O problema da terra e a luta pela liberdade

Vladimir Ilitch Lênin

19 de maio (1º de junho) de 1906


Primeira edição: Escrito em 19 de maio (1º do junho) de 1906. Publicado, em 20 de maio de 1906, no jornal Volná, nº 22. V. I. Lênin, Obras, 4ª ed. em russo, t. 10, págs. 402/405

Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 271-274

Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz

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O problema da terra está sendo discutido na Duma. Chocam-se duas soluções principais para este problema: a dos democratas constitucionalistas e a dos trudoviques, isto é, deputados camponeses.

Em relação a estas soluções, o Congresso de Unificação do POSDR disse com todo o acerto na resolução sobre a atitude diante do movimento camponês: «os partidos burgueses procuram aproveitar o movimento camponês e subordiná-lo a seus interesses: uns (os s.r.), com vistas ao socialismo utópico pequeno-burguês; outros (os d.c.), com o objetivo de conservar até certo ponto a grande propriedade privada da terra e, ao mesmo tempo, debilitar o movimento revolucionário, satisfazendo por meio de concessões parciais, os instintos de proprietário do campesinato».

Examinemos a importância desta resolução do congresso social-democrata. Os democratas constitucionalistas formam um partido semilatifundiário. Há nele muitos latifundiários liberais. Este partido tende a salvaguardar os interesses dos latifundiários, fazendo unicamente concessões inevitáveis aos camponeses. Os democratas constitucionalistas procuram proteger, na medida do possível, a grande propriedade privada da terra, não aceitando a alienação completa de todas as terras dos latifundiários em benefício do campesinato. Ao defender o resgate da terra pelos camponeses, isto é, a compra das terras dos latifundiários pelos camponeses através do Estado, os democratas constitucionalistas empenham-se em converter as camadas superiores do campesinato no «partido da ordem». Na realidade, qualquer que seja a forma em que organizem o resgate, quaisquer que sejam os preços «equitativos» que determinem, o resgate será, de todo modo, mais fácil para o camponês rico e representará uma pesada carga para o camponês pobre. Sejam quais forem as regras escritas no papel acerca do resgate das terras pelas comunidades, etc., a verdade é que a terra ficará inevitavelmente nas mãos dos que possam pagar o resgate. Eis por que o resgate da terra significa fortalecer os camponeses ricos à custa dos pobres, dividir o campesinato e debilitar com esta divisão sua luta pela completa liberdade e por toda a terra. O resgate significa enganar os camponeses ricos para afastá-los da causa da liberdade e atraí-los para o lado do velho poder. Pagar o resgate da terra equivale a tornar-se independente da luta pela liberdade, significa atrair por meio do dinheiro uma parte dos combatentes pela liberdade para o lado dos inimigos da liberdade. O camponês rico que compra sua terra se converte num pequeno latifundiário, e sua deserção para o campo do velho poder, latifundiário-burocrático, será particularmente fácil e segura.

Por isso, são absolutamente justas as palavras do congresso social-democrata de que o partido democrata constitucionalista (este partido semilatifundiário) defende medidas que debilitam o movimento revolucionário, isto é, a luta pela liberdade.

Vejamos agora como os trudoviques ou deputados camponeses à Duma resolvem o problema da terra. Ainda não esclareceram eles completamente seus pontos-de-vista. Acham-se na metade do caminho: entre os democratas constitucionalistas e os «cinzentos» (o partido dos socialistas populistas), entre o resgate de uma parte da terra (d.c.) e o confisco de todas as terras (s.r.), mas se distanciam cada vez mais dos democratas constitucionalistas e se aproximam cada vez mais dos «cinzentos».

Tem razão o congresso social-democrata ao dizer que os «cinzentos» são um partido burguês, cujo objetivo é, em essência, o objetivo do socialismo utópico pequeno-burguês?

Tomemos o último projeto de reforma agrária proposto pelos «cinzentos» e publicado ontem em seu jornal Narodnii Vestnik (nº 9). É uma lei de abolição de toda propriedade privada da terra e de «usufruto igualitário geral da terra». Por que querem os «cinzentos» implantar o usufruto igualitário da terra? Porque querem acabar com a diferença entre ricos e pobres. É um desejo socialista. Todos os socialistas querem isto. Mas há vários tipos de socialismo; existe no mundo até o socialismo clerical, existe socialismo pequeno-burguês e socialismo proletário.

O socialismo pequeno-burguês é o sonho do pequeno proprietário de acabar com a diferença entre ricos e pobres. O socialismo pequeno-burguês supõe que se pode tornar todos os homens pequenos proprietários «igualitários», nem pobres nem ricos. O socialismo pequeno-burguês redige projetos de lei sobre o usufruto igualitário geral da terra. Mas a realidade é que não se pode acabar com a miséria e a pobreza da forma que deseja fazê-lo o pequeno proprietário. Não pode haver usufruto igualitário da terra enquanto exista no mundo o poder do dinheiro, o poder do capital. Não haverá no mundo leis capazes de abolir a desigualdade e a exploração enquanto existir a economia mercantil, enquanto se mantiver o poder do dinheiro e a força do capital. Só a organização da grande economia social, planificada, com a transferência para a classe operária da propriedade de todas as terras, fábricas e meios de produção, tem condições para pôr fim a toda exploração. O socialismo proletário (marxismo) refuta, por isso, todas as esperanças infundadas do socialismo pequeno-burguês na possibilidade do «igualitarismo» da pequena exploração e mesmo, em geral, da conservação da pequena exploração nas condições do capitalismo.

O proletariado consciente apoia com todas as suas forças a luta camponesa por toda a terra e pela liberdade completa, mas põe os camponeses em guarda contra qualquer esperança falaz. Com a ajuda do proletariado, os camponeses podem emancipar-se plenamente do poder dos latifundiários, podem pôr fim inteiramente à propriedade agrária latifundiária e ao Estado latifundiário-burocrático. Podem inclusive abolir a propriedade privada da terra em geral. Todas estas medidas representarão enorme proveito ao campesinato, à classe operária e a todo o povo. Os interesses da classe operária reclamam o apoio mais unânime à luta camponesa. Mas a destruição mais completa do poder dos latifundiários e dos funcionários em nada diminuirá o poder do capital. E só numa sociedade na qual não exista o poder latifundiário e burocrático, se decidirá a última grande luta entre o proletariado e a burguesia: a luta pelo regime socialista.

Isto explica porque os social-democratas lutam resolutamente contra o programa traiçoeiro dos democratas constitucionalistas e previnem os camponeses contra as esperanças falazes no «igualitarismo». Para ter êxito na atual luta pela terra e a liberdade, os camponeses devem atuar com completa autonomia e independência em relação aos democratas constitucionalistas. Os camponeses não se devem deixar seduzir pela análise de todo tipo de projetos de regime agrário. Enquanto o poder se encontre nas mãos do velho governo autocrático, latifundiário-burocrático, todos estes projetos de «normas de trabalho», «igualitarismo», etc. serão uma ocupação vã e inútil. Com toda esta mistura de parágrafos e regras nos projetos, que o velho poder de modo geral porá fora ou transformará em novo método para enganar o camponês, a luta camponesa pela terra apenas se debilita. Os «projetos de regime agrário» não ajudam os camponeses a compreender como conseguir a terra, antes dificultam a compreensão adequada disso. Eles mascaram a questão do velho poder do governo burocrático com mesquinhas e insignificantes ficções artificiosas. Estes projetos embotam a inteligência com ilusões sobre as autoridades boas, quando na realidade continuam existindo com toda a sua violência ilimitada as velhas autoridades selvagens. Deixem de julgar os «projetos de regime agrário» de papel, senhores; os camponeses resolverão facilmente o problema da terra quando deixar de existir o obstáculo do velho poder. Dediquem melhor sua atenção à luta dos camponeses para eliminar plenamente todo obstáculo deste gênero.


Inclusão: 03/02/2022