A Guerra Europeia e o Socialismo Internacional

V. I. Lénine

Fins de Agosto-Setembro de 1914

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Escrito: Fins de Agosto-Setembro de 1914
Fonte: Obras Escolhidas em seis tomos, Edições "Avante!", 1984, t2, pp 167-170.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t.26, pp. 8-11.
Transcrição e HTML: Manuel Gouveia
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo.

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O mais penoso para um socialista não são os horrores da guerra — nós somos sempre pela «santa guerra di tutti gli opressi per la conquista delle loro patrie!»(1*) — mas os horrores da traição dos chefes do socialismo actual, os horrores da falência da actual Internacional(N112).

Não será uma traição na social-democracia quando vemos nos socialistas alemães uma espantosa mudança de frente (depois da declaração de guerra pela Alemanha)? a fraseologia mentirosa acerca da guerra libertadora contra o tsarismo? o esquecimento do imperialismo alemão? o esquecimento da pilhagem da Sérvia? os interesses burgueses da guerra com a Inglaterra, etc., etc.? Patriotas, chauvinistas, votam a favor do orçamento!!

Não será a mesma traição que se verifica nos socialistas franceses e belgas? Eles desmascaram magnificamente o imperialismo alemão, mas, infelizmente, são espantosamente cegos em relação ao imperialismo inglês, francês e ao particularmente bárbaro imperialismo russo! Eles não vêem o facto clamoroso de que a burguesia francesa, durante dezenas e dezenas de anos, financiou com milhões os bandos das centúrias negras do tsarismo russo, que esse tsarismo esmaga a maioria alógena da Rússia, saqueia a Polónia, oprime os operários e camponeses grão-russos, etc.?

Em semelhante período, um socialista sente-se reconfortado ao ler como o Avanti!(N113) disse corajosa e abertamente a amarga verdade na cara de Südekum, disse a verdade aos socialistas alemães, que eles são imperialistas, isto é, chauvinistas. Senti-mo-nos ainda mais reconfortados ao ler o artigo de Zibordi (Avanti! de 2 de Setembro), que desmascara não apenas o chauvinismo alemão e austríaco (isso é afinal proveitoso do ponto de vista da burguesia italiana), mas também o francês, e que reconhece que a guerra é uma guerra da burguesia de todos os países!!

A posição do Avanti! e o artigo de Zibordi — paralelamente à resolução do grupo dos sociais-democratas revolucionários (na recente conferência realizada num dos países escandinavos) — mostra-nos o que há de certo e de errado na frase habitual sobre a falência da Internacional. Essa frase é repetida pelos burgueses e pelos oportunistas («riformisti di destra»(2*)) malevolamente e pelos socialistas (Volksrecht(N114) em Zurique, Bremer Bürger-Zeitung(N115)) com amargura. Há nessa frase uma grande parte de verdade!! A falência dos chefes e da maioria dos partidos da actual Internacional é um facto. (Veja-se o Vorwärts(N116), o Wiener Arbeiter-Zeitung(N117), o Hamburger Echo(N118) versus L'Humanité, e o apelo dos socialistas belgas e franceses versus a «resposta» do Vorstand alemão(N119)). As massas ainda não se pronunciaram!!!

Mas Zibordi tem mil vezes razão ao dizer que não é a «dottrina» que é «sbagliata», não é o «rimedio» do socialismo que está «errato», mas «semplicemente non erano in dose bastante», «gli altri socialisti non sono "abbastanza socialisti"»(3*).

Não foi o socialismo que faliu sob a forma da Internacional europeia actual, mas o socialismo insuficiente, isto é, o oportunismo e o reformismo. Foi precisamente essa «tendência», que existe em toda a parte, em todos os países, e que é tão claramente expressa por Bissolati e Cª na Itália, que faliu, foi precisamente ela que ensinou durante anos a esquecer a luta de classes, etc., etc. - da resolução(N120120).

Zibordi tem razão quando vê a principal culpa dos socialistas europeus no facto de que eles

«cercano nobilitare con postumi motivi la loro incapacità a prevenire, la loro necessità di partecipare al macello», de que eles «preferisce fingere di fare per amore ciò ch'è (o socialismo europeu) costretto a fare per forza», de que os socialistas «solidarizzarono ciascuno con la propria nazione, col Governo borghese della propria nazione... in una misura da formare una delusione per noi» (e para todos os socialistas não oportunistas) «e un compiacimento per tutti i non socialisti d'Itália»(4*) (e não apenas de Itália, mas de todos os países: ver, por exemplo, o liberalismo russo).

Sim, mesmo admitindo a completa incapacità, a incapacidade, a impotência dos socialistas europeus, o comportamento dos seus chefes não é mais que traição e infâmia: os operários foram para o massacre, e os chefes? votam a favor, vão para o ministério!!! Mesmo sendo completamente impotentes deviam votar contra, não participar no ministério, não dizer infâmias chauvinistas, não se solidarizar com as suas «nações», não defender a «sua» burguesia, mas denunciar as suas infâmias.

Porque há burguesia e imperialistas em toda a parte, há em toda a parte a infame preparação do massacre: se o tsarismo russo (o mais reaccionário de todos) é particularmente infame e bárbaro, o imperialismo alemão também é monárquico— objectivos feudais-dinásticos, burguesia grosseira, menos livre que em França. Os sociais-democratas russos tinham razão ao dizer que para eles o mal menor era a derrota do tsarismo, que o seu inimigo directo é antes de mais o chauvinismo grão-russo, mas os socialistas (não oportunistas) de cada país deviam considerar como seu principal inimigo o «seu» chauvinismo («nacional»).

Mas será verdade que a «incapacità» é assim tão absoluta? Será mesmo? fucilare? Heldentod(5*) e morte infame?? in vantaggio di un'altra patria??(6*) Nem sempre!! Era possível, era indispensável tomar a iniciativa. A propaganda ilegal e a guerra civil teriam sido mais honestas, teriam sido mais obrigatórias para os socialistas (é isso que os socialistas russos propagandeiam).

Por exemplo, embalam-se numa ilusão: terminará a guerra, tudo se arranjará... Não!! Para que a falência da actual Internacional (1889-1914) não seja a falência do socialismo, para que as massas não se afastem, para evitar a dominação do anarquismo e do sindicalismo (tão vergonhosamente como em França), é preciso encarar a verdade de frente. Seja quem for o vencedor, a Europa está ameaçada pela intensificação do chauvinismo, pela «révanche», etc. O militarismo alemão ou grão-russo suscita um contra-chauvinismo, etc., etc.

O nosso dever é concluir que faliu totalmente o oportunismo, o reformismo tão solenemente proclamado em Itália (e tão firmemente repudiado pelos camaradas italianos(N121)) e...(7*)

NB referir: a atitude de desprezo e desdém da Neue Zeit para com os socialistas italianos e o Avanti!: concessões ao oportunismo!!! «Justo meio-termo.»

[O chamado «centro» = lacaios dos oportunistas.]


Notas de rodapé:

(1*) «Guerra santa de todos os oprimidos pela conquista das suas pátrias!» (N. Ed.) (retornar ao texto)

(N112) II Internacional: união internacional dos partidos socialistas; fundada em 1889 em Paris com a participação directa de F. Engels. A II Internacional favoreceu a difusão do marxismo e o estabelecimento de ligações entre os partidos operários. Com o início da época do imperialismo, as tendências oportunistas começaram a predominar cada vez mais. Quando em 1914 se iniciou a guerra mundial, os dirigentes oportunistas da II Internacional assumiram aberta-mente a defesa da política imperialista dos governos burgueses dos seus países. A II Internacional desagregou-se. (retornar ao texto)

(N113) Avanti! (Avante!): jornal diário, órgão central do Partido Socialista Italiano, fundado em Dezembro de 1896 em Roma. Durante a Primeira Guerra Mundial o jornal teve uma posição internacionalista inconsequente e não rompeu com os reformistas. (retornar ao texto)

(2*) «Reformistas de direita». (N. Ed.) (retornar ao texto)

(N114) Volskrecht (Direito Popular): jornal diário, órgão do Partido Social-Democrata da Suiça. Publica-se em Zurique desde 1898. Durante a Primeira Guerra Mundial publicou artigos dos sociais-democratas de esquerda. (retornar ao texto)

(N115) Bremer Bürger-Zeitung (Jornal Cívico de Bremen): jornal diário, órgão do Partido Social-Democrata da Suiça, publicou-se de 1890 a 1919. Até 1916 esteve sobre a influência dos sociais-democratas de esquerda de Bremen, passando depois para as mãos dos socias-chauvinistas. (retornar ao texto)

(N116) Vorwärts (Avante): órgão central do Partido Social-Democrata da Alemanha de 1876 a 1933 (excepto 1878-1890). W. Liebknecht foi director do jornal até 1900. Nas suas páginas do jornal F. Engels lutou contra toda a espécie de manifestações de oportunismo. A partir de meados dos anos 90 do século XIX publicaram-se sistematicamente no Vorwärts artigos dos oportunistas, que dominavam na social-democracia alemã e na II Internacional. (retornar ao texto)

(N117) Wiener «Arbeiter-Zeitung» (Jornal Operário de Viena): jornal diário, órgão central da social-democracia austríaca. Fundado por V.Adler em 1889. Durante a I Guerra Mundial teve uma posição social-chauvinista. Em 1934 o jornal foi encerrado, retomando a sua publicação em 1945 como órgão central do Partido Socialista da Áustria. (retornar ao texto)

(N118) Hamburger Echo (Eco de Hamburgo): jornal diário, órgão da organização de Hamburgo do Partido Social-Democrata Alemão. Publica-se desde 1875. Durante a Primeira Guerra Mundial teve uma posição social-chauvinista. Em 1933 foi encerrado pelo Governo nazi, retomando a publicação de 1946. (retornar ao texto)

(N119) Lénine refere-se ao apelo das delegações francesa e belga no Bureau Socialista Internacional ao povo alemão. O apelo foi publicado em 6 de Setembro de 1914 no jornal L'Humanité. Nele os socialistas acusavam o governo alemão de aspirações agressivas e os soldados alemães de atrocidades cometidas nos territórios ocupados. A direcção do Partido Social-Democrata Alemão publicou em 0 de Setembro no jornal Vorwärts) um protesto contra esse apelo. Entre os sociais-chauvinistas franceses e alemães desencadeou-se uma polémica na imprensa, na qual ambas as partes procuravam justificar a participação na guerra do governo do seu país e lançar as culpas para os governos de outros países. (retornar ao texto)

(3*) Não é a «doutrina» que é «falsa», não é o «remédio» do socialismo que está «errado», mas «simplesmente não eram em dose suficiente», «os outros socialistas não são "suficientemente socialistas"». (N. Ed.) (retornar ao texto)

(N120) Trata-se da resolução aprovada na reunião dos bolcheviques exilados em Berna em 6 de Setembro de 1914. Lénine apresentou nessa reunião as teses Tarefas da Social-Democracia Revolucionária na Guerra Europeia. As teses de Lénine, depois de discussão pormenorizada, foram aprovadas como resolução. Este foi o primeiro documento a determinar a posição do partido bolchevique e da social-democracia revolucionária internacional em relação à guerra mundial imperialista. (retornar ao texto)

(4*) «Procuram justificar a posteriori com nobres argumentos a sua incapacidade de prevenir, a sua necessidade de participar no massacre», de que eles «preferem fingir que fazem por amor aquilo que (o socialismo europeu) é obrigado a fazer a contragosto», de que os socialistas «se solidarizaram cada qual com a sua própria nação, com o governo burguês da sua própria nação... ao ponto de ser para nós uma decepção» (e para todos os socialistas não oportunistas) «e uma satisfação para todos os não socialistas de Itália». (N. Ed.)(retornar ao texto)

(5*) Fuzilar? Morte heróica. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(6*) A bem de uma pátria alheia?? (N. Ed.) (retornar ao texto)

(N121) Desde a fundação do Partido Socialista Italiano (1892) decorreu no seu seio uma aguda luta ideológica entre as orientações revolucionária e oportunista, que divergiam quanto às questões política e da táctica do partido. Em 1912, sob a pressão da esquerda, os reformistas declarados, partidários da guerra e da colaboração com o governo e a burguesia, foram expulsos do partido. Desde o início da Primeira Guerra Mundial e até à entrada da Itália na guerra, o Partido Socialista Italiano pronunciou-se contra a guerra e pela neutralidade. Em Dezembro de 1914 foi expulso do partido um grupo de renegados (Mussolini e outros) que defendia a política imperialista da burguesia e se pronunciava a favor da guerra. Contudo, no fundamental, o Partido Socialista Italiano manteve posições centristas. Em Maio de 1915, com a entrada da Itália na guerra ao lado da Entente, o Partido Socialista Italiano renunciou à luta contra a guerra imperialista e apresentou a palavra de ordem «Nem participar na guerra nem sabotá-la», o que de facto significava apoiar a guerra. (retornar ao texto)

(7*) O manuscrito interrompe-se aqui. As duas frases seguintes são uma anotação escrita à margem. (N. Ed.) (retornar ao texto)

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Inclusão 06/03/2016
Última alteração 29/07/2016