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Primeira Edição: ....
Fonte: Passa Palavra
Tradução: Passa Palavra, a partir da versão em inglês disponível em https://www.marxists.org/archive/lanti/1922/3-weeks.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Na sede do Comintern:
— “Quanto tempo você espera ficar por aqui?” — Camarada Doriot, secretário do Comitê Central da Internacional da Juventude, um francês que eu pude conhecer no Hotel Lux.(1)
— “Por volta de três semanas.”
— “Você está sendo sábio em não procrastinar seus objetivos. Não estamos acostumados às coisas acontecendo rápido por aqui. Além do mais, ninguém nunca sabe quando poderá ir embora.”
Assim, decidi ir imediatamente à recepção do Comintern. Doriot indicou o caminho, desenhando a rota numa folha de rascunho. Com o desenho em mãos, parti.
Encontrei o local sem grandes problemas. Lá, não muito longe do Kremlin, há um prédio alto em cuja fachada se pode ler, em quatro línguas, a famosa frase: “trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!”
Me aproximei da entrada. Nela, dois soldados que faziam vigília barraram minha entrada. Um deles falou algumas palavras que não consegui entender e gesticulou em direção à porta adjacente. Fui em direção a ela, entrei, e vi mulheres sentadas num guichê. Silenciosamente, mostrei a elas o meu passaporte, escrevi o nome do camarada que queria encontrar, e recebi uma autorização, que levei de volta aos soldados. Eles então me autorizaram a entrar. Nesse momento, o mero gesto serviu para nos entendermos uns aos outros.
A pessoa que eu iria encontrar estava ausente. Esperei por uma hora na antessala, quando finalmente uma mulher que falava alemão deu a entender que eu precisaria voltar às 14h. E assim fui embora. No caminho para o hotel, por sorte encontrei Doriot novamente, que estava indo fazer uma visita à recepção. Ele aceitou que eu o acompanhasse e me apresentou ao camarada Rákosi(2), secretário do Comitê Executivo do Comintern.
Rákosi não foi muito receptivo. Ele disse-me assim:
— “Então você é o camarada Lanti! Vi o seu mandato, e não nos interessou muito. Não conhecemos sua organização. Ela é comunista? Você conhece algum comunista esperantista aqui? Fora isso, não podemos ser incomodados com o esperanto. Nós temos outros assuntos mais sérios, mais urgentes. Eu não entendo porque você veio de Paris até aqui para isso. Você deve voltar o mais cedo que puder. O Comintern não pode pagar por turistas.”
Meu sangue começou a ferver, e respondi rispidamente à Rákosi:
— “Então você acha que eu pretendo ser um convidado do Comintern? Jamais! Ao contrário, eu estou acostumado a pagar pelo comunismo, não a viver do comunismo. Você está errado em pensar algo assim de mim. Estou pagando do meu próprio bolso pela minha estadia aqui. Eu estou aqui com um mandato e devo cumprir a missão que me foi confiada. Se para você a questão de uma língua mundial é uma besteira, bem ou mal, eu como internacionalista considero um assunto sério. Um homem como Romain Rolland(3) afirmou que os internacionalistas estão errados ao não prestar atenção a essa questão.”
— “Ah, Romain Rolland, um escritor não-comunista”, interrompeu Rákosi com uma risada desdenhosa.
— “Se quanto a isso só a opinião de um comunista tem algum valor, deixe-me citar Henri Barbusse(4), quem, além de escritor, é comunista. Ele também pensa que uma língua internacional é efetivamente necessária para existir uma Internacional real, não uma Internacional de chefes poliglotas.
— “Henri Barbusse está realmente interessado nisso?”, indagou-me Rákosi.
Eu então lhe apresentei uma cópia da cartilha publicada pela Federacio de revoluciaj esperantistoj franclingvaj [Federação Francófona de Esperantistas Revolucionários], à qual Barbusse havia escrito a contracapa. Rákosi folheou o livro e disse:
— “Sente-se, por favor.”
A partir daquele momento, o tom da nossa conversa ficou um pouco mais ameno. Expliquei a ele sobre o movimento e mostrei a circular do ministro francês Berard que bania o ensino de esperanto nas escolas públicas. Após conversar por vinte minutos, Rákosi confessou que havia possibilidade de nossa atuação ser útil para o comunismo, mas terminou dizendo que o Comintern não poderia assumir o assunto naquele momento.
Eu então respondi que não era minha intenção incomodar os líderes comunistas com problemas prematuros. Não era essa minha missão. Eu apenas havia vindo acompanhar os trabalhos da Comissão de Estudos para Adoção de uma Língua Auxiliar da Terceira Internacional, que fora estabelecida no Segundo Congresso. Eu precisava descobrir se os comunistas poderiam corretamente enxergar essa tarefa como séria e merecedora de atenção de todos os comunistas mundo-linguistas. E acrescentei que, apesar de ser um esperantista, estava pronto para propagandear e ensinar qualquer língua oficial do Comintern.
Escutando as palavras “trabalhos da Comissão de Estudos”, Rákosi riu e disse aquilo que eu já havia relatado na edição de outubro da Sennacieca Revuo. Ele acrescentou que ninguém tem o direito de fazer propaganda de nenhuma língua internacional sem o apoio do Comintern.
Tudo o que sobrou a mim, para cumprir minha missão, foi pedir um registro oficial dessa declaração. Rákosi me deu o documento sem hesitar:
Moscou, 14 de agosto de 1922.
Camarada E. Lanti, delegado da organização esperantista SAT, que veio a Moscou com a aprovação do Secretariado Internacional do Partido Comunista Francês a fim de investigar os trabalhados da Comissão de Estudos para Adoção de uma Língua Auxiliar na Terceira Internacional, está oficialmente informado que essa comissão já foi liquidada e que a Internacional Comunista não tomou nenhuma decisão quanto à adoção do Esperanto ou de Ido [versão reformada do Esperanto].
Secretário do Comitê Executivo da Internacional Comunista,
Rákosi.
Notas da tradução:
(1) Trata-se provavelmente de Jacques Doriot (1898-1945), dirigente comunista francês que viria a ser eleito prefeito de Saint-Denis entre 1930 e 1934. Deixou o PCF e fundou, em 1936, o Partido Popular Francês, de caráter fascista e antissemita. (retornar ao texto)
(2) Este é provavelmente o bolchevique Matyás Rákosi (1892-1971), que esteve na Rússia entre 1919 e 1924. Próximo a Stálin, foi posteriormente secretário-geral do Partido Comunista Húngaro – isto é, ditador da Hungria – entre 1945 e 1956. (retornar ao texto)
(3) Prêmio Nobel de Literatura em 1915, o francês Romain Rolland. (retornar ao texto)
(4) Henri Barbusse, escritor francês reconhecido pela obra anti-guerra Le Feu, de 1914, aderiu ao PCF. Permaneceu comunista até a morte em 1935, quando escrevia uma biografia de Stálin em Moscou. (retornar ao texto)