Greve Económica e Greve Política

V. I. Lénine

31 de Maio de 1912

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Primeira Edição: Publicado no jornal Zvezdá n.° 10 de 31 de Maio de 1912.
Fonte: Obras Escolhidas em seis tomos, Edições "Avante!", 1984, t. 2, pp 54-61.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t. 21, pp. 317-324.
Transcrição e HTML: Manuel Gouveia
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" — Edições Progresso Lisboa — Moscovo, 1977.

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Desde 1905 a estatística oficial das greves, realizada pelo Ministério do Comércio e da Indústria, estabeleceu uma constante subdivisão das greves em económicas e políticas. Foi a vida que, gerando formas originais de movimento grevista, obrigou a estabelecer essa subdivisão. A conjugação da greve económica e da greve política é um dos traços principais desta originalidade. E presentemente, quando há uma reanimação do movimento grevista, os interesses científicos, os interesses de uma atitude consciente perante os acontecimentos, exigem que os operários analisem atentamente este traço original do movimento grevista russo.

Citemos antes de mais nada alguns números fundamentais tomados da estatística governamental das greves. Durante três anos, de 1905 a 1907, o movimento grevista russo atingiu um nível que o mundo não conhecera até então. A estatística governamental considera apenas as fábricas, de modo que as empresas mineiras, os caminhos-de-ferro, a construção e muitos outros ramos do trabalho assalariado não são contados. Mas mesmo só nas fábricas, em 1905 fizeram greve 2 863 000 pessoas, isto é, pouco menos de 3 milhões; em 1906 l 108 000 e em 1907 740 000. Durante todos os quinze anos de 1894 a 1908, quando na Europa se começou a elaborar sistematicamente a estatística das greves, o maior número de grevistas num ano foi atingido na América — 660 000.

Por conseguinte, os operários russos foram os primeiros no mundo a desenvolver uma luta grevista tão maciça como a que vimos em 1905-1907. Presentemente, no domínio da greve económica os operários ingleses deram um novo e grande impulso ao movimento. O papel de vanguarda dos operários russos explica-se não pelo facto de eles serem mais fortes, mais organizados, mais desenvolvidos que os da Europa ocidental, mas pelo facto de na Europa não ter ainda havido grandes crises nacionais com uma participação independente das massas proletárias. Quando essas crises surgirem, as greves de massas na Europa serão ainda mais fortes do que na Rússia em 1905.

Mas qual foi a relação entre a greve económica e a greve política nessa época? A estatística governamental dá a seguinte resposta:

Número de grevistas em milhares
1905 1906 1907
Greves económicas 1439 458 200
Greves políticas 1424 650 540
Total 2863 1108 740

Por aqui se vê a ligação estreita e indissolúvel entre os dois tipos de greves. O ponto mais alto do movimento (1905) distingue-se pela mais ampla base económica da luta: a greve política nesse ano assenta na base firme e sólida da greve económica. O número dos grevistas económicos é mais elevado que o número dos grevistas políticos.

À medida que o movimento decai, em 1906 e 1907, vemos o enfraquecimento da base económica: o número dos grevistas económicos reduz-se para 4/10 do número total de grevistas em 1906 e para 3/10 em 1907. A greve económica e a greve política apoiam-se por conseguinte uma à outra, constituindo uma fonte de força uma para a outra. Sem uma estreita ligação entre estas duas formas de greves é impossível um movimento realmente amplo, maciço — e que tenha além disso uma importância nacional. No princípio de um movimento, a greve económica tem frequentemente a propriedade de despertar e agitar os atrasados, de generalizar o movimento, de elevá-lo a um grau superior.

Por exemplo, no primeiro trimestre de 1905 a greve económica predominou nitidamente sobre a greve política: a primeira contou 604 000 grevistas, a segunda apenas 206 000. Mas no último trimestre de 1905 a relação inverteu-se: a greve económica contou 430 000 grevistas e a greve política 847 000. Isto significa que no início do movimento muitos operários colocavam em primeiro plano a luta económica, enquanto no período de maior ascenso se verificou o contrário. Mas a ligação entre a greve económica e a greve política existiu constantemente. Sem essa ligação, repetimos, é impossível um movimento verdadeiramente grande e que realize grandes objectivos.

Numa greve política, a classe operária actua como classe de vanguarda de todo o povo. O proletariado desempenha em tais circunstâncias não apenas o papel de uma das classes da sociedade burguesa mas o papel de força hegemónica, isto é, de dirigente, de guia, de chefe. As ideias políticas que se revelam no movimento têm um carácter nacional, isto é, afectam as condições fundamentais, as condições mais profundas da vida política de todo o país. Este carácter da greve política — como observam todos os investigadores científicos da época de 1905-1907 — interessava no movimento todas as classes e em particular, naturalmente, as camadas mais amplas, numerosas e democráticas da população, o campesinato, etc.

Por outro lado, sem reivindicações económicas, sem a melhoria directa e imediata da sua situação, a massa dos trabalhadores nunca concordará em conceber um «progresso» geral do país. A massa entra no movimento, participa energicamente nele, dá-lhe grande valor e desenvolve o heroísmo, a abnegação, a perseverança e a entrega a uma grande causa apenas se a situação económica do trabalhador melhora. Não pode ser de outro modo, pois as condições de vida dos operários em tempo «normal» são incrivelmente duras. Procurando uma melhoria das condições de vida, a classe operária eleva-se também ao mesmo tempo moral, intelectual e politicamente, torna-se mais capaz de realizar os seus grandes objectivos libertadores.

A estatística das greves publicada pelo Ministério do Comércio e da Indústria confirma plenamente essa importância gigantesca da luta económica dos operários numa época de reanimação geral. Quanto mais forte é a pressão dos operários, mais serão as melhorias de vida que eles alcançarão. E tanto a «simpatia da sociedade» como a melhoria da vida são resultado de um elevado desenvolvimento da luta. Se os liberais (e os liquidacionistas) dizem aos operários: sois fortes quando a «sociedade» simpatiza convosco, o marxista diz aos operários uma coisa diferente: a «sociedade» simpatiza convosco quando sois fortes. Por sociedade deve entender-se neste caso camadas democráticas muito variadas da população, a pequena burguesia, os camponeses, a intelectualidade ligada de perto à vida operária, aos empregados, etc.

Foi em 1905 que o movimento grevista foi mais forte. E que vemos nós? Vemos que foi precisamente nesse ano que os operários obtiveram mais melhorias de vida. A estatística governamental mostra que em cada 100 grevistas em 1905 apenas 29 terminaram a luta sem terem alcançado nada, isto é, sofreram uma derrota total. Em 10 anos (1895-1904) 52 grevistas em cada 100 terminaram a luta sem ter alcançado nada! Isto quer dizer que o carácter de massas do movimento elevou o êxito da luta em proporções enormes, quase duas vezes.

E quando o movimento começou a enfraquecer, começou a diminuir também o êxito da luta: em 1906, em cada 100 grevistas 33 terminaram a luta sem terem alcançado nada, ou mais exactamente, tendo sofrido uma derrota, e em 1907 foram 58; em 1908 foram mesmo 69 em cada 100!!

Deste modo, os dados científicos da estatística de toda uma série de anos confirmam inteiramente a experiência e as observações próprias de cada operário consciente no que se refere à necessidade de unir a greve económica e a greve política e à inevitabilidade dessa união num movimento realmente amplo e nacional.

A presente vaga do movimento grevista confirma também inteiramente esta conclusão. Em 1911 o número de grevistas duplicou em relação a 1910 (100 000 contra 50 000), mas mesmo assim este número foi extremamente baixo; as greves puramente económicas mantiveram-se relativamente «estreitas», não alcançando ainda uma importância nacional. Pelo contrário, toda a gente vê agora que o movimento grevista do corrente ano, depois dos conhecidos acontecimentos de Abril(N46), adquiriu precisamente essa importância.

É por isso extremamente importante dar réplica desde o início à deturpação do carácter do movimento que procuram imprimir-lhe os liberais e os políticos operários liberais (os liquidacionistas). O liberal Sr. Severiánine publicou no Rúskie Védomosti(N47) um artigo contra a «mistura» na greve do 1.° de Maio de «reivindicações» económicas ou «quaisquer outras» (assim mesmo!), e o jornal democrata-constitucionalista Retch(N48) reproduziu com simpatia os pontos essenciais desse artigo.

«Não há a maior parte das vezes qualquer fundamento para ligar tais greves», escreve o senhor liberal, «precisamente ao momento do 1.° de Maio... é mesmo um tanto estranho: festejamos o dia mundial dos operários e nessa ocasião exigimos um aumento de 10% para um qualquer bocado de chita» (Retch n.° 132).

O liberal acha «estranho» aquilo que para o operário é perfeitamente compreensível. Só os defensores da burguesia e dos seus lucros ilimitados podem troçar de uma reivindicação de «aumento». Mas os operários sabem que é precisamente o carácter amplo de uma reivindicação de aumento, precisamente o carácter abrangente das greves que mais que tudo atrai a massa de novos participantes, que mais que tudo assegura a força da ofensiva e a simpatia da sociedade, que mais que tudo garante tanto o êxito dos próprios operários como a importância nacional do seu movimento. Por isso é necessário lutar resolutamente contra a deturpação liberal pregada pelo Sr. Severiánine, pelo Rúskie Védomosti e pelo Retch, e prevenir com todas as forças os operários contra tão maus conselheiros.

O liquidacionista Sr. V. Ejov, logo no primeiro número do jornal Névski Gólos(N49), faz igual deturpação, puramente liberal, embora aborde a questão de um ângulo um pouco diferente. O Sr. V. Ejov detém-se particularmente nas greves suscitadas pela multa por participação no 1.° de Maio. Referindo justamente a insuficiente organização dos operários, o autor retira dessa justa referência as conclusões mais erradas e mais nocivas para os operários. O Sr. Ejov vê a falta de organização no facto de que numa determinada fábrica fizeram greve simplesmente para protestar, numa outra acrescentaram reivindicações económicas, etc. Mas de facto nesta variedade de formas das greves não há absolutamente nenhuma falta de organização: é idiota conceber a organização obrigatoriamente como uniformidade! A falta de organização não se encontra de modo nenhum onde o Sr. Ejov a procura.

Mas muito pior ainda é a sua conclusão:

«Devido a isso» (isto é, devido à variedade das greves e às diferentes formas de combinação da economia com a política) «num considerável número de casos o carácter de princípios do protesto (afinal não era por vinte e cinco copeques que se fazia greve) esbateu-se, foi complicado por reivindicações económicas..

Este é um raciocínio verdadeiramente revoltante, inteiramente falso e inteiramente liberal! Pensar que a reivindicação dos «vinte e cinco copeques» pode «esbater» o carácter de princípios do protesto significa descer ao nível de um democrata-constitucionalista. Pelo contrário, Sr. Ejov, a reivindicação dos «vinte e cinco copeques» não é digna de troça, mas de completo reconhecimento! Pelo contrário, Sr. Ejov, essa reivindicação não «esbate», antes reforça o «carácter de princípios do protesto»! Em primeiro lugar, a questão da melhoria da vida é também uma questão de princípios e uma importantíssima questão de princípios, e em segundo lugar eu não enfraqueço, antes reforço o meu protesto quando protesto não contra uma, mas contra duas, três, etc., manifestações de opressão.

Todos os operários rejeitarão com indignação a revoltante deturpação liberal da questão pelo Sr. Ejov.

Mas isto não é de modo nenhum um lapso do Sr. Ejov. Ele escreve mais adiante coisas ainda mais revoltantes:

«A sua própria experiência deveria ter sugerido aos operários que era inadequado complicar o seu protesto com reivindicações económicas, tal como complicar uma greve comum com reivindicações de princípios.»

Isto é falso, mil vezes falso! É uma vergonha para o Névski Golos ele publicar semelhantes discursos. É absolutamente adequado aquilo que parece inadequado ao sr. Ejov. Tanto a experiência própria de cada operário como a experiência de um número muito grande de operários russos no passado recente diz o contrário daquilo que o Sr. Ejov ensina.

Só os liberais podem protestar contra a «complicação» duma greve, mesmo a mais «comum», com «reivindicações de princípios»; isto em primeiro lugar. E em segundo lugar, engana-se profundamente o nosso liquidacionista ao medir o presente movimento pela medida das greves «comuns».

E é em vão que o Sr. Ejov tenta encobrir o seu contrabando liberal com uma bandeira alheia, é em vão que embrulha a questão da combinação da greve económica e da greve política com a questão da preparação de uma e da outra! Certamente que preparar e preparar-se, e da maneira mais sólida, mais harmoniosa, mais unida, mais reflectida, mais firme possível, tudo isso é extremamente desejável. Sobre isso não pode haver discussão. Mas é preciso preparar, contrariamente à opinião do Sr. Ejov, precisamente a combinação de ambos os tipos de greves.

«Estamos perante um período de greves económicas», escreve o Sr. Ejov. «Seria um erro irreparável se elas se entrelaçassem com as acções políticas dos operários. Semelhante mistura teria um reflexo nocivo tanto na luta económica dos operários como na luta política.»

Não é possível, parece-me, ir mais longe! A queda de um liquidacionista ao nível de um vulgar liberal está mais que claramente manifesta nestas palavras. Cada frase encerra um erro! É preciso transformar cada frase no seu contrário directo para obter a verdade!

É falso que estejamos perante um período de greves económicas. Precisamente o contrário. Não estamos apenas perante um período de greves económicas. Estamos perante um período de greves políticas. Os factos, Sr. Ejov, são mais fortes do que as suas deturpações liberais, e se pudesse obter as fichas estatísticas das greves recolhidas no Ministério do Comércio e da Indústria, até essa estatística governamental o desmentiria completamente.

É falso que o «entrelaçamento» seria um erro. Precisamente o contrário. Seria um erro irreparável se os operários não compreendessem toda a originalidade, todo o significado, toda a necessidade, toda a importância essencial precisamente desse «entrelaçamento». Mas os operários, felizmente, compreendem-no perfeitamente e rejeitam com desprezo a pregação dos políticos operários liberais.

É falso, finalmente, que esse entrelaçamento «teria um reflexo nocivo» em ambas as formas. Precisamente o contrário. Ele tem um reflexo benéfico em ambas. Ele reforça ambas.

O Sr. Ejov admoesta algumas «cabeças quentes» por ele descobertas. Oiçam-no:

«É necessário reforçar organizativamente o estado de espírito das massas»... — Verdade sagrada! — ... «É necessário intensificar a agitação a favor dos sindicatos, ganhar para eles novos membros...»

Perfeitamente justo, mas... mas, Sr. Ejov, é inadmissível reduzir o «reforço organizativo» apenas aos sindicatos! Lembre-se disto, sr. liquidacionista!

«... Isto é tanto mais necessário quanto entre os operários se encontram agora muitas cabeças quentes, arrebatadas pelo movimento de massas e que nos comícios se pronunciam contra os sindicatos, como se fossem inúteis e desnecessários.»

Isto é uma calúnia liberal contra os operários. Não foi «contra os sindicatos» que se pronunciaram os operários, que causaram aborrecimentos e sempre causarão aborrecimentos aos liquidacionistas. Não, os operários pronunciaram-se contra a redução do reforço organizativo apenas aos «sindicatos», tão claramente manifestada na frase precedente do Sr. Ejov.

Os operários pronunciaram-se não «contra os sindicatos» mas contra a deturpação liberal do carácter da sua luta, de que está impregnado todo o artigo do Sr. Ejov.

O operário russo tem maturidade política suficiente para compreender a grande importância nacional do seu movimento. Tem maturidade suficiente para compreender toda a falsidade, toda a mediocridade da política operária liberal, e rejeita-la-a sempre com desprezo.


Notas de fim de tomo:

(N46) Trata-se dos acontecimentos nas minas de ouro na bacia do rio Lena, em 4 de Abril de 1912: as tropas tsaristas dispararam contra um desfile pacífico dos grevistas, que protestavam contra a prisão dos membros do comité de greve. Estes acontecimentos serviram de estímulo ao reforço do ascenso revolucionário na Rússia; por todo o país alastrou uma onda de manifestações de rua e greves de protesto. (retornar ao texto)

(N47) Rússkie Védomosti (Notícias da Rússia): jornal publicado em Moscovo de 1863 a 1918; expressava as opiniões da intelectualidade liberal moderada. A partir de 1905 o jornal foi órgão da ala direita do partido democrata-constitucionalista. (retornar ao texto)

(N48) Retch (A Palavra): jornal diário, órgão central do partido democrata-constitucionalista. Publicou-se em Petersburgo de 1906 a 1917. (retornar ao texto)

(N49) Névski Gólos (A Voz do Neva): jornal legal dos mencheviques liquidacionistas; publicou-se em Petersburgo em Maio-Agosto de 1912. (retornar ao texto)

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Inclusão 22/02/2016