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Primeira Edição: Obs.: O título desta obra é tomado de um poema do poeta brasileiro Paulo Leminski (1944-1989). Tradutores para o francês: Olivier Galtier, Wolfgang Kukulies, Luc Mercier e Johannes Vogele
Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
"Pois ela muda, a figura deste mundo"
Paul de Tarse
Até o início do ano de 2004, Robert Kurz foi redator e co-editor da revista teórica alemã Krisis — Para uma crítica da sociedade da mercadoria. A presente obra reúne uma quinzena de artigos que foram publicados na imprensa alemã, austríaca e brasileira, quando Kurz ainda participava da Krisis. Atualmente Kurz segue suas atividades num novo grupo, Exit.
Diferente do Manifesto contra o trabalho ou de Lire Marx (Marx Lesen), que propunham uma teoria crítica do capitalismo neoliberal, esta coletânea trata de "questões da atualidade". Para tanto, a teoria não fica ausente: ela funda a análise, constitui sua armadura.
Para Robert Kurz (que retoma a teoria de Marx), o capitalismo repousa sobre uma contradição interna. De uma parte, o sistema visa à absorção de energia humana através do dispêndio de força de trabalho; de outra, ele impõe, via concorrência, um aumento permanente da produtividade, que tende a substituir o trabalho humano pelas máquinas.
Até então esta contradição (causa de todas as crises precedentes, notadamente a crise mundial de 1929) pôde ser superada pela extensão dos mercados a novas camadas de consumidores. Certamente, a quantidade de trabalho por produto diminui, entretanto a produção aumenta em absoluto. Assim, a contradição interna do capitalismo é amparada e superada por um movimento de expansão.
Ora, com a terceira revolução industrial (da micro-eletrônica), tudo indica que este mecanismo de compensação se esgotou. Pela primeira vez, a inovação dos processos (inovação, portanto, das estruturas de organização, de produção e de distribuição) é mais rápida que a inovação dos produtos; disso resulta que a quantidade de trabalho supérfluo mobilizado torna-se superior à quantidade de trabalho criado pela extensão dos mercados. De agora em diante, o capitalismo atingiu seu limite objetivo.
Este aumento da produtividade torna não rentáveis os investimentos da economia real (os investimentos criadores de postos de trabalho), e capital-dinheiro reflui na direção dos mercados financeiros e engendra as bolhas especulativas. Este processo adia provisoriamente a crise da economia mundial, porém "o embuste objetivado será desmascarado" prevê o Manifesto contra o Trabalho, porque "o aumento fictício do valor dos títulos de propriedade só pode ser a antecipação de utilização ou futuro dispêndio real de trabalho — o que nunca mais será feito". Depois do desmoronamento dos mercados emergentes na Ásia, América Latina e na Europa Oriental, são os mercados financeiros dos centros capitalistas como Estados Unidos, Europa e Japão que estão sob ameaça de desabamento.
Se esta coletânea trata de "questões da atualidade", isto deve ser entendido no sentido forte do termo; não no sentido de atualidade em que um evento substitui outro sem parar, mas de atualidade que invoca a duração. Desemprego estrutural de massa e liquidação do Estado social nos países do centro capitalista, economia de pilhagem e guerras de ordenamento mundial nos países da periferia... Kurz dota todos esses fenômenos de inteligibilidade e os inscreve em sua verdadeira moldura: o modo de produção capitalista em vias de implosão.
A essas análises o autor acrescenta a critica das formas de consciência fetichizadas que atribuem a crise e seus flagelos não ao capital, mas aos indivíduos ou aos grupos de indivíduos particulares (americanos, judeus, muçulmanos, burgueses...), e desmonta as críticas do capitalismo que pretendem combatê-lo reivindicando os ideais que o fundam: a ideologia das Luzes e os direitos humanos. Ele mostra enfim que a luta por interesses vitais não pode mais se dar pelo apego à "classe operária criadora de valor", porque as novas forças produtivas estouraram a economia fundada sobre o valor e tornaram obsoleto o ethos do trabalho. A "lutas de classes" tradicionais não eram mais do que lutas de reconhecimento no seio do sistema mercantil, e suas invocações nostálgicas são hoje impotentes face ao horror econômico. Porém, é precisamente deste esquema intelectual que a nova esquerda alternativa mundializada permanece prisioneira — quando ela não defende um keynesianismo caduco.
Quando Robert Kurz diz que o mundo capitalista se parte em pedaços, ele não profetiza: ele mostra o que já é um resultado. Contudo, ele não pára nesta crítica constante; indica também em que poderia consistir um princípio de luta real, mobilizadora, em direção a um mundo novo. Para Kurz, os termos da alternativa social são: uma sociedade desembaraçada do trabalho e da mercadoria ou a barbárie mundializada.