crítica (e muito menos de uma crítica radical) do sistema produtor de mercadorias e de sua lógica contraditória. (retornar ao texto)