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Examinados os dados gerais sobre o trabalho assalariado, o indicador mais direto do capitalismo na agricultura, podemos passar a uma análise mais detalhada das formas particulares sob as quais se manifesta o capitalismo neste setor da economia nacional. Já conhecemos uma região — o Sul — onde a superfície das farms tende a diminuir, e onde este processo significa a passagem dos latifúndios escravistas à pequena propriedade mercantil. Existe uma outra região, uma zona do Norte, onde ocorre redução da superfície média das farms: a Nova Inglaterra e os Estados do Médio Atlântico. Eis os dados a este respeito:
Superfície média de uma farm (terra cultivada), em acres |
||
Anos | Nova Inglaterra | Estados do Médio Atlântico |
1850 | 66,5 | 70,8 |
1860 | 66,4 | 70,3 |
1870 | 66,4 | 69,2 |
1880 | 63,4 | 68,0 |
1890 | 56,5 | 67,4 |
1900 | 42,4 | 63,4 |
1910 | 38,4 | 62,6 |
A dimensão média de uma farm na Nova Inglaterra é menor que em todas as outras regiões dos Estados Unidos. Em duas das regiões do Sul essa superfície é de 42-43 acres, e na terceira, o Sudoeste Central, onde ainda existe colonização, é de 61,8 acres, ou seja, quase igual à que se constata nos Estados do Médio Atlântico. Esta redução da superfície média das farms da Nova Inglaterra e dos Estados do Atlântico Meridional, "regiões de agricultura mais antiga e de mais elevado grau de desenvolvimento económico" (p. 60 do Sr. Guimmer), regiões onde não há colonização, levou nosso autor a concluir, como muitos outros economistas burgueses, que "a agricultura capitalista se desintegra"; que "não existem mais regiões onde o processo de colonização já não esteja em curso, e onde a grande agricultura capitalista não esteja em vias de decomposição e não seja substituída pela agricultura fundada no trabalho pessoal", etc, etc. O Sr. Guimmer chegou a essas conclusões, absolutamente contrárias à realidade, porque se esqueceu... de um "detalhe": o processo de intensificação da agricultura! É incrível, mas verídico. E como os economistas burgueses — quase todos — encontram meio de se esquecerem também deste "detalhe" quando tratam da pequena e da grande produção agrícola — ainda que "teoricamente" todos "conheçam" muito bem e admitam a intensificação da agricultura —, é importante estudar esta questão de uma forma particularmente pormenorizada. Precisamente aí se oculta uma das principais fontes de todas as desventuras da economia burguesa (incluindo a economia populista e a oportunista) em relação à questão da pequena agricultura "baseada no trabalho familiar". Esquecem-se do "detalhe" de que, em razão das peculiaridades técnicas da agricultura, o processo de sua intensificação conduz, com muita frequência, a uma redução da área cultivada na fazenda e, ao mesmo tempo, ao seu crescimento como unidade económica, aumentando sua produção e convertendo-a cada vez mais em uma empresa capitalista. Antes de mais nada, vejamos se existem diferenças fundamentais na técnica de cultivo em geral e no caráter intensivo» da agricultura entre a Nova Inglaterra e os Estados do Médio Atlântico, de um lado, e o restante do Norte e todas as outras regiões do país, de outro. Estas diferenças podem ser caracterizadas a partir dos seguintes dados:
Percentual representado no valor global da colheita (1910) | |||
Regiões | Cereais | Feno e forragens | Legumes, frutas e outras culturas especiais |
Nova Inglaterra | 7,6 | 41,9 | 33,5 |
Médio Atlântico | 29,6 | 31,4 | 31,8 |
Nordeste Central | 65,4 | 16,5 | 11,0 |
Noroeste Central | 75,4 | 14,6 | 5,9 |
A diferença é radical. As duas primeiras regiões apresentam uma agricultura altamente intensiva; as duas outras, uma agricultura extensiva. Nas últimas, os cereais representam a esmagadora maioria do valor global da colheita; nas primeiras, eles não apenas representam a menor parte, como também, num dos casos, uma parcela insignificante (7,6%); as culturas especiais comerciais (legumes, frutas, etc.) fornecem uma parte maior do valor global da colheita que os cereais. Nestas regiões, a agricultura extensiva cedeu lugar à agricultura intensiva. Aí a cultura de plantas forrageiras está amplamente disseminada. Na Nova Inglaterra, de um total de 3,8 milhões de acres ocupados pela produção de feno e plantas forrageiras, 3,3 milhões de acres são ocupados por forragens artificiais. Nos Estados do Médio Atlântico, as cifras correspondentes são: 8,5 e 7,9 milhões. Em compensação, nos Estados do Noroeste Central (região de colonização e de agricultura extensiva), de um total de 27,4 milhões de acres ocupados com a produção de forragens, 14,5 milhões, ou seja, mais da metade, são ocupados por prados "selvagens", etc.
Nos Estados "intensivos" as colheitas são consideravelmente superiores:
Regiões | Milho | Trigo | ||
1909 | 1899 | 1909 | 1899 | |
Nova Inglaterra | 45,2 | 39,4 | 23,5 | 18,0 |
Médio Atlântico | 32,2 | 34,0 | 18,6 | 14,9 |
Nordeste Central | 38,6 | 38,3 | 17,2 | 12,9 |
Noroeste Central | 27,7 | 31,4 | 14,8 | 12,2 |
A mesma constatação pode ser feita em relação à pecuária mercantil e à exploração leiteira, particularmente desenvolvidas nestas regiões:
Regiões | Número Médio de vacas leiteiras por granja |
Produção média de leite em galões por vaca |
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1900 | 1909 | 1899 | |
Nova Inglaterra | 5,8 | 476 | 548 |
Médio Atlântico | 6,1 | 490 | 514 |
Nordeste Central | 4,0 | 410 | 487 |
Noroeste Central | 4,9 | 325 | 371 |
Sul (as 3 regiões) | 1,9-3,1 | 232-286 | 290-395 |
Oeste (as 2 regiões) | 4,7-5,1 | 339-475 | 334-470 |
Média para os EUA | 3,8 | 362 | 424 |
Através destes dados pode-se verificar que nos Estados "intensivos" a economia leiteira é muito mais importante que em todos os outros. As regiões de farms menores — pela quantidade de terra cultivada — são as que possuem as maiores explorações leiteiras. Este fato possui um enorme alcance, pois, como se sabe, a exploração leiteira se desenvolve com muito mais rapidez em torno das cidades e paises (ou regiões), onde a indústria é particularmente desenvolvida As estatísticas da Dinamarca, Alemanha, Suíça, que comentamos em outra ocasião(1*), mostram da mesma forma uma concentração crescente do gado leiteiro. Como vimos, nos Estados "intensivos", o feno e as forragens representam uma parte muito maior que os cereais no valor global da colheita. E o desenvolvimento da pecuária se produz aí, em grande parte, graças a forragens adquiridas. Eis os dados a este respeito para o ano de 1909:
Regiões | Das receitas provenientes da venda de forragens | Das despesas com a compra de forragens | Excedente das receitas sobre as despesas (+) ou inversamente (-) |
Nova Inglaterra | +4,3 | -34,6 | -30,3 |
Médio Atlântico | +21,6 | -54,7 | -33,1 |
Nordeste Central | +195,6 | -40,6 | +155,0 |
Noroeste Central | +174,4 | -76,2 | +98,2 |
Os Estados "extensivos" do Norte vendem forragens. Os Estados "intensivos" compram. E é compreensível que, com a aquisição de forragem, possa desenvolver-se uma exploração economicamente importante — e com um caráter altamente capitalista — em uma superfície reduzida.
Comparemos as duas regiões intensivas do Norte, a Nova Inglaterra e o Médio Atlântico, com a sua região mais extensiva, o Noroeste Central:
Regiões | Número de acres de terra cultivada (em milhões) |
Valor total do gado (em milhões de dólares) |
Receitas provenientes da venda de forragem (em milhões de dólares) |
Despesas com a compra de forragem (em milhões de dólares) |
Nova Inglaterra + Estados do Médio Atlântico | 36,5 | 447 | 26 | 89 |
Estados do Noroeste Central | 164,3 | 1.552 | 174 | 76 |
Podemos notar que nos Estados "intensivos" existe mais gado por acre de terra cultivada (447 : 36 = 12 dólares por acre), que nos Estados "extensivos" (1.552 : 164 = 9 dólares). Nos Estados intensivos, investe-se mais capital por unidade de superfície sob a forma de gado. E a cifra global dos resultados do comércio de forragens (compra + venda) é aí infinitamente mais elevada por unidade de superfície (26 + 89 = 115 milhões de dólares para 36 milhões de acres) que nos Estados extensivos (174 ± 76 = 250 milhões de dólares para 164 milhões de acres). É evidente que a agricultura apresenta um caráter muito mais mercantil nos Estados "intensivos" que nos Estados "extensivos".
Os dados sobre as despesas com adubos e sobre o valor dos instrumentos e das máquinas constituem a expressão estatística mais precisa do grau de intensificação da agricultura.
Ei-los:
Regiões | Porcentagem de farms que compram adubos |
Despesa média por farm (em dólares) |
Despesa média por acre de terra cultivada (em dólares) |
Número médio de acres de terra cultivada por farm |
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1909 | 1899 | 1909 | ||||
NORTE | Nova Inglaterra | 60,9 | 82 | 1,30 | 0,53 | 38,4 |
Médio Atlântico | 57,1 | 68 | 0,62 | 0,37 | 62,6 | |
Nordeste Central | 19,6 | 37 | 0,09 | 0,07 | 79,2 | |
Noroeste Central | 2,1 | 41 | 0,01 | 0,01 | 148,0 | |
SUL | Atlântico Sul | 69,2 | 77 | 1,23 | 0,49 | 43,6 |
Sudeste Central | 33,8 | 37 | 0,29 | 0,13 | 42,2 | |
Sudoeste Central | 6,4 | 53 | 0,06 | 0,03 | 61,8 | |
OESTE | Montanhas | 1,3 | 67 | 0,01 | 0,01 | 86,8 |
Pacífico | 6,4 | 189 | 0,10 | 0,05 | 116,1 | |
EUA | 28,7 | 63 | 0,24 | 0,13 | 75,2 |
Este quadro mostra com clareza a diferença entre as regiões extensivas do Norte, farms que utilizam adubos onde é íntima a percentagem de adquiridos (2-19%), e mínimos os gastos com adubos por acre de terra cultivada (0,01-0,09 dólares), e os Estados intensivos, onde a maioria das farms (5760%) utilizam adubos comprados e essas despesas atingem somas significativas. Assim, na Nova Inglaterra, elas chegam a 1,30 dólares por acre de terra cultivada, cifra máxima para todas as regiões (novamente nos achamos ante o caso de que as farms menores em superfície são aquelas que mais gastam com a compra de adubos!), e que supera até mesmo as cifras atingidas em uma das regiões do Sul (Estados do Atlântico Sul). Convém notar que no Sul a cultura do algodão, onde o trabalho de parceiros negros é, como se sabe, mais amplamente utilizado, exige uma quantidade particularmente elevada de adubos artificiais.
Nos Estados do Pacífico constatamos um percentual baixo de farms que utilizam adubos (6,4%), e a taxa média máxima de despesas por farm (189 dólares), tendo em conta, bem entendido, que se trata de farms que utilizam adubos. Aqui tempos também uma outra situação: o desenvolvimento de uma grande agricultura capitalista, acompanhado da redução da superfície 1orada.1Jos três Estados do Pacífico, dois, os de Washington e Oregon, só utilizam adubos numa proporção absolutamente insignificante: apenas 0,01 dólares por acre. Apenas no terceiro Estado, o da Califórnia, é que esta cifra é relativamente elevada: 0,08 dólares em 1899, e 0,19 dólares em 1909. Neste Estado, um papel especial cabe à produção de frutas, que aumenta de maneira extremamente rápida sob uma forma puramente capitalista, e que, em 1909, representava, em valor, 33,1% da colheita total, contra 18,3% para os cereais e 27,6% para o feno e as forragens. Na produção de frutas, a forma de exploração típica é a farm com superfície inferior à média, e onde o consumo de adubos e o emprego de mão-de-obra assalariada são bem mais elevados que a média. Mais adiante nos deteremos nestes tipos de relações, características dos países capitalistas de agricultura intensiva, e que são as mais esquecidas pelos estatísticos e economistas.
Por ora, voltemos aos Estados "intensivos" do Norte. Na Nova Inglaterra, não apenas o emprego de adubos é mais elevado, com 1,30 dólares por acre, sendo menor a superfície das farms, como também o crescimento das despesas com adubos é particularmente mais rápido. Em 10 anos, de 1899 a 1909, estas despesas passaram de 0,53 a 1,30 dólares por acre, ou seja, elas foram multiplicadas por 2,5. A intensificação da agricultura, seu progresso técnico, a melhoria dos métodos de cultivo são aí extremamente acentuados. Para avaliar a importância do fato, compararemos a região mais intensiva do Norte, a Nova Inglaterra, com sua região mais extensiva, o Noroeste Centra!. Esta última região quase não conhece o emprego de adubos artificiais (2,1% das farms e 0,01 dólar por acre); a dimensão das farms é aí a mais significativa de toda a América (148,0 acres) e ainda é aí que ela aumenta com mais rapidez. É comum tomar-se precisamente esta região — e é o que também faz o Sr. Guimmer — como o modelo de capitalismo na agricultura dos Estados Unidos. Este ponto de vista corrente é incorreto, como demonstraremos com todos os pormenores mais adiante; e ele se deve à confusão da forma mais grosseira, mais primitiva, da agricultura extensiva, com a agricultura intensiva baseada no progresso técnico. Na região do Noroeste Central, a dimensão das farms é quase quatro vezes mais elevada que na Nova Inglaterra (148 acres contra 38,4), mas o montante de despesas com adubos, por farm que os emprega, é, na primeira região, duas vezes menor em média: 41 dólares contra 82.
Consequentemente, na realidade presente, temos uma situação na qual uma enorme redução da quantidade de terra por farm está vinculada a um enorme crescimento das despesas com adubos artificiais, de tal modo que a "pequena" produção (se se prossegue com o hábito de considerá-la pequena em relação a sua superfície) revela se "grande" pelo monte de capital investido na terra Tais casos não são únicos mas típicos de todo país onde a agricultura intensiva adianta-se em relação à agricultura extensiva. Ora, este é o caso de todos os países capitalistas; e o desconhecimento desta particularidade típica engendra os erros correntes por parte dos admiradores da pequena agricultura, para os quais o único critério é a superfície da exploração.
Notas de rodapé:
(1*) Ver: Lênin, Qeuvres, tomo 5, "La Question Agraire et 'les critiques' de Marx", capítulo IX, e tomo 13, capítulos X-XlI. (Nota da edição francesa.) (retornar ao texto)
Fonte |
Inclusão | 02/03/2012 |