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Primeira Edição: Outubro 1916 no Sbornik Sotsial-Demokrata No. 1. Assinado: N. Lenin.
Fonte: LavraPalavra - via Nova Cultura - publicado com o título de Espontaneidade e revolução
Tradução: Gabriel Duccini
HTML: Fernando Araújo.
Neste trecho de “A Discussão sobre a Autodeterminação resumida”, de Lenin, publicado em Outubro de 1916 (versão em inglês disponível em https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1916/jul/x01.htm - o episódio da Rebelião Irlandesa de 1916 serve de ponto de partida para um brilhante e indispensável raciocínio acerca do sentido objetivo das explosões espontâneas de descontentamento das massas.
Nossas teses foram escritas antes do despertar desta rebelião, que deve ser a pedra de toque de nossas visões teóricas. As visões dos oponentes da autodeterminação os fez com que chegassem à conclusão que a vitalidade das pequenas nações oprimidas pelo Imperialismo já foi desfeita, que elas não podem desempenhar qualquer papel contra o Imperialismo, que o apoio à suas aspirações puramente nacionais não levará à nada, etc. A Guerra Imperialista de 1914-1916 nos deu fatos que refutam tais conclusões.
A guerra provou que estamos em uma época de crise para as nações da Europa Ocidental, e para o Imperialismo como um todo. Toda crise joga no lixo as convencionalidades, descarta a base de sustentação, descarta o obsoleto e revela as forças e ações ocultas. E o que revelou do ponto de vista do movimento das nações oprimidas! Nas colônias houve uma gama de tentativas de rebelião, das quais as nações opressoras, naturalmente fizeram tudo que podiam para encobrir mediante uma censura militar. No entanto, é bem conhecido que em Cingapura, a brutalidade britânica reprimiu um motim entre as tropas indianas; que houveram tentativas de revolta no Annam Francês(ver Nashe Slovo) e no Camarões alemão(ver o panfleto de Junius); que na Europa, por sua vez, houve uma rebelião na Irlanda, que os ingleses “amantes da liberdade”, que não ousaram extender o recrutamento para a Irlanda, reprimidos sendo executados, e do outro lado, o Governo Austríaco sentenciou à morte os deputados da Assembleia Tcheca por “traição”, e fuzilou todo o regimento tcheco pelo mesmo “crime”.
Esta lista é, obviamente, longe de ser completa. No entanto, isso prova que, devido à crise do imperialismo, as chamas da revolta nacional se inflaram tanto nas colônias quanto na Europa, e que as simpatias e antipatias nacionais se manifestaram apesar das ameaças Draconianas e medidas repressivas. Tudo isto diante da crise do Imperialismo atingiu seu auge; o poder da burguesia imperialista ainda estava para ser minado (isto pode ocorrer através de uma guerra de “atrito” mas ainda não aconteceu) e os movimentos operários nos países imperialistas ainda estavam muito débeis. O que irá acontecer quando a guerra causar completa exaustão, ou quando, em um Estado pelo menos, o poder da burguesia for abalado pelos golpes da luta proletária, como ocorreu ao czarismo em 1905?
Em 9 de Maio de 1916, apareceu no Berner Tagwacht, o jornal do grupo Zimmerwald, incluindo alguns da ala esquerda, um artigo sobre a rebelião irlandesa intitulado “Their Song is Over” e assinado com as iniciais de K.R. (Karl Radek). Descrevia a rebelião irlandesa como nada mais nada menos do que um “putsch”, pois, como o autor argumentou, “a questão irlandesa era uma questão agrária”, os camponeses haviam sido pacificados por reformas, e o movimento nacionalista permaneceu sendo um “movimento pequeno-burguês, puramente urbano, que não obstante a sensação que causou, não obteve muito apoio social”.
Não é de estranhar que esta avaliação monstruosamente doutrinária e pedante coincidiu com aquela de um Cadete russo nacional-liberal, Sr. A. Kulisher (Rech, nº 102, 15 de abril de 1916), que também rotulou a rebelião de “Putsch de Dublin”.
É de se esperar que, de acordo com o ditado, “o mau vento causa mal as videiras”, muitos camaradas, que não estavam cientes do pântano em que estavam se afundando ao repudiarem “autodeterminação” e ao tratarem com desdém os movimentos das pequenas nações, terão seus olhos aberto por conta das ”acidentais” coincidências de opinião que tiveram um Socialdemocrata e um representante da burguesia imperialista!
O termo “putsch”, em seu sentido científico, deve ser empregado apenas quando a tentativa de insurreição se revelou ser nada mais do que um círculo de conspiradores ou maníacos estúpidos, e não despertou nenhuma simpatia entre as massas. O movimento nacional irlandês que vem desde séculos, tendo passado por várias etapas e combinações de interesses de classe, se manifestou, em particular, em um massivo Congresso Nacional Irlandês na América que clamou pela independência irlandesa; também se manifestou em lutas de rua conduzidas por um setor da pequena burguesia urbana e um setor dos operários após grande período de agitação de massas, manifestações, repressão a jornais, etc.
Quem quer que chame tal rebelião de ‘putsch’ ou é um reacionário obstinado, ou um doutrinário sem esperanças incapaz de enxergar uma revolução social como um fenômeno vivo”.
Imaginar que uma revolução social é concebível sem as revoltas das pequenas nações nas colônias e na Europa, sem as explosões revolucionárias de um setor da pequena-burguesia com todos seus preconceitos, sem um movimento do proletariado politicamente não-consciente e massas semiproletárias contra a opressão de seus latifundiários, da Igreja, e da Monarquia, contra a opressão nacional, etc. – imaginar isso é condenar a revolução social. Então, um exército se enfileira em um local e diz “Nós apoiamos o socialismo”, e outro, em outro local qualquer, diz “Apoiamos o Imperialismo”, e isso será uma revolução social! Apenas aqueles que têm uma visão tão ridiculamente pedante podem difamar a rebelião irlandesa chamando-a de “putsch”.
Quem espera uma revolução social “pura” nunca vai viver para vê-la. Tal pessoa fala tanto de revolução sem entender o que é uma revolução.
A Revolução Russa de 1905 foi uma revolução democrático-burguesa. Consistiu em uma série de lutas, onde todas as classes descontentes, grupos e elementos da população participaram. Entre esses, estavam as massas que possuíam os preconceitos mais grosseiros, com os objetivos mais vagos e fantasiosos de luta, havia pequenos grupos que aceitaram dinheiro japonês, havia especuladores e aventureiros; etc. Mas objetivamente, o movimento de massas estava desestabilizando o czarismo e pavimentando o caminho para a democracia; por esse motivo os operários com consciência de classe o lideraram.
A revolução socialista na Europa não pode ser outra coisa senão uma explosão de uma luta de massas por parte de todos os diversos elementos descontentes e oprimidos. Inevitavelmente, segmentos da pequena-burguesia e dos trabalhadores atrasados irão participar nela — sem tal participação, a luta de massas é impossível, e sem ela, a revolução é impossível — e quase que inevitavelmente eles trarão para o movimento seus preconceitos, suas fantasias reacionárias, suas fraquezas e seus erros. Mas objetivamente, eles irão atacar o capital, e a vanguarda consciente da revolução, o destacamento avançado do proletariado, expressando essa verdade objetiva de uma luta de massas variada e discordante, heterogênea e exteriormente fragmentada, será capaz de unir e dirigi-la, tomar o poder, expropriar os bancos, e os trustes que todos odeiam (ainda que por diferentes motivos!), e introduzir outras medidas ditatoriais que em sua totalidade equivalerão à derrubada da burguesia e a vitória do socialismo, que, no entanto, de nenhuma maneira, imediatamente se “expurgará” da escória pequeno-burguesa.
A Socialdemocracia, chegamos nas teses polonesas, “deve utilizar a luta da jovem burguesia colonial contra o Imperialismo Europeu a fim de moldar a crise revolucionária na Europa”.
Não é evidente que é muito menos admissível contrastar a Europa às colônias neste sentido? A luta das nações oprimidas na Europa, uma luta capaz de ir até o fim na insurreição e nas lutas de rua, capaz de quebrar a disciplina de ferro do exército e a lei marcial, “moldará a crise revolucionária na Europa” para um nível infinitamente maior do que em uma rebelião muito mais desenvolvida em uma colônia remota. Um golpe desferido por uma rebelião na Irlanda contra o poder da Burguesia imperialista inglesa é cem vezes mais significante politicamente que um golpe de força equivalente na Ásia ou na África.
A imprensa chauvinista francesa recentemente noticiou a publicação na Bélgica da oitava edição de um jornal ilegal, “Free Belgium”. Claro, a imprensa chauvinista francesa muito frequentemente mente, mas esta notícia parece ser real. Enquanto a social democracia chauvinista e kautskista da Alemanha falhou em estabelecer uma imprensa livre para si durante os dois anos de guerra, e enfrentou docilmente o jugo da censura militar (apenas os elementos da Esquerda Radical, com todos seus méritos seja dito, publicaram panfletos e manifestos, apesar da censura) uma nação oprimida reagiu à opressão militar sem paralelo na ferocidade por meio da criação de um órgão de protesto revolucionário! A dialética da história é tanta que as pequenas nações, impotente como um fator independente na luta contra o imperialismo, desempenham um papel como fermentadora, um germinador, que ajudam a força anti-imperialista real, o proletariado socialista, a entrar em cena.
Os generais dos Estados Maiores na atual guerra estão dando seu máximo para usar qualquer movimento nacional e revolucionário no campo inimigo: Os alemães usarem a rebelião irlandesa, os franceses o movimento tcheco, etc. Eles agem da forma correta do seu próprio ponto de vista. Uma guerra séria não seria tratada seriamente se não se tirassem vantagens das menores fraquezas do inimigo e se cada oportunidade que se apresentasse, não fosse aproveitada quanto mais possível, já que é impossível saber de antemão em qual momento, onde, e com qual força, o pavil irá “explodir”. Seríamos revolucionários muito fracos se, nas grandes guerras de libertação do proletariado pelo socialismo, não soubéssemos como utilizar todo movimento popular contra todo desastre que o Imperialismo traz a fim de intensificar e extender a crise. Se nós aqui, por um lado repetirmos em diversas palavras de ordem que nos “opomos” a toda opressão nacional, e do outro, descrevemos como um “putsch” a heroica revolta do setor mais instável e esclarecido de certas classes em uma nação oprimida contra seus opressores, estaríamos afundando no mesmo grau de estupidez dos kautskistas.
É infelicidade dos irlandeses que eles se insurgiram prematuramente, antes que a revolta europeia do proletariado estivesse em plena maturidade. O Capitalismo não é construído tão harmoniosamente de modo que as diversas bases de insurreição possam imediatamente se mesclar por vontade própria, sem reveses e derrotas. Do outro lado, o próprio fato de que as revoltas não surgem ao mesmo tempo, surjam em locais diferentes e são de diferentes tipos, garante amplo alcance e profundidade ao movimento geral; mas é apenas em movimentos revolucionários prematuros, individuais, esporádicos e portanto mal sucedidos, que as massas ganham experiência, adquirem conhecimento, recolhem forças, e passam a conhecer seus verdadeiros líderes, os proletários socialistas, e desta forma preparam a ofensiva geral, da mesma forma que certas greves, protestos, locais e nacionais, motins no exército, levantes camponeses, etc. preparam o caminho para a ofensiva geral em 1905.