IV Congresso Extraordinário dos Sovietes de Toda a Rússia(N288)

V. I. Lénine

14-16 de Março de 1918

Link Avante

Publicado: o relatório sobre a ratificação do tratado de paz, em 16 e 17 (3 e 4) de Março de 1918 no jornal Pravda (Sotsial-Demokrat), n.° 47 e 48; a resolução sobre a ratificação do tratado de Brest, em 16 (3) de Março de 1918 no jornal Pravda (Sotsial-Demokrat), n.° 47.
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Edições "Avante!", 1977, t2, pp 539-555.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t.35, pp. 92-111, 122-123.
Transcrição e HTML: Manuel Gouveia
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo.

capa

1

RELATÓRIO SOBRE A RATIFICAÇÃO DO TRATADO DE PAZ

14 DE MARÇO

Camaradas, temos de resolver hoje uma questão que marca um ponto de viragem no desenvolvimento da revolução russa, e não só russa como internacional, e para resolver correctamente a questão da paz duríssima que os representantes do Poder Soviético concluíram em Brest-Litovsk e que o Poder Soviético propõe confirmar ou ratificar, para resolver correctamente esta questão é acima de tudo necessário para vós entender o sentido histórico da viragem que empreendemos, compreender em que consistiu a particularidade principal do desenvolvimento da revolução até agora e em que consiste a causa fundamental da pesada derrota e da época de duras provações que vivemos.

Parece-me que a principal fonte das divergências sobre esta questão entre os partidos soviéticos(N289) consiste precisamente em que alguns se deixam arrastar demasiado por um sentimento de legítima e justa indignação a respeito da derrota da República Soviética pelo imperialismo, por vezes deixam-se levar demasiado pelo desespero, e em vez de terem em conta as condições históricas do desenvolvimento da revolução tal como se apresentavam antes da presente paz e tal como se desenham perante nós depois da paz, em vez disto tentam responder em relação à táctica da revolução na base dos sentimentos imediatos. Entretanto, toda a experiência de todas as histórias das revoluções nos ensina que quando se trata de qualquer movimento de massas ou da luta de classes, particularmente como a actual, que se desenvolve não só em toda a extensão de um país, ainda que seja imenso, mas que abarca todas as relações internacionais, neste caso é preciso pôr na base da nossa táctica, antes e acima de tudo, a avaliação da situação objectiva, examinar analiticamente qual foi até agora o curso da revolução e porque se modificou de modo tão ameaçador, tão brusco e tão desvantajoso para nós.

Se olharmos deste ponto de vista o desenvolvimento da nossa revolução, veremos claramente que atravessou até agora um período de autonomia relativa e em grande medida aparente e de independência temporária das relações internacionais. O caminho seguido pela nossa revolução desde finais de Fevereiro de 1917 até 11 de Fevereiro do actual ano(N290), quando começou a ofensiva alemã — este caminho foi em geral um caminho de êxitos fáceis e rápidos. Se observarmos o desenvolvimento desta revolução à escala internacional, do ponto de vista do desenvolvimento apenas da revolução russa, veremos que durante este ano vivemos três períodos. O primeiro período foi aquele em que a classe operária da Rússia, juntamente com tudo o que havia de avançado, consciente e activo no campesinato, apoiada não só pela pequena burguesia como também pela grande burguesia, varreu a monarquia em alguns dias. Este êxito vertiginoso explica-se, por um lado, porque o povo russo extraiu da experiência de 1905 uma gigantesca reserva de combatividade revolucionária, e, por outro, porque a Rússia, como país particularmente atrasado, sofreu particularmente com a guerra e chegou particularmente cedo a uma situação de completa impossibilidade de continuar esta guerra sob o velho regime.

Ao breve e tempestuoso êxito, quando foi criada a nova organização - a organização dos Sovietes de deputados operários, soldados e camponeses —, seguiram-se para a nossa revolução longos meses de um período de transição, de um período em que o poder da burguesia, imediatamente minado pelos Sovietes, era apoiado e consolidado pelos partidos conciliadores pequeno-burgueses, os mencheviques e socialistas-revolucionários, que apoiavam este poder. Era um poder que apoiava a guerra imperialista e os tratados secretos imperialistas, que alimentava a classe operária com promessas, que não fazia absolutamente nada, que mantinha a ruína. Nesse período longo para nós, para a revolução russa, os Sovietes acumularam as suas forças; foi um período longo para a revolução russa e breve do ponto de vista da revolução internacional porque, na maioria dos países centrais, o período de liquidação das ilusões pequeno-burgueses, o período de existência da política de conciliação dos diversos partidos, fracções e matizes não durou meses, mas longos, longos decénios; este período, desde 20 de Abril até ao recomeço da guerra imperialista em Junho por Kérenski, que trazia no bolso o tratado secreto imperialista, teve um papel decisivo. Neste período vivemos a derrota de Julho, vivemos a kornilovada, e só na base da experiência da luta de massas, só quando as mais vastas massas de operários e de camponeses viram, não pelas prédicas, mas pela sua própria experiência, toda a esterilidade da política de conciliação pequeno-burguesa, só então, depois de um longo desenvolvimento político, depois de uma longa preparação e de alterações no estado de espírito e nas concepções dos agrupamentos de partidos, se criou a base para a Revolução de Outubro e começou o terceiro período da revolução russa na sua primeira fase, afastada ou temporariamente separada da revolução internacional.

Este terceiro período, o de Outubro, foi o período de organização, o mais difícil e, ao mesmo tempo, o período dos triunfos maiores e mais rápidos. A partir de Outubro a nossa revolução, entregando o poder nas mãos do proletariado revolucionário, estabelecendo a sua ditadura, assegurando-lhe o apoio da imensa maioria do proletariado e do campesinato pobre, a partir de Outubro a nossa revolução avançou com uma marcha triunfal vitoriosa. Em todos os confins da Rússia começou a guerra civil sob a forma de resistência dos exploradores, dos latifundiários e da burguesia, apoiados por uma pane da burguesia imperialista.

Começou a guerra civil, e nesta guerra civil as forças dos adversários do Poder Soviético, as forças dos inimigos das massas trabalhadoras e exploradas, revelaram-se insignificantes; a guerra civil foi um contínuo triunfo do Poder Soviético, porque os seus adversários, os exploradores, os latifundiários e a burguesia, não tinham nenhum apoio nem político nem económico, o seu ataque fracassou. A luta contra eles foi não tanto acções militares como agitação; camada após camada, massas após massas, até os cossacos trabalhadores se afastaram dos exploradores que tentavam desviá-los do Poder Soviético.

Este período de marcha vitoriosa, triunfal, da ditadura do proletariado e do Poder Soviético, em que este atraiu para o seu lado de modo incondicional, decidido e irreversível gigantescas massas de trabalhadores e explorados da Rússia, marcou o ponto último e superior do desenvolvimento da revolução russa, que durante todo este tempo parecia avançar independentemente do imperialismo internacional. Esta foi a causa de que o país mais atrasado e mais preparado para a revolução pela experiência de 1905 promovesse ao poder tão rápida, tão fácil, tão sistematicamente uma classe após outra, eliminando diferentes combinações políticas e, finalmente, chegasse à combinação política que era a última palavra não só na revolução russa mas também nas revoluções operárias da Europa Ocidental, pois o Poder Soviético consolidou-se na Rússia e ganhou a irreversível simpatia dos trabalhadores e explorados por ter destruído o velho aparelho opressor do poder de Estado, por ter criado desde os alicerces um tipo de Estado novo e superior, como o foi em embrião a Comuna de Paris, a qual derrubou o velho aparelho e pôs em seu lugar directamente a força armada das massas, substituindo o democratismo parlamentar burguês pelo democratismo das massas trabalhadoras com a exclusão dos exploradores e esmagando sistematicamente a sua resistência.

Eis o que fez a revolução russa neste período, eis porque numa pequena vanguarda da revolução russa se criou a impressão de que este curso triunfal, esta marcha rápida da revolução russa, pode contar com a ulterior vitória. E nisso consistia o erro, porque o período em que se desenvolvia a revolução russa, fazendo passar o poder na Rússia de uma classe para a outra e acabando com a conciliação de classe apenas nos limites da Rússia, este período pode existir historicamente apenas porque os maiores gigantes entre os abutres do imperialismo mundial tinham sido detidos temporariamente no seu movimento ofensivo contra o Poder Soviético. Uma revolução que em alguns dias derrubara a monarquia, que em alguns meses esgotara todas as tentativas de conciliação com a burguesia e que em algumas semanas vencera na guerra civil toda a resistência da burguesia — tal revolução, a revolução da república socialista, pôde existir entre as potências imperialistas, no meio dos abutres mundiais, ao lado das feras do imperialismo internacional, apenas na medida em que a burguesia, empenhada numa luta de morte de uns contra os outros, estava paralisada na sua ofensiva contra a Rússia.

E eis que começou o período que nós temos de sentir de modo tão patente e tão duro - um período de duríssimas derrotas, de duríssimas provações para a revolução russa, um período em que, em vez de uma ofensiva aberta, directa e rápida contra os inimigos da revolução, temos de sofrer duríssimas derrotas e de recuar perante uma força incomparavelmente maior do que a nossa força — perante a força do imperialismo internacional e do capital financeiro, perante a força do poderio militar, que toda a burguesia, com a sua técnica moderna, com toda a organização, reuniu contra nós no interesse da rapina, da opressão e do estrangulamento dos povos pequenos; tivemos de pensar em equilibrar as forças, tivemos de colocar perante nós uma tarefa incomensuravelmente difícil, tivemos de enfrentar num combate directo não um inimigo como Románov e Kérenski, que não podem ser tomados a sério, tivemos de enfrentar as forças da burguesia internacional com todo o seu poderio militar imperialista, de lutar cara a cara com os abutres mundiais. E é compreensível que, dado o atraso da ajuda por parte do proletariado socialista internacional, tivéssemos de aceitar o choque com estas forças e de sofrer uma duríssima derrota.

E esta época é uma época de duras derrotas, uma época de recuos, uma época em que devemos salvar ainda que uma pequena parte das posições, recuando perante o imperialismo, esperando o momento em que mudem as condições internacionais em geral, em que cheguem até nós as forças do proletariado europeu, que existem, que amadurecem e que não puderam livrar-se do seu inimigo com tanta facilidade como nós, pois seria a maior das ilusões e o maior dos erros esquecer que à revolução russa foi fácil começar e é difícil dar os passos seguintes. Era inevitável que acontecesse assim, porque tivemos de começar pelo regime político mais podre e atrasado. A revolução europeia tem de começar pela burguesia, tem de se haver com um inimigo incrivelmente mais sério, em condições incomparavelmente mais duras. À revolução europeia será incomensuravelmente mais difícil começar. Vemos que lhe é incomensuravelmente mais difícil abrir a primeira brecha no regime que a esmaga. Ser-lhe-á muito mais fácil entrar na segunda e terceira etapas da sua revolução. E não pode ser de outra maneira, dada a correlação de forças que actualmente existe na arena internacional entre as classes revolucionárias e reaccionárias. Essa é a viragem fundamental que a todo o momento perdem de vista os que vêem a situação actual, a situação extraordinariamente dura da revolução não do ponto de vista histórico, mas do ponto de vista do sentimento e da indignação. E a experiência da história diz-nos que sempre, em todas as revoluções - no decurso do período em que a revolução atravessava uma viragem brusca e a passagem das rápidas vitórias ao período das duras derrotas —, começava um período de frases pseudo-revolucionárias, que sempre causaram o maior prejuízo ao desenvolvimento da revolução. Pois bem, camaradas, só estaremos em condições de apreciar correctamente a nossa táctica se a nós mesmos colocarmos a tarefa de ter em conta a viragem que nos lançou das vitórias completas, fáceis e rápidas para as duras derrotas. Esta é uma questão — questão incomensuravelmente difícil, incomensuravelmente dura — que representa o resultado do ponto de viragem no desenvolvimento da revolução no momento actual, das vitórias fáceis no interior para as derrotas extraordinariamente duras no exterior; e o ponto de viragem em toda a revolução internacional, da época da actividade de agitação e propaganda da revolução russa, numa atitude de expectativa do imperialismo, desta época para as acções ofensivas do imperialismo contra o Poder Soviético, coloca de modo particularmente agudo e particularmente duro uma questão perante todo o movimento internacional oeste-europeu. Se não esquecermos este momento histórico, teremos de compreender como se formou o círculo fundamental dos interesses da Rússia na questão da duríssima paz actual, da chamada paz infame.

Aconteceu-me mais de uma vez, na polémica com os que negavam a necessidade de aceitar esta paz, aconteceu-me mais de uma vez deparar com afirmações de que o ponto de vista da assinatura da paz exprimiria unicamente os próprios interesses das massas camponesas cansadas, dos soldados desclassificados, etc, etc. E a propósito destas referências, destas afirmações, surpreendia-me sempre como os camaradas esquecem a dimensão de classe do desenvolvimento nacional — são pessoas cujos argumentos são puxados pelos cabelos. Como se o partido do proletariado, ao tomar o poder, não calculasse de antemão que só a aliança do proletariado e do semiproletarido, isto é, do campesinato pobre, isto é, da maioria do campesinato da Rússia, que só semelhante aliança está em condições de dar o poder na Rússia ao poder revolucionário dos Sovietes — a maioria, a verdadeira maioria do povo -, que sem isso é inconcebível toda a tentativa para estabelecer o poder, sobretudo nas difíceis viragens da história. Como se fosse possível desembaraçarem-se agora desta verdade, reconhecida por todos nós, e esquivar-se com a referência desdenhosa ao estado de cansaço dos camponeses e dos soldados desclassificados. Relativamente ao estado de cansaço do campesinato e dos soldados desclassificados, devemos dizer que o país admitirá a resistência, que o campesinato pobre pode ir para a resistência unicamente nos limites em que este campesinato pobre for capaz de orientar as suas forças para a luta.

Quando tomámos o poder em Outubro estava claro que o curso dos acontecimentos conduzia inevitavelmente a isto, que a viragem dos Sovietes para o bolchevismo significava uma viragem em todo o país, que o poder do bolchevismo era inevitável. Quando, conscientes disso, nos lançámos em Outubro à tomada do poder, dissemos para nós e a todo o povo com absoluta clareza e nitidez que isto era a passagem do poder para as mãos do proletariado e do campesinato pobre, que o proletariado sabia que o campesinato o apoiaria, e vós próprios sabeis em quê: na sua luta activa pela paz, na sua disposição de prosseguir a luta contra o grande capital financeiro. Nisto não erramos, e ninguém que permaneça por pouco que seja nos limites das forças de classe e das relações de classe pode desviar-se da verdade indubitável de que não podemos pedir a um país de pequenos camponeses, que deu muito à revolução tanto europeia como internacional, que trave a luta em condições tão duras, nas condições mais duras, quando a ajuda da parte do proletariado europeu ocidental nos chega, indubitavelmente — mostraram-no os factos, as greves, etc. — mas quando essa ajuda, que nos chega, se atrasou indubitavelmente. Eis porque eu digo que referências deste tipo ao cansaço das massas camponesas, etc, representam simplesmente um resultado da falta de argumentos e da completa impotência dos que recorrem a esses argumentos, a completa ausência neles de qualquer possibilidade de abarcar todas as relações de classe no seu conjunto, em toda a sua dimensão — da revolução do proletariado e do campesinato na sua massa; só se apreciarmos em cada viragem brusca da história a correlação das classes no seu conjunto, de todas as classes, e não tomarmos exemplos isolados e casos isolados; só então sentiremos que nos apoiamos firmemente na análise dos factos prováveis. Compreendo plenamente que a burguesia russa nos empurra agora para a guerra revolucionária num momento em que ela é completamente impossível para nós. Exigem-no os interesses de classe da burguesia.

Quando apenas gritam: paz infame, sem dizer uma palavra sobre quem levou o exército a esta situação, compreendo plenamente que são a burguesia e os delonarodistas, os mencheviques-tseretelistas, os tchernovistas e os seus seguidores (aplausos), compreendo plenamente que é a burguesia que grita sobre a guerra revolucionária. Exigem-no os seus interesses de classe, exigem-no os seus anseios de que o Poder Soviético dê um passo em falso. Isto é compreensível em gente que, por um lado, enche as páginas dos seus jornais com escritos contra-revolucionários ... (Vozes: «Foram fechados todos.») Infelizmente ainda nem todos, mas fechá-los-emos todos. (Aplausos.) Gostaria de ver um proletariado que permitisse aos contra-revolucionários, aos partidários da burguesia e aos conciliadores com ela continuar a aproveitar o monopólio das riquezas para atordoar o povo com o seu ópio burguês. Tal proletariado nunca existiu. (Aplausos.)

Compreendo perfeitamente que das páginas de semelhantes publicações venham incessantemente uivos, berros e gritos contra a paz infame, compreendo perfeitamente que sejam partidários desta guerra revolucionária homens que, ao mesmo tempo, desde os democratas-constitucionalistas até aos socialistas-revolucionários de direita, vão ao encontro dos alemães durante a sua ofensiva e dizem solenemente: eis os alemães, e deixam os seus oficiais passear com os seus galões nas localidades ocupadas pela invasão do imperialismo alemão. Sim, não me surpreende mesmo nada que esses burgueses, esses conciliadores preguem a guerra revolucionária. Querem que o Poder Soviético caia numa armadilha. Eles mostraram-se, esses burgueses e esses conciliadores. Vimo-los e vemo-los vivos, sabemos que na Ucrânia os Kérenski ucranianos, os Tchernov ucranianos e os Tseretéli ucranianos são os senhores Vinnitchenko. Estes senhores, os Kérenski, os Tchernov e os Tseretéli ucranianos, ocultaram ao povo a paz que concluíram com os imperialistas alemães e agora, com a ajuda das baionetas alemãs, tentam derrubar o Poder Soviético na Ucrânia. Eis o que fizeram esses burgueses e esses conciliadores e os seus correligionários. (Aplausos). Eis o que fizeram esses burgueses e conciliadores ucranianos, cujo exemplo podemos ver com os nossos próprios olhos, que ocultaram e ocultam ao povo os seus tratados secretos, que marcham com as baionetas alemãs contra o Poder Soviético. Eis o que quer a burguesia russa, para onde empurram consciente ou inconscientemente o Poder Soviético os seguidores da burguesia: sabem que ele não pode agora aceitar de modo algum uma guerra imperialista contra um imperialismo poderoso. Eis porque só nesta situação internacional, só nesta situação geral das classes, compreendemos em toda a profundidade os erros daqueles que, à semelhança do partido dos socialistas-revolucionários de esquerda, se deixaram arrastar por uma teoria, corrente em todas as histórias das revoluções nos momentos duros e composta metade de desespero e metade de frases, quando em vez de encarar sensatamente a realidade e de apreciar do ponto de vista das forças de classe a tarefa da revolução em relação aos inimigos internos e externos, vos exortam a resolver uma questão séria e dificílima sob a pressão do sentimento, só do ponto de vista do sentimento. A paz é incrivelmente dura e vergonhosa. Eu próprio tive ocasião de, nas minhas declarações e discursos, lhe chamar mais de uma vez paz de Tilsit, que o conquistador Napoleão impôs aos povos prussiano e alemão depois de uma série de duríssimas derrotas. Sim, esta paz representa uma duríssima derrota e humilha o Poder Soviético, mas se vós, partindo disto, limitando-vos a isto, apelais para o sentimento, suscitais a indignação, tentais resolver um grandioso problema histórico, caís na ridícula e lamentável posição em que se encontrou uma vez todo o partido socialista-revolucionário (aplausos), quando em 1907, numa situação algo semelhante em certos traços, apelou da mesma maneira para o sentimento do revolucionário, quando, depois da duríssima derrota da nossa revolução em 1906 e 1907, Stolípine nos ditou as leis sobre a terceira Duma, condições extremamente vergonhosas e duras para trabalhar numa das mais ignóbeis instituições representativas, quando o nosso partido, depois de uma pequena vacilação interna (as vacilações sobre esta questão foram maiores do que agora), decidiu a questão no sentido de que não tínhamos o direito de nos submetermos ao sentimento, de que por grandes que fossem a nossa revolta e indignação contra a vergonhosíssima terceira Duma, devíamos reconhecer que não se tratava de uma casualidade, mas de uma necessidade histórica da luta de classes em desenvolvimento, a qual não tinha forças para seguir em frente, que as reuniria mesmo nessas vergonhosas condições que nos tinham sido impostas. Viu-se que tínhamos razão. Os que tentaram arrastar com a frase revolucionária, arrastar com a justiça, na medida em que ela exprimia um sentimento três vezes legítimo, receberam uma lição que nenhum revolucionário capaz de pensar e de reflectir esquecerá.

As revoluções não se desenvolvem tão facilmente que possam assegurar-nos um ascenso rápido e fácil. Não houve uma única grande revolução, mesmo num quadro nacional, que não tenha atravessado um duro período de derrotas. E impossível tratar a sério a questão dos movimentos de massas, das revoluções em desenvolvimento, declarando a paz infame e humilhante, que um revolucionário não pode resignar-se a ela; não basta pronunciar frases de agitação, cobrir-nos de censuras a propósito desta paz — isso é o á-bê-cê evidente da revolução, é uma experiência evidente de todas as revoluções. É a nossa experiência desde 1905 — e se somos ricos nalguma coisa, se à classe operária e ao campesinato pobre da Rússia lhes coube o dificílimo e honrosíssimo papel de iniciar a revolução socialista internacional, isso deve-se precisamente a que o povo russo conseguiu, graças a uma confluência particular de circunstâncias históricas, fazer duas grandes revoluções nos começos do século XX — temos de estudar a experiência dessas revoluções, temos de saber compreender que só tendo em atenção as alterações da correlação das ligações de classe de um Estado com outro se pode estabelecer de modo evidente que não estamos em condições de aceitar agora o combate; devemos ter isto em conta e dizer para nós: qualquer que seja a trégua, por precária, breve, dura e humilhante que seja a paz, é melhor do que a guerra, pois dá a possibilidade às massas populares de respirar, porque dá a possibilidade de corrigir o que fez a burguesia, a qual grita agora em todo o lado onde tem possibilidade de gritar, principalmente sob protecção dos alemães nas regiões ocupadas. (Aplausos.)

A burguesia grita que foram os bolcheviques que desagregaram o exército, que não há exército e que disto são culpados os bolcheviques, mas olhemos para o passado, camaradas, olhemos antes de tudo para o desenvolvimento da nossa revolução. Acaso não sabeis que a fuga e a desagregação do nosso exército começaram muito antes da revolução, já em 1916, e que todos os que viram o exército têm de o reconhecer? E que fez a nossa burguesia para o impedir? Não está claro que a única possibilidade de se salvar dos imperialistas estava então nas suas mãos, que essa possibilidade se apresentou em Março-Abril, quando as organizações soviéticas podiam tomar o poder com um simples movimento de mão contra a burguesia? E se os Sovietes tivessem então tomado o poder, se a intelectualidade burguesa e pequeno-burguesa, com os socialistas-revolucionários e os mencheviques, em vez de ajudarem Kérenski a enganar o povo, a ocultar os tratados secretos e a levar o exército para a ofensiva, se então ela tivesse vindo em auxílio do exército, abastecendo-o de armamento e de víveres, obrigando a burguesia a auxiliar a pátria com o concurso de toda a intelectualidade, não a pátria dos comerciantes, não a pátria dos tratados que ajudam a exterminar o povo (aplausos), se os Sovietes, obrigando a burguesia a ajudar a pátria dos trabalhadores, dos operários, tivessem ajudado o exército nu, descalço e faminto — só então teríamos tido, talvez, um período de dez meses, suficiente para deixar o exército respirar e dar-lhe um apoio unânime, para que ele, sem recuar um passo na frente, propusesse a paz democrática geral, rompendo com os tratados secretos, mas mantendo-se na frente, sem recuar um só passo. Eis em que residia a possibilidade de paz, que os operários e os camponeses ofereciam e aprovavam. Era uma táctica de defesa da pátria, não da pátria dos Románov, dos Kérenski, dos Tchernov, da pátria dos tratados secretos, da pátria da burguesia venal, mas da pátria das massas trabalhadoras. Eis quem conduziu a que a passagem da guerra para a revolução e da revolução russa para o socialismo internacional se realize com provações tão duras. Eis porque soa como uma frase tão oca uma proposta como a guerra revolucionária quando sabemos que não temos exército, quando sabemos que era impossível reter o exército, e os que conheciam as coisas não podiam deixar de ver que a nossa ordem de desmobilização não era inventada, mas que era um resultado de uma necessidade evidente, da simples impossibilidade de reter o exército. Era impossível reter o exército. E mostrou ter razão aquele oficial, não bolchevique, que dizia já antes da revolução de Outubro que o exército não podia combater e não combateria(N291). Eis a que conduziram os meses de regateio com a burguesia e todos os discursos sobre a necessidade de continuar a guerra; por muito nobres que fossem os sentimentos que os ditavam por parte de muitos revolucionários, ou de alguns revolucionários, revelaram-se ocas frases revolucionárias, que vos entregavam aos golpes do imperialismo internacional para que ele saqueasse tanto e mais do que já conseguira fazer depois do nosso erro táctico ou diplomático — depois da não assinatura do tratado de Brest. Quando dizíamos aos adversários da assinatura da paz: se a trégua for minimamente prolongada, compreendereis que os interesses da cura do exército, os interesses das massas trabalhadoras estão acima de tudo e que a paz deve ser concluída com essa finalidade — afirmavam-nos que não podia haver trégua.

Mas a nossa revolução diferenciou-se de todas as revoluções anteriores precisamente por ter elevado o anseio de construção e de actividade criadora das massas, quando as massas trabalhadoras nas aldeias mais remotas, humilhadas, esmagadas e oprimidas pelos tsares, pelos latifundiários e pela burguesia, se levantam, e este período da revo-lução termina só agora, quando realiza a revolução rural, que constrói a vida de uma maneira nova. E para obter esta trégua, por curta e pequena que fosse, éramos obriga-dos, se colocamos os interesses das massas trabalhadoras acima dos interesses dos valentões burgueses, que brandem os sabres e nos chamam para o combate, éramos obrigados a assinar este tratado. Eis o que ensina a revolução. A revolução ensina que quando cometemos erros diplomáticos, quando supomos que os operários alemães vi-rão amanhã em nosso auxílio, com a esperança de que Liebknecht vencerá agora mes-mo (e nós sabemos que de um ou outro modo Liebknecht vencerá, isto é inevitável no desenvolvimento do movimento operário) (aplausos), isto significa que, quando nos deixamos entusiasmar, as palavras de ordem revolucionárias do difícil movimento socialista se convertem numa frase. E nem um só representante dos trabalhadores, nem um só operário honesto se negará a fazer os maiores sacrifícios para ajudar o mo-vimento socialista da Alemanha, porque durante todo este tempo aprendeu na frente a distinguir entre os imperialistas alemães e os soldados martirizados pela disciplina alemã e que na sua maior parte simpatizam connosco. Eis porque digo que a revolução russa corrigiu na prática o nosso erro, corrigiu-o com esta trégua. Segundo todas as probabilidades, será muito curta, mas teremos pelos menos a possibilidade de uma trégua, mesmo que brevíssima, para que o exército martirizado e faminto adquira consciência de que obteve a possibilidade de descansar. É claro para nós que terminou o período das velhas guerras imperialistas e que nos ameaçam novos horrores do começo de novas guerras, mas os períodos dessas guerras existiram em muitas épocas históricas, e adquiriram maior agudeza nas vésperas de terminarem. E é necessário que se compreenda isto não só nos comícios em Petrogrado e Moscovo; é necessário que o compreendam nas aldeias muitas dezenas de milhões de pessoas, que a parte mais instruída do campo, que volta da frente e sofreu todos os horrores da guerra, ajude a compreendê-lo e que a imensa massa dos camponeses e operários se convença da necessidade da frente revolucionária e diga que procedemos correctamente.

Dizem-nos que traímos a Ucrânia e a Finlândia — Oh, que vergonha! Mas criou-se uma situação em que estamos cortados da Finlândia, com a qual tínhamos concluído antes do início da revolução um tratado tácito e concluímos agora um tratado formal(N292). Dizem-nos que entregámos a Ucrânia, a qual Tchernov, Kérenski e Tseretéli vão deitar a perder; dizem-nos: traidores, traístes a Ucrânia! Eu digo: camaradas, já vi o suficiente na história da revolução para que possam perturbar-me os olhares hostis e os gritos de pessoas que se entregam ao sentimento e são incapazes de raciocinar. Dar-vos-ei um simples exemplo. Imaginai que dois amigos caminham de noite e são subitamente atacados por dez homens. Se estes miseráveis isolam um deles — que pode o outro fazer? Não pode lançar-se em seu auxílio; se se lança a fugir, será ele um traidor?(1*) Mas imaginai que não se trata de indivíduos ou de domínios nos quais se resolvam questões do sentimento imediato, mas que se encontram cinco exércitos de cem mil homens cada um, que cercam um exército de duzentos mil homens, e outro exército deve marchar em seu auxílio. Mas se este exército souber que cairá seguramente numa cilada, deve recuar; não pode deixar de recuar, mesmo no caso de, para cobrir a retirada, ser preciso assinar uma paz infame, sórdida - insultai-a como entenderdes — mas apesar de tudo é necessário assiná-la. Não se pode ter em conta o sentimento do duelista que desembainha a espada e diz: devo morrer porque me obrigam a concluir uma paz humilhante. Mas todos sabemos que, seja o que for que decidais, não temos exército e nenhuns gestos nos salvarão da necessidade de recuar e de ganhar tempo para que o exército possa respirar, e todos os que encaram a realidade e não se enganam a si mesmos com frases revolucionárias estão de acordo com isto. Devem saber isto todos os que encaram a realidade sem se enganarem a si mesmos com frases e atitudes arrogantes.

Se sabemos isto, o nosso dever revolucionário é assinar o tratado, ainda que duro, arquiduro e opressor, pois com isto conseguiremos uma situação melhor tanto para nós como para os nossos aliados. Ficamos acaso a perder por termos assinado o tratado de paz de 3 de Março? Quem quer que deseje olhar as coisas do ponto de vista das relações de massas, e não do ponto de vista de um fidalgote duelista, compreenderá que aceitar a guerra, chamar a esta guerra revolucionária quando não se tem exército ou se tem um resto de exército doente é enganar-se a si mesmo, é o maior engano do povo. O nosso dever é dizer a verdade ao povo: sim, a paz é duríssima, a Ucrânia e a Finlândia perecem, mas devemos aceitar essa paz, e toda a Rússia trabalhadora consciente a aceitará, porque conhece a verdade nua, sabe o que é a guerra, sabe que apostar tudo numa carta, confiando em que a revolução alemã rebentará agora mesmo, é enganar-se a si próprio. Assinando a paz obtivemos o que os nossos amigos finlandeses obtiveram de nós, uma trégua, uma ajuda e não a morte.

Conheço exemplos na história dos povos em que se assinou uma paz muitíssimo mais opressora, em que esta paz entregava à mercê do vencedor povos cheios de vitalidade. Comparemos esta nossa paz com a paz de Tilsit; a paz de Tilsit foi imposta pelo conquistador vitorioso à Prússia e à Alemanha. Foi uma paz tão dura que foram não só tomadas todas as capitais de todos os Estados alemães, não só os prussianos foram repelidos para Tilsit, o que equivale a que nos repelissem a nós para Omsk ou Tomsk. Não é tudo — o maior horror consistiu em que Napoleão obrigou os povos derrotados a fornecer-lhe tropas auxiliares para as suas guerras, e quando, apesar de tudo, se criou uma situação em que os povos alemães tiveram de suportar o ataque do conquistador, quando a época das guerras revolucionárias da França foi substituída pela época das guerras imperialistas de conquista, então revelou-se claramente o que não querem compreender os que, arrastados por frases ocas, apresentam a assinatura da paz como a queda. Essa psicologia é compreensível do ponto de vista do fidalgote duelista, mas não do ponto de vista do operário e do camponês. Este último andou na dura escola da guerra e aprendeu a contar. Houve provações ainda mais duras, e delas saíram povos mais atrasados. Foram concluídos tratados de paz ainda mais duros, e concluídos pelos alemães numa época em que não tinham exército ou o seu exército estava doente como está doente o nosso exército. Concluíram uma paz duríssima com Napoleão. E esta paz não foi a queda da Alemanha — pelo contrário, ela foi um ponto de viragem, um acto de defesa nacional e de ascenso. Também nós estamos em vésperas de um ponto de viragem semelhante, também nós atravessamos condições análogas. Temos de olhar a verdade de frente e de expulsar a frase e a declamação. Temos de dizer que, se for necessário, se deve concluir a paz. A guerra libertadora, a guerra de classes, a guerra popular ocupará o lugar da guerra napoleónica. O sistema das guerras napoleónicas mudará, a paz substituirá a guerra, a guerra substituirá a paz, e de cada nova paz duríssima decorreu sempre uma mais ampla preparação para a guerra. O mais duro dos tratados de paz - o de Tilsit - entrou na história como o ponto de viragem para uma época em que o povo alemão iniciava a viragem, em que recuava até Tilsit, até à Rússia, mas na realidade ganhava tempo, esperava que a situação internacional, que noutra época permitira que triunfasse Napoleão, tão espoliador como agora Hohenzollern e Hindenburg, que essa situação mudasse, que sarasse a consciência do povo alemão, martirizado por decénios de guerras napoleónicas e derrotas, e ressuscitasse para uma nova vida. Eis o que nos ensina a história, eis porque são um crime o desespero e a frase, eis porque todos dirão: sim, estão a terminar as velhas guerras imperialistas. A viragem histórica começou.

A partir de Outubro, a nossa revolução foi um constante triunfo, mas agora começaram tempos longos e difíceis, não sabemos quão longos, mas sabemos que será um período longo e difícil de derrotas e recuos, porque tal é a correlação de forças, porque com o recuo deixaremos o povo descansar. Daremos a possibilidade a cada operário e camponês de compreender a verdade que lhe dará possibilidade de compreender que começam novas guerras dos abutres imperialistas contra os povos oprimidos, em que o operário e o camponês compreenderão que devemos erguer-nos em defesa da pátria, pois desde Outubro somos defensistas. Desde 25 de Outubro dissemos abertamente que somos pela defesa da pátria, pois temos essa pátria, da qual expulsámos os Kérenski e os Tchernov pois destruímos os tratados secretos, esmagámos a burguesia, por enquanto ainda mal, mas aprenderemos a fazê-lo melhor.

Camaradas, existe uma diferença mais importante ainda entre a situação do povo russo, que sofreu as mais duras derrotas por parte dos conquistadores alemães, e o povo alemão, existe uma enormíssima diferença, de que é necessário falar, ainda que dela tenha falado brevemente na parte anterior do meu discurso. Camaradas, quando o povo alemão entrou, há mais de cem anos, num período de duríssimas guerras de conquista, num período em que teve de recuar e de assinar uma paz vergonhosa atrás de outra, antes que o povo alemão despertasse, então a situação era a seguinte: o povo alemão era apenas fraco e atrasado, apenas assim. Contra ele não estava apenas a força e o poderio militar do conquistador Napoleão, contra ele estava um país que lhe era superior no aspecto revolucionário e político, superior à Alemanha em todos os aspectos, que se elevara incomensuravelmente mais alto do que os outros países e tinha dito a última palavra. Ele estava incomensuravelmente acima de um povo que vegetava submetido aos imperialistas e aos latifundiários. Um povo que era, repito, apenas um povo fraco e atrasado, soube aprender com as amargas lições e erguer-se. Nós estamos em melhor situação: não somos um povo apenas fraco e apenas atrasado, somos um povo que soube — não graças a méritos particulares ou por predestinações históricas mas graças a um encadeamento especial de circunstâncias históricas — que soube assumir a honra de levantar a bandeira da revolução socialista internacional. (Aplausos.)

Sei muito bem, camaradas, e disse-o claramente mais de uma vez, que esta bandeira está em mãos fracas e que os operários do país mais atrasado não a manterão enquanto não vierem em seu auxílio os operários de todos os países avançados. As transformações socialistas que realizámos são em muitos aspectos imperfeitas, fracas e insuficientes: serão uma indicação aos operários avançados oeste-europeus, que dirão para si: «Os russos não começaram como deve ser a obra que era preciso começar.» Mas o importante é que o nosso povo, em relação ao povo alemão, não é um povo apenas fraco e apenas atrasado, mas um povo que levantou a bandeira da revolução.

Se a burguesia de qualquer país enche todas as colunas das suas publicações com calúnias aos bolcheviques, se neste aspecto se fundem as vozes da imprensa dos imperialistas da França, Inglaterra, Alemanha, etc, injuriando os bolcheviques, não há nenhum país, onde se possam realizar reuniões de operários, em que os nomes e as palavras de ordem do nosso poder socialista suscitem explosões de indignação. (Uma voz: «É mentira»). Não, não é mentira, é verdade, e quem quer que tenha estado nos últimos meses na Alemanha, na Áustria, na Suíça e na América vos dirá que isto não é uma mentira, mas uma verdade, que entre os operários encontram grandíssimo entusiasmo os nomes e as palavras de ordem dos representantes do Poder Soviético na Rússia, que, não obstante todas as mentiras da burguesia da Alemanha, França, etc, as massas operárias compreenderam que, por muito fracos que sejamos, aqui, na Rússia, realizamos a sua obra. Sim, o nosso povo tem de suportar a pesadíssima carga que chamou a si, mas um povo que soube criar o Poder Soviético não pode perecer. E repito: nenhum socialista consciente, nenhum operário que reflicta sobre a história da revolução pode contestar que, não obstante todos os defeitos do Poder Soviético - que conheço demasiado bem e avalio perfeitamente - que o Poder Soviético é um tipo superior de Estado, é a continuação directa da Comuna de Paris. Ele subiu um degrau acima das restantes revoluções europeias, e por isso não nos encontramos em condições tão duras como o povo alemão há cem anos; a alteração nessa correlação de forças entre os espoliadores e o aproveitamento do conflito e a satisfação das exigências do espoliador Napoleão, do espoliador Alexandre I, dos espoliadores da monarquia inglesa — só restava isto, como única possibilidade, aos oprimidos pela servidão, e, no entanto, o povo alemão não sucumbiu em consequência da paz de Tilsit. E nós, repito, encontramo-nos em melhores condições, pois temos um muito grande aliado em todos os países da Europa Ocidental - o proletariado socialista internacional, que está connosco, digam o que disserem os nossos adversários. (Aplausos.) Sim, a este aliado não é fácil elevar a sua voz, como não nos foi fácil a nós fazê-lo até ao fim de Fevereiro de 1917. Este aliado vive na clandestinidade, nas condições de presídio militar em que se converteram todos os países imperialistas, mas conhece-nos e compreende a nossa causa; é-lhe difícil vir em nosso auxílio, por isso as tropas soviéticas necessitam de muito tempo e de muita paciência e de duras provações para esperar que chegue esse momento e nós aproveitaremos as mais pequenas possibilidades para ganhar tempo, pois o tempo trabalha a nosso favor. A nossa causa fortalece-se, as forças dos imperialistas enfraquecem e, sejam quais forem as provações e as derrotas derivadas da paz «de Tilsit», começamos a táctica da retirada, e, repito mais uma vez: não há a menor dúvida de que tanto o proletariado consciente como também os camponeses conscientes estão connosco, e não só saberemos atacar heroicamente como retirar heroicamente, e esperaremos que o proletariado socialista internacional venha em nosso auxílio e começaremos a segunda revolução socialista já à escala mundial. (Aplausos.)

2

RESOLUÇÃO SOBRE A RATIFICAÇÃO DO TRATADO DE BREST

O congresso confirma (ratifica) o tratado de paz concluído pelos nossos representantes em Brest-Litovsk, a 3 de Março de 1918.

O congresso considera correcto o modo de agir do CEC e do Conselho de Comissários do Povo, que decidiram concluir esta paz, incrivelmente dura, opressora e humilhante, tendo em vista que não temos exército e que a guerra esgotou extremamente as forças do povo, que não recebem da burguesia e da intelectualidade burguesa apoio nas suas desgraças, mas uma utilização egoísta e classista delas.

O congresso considera também absolutamente correcto o modo de agir da delegação de paz, a qual se negou a entrar numa discussão pormenorizada das condições alemãs de paz, pois estas condições nos foram impostas por um ultimato manifesto e pela violência não dissimulada.

O congresso coloca com a maior insistência perante todos os operários, soldados e camponeses, perante todas as massas trabalhadoras e oprimidas, a tarefa principal, imediata e inadiável do momento actual - elevar a disciplina e a autodisciplina dos trabalhadores, criar em toda a parte organizações fortes e bem estruturadas, que abarquem se possível toda a produção e toda a distribuição de produtos, lutar implacavelmente contra o caos, a desorganização e a ruína, que são historicamente inevitáveis como herança de uma guerra extremamente penosa, mas que ao mesmo tempo são o primeiro obstáculo para a vitória definitiva do socialismo e para a consolidação das bases da sociedade socialista.

Agora, depois da revolução de Outubro, depois do derrubamento do poder político da burguesia da Rússia, depois do rompimento e da publicação por nós de todos os tratados secretos imperialistas, depois da anulação dos empréstimos estrangeiros, depois da proposta pelo governo operário e camponês de uma paz justa a todos os povos sem excepção, a Rússia, que se libertou das garras da guerra imperialista, tem o direito de declarar que não participa no saque e na repressão de países estrangeiros.

A República Federativa Soviética da Rússia, condenando unanimemente as guerras de rapina, considera a partir de agora seu direito e sua obrigação defender a pátria socialista contra todos os possíveis ataques por parte de qualquer das potências imperialistas.

O congresso considera por isso dever incondicional de todas as massas trabalhadoras pôr em tensão todas as forças para restabelecer e elevar a capacidade defensiva do nosso país, para restabelecer o seu poderio militar na base de uma milícia socialista e da instrução geral de todos os adolescentes e cidadãos adultos de ambos os sexos nos conhecimentos militares e na arte militar.

O congresso exprime a convicção inabalável de que o Poder Soviético, que cumpriu com firmeza todas as obrigações da solidariedade internacional dos operários de todos os países na sua luta contra o jugo do capital e pelo socialismo, continuará a fazer tudo o que estiver nas suas forças para ajudar o movimento socialista internacional, para assegurar e acelerar a marcha que conduz a humanidade à libertação do jugo do capital e da escravidão assalariada, à criação da sociedade socialista e de uma paz duradoura e justa entre os povos.

O congresso exprime a mais profunda convicção de que a revolução operária internacional não está longe e de que a plena vitória do proletariado socialista está assegurada, apesar de os imperialistas de todos os países não se deterem perante os meios mais ferozes para esmagar o movimento socialista.

Escrito em 13 ou 14 de Março de 1918


Notas de rodapé:

(N288)O IV Congresso Extraordinário dos Sovietes de Toda a Rússia, convocado para resolver a questão da ratificação do Tratado de Paz de Brest, realizou-se em Moscovo de 14 a 16 de Março de 1918. Em 13 de Março a questão da paz foi discutida pela fracção bolchevique no Congresso, em cuja reunião Lénine interveio com um discurso. A fracção aprovou a conclusão do Tratado de Paz de Brest por 453 votos contra 36. Neste momento não tinham ainda chegado todos os membros da fracção bolchevique no Congresso. No Congresso participaram 1232 delegados com voto deliberativo, sendo 795 bolcheviques, 283 socialistas-revolucionários de esquerda, 25 socialistas-revolucionários do centro, 21 mencheviques, 11 mencheviques-internacionalistas e outros. Da ordem de trabalhos do Congresso faziam parte as questões da rectificação do tratado de paz, da transferência da capital e da eleição do CECR. Depois da informação do Comissário do Povo interino dos Negócios Estrangeiros, GV Tchitchérine, sobre o tratado de paz, interveio Lénine em nome do Comité Executivo Central de Toda a Rússia; BD Kamkov apresentou um relatório da fracção dos socialistas-revolucionários de esquerda contra a ratificação do tratado de paz. Contra a ratificação do tratado de paz intervieram os mencheviques, os socialistas-revolucionários de direita e de esquerda, os maximalistas, os anarquistas e outros. Depois de uma aguda discussão o Congresso aprovou em votação nominal e por esmagadora maioria a resolução proposta por Lénine sobre a ratificação do tratado de paz. A resolução obteve 784 votos a favor, 261 contra e 115 abstenções. Em ligação com a ratificação do tratado de paz os socialistas-revolucionários de esquerda abandonaram o Conselho de Comissários do Povo. Os "comunistas de esquerda" não participaram na votação, afirmando numa declaração especial que a conclusão do tratado de paz minava a defesa do país e as conquistas da revolução. Com a sua recusa a votar a favor da ratificação do tratado de paz, os "comunistas de esquerda" violaram as disposições do VII Congresso do Partido, da fracção comunista do IV Congresso Extraordinário dos Sovietes de Toda a Rússia e a decisão do Comité Central que reuniu no dia do Congresso, sobre a inadmissibilidade da intervenção contra as decisões do Partido. O Congresso decidiu a transferência da capital do Estado Soviético para Moscovo e elegeu um Comité Executivo Central de 200 membros. A decisão do Congresso sobre a ratificação do tratado de paz foi aprovada pelos sovietes locais, pelas organizações do partido e pelos trabalhadores em comícios e assembleias. (retornar ao texto)

(N289) Trata-se dos partidos dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários, cujos representantes participavam nos Sovietes de Deputados Operários, Soldados e Camponeses. (retornar ao texto)

(N290) Aparentemente, Lénine liga a nova viragem no desenvolvimento da revolução à data do rompimento pela Alemanha das negociações de paz, 10 de Fevereiro, na Cidade de Brest-Litovsk, para o que contribuiu a recusa de Trótski de assinar o tratado de paz nas condições impostas pelos imperialistas. (retornar ao texto)

(N291) Trata-se do discurso, na reunião do Soviete de Petrogrado de 21 de Setembro (4 de Outubro) de 1917, do oficial Dubássov, recém-chegado da frente. Na sua intervenção Dubássov declarou: "O que quer que aqui digais, os soldados não combaterão mais." (retornar ao texto)

(N292) Trata-se do "Tratado entre as Repúblicas Socialistas da Rússia e da Finlândia", assinado em 1 de Março por uma comissão especial chefiada por Lénine. O tratado, baseado no reconhecimento da soberania da Finlândia, confirmava o cumprimento consequente pelo Governo Soviético do princípio do direito dos povos à auto-determinação. (retornar ao texto)

(1*) O registo taquigráfico é, aparentemente, impreciso; dever-se-ia ler: «não pode deixar de lançar-se em seu auxílio; se se lança a fugir, não será ele um traidor?». (retornar ao texto)

banner
Inclusão 13/06/2019