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Primeira Edição: Proletary, No. 36, 3 (16) Outubro, 1908.
Fonte: TraduAgindo
Tradução: Andrey Santiago da versão disponível em https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1908/oct/03b.htm
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Uma Greve Estudantil foi convocada na Universidade de São Petersburgo. Um número considerável de outros institutos educacionais se juntou a ação e o movimento começa a já se espalhar para Moscou e Kharkov. Julgando por todas as reportagens feitas pelos jornais estrangeiros e russos, avaliando também as cartas escritas da Rússia, encaramos um movimento em grande parte acadêmico.
De volta aos velhos tempos! De volta a Rússia pré-revolucionária! Isso é o que esses eventos significam acima de tudo. Como antes, a reação oficial está estrangulando as universidades. A eterna luta na Rússia autocrática contra as organizações estudantis tem tomado forma nas cruzadas feitas pelo Ministro dos Centenas Negros Schwartz – agindo em total acordo com o “Premier” Stolypin – contra a autonomia que foi prometida aos estudantes no outono de 1905 (o que não “prometeu” a autocracia russa, ao ser encarada pela classe trabalhadora revolucionária, naquele período); contra a autonomia que os estudantes aproveitaram enquanto a autocracia tinha “outras coisas para se importar para além dos estudantes”, e a qual a autocracia, se continuasse, não poderia ficar sem tirá-la.
Como antes, a imprensa liberal lamenta e geme, desta vez junto com alguns Outubristas – os professores lamentam e choramingam também, implorando para o governo não tomar a via da reação e utilizar dessa excelente oportunidade “para garantir paz e ordem com a ajuda de reformas” em um “país exausto por suas convulsões” – implorando para os estudantes não recorrerem a métodos ilegais que somente poderiam acabar nas mãos da reação, etc, etc, etc. O quão antigo e antiquado, o quão vulgar são essas melodias, e o quão vividamente elas ressuscitam diante de nossos olhos o que aconteceu a vinte anos atrás, no final dos anos 80 do último século! A similaridade entre aquele tempo e esse é mais chocante quando nós pegamos o atual momento por ele mesmo, afastado dos três anos de revolução que já aconteceram. Para a Duma (a primeira vista) com apenas a menor das diferenças se expressa as mesmas relações pré-revolucionárias – a supremacia do selvagem proprietário de terras, que prefere usar conexões na corte e a influência de seus amigos oficias à qualquer tipo de representação; o apoio daquele mesmo oficial pelos comerciantes (os Outubristas) que não ousam se diferir de seus benevolentes patrões; a “oposição” dos intelectuais burgueses que estão preocupados acima de tudo com a aprovação de sua lealdade, e que escreve apelos aqueles no poder como sua atividade política do liberalismo. E os deputados dos trabalhadores na Duma recordam fracamente, muito fracamente, o papel que o proletariado estava desempenhando recentemente por sua luta aberta de massas.
Pode ser perguntado, poderia nessas condições se atribuir qualquer importância para as antigas formas de lutas acadêmicas dos estudantes? Se os liberais afundaram o nível para a “política” dos anos 80 (só se pode claro, falar com ironia em relação a política nesse período) não será uma degradação dos objetivos da socialdemocracia se decidir que é necessário apoiar a luta acadêmica de uma maneira ou de outra?
Aqui e ali, aparentemente, os estudantes da social-democracia estão colocando essa questão em voga. Em um dado momento, nosso conselho editorial recebeu uma carta de um grupo de estudantes social-democratas que diz, entre várias coisas:
“Em 13 de Setembro, foi decidido em uma Assembleia na Universidade de São Petersburgo que se chamaria todos os estudantes da Rússia para uma Greve Estudantil, sendo a principal razão para essa Greve as táticas agressivas colocadas em prática por Schwartz. A plataforma da Greve é acadêmica, as reuniões até dão boas-vindas para os “primeiros passos” dos Conselhos de Moscou e São Petersburgo nas suas lutas pela autonomia. Nós estamos intrigados pela plataforma acadêmica colocada a frente da Assembleia de São Petersburgo, e consideramos ela objetivável nas presentes condições, porque ela não pode unir os estudantes em uma luta ativa sob uma frente ampla. Nós visamos a luta estudantil somente coordenada com a ação política geral, e de modo algum a parte dela. Os elementos capazes de unir os estudantes estão em falta. Desse modo, somos contrários a essa ação acadêmica.”
O equivoco que os autores da carta estão fazendo é de maior importância política do que pode aparecer a primeira vista, porque seu argumento, estritamente falando, toca em um tema que é incomparavelmente mais amplo e mais importante do que a questão de tomar parte nessa greve em particular.
“Nós visamos a luta estudantil somente coordenada com a ação política geral, e de modo algum a parte dela. Desse modo, somos contrários a essa ação acadêmica.”
Tal argumento está radicalmente errado. O slogan revolucionário – trabalhar para a ação política coordenada entre estudantes e trabalhadores, etc – aqui deixa de ser um guia vivo amplo, múltiplo e combativo em uma ampla base e vira um dogma morto, aplicado mecanicamente para diferentes estados e diferentes formas do movimento. Não é suficiente meramente proclamar a ação política coordenada, repetindo a “última palavra” dos ensinamentos da revolução. O sujeito deve ser capaz de agitar a favor da ação política, fazendo o uso de todas as possibilidades, de todas as condições, e acima de tudo, sobretudo, de todos os conflitos de massa entre elementos avançados, sejam qual for eles, e a autocracia. Não é claro uma questão de nós dividirmos todos os estudantes antemão em “estágios” compulsórios, fazendo com que cada estágio seja alcançado corretamente, com medo de que se isso não acontecer apareçam ações políticas “fora de hora”, etc. Tal visão seria da maior pedantice, e levaria somente a uma política oportunista. Mas tão ruim quanto é a visão oposta, quando as pessoas se recusam a considerar a atual situação que se ascendeu e as atuais condições do particular movimento de massas, por causa de um slogan interpretado como imutável. Tal aplicação de um slogan se degenera de modo inevitável em fraseologia revolucionária.
As condições são possíveis quando um movimento acadêmico abaixa o nível de um movimento político ou divide ele, ou distraí ele – e nesse caso os estudantes social-democratas claramente estariam concentrados contra esse movimento. Mas qualquer um pode ver que as condições políticas do atual período são diferentes. O movimento acadêmico está expressando o começo de um movimento de uma nova “geração” de estudantes, que tinham se acostumado mais ou menos com uma pequena medida de autonomia; e esse movimento está iniciando outras formas de lutas de massas que estavam faltando em nosso tempo atual, quando uma pausa se instala, e a grande massa do povo, ainda silenciosa, concentrada e lentamente continua a digerir a experiência dos três anos de revolução.
Nessas condições, a social-democracia cometeria um profundo erro se se pronunciasse “contra a ação acadêmica”. Não, os grupos de estudantes filiados a nosso partido devem orientar todos seus esforços a apoiar, aproveitar e ampliar este movimento. Como todo apoio da social-democracia as formas primitivas de movimento, o presente apoio deve consistir assim mesmo, antes de tudo e, sobretudo, em estender nossa influencia ideológica e orgânica a setores mais amplos, inflamados pelo conflito e enfrentados a cada passo, nesta forma de conflito, com o primeiro conflito político. A juventude estudantil que entrou nas universidades nos últimos dois anos viveu uma vida quase completamente descolada da política, e foi educada em um espirito de pequeno autonomismo acadêmico, educados não somente pelos professores do estabelecimento e a imprensa do governo, mas também pelos professores liberais e pelo todo do Partido dos Cadetes. Para essa juventude, uma Greve Estudantil numa larga escala (se essa juventude conseguir organizar uma grande greve: nós devemos fazer tudo que conseguimos sob nosso alcance para isso acontecer, mas não é dever nosso enquanto socialistas garantir o sucesso de qualquer movimento burguês) é o começo de um conflito político, quer queira ou não se aqueles engajados na luta saibam disso. Nosso trabalho é explicar a massa dos protestantes “acadêmicos” o significado objetivo desse conflito, tentar e fazer eles politicamente conscientes, multiplicar dez vezes a agitação exercida pelos grupos social-democratas de estudantes e dirigir toda essa atividade de tal maneira que conclusões revolucionárias sejam tiradas da história dos últimos três anos, para que a inevitabilidade de uma nova luta revolucionária seja compreendida, e que nossos velhos – que seguem sendo atuais por completo- slogans que pedem a derrubada da autocracia e a convocação de uma assembleia constituinte devem novamente se tornar um assunto de discussão e a critério da concentração política para novas gerações de democratas.
Os estudantes social-democratas não têm o direito de evitar esse trabalho sob quaisquer condições. E, por mais difícil que seja esse trabalho no momento, seja quem reprimir agitadores particulares na universidade, associações estudantis, reuniões e etc, nós iremos dizer: apenas bata na porta que ela se abrirá para você! O trabalho de agitação política nunca é desperdiçado. Seu sucesso é medido não apenas pelo fato de termos conseguido aqui e agora obter a maioria ou obter o consentimento para uma ação política coordenada. É possível que não consigamos isso de uma só vez. Mas é por isso que somos um partido proletário organizado – para não desanimar com falhas temporárias, mas teimosamente, sem hesitação e consistentemente, para continuar nosso trabalho, mesmo nas condições mais difíceis.
O apelo que publicamos abaixo do Conselho Conjunto de Estudantes de São Petersburgo mostra que mesmo os elementos mais ativos dos estudantes se apegam obstinadamente a objetivos puramente acadêmicos e ainda cantam a música Cadete-Outubrista. E isso em um momento em que a imprensa Cadete-Outubrista está se comportando da maneira mais repugnante em relação à greve, tentando provar, no auge da luta, que ela é prejudicial, criminosa, etc. (Ver “Do Partido”(2))
Evidentemente, os chicotes de Schwartz ainda não são suficientes para mudar os estudantes atuais de “acadêmicos” para “políticos”; eles precisam de mais e mais sargentos para dar um treinamento revolucionário completo a novos quadros. Esses quadros, treinados por toda a política de Stolypin, treinados em todas as etapas da contra-revolução, exigem a atenção constante de nós mesmos, os social-democratas, que veem claramente a inevitabilidade objetiva de outros conflitos democrático-burgueses em escala nacional com a autocracia que uniu forças com a Duma composta por Centenas Negras e Outubristas.
Sim, numa escala nacional, a contrarrevolução dos Centenas Negros, que está fazendo a Rússia retroceder, não está apenas aliciando novos militantes nas hierarquias do proletariado revolucionário, mas vai inevitavelmente fazer crescer um novo movimento dos não-proletários, i.e., democratas burgueses (desse modo implicando, claramente, não que toda a oposição vai tomar parte nesta luta, mas que haverá uma ampla participação de elementos verdadeiramente democráticos da burguesia e da pequena burguesia, i.e., aqueles capazes de lutar). O começo de uma luta estudantil ampla na Rússia em 1908 é um sintoma político, um sintoma de toda a presente situação que foi trazida pela contrarrevolução. Milhares e milhões de linhas vinculam os jovens estudantes à burguesia média e baixa, aos pequenos oficiais, a certos grupos camponeses, ao clero etc. Se na primavera de 1908 estavam sendo feitas tentativas de ressuscitar a “Liga Osvobozhdeniye”,(3) ligeiramente à esquerda da antiga Unnião de proprietários de Cadetes representada por Pyotr Struve; se no outono a massa de jovens que mais se aproxima da burguesia democrática na Rússia começa a ser perturbada; se os mercenários, com malícia dez vezes maior, começaram a uivar mais uma vez contra a revolução nas escolas; se professores liberais de base e líderes de cadetes estão gemendo e lamentando-se com as greves prematuras, perigosas e desastrosas que desagradam aqueles queridos Outubristas, que são capazes de “repelir” os Outubristas que detêm o poder – isso significa que um novo pó começou a se acumular no barril de pólvora, significa que não apenas entre os alunos a reação contra o reacionários está começando.
E, por mais fraco e embrionário que seja esse começo, o partido da classe trabalhadora deve usá-lo e o fará. Pudemos trabalhar anos e décadas antes da revolução, levando nossos slogans revolucionários primeiro aos círculos de estudos, depois às massas de trabalhadores, depois às ruas, depois às barricadas. Agora também devemos ser capazes de organizar em primeiro lugar o que constitui a tarefa da hora, e sem o qual todas as conversas sobre ação política coordenada serão palavras vazias, a saber, a tarefa de construir uma organização proletária forte, em todos os lugares, carregando a agitação política entre as massas com palavras de ordem revolucionárias. É essa tarefa de organização em seu próprio meio estudantil, essa agitação baseada no movimento concreto, que nossos grupos universitários também devem enfrentar.
O proletariado não ficará atrás. Frequentemente cede a palma aos democratas burgueses em discursos em banquetes, em uniões legais, dentro dos muros das universidades, a partir da tribuna de instituições representativas. Nunca cede a palma, e não o fará, na séria e grande luta revolucionária das massas. Todas as condições para levar essa luta à tona não estão amadurecendo com a rapidez e facilidade que alguns de nós esperariam – mas essas condições estão amadurecendo e erguendo a cabeça de modo inabalável. E o pequeno começo de pequenos conflitos acadêmicos é um grande começo, pois depois dele – se não hoje, amanhã, se não amanhã, depois do dia seguinte – seguirá grandes continuações.
Notas de rodapé:
(1) Contextualização do artigo: Após a derrota da Revolução Russa em 1905, a repressão do czarismo sob parte da população que participou dessa revolução cresceu de forma bastante grande, eram tempos marcados por um forte caráter autoritário nas ações do governo. No ano de 1908, em na cidade de São Petersburgo, eclode uma Greve Estudantil na Universidade da cidade, exigindo a garantia da autonomia universitária, das liberdades democráticas, contra a intervenção do czarismo nas universidades que perseguiam o movimento estudantil. Lênin escreve este texto para debater sobre o que significava esse movimento que era composto majoritariamente por estudantes, onde alguns setores de estudantes social-democratas não queriam disputa-lo por ser uma luta ainda meramente estudantil, colocando que era necessário a inserção do Partido neste espaço também, de modo a qualificar o debate a ação política que estava sendo exercida. (nota do tradutor) (retornar ao texto)
(2) Isso se refere a decisão do Comitê de São Petersburgo da R.SD.L.P. publicado na coluna “Do Partido” do jornal Proletário, nº 36, 3 de Outubro, 1908. O Comitê de São Petersburgo chamou o estudantes social-democratas para se dissociarem do apelo do Conselho Coordenado dos Estudantes e se subordinarem enquanto movimento estudantil aos objetivos da Social-Democracica numa luta do país inteiro contra o czarismo. (retornar ao texto)
(3) Ver página 33 – 67 deste Volume. (retornar ao texto)