O Setor Terciário atrofia-se

Robert Kurz

17 de outubro de 2003


Primeira Edição: Original alemão Tertiärer Sektor am Schrumpfen, publicado em Neues Deutschland, Berlin, 17.10.2003. Tradução de Nikola Grabski

Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


O horizonte intelectual reduz-se tanto mais, quanto mais é determinado pelo mercado universal. A percepção atrofia-se para fenómenos conjunturais em todas as áreas da vida, que já não mostram qualquer coesão ou critério. No lugar da teoria social instalou-se a investigação de tendências. Neste nível a noção de "mudança social" praticamente já não faz sentido. Já amanhã, pode estar "na moda" o contrário de hoje.

Apesar disso mantém-se ainda como pano de fundo das conjunturas ideológicas a imagem fantasma da outrora celebrada terciarização. A sociedade, assim se dizia, desenvolver-se-ia numa transformação do sector agrário primário para o sector industrial secundário, até ao sector de serviços terciário. De forma consoante, a força de trabalho deveria mudar. É verdade que isto estaria ligado a rupturas estruturais dolorosas, mas no fim levaria sempre à prosperidade. A mudança estrutural, de certa maneira, teve realmente lugar — no entanto de forma alguma do modo esperado. Parece que a terciarização está ligada a um processo de atrofia económica.

Também a definição do conteúdo dos novos sectores se tem alterado completamente no decorrer de um quarto de século. Na época de Willy Brandt, nos anos 70, parecia confirmar-se o prognóstico positivo da terciarização. É verdade que já então começou a decadência social incluindo o desemprego estrutural em grande escala. Esta evolução negativa deveria ser absorvida através de um arranjo social do problema: Já quase se acreditava poder colocar atrás de cada desempregado um assistente social. A indústria de acompanhamento dos que caíram fora chegou a ser um factor de crescimento próprio. Simultaneamente começou-se a introduzir os centros de lazer, locais de encontro, universidades de reforma e o novo sistema das escolas superiores especializadas. A ofensiva da formação, a sociedade do lazer e a pedagogização da vida foram os temas do espírito da época até aos anos oitenta. Mas este tipo de terciarização tinha um defeito decisivo: Em termos de capitalismo não era "produtiva", foi alimentada à custa do estado. Isto não condizia com a contracção da reacumulação industrial. A sociedade de formação, educação e acompanhamento podia ser mantida apenas através do endividamento estatal crescente, até que a ilusão rebentou e começou a redução dos sectores portadores da sociedade de serviços.

Nos anos 90 o conceito de terciarização desfiou-se então por três elementos totalmente díspares. O lema da "privatização" sugeriu que os sectores terciários estatais já não reproduzíveis, incluída toda a sua infra-estrutura, poderiam ser transformados em empresas lucrativas privadas. Simultaneamente a "New economy" como versão de alta tecnologia dos serviços (capitalismo de Internet) deveria trazer crescimento e emprego. Além disso, a situação precária dos serviços já se fazia sentir cada vez mais (salários baixos, estabelecimentos fictícios, empresas de trabalho temporário, etc.).

Na sua qualidade de novos portadores históricos de crescimento, os serviços públicos privatizados já falharam. Os correios na bolsa, os comboios na bolsa, a medicina na bolsa ou a cultura na bolsa atrofiam-se e concentram-se numa clientela com capacidade de pagamento. A New Economy revelou-se como mera bolha financeira, enquanto o emprego e o crescimento real deste sector ficaram reduzidos ao mínimo. Resta a opção pelo emprego precário e pelo trabalho por conta própria fictício. É um absurdo: O que não funcionava numa base capitalista como sector estatal por falta de capacidade de financiamento, nem como empreendimento privado por falta de rentabilidade, deve agora funcionar através da empresa individual "Eu, S. A", cujas ofertas (da formação à ginástica terapêutica) obviamente não vão ser aproveitadas, por falta de procura com capacidade de pagamento.

Das antigas promessas de uma terciarização como sociedade de formação, acompanhamento e lazer não ficou nada. Descaradamente, o discurso político e mediático agora aposta como última opção numa existência em grande escala de empregados domésticos pessoais baratos, como no capitalismo primitivo. Criadas, motoristas, criados do quarto, governantas, criados de casa, porteiros — ao nível hightech do século XXI. Como serviços comerciais de empresas de miséria, porém, também eles fracassam por falta de procura. Além de que não resulta desse tipo de serviços nenhuma acumulação capitalista.

O erro da teoria do desenvolvimento dos três sectores era não ter uma noção histórica. Pois este desenvolvimento não se realizou dentro das estruturas capitalistas. A sociedade agrícola pré-moderna não se baseava na utilização de capital monetário. O modo de produção capitalista nasceu apenas na transição, marcada por crises, para a sociedade industrial. Do mesmo modo a ruptura estrutural entre a sociedade industrial e a sociedade dos serviços exige agora o fim da forma capitalista e o nascimento de uma ordem nova, diferente. Não querer perceber isto será chamado a tolice fundamental do século XXI.


Inclusão: 28/12/2019