Do VIII Congresso do PC(b) da Rússia

Vladimir Ilitch Lênin

18/23 de março de 1919


Primeira edição: Publicado em 1919 no livro VIII Congresso do Partido Comunista (bolchevique) da Rússia, Atas taquigráficas. Editora Kommunist de Moscou. V. I. Lênin, Obras, 4.ª ed. em russo, t. 29, págs. 123/125; 175/191; 193/196

Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 456-476

Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


Discurso de abertura
18 de março

capa

Camaradas:

As primeiras palavras em nosso congresso devem ser dedicadas ao camarada Yakov Mikhailovitch Sverdlov. Camaradas: Se Yakov Mikhailovitch Sverdlov foi para todo o Partido e para toda a República soviética o principal organizador, como disseram hoje no enterro muitos camaradas, para o congresso do Partido foi algo muito mais valioso e profundo. Perdemos um camarada que consagrou integralmente seus últimos dias ao congresso. Sua ausência aqui repercutirá em toda a marcha de nosso trabalho, e o congresso notará sua falta com especial vigor. Camaradas: Proponho que nos levantemos em sua memória. (Todos se põem de pé).

Camaradas: Temos que iniciar os trabalhos de nosso congresso do Partido em um momento muito difícil, complexo e original da revolução proletária russa e mundial. Se nos primeiros tempos que se seguiram a Outubro, as forças do Partido e do Poder Soviético se viram quase inteiramente absorvidas pelas tarefas da defesa direta, da resistência imediata aos inimigos — à burguesia interna e externa, que não admitia sequer a ideia de que a República socialista tivesse uma existência mais ou menos prolongada — gradativamente nos fomos fortalecendo, apesar de tudo, e começaram a colocar-se em primeiro plano as tarefas da construção, as tarefas de organização. Considero que nosso congresso deverá transcorrer inteiramente sob o signo deste trabalho de edificação e de organização. As questões do programa, que oferecem enormes dificuldades quanto ao aspecto teórico, são também, sobretudo, questões de edificação.

Tanto este problema, como o de organização, que figura de maneira especial na ordem-do-dia do congresso, o do Exército Vermelho e, em particular, o do trabalho no campo — tudo isto requer de nós o reforçamento e a concentração da atenção no problema principal, que apresenta as maiores dificuldades, mas que constitui a tarefa mais grata para os socialistas: o problema de organização. É preciso destacar aqui, em particular, que deve ser colocada diante de nós precisamente agora uma das tarefas mais difíceis da edificação comunista em um país de pequenos camponeses: a tarefa da tomada de posição diante do camponês médio.

Camaradas: É natural que durante os primeiros tempos, quando devíamos defender o direito de existência da República soviética, não pudéssemos colocar esta questão com grande amplitude e em primeiro plano. A guerra implacável contra a burguesia rural e os culaques fazia com que o lugar primordial fosse ocupado pela tarefa de organizar os proletários e semiproletários do campo. Mas o passo seguinte de um partido que quer assentar as bases firmes da sociedade comunista é resolver corretamente o problema de nossa posição em relação ao camponês médio. Esta tarefa é mais elevada. É não podíamos colocá-la em toda a sua extensão sem que estivessem garantidas as bases de existência da República soviética. Esta tarefa é mais complexa. Exige que determinemos nossa atitude em relação a um setor da população numeroso e forte. Esta atitude não pode ser fixada com uma resposta simples: luta ou apoio. Se nossa tarefa com relação à burguesia se formula com as palavras «luta» e «esmagamento», se essa tarefa com relação aos proletários e semiproletários do campo se formula com as palavras «nosso ponto de apoio», no caso dos camponeses médios ela é, indubitavelmente, mais complicada. Neste caso, os socialistas, os melhores representantes do socialismo dos velhos tempos — quando ainda acreditavam na revolução e estavam a seu serviço teórica e ideologicamente — falavam da neutralização do campesinato, isto é, em fazer do campesinato médio uma camada social que, se não ajudasse ativamente a revolução do proletariado, pelo menos não a atrapalhasse, fosse uma camada neutra, que não se pusesse ao lado de nossos inimigos. Esta formulação teórica abstrata da tarefa é inteiramente clara para nós. Mas não é suficiente. Entramos em uma fase da edificação socialista em que é preciso elaborar concretamente e em todos os detalhes as regras e indicações fundamentais, comprovadas pela experiência do trabalho no campo, que devem servir-nos de guia para chegar ao estabelecimento de uma aliança sólida com o camponês médio, para tornar impossíveis os desvios e equívocos tantas vezes repetidos, que o afastavam de nós, embora pudéssemos, na realidade, aspirar plenamente a toda a sua confiança, pois nós, o Partido Comunista dirigente, fomos os primeiros a ajudar o camponês russo a desembaraçar-se completamente do jugo dos latifundiários e a fundar para ele a verdadeira democracia. Esta tarefa não é das que requerem uma repressão e uma ofensiva rápidas e implacáveis. É, sem dúvida, mais complexa. Mas me permito expressar a certeza de que, depois de um ano de trabalho preliminar, nós a cumpriremos.

Algumas palavras sobre nossa situação internacional. Camaradas: todos sabem, naturalmente, que a fundação da III Internacional, da Internacional Comunista, em Moscou, é um ato de enorme importância para determinar nossa situação internacional. Ainda se encontra diante de nós uma força militar real muito grande e apetrechada: todas as potências mais poderosas do mundo. Não obstante, dizemos com segurança que esta força, aparentemente gigantesca e muito mais poderosa do que nós do ponto-de-vista físico, foi abalada. Já não é uma força. Não existe nela aquela solidez de antes. Por isso, nossa tarefa e nosso objetivo — sairmos vencedores na luta contra esse gigante — não são utópicos. Pelo contrário, apesar de que agora nos encontremos artificialmente isolados de todo o mundo, não passa um só dia sem que os jornais informem do ascenso do movimento revolucionário em todos os países. Mais ainda: sabemos e vemos que este crescimento adota a forma soviética. É nisso reside a garantia de que, ao implantar o Poder Soviético, encontramos a forma internacional, mundial, da ditadura do proletariado. Estamos firmemente convencidos de que o proletariado do mundo inteiro empreendeu o caminho dessa luta, o caminho da criação dessas formas de poder proletário — do poder dos operários e dos trabalhadores — e de que não há no mundo força capaz de conter a marcha da revolução comunista mundial em direção à República soviética mundial. (Prolongados aplausos).

Camaradas: Permitam-me agora, em nome do Comitê Central do Partido Comunista da Rússia, declarar aberto o VIII Congresso e passemos, então, à eleição da presidência.

Informe sobre o trabalho no campo
23 de março

(Prolongados aplausos)

Camaradas:

Devo desculpar-me por não ter podido assistir a todas as reuniões da seção designada pelo congresso para estudar a questão do trabalho no campo. Por isso, o meu informe será completado pelos discursos dos camaradas que participaram desde o início dos trabalhos da seção. Finalmente, a seção elaborou as teses entregues à comissão e que serão submetidas ao estudo do Congresso. Gostaria de analisar o significado geral do problema tal como se colocou para nós como resultado do trabalho do grupo e tal como, a meu ver, colocou-se agora diante de todo o Partido.

Camaradas: É muito natural que, no processo de desenvolvimento da revolução proletária, tenhamos que destacar em primeiro plano ora um, ora outro dos problemas mais complexos e importantes da vida social. É muito natural que, em uma revolução que afeta, e não pode deixar de afetar, as bases mais profundas da vida e as mais numerosas massas da população, partido algum, governo algum, por mais estreitos que sejam seus vínculos com as massas, esteja absolutamente em condições de abarcar de uma só vez todos os aspectos da vida. É, se hoje nos vemos obrigados a examinar o trabalho no campo e a destacar nesta questão principalmente a situação dos camponeses médios, nada pode haver nisso de estranho ou de anormal do ponto-de-vista do desenvolvimento da revolução proletária em geral. É claro que a revolução proletária teve que começar pelas relações fundamentais entre duas classes hostis: o proletariado e a burguesia. A tarefa fundamental era fazer passar o poder às mãos da classe operária, assegurar sua ditadura, derrubar a burguesia e privá-la das fontes econômicas de seu poder, que representam indiscutivelmente um obstáculo a toda construção socialista em geral. Todos nós, que conhecemos o marxismo, nunca pusemos em dúvida a verdade de que na sociedade capitalista, por sua própria estrutura econômica, a importância decisiva pode ser ou do proletariado ou da burguesia. Hoje ouvimos muitos ex-marxistas — do campo menchevique, por exemplo — dizerem que, no período da luta decisiva entre o proletariado e a burguesia, pode predominar a democracia em geral. Isso dizem os mencheviques concordando inteiramente com os esserristas. Como fosse a mesma burguesia que implanta ou suprime a democracia, segundo a sua conveniência! Sendo assim, não se pode sequer falar de democracia em geral durante o período da luta aguda entre a burguesia e o proletariado. Não se pode senão ficar surpreso pela rapidez com que esses marxistas ou pseudomarxistas — nossos mencheviques, por exemplo – desmascaram-se a si próprios, pela rapidez com que se torna patente sua verdadeira natureza, sua natureza de democratas pequeno-burgueses.

Durante toda a sua vida, Marx lutou principalmente contra as ilusões da democracia pequeno-burguesa e do democratismo burguês. O que Marx mais ridicularizava era a fraseologia oca acerca da liberdade ou da igualdade, que encobre a liberdade dos operários de morrer de fome ou a igualdade entre o que vende sua força de trabalho e o burguês que, aparentemente, compra com liberdade e em condições de igualdade no mercado livre o trabalho daquele, etc. Marx explicou isto em todas as suas obras de economia. Pode dizer-se que todo O Capital de Marx está consagrado ao esclarecimento da verdade de que as forças básicas da sociedade capitalista são e só podem ser a burguesia e o proletariado: a burguesia, como edificadora da sociedade capitalista, como seu dirigente, como seu propulsor; o proletariado, como coveiro da burguesia, como a única força capaz de substituí-la. É difícil encontrar um só capítulo de qualquer ora de Marx que não se dedique a esta questão. Pode dizer-se que, no seio da II Internacional, os socialistas do mundo inteiro juraram aos operários uma infinidade de vezes que compreendiam esta verdade. Mas quando se chegou à luta verdadeira e, além disso, decisiva, entre a burguesia e o proletariado, pelo poder, vimos que nossos mencheviques e esserristas, e como eles os chefes dos velhos partidos socialistas de todos os países, esqueceram esta verdade e se puseram a repetir de modo puramente mecânico frases filisteias sobre a democracia em geral.

Entre nós tentam às vezes dar um sentido um pouco mais «forte» a estas palavras, dizendo: «Ditadura da democracia». Isto já é um verdadeiro absurdo. A história nos ensina perfeitamente que a ditadura da burguesia democrática não significou outra coisa senão o esmagamento dos operários insurretos. Assim tem ocorrido desde 1848, pelo menos, embora possamos encontrar também alguns exemplos em épocas anteriores. A história mostra-nos que precisamente na democracia burguesa se desenvolve em larga escala e com liberdade a luta, mais exacerbada entre o proletariado e a burguesia. Tivemos oportunidade de nos convencer praticamente desta verdade. É se as medidas do Governo soviético a partir de outubro de 1917 se caracterizam por sua firmeza em todas as questões fundamentais, isso se deve, precisamente, a que nunca nos afastamos desta verdade, nunca a esquecemos. Somente a ditadura de uma classe — a do proletariado — pode decidir a questão na luta contra a burguesia pelo poder. Só a ditadura do proletariado pode derrotar a burguesia. Só o proletariado pode derrubar a burguesia. Só o proletariado pode arrastar as massas contra a burguesia.

Não obstante, daí não se conclui, de modo algum — e achar que sim seria o mais grave erro — que no trabalho posterior de edificação do comunismo, uma vez derrubada a burguesia e quando o poder político já esteja em mãos do proletariado, possamos prescindir dos elementos intermediários.

É natural que no começo da revolução — da revolução proletária — toda a atenção dos seus dirigentes se concentrasse no principal, no essencial: estabelecer o domínio do proletariado e assegurar este domínio por meio da vitória sobre a burguesia, e assegurar que a burguesia não voltasse ao poder. Sabemos muito bem que a burguesia conserva até hoje algumas vantagens devido às riquezas que possui em outros países, ou a riquezas financeiras de que dispõe, às vezes inclusive em nosso país. Sabemos muito bem que existem elementos sociais, mais experientes que os proletários e que ajudam a burguesia. Sabemos muito bem que a burguesia não renunciou à ideia de recuperar o poder nem cessou suas tentativas de restaurar sua dominação.

Mas isto não é tudo, longe disso. A burguesia, que se atém particularmente ao princípio «A pátria é onde se está bem»; a burguesia que, do ponto-de-vista do dinheiro, sempre foi internacional, a burguesia, em escala mundial, ainda é hoje mais forte do que nós. Sua dominação vai sendo solapada com rapidez; a burguesia vê exemplos como a revolução húngara — sobre a qual tivemos ontem a felicidade de informá-los, e da qual nos chegam hoje notícias confirmatórias — e começa a compreender que sua dominação cambaleia. Já não possui liberdade de ação. Mas hoje, se se levam em conta os recursos materiais em escala mundial, não se pode deixar de reconhecer que, quanto a esse aspecto, a burguesia ainda é mais forte do que nós.

Eis porque nove décimos de nossa atenção, de nosso trabalho prático, foram e precisaram ser dedicados a esta questão fundamental: derrubar a burguesia, consolidar o poder proletário, suprimir toda possibilidade de retorno da burguesia ao poder. Isto é completamente lógico, legítimo e inevitável, e quanto a esse aspecto muitas coisas foram feitas com êxito.

Agora, ao contrário, devemos colocar na ordem-do-dia a questão dos outros setores. Devemos — esta foi nossa conclusão geral na seção agrária, e estamos certos de que todos os militantes do Partido concordarão com ela, pois não fizemos mais do que resumir a experiência de suas observações práticas – colocar na ordem-do-dia em toda a sua extensão a questão dos camponeses médios.

Haverá, sem dúvida, quem, em lugar de meditar sobre o curso de nossa revolução, em lugar de refletir sobre as tarefas que se colocam hoje diante de nós, aproveitarão cada passo do Poder Soviético para zombarias e críticas do tipo das que observamos nos senhores mencheviques e esserristas de direita. Trata-se de gente que não entendeu até agora que precisam escolher entre nós e a ditadura burguesa. Tivemos com eles muita paciência e mesmo benevolência; daremos a eles mais uma vez a possibilidade de pôr à prova nossa benevolência; mas em futuro próximo poremos fim à paciência e à generosidade e, se não fizerem sua escolha, proporemos a eles com toda seriedade que se juntem a Koltchak (Aplausos). Não esperamos que esta gente tonha dotes intelectuais muito brilhantes (Risos). Mas se podia esperar que, depois de sentirem sobre si mesmos a ferocidade de Koltchak, compreendessem que temos direito de lhes exigir que escolham entre nós e ele. Se nos primeiros meses depois de outubro muitos ingênuos cometeram a tolice de pensar que a ditadura do proletariado era algo de passageiro e acidental, hoje mesmo os mencheviques e esserristas deveriam compreender que se trata de um fenômeno lógico na luta que travamos sob a pressão de toda a burguesia internacional.

De fato, cristalizaram-se somente duas forças: a ditadura da burguesia e a ditadura do proletariado. Quem não leu isso nas obras de Marx, quem não o leu nas obras de todos os grandes socialistas, nunca foi socialista, não entende uma só palavra de socialismo e é socialista só de nome. A essa gente concedemos um prazo curto para que reflitam e exigimos que escolham. Mencionei-a porque agora dizem ou dirão: «Os bolcheviques colocaram a questão dos camponeses médios, querem agradá-los». Sei perfeitamente que esse tipo de argumento e outros piores aparecem em profusão na imprensa menchevique. Nós os rechaçamos, nunca concedemos importância à charlatanice de nossos inimigos. Os homens capazes de continuar até hoje desertando da burguesia para o proletariado e vice-versa podem falar o que quiserem. Nós seguiremos nosso caminho.

Nossa rota está determinada, sobretudo, pelo cálculo das forças de classe. Na sociedade capitalista desenvolve-se a luta entre a burguesia e o proletariado. Enquanto ela não terminar, continuaremos concentrando nossa atenção redobrada em levá-la a seu termo. Ela ainda não foi levada ate o fim. Já conseguimos fazer muito nessa luta. Hoje, a burguesia internacional já não pode atuar livremente. A melhor prova disso é o fato de que eclodiu a revolução proletária na Hungria. Daí se conclui com clareza que nosso trabalho no campo já não se limita a satisfazer a necessidade fundamental de lutar pelo poder.

Este trabalho atravessou duas fases principais. Em outubro de 1917 tomamos o poder junto com todos os camponeses. Era uma revolução burguesa, pois que no campo não se havia desenvolvido ainda a luta de classe. Como já disse, no verão de 1918 começou a verdadeira revolução proletária no campo. Se não tivéssemos sabido provocar essa revolução, nosso trabalho teria sido incompleto. A primeira tapa consistiu em tomar o poder nas cidades, em instaurar 6 forma de governo soviética. A segunda etapa consistiu no que é fundamental para os socialistas e sem o que estes deixam de sê-lo: a diferenciação dos elementos proletários e semiproletários no campo, sua união estreita com o proletariado urbano para lutar contra a burguesia rural. Esta etapa também terminou, no fundamental. As organizações que para isso criamos no início, os comitês de camponeses pobres consolidaram-se tanto que julgamos possível substituí-los por sovietes eleitos normalmente, isto é, reorganizar os sovietes rurais de tal forma que possam converter-se em órgãos da dominação de classe, em órgãos do poder proletário no campo. Medidas como a lei sobre a organização socialista do usufruto da terra e sobre as medidas de transição para a agricultura socialista(1) — aprovadas não faz muito tempo pelo Comitê Executivo Central e que todos aqui, naturalmente, conhecem — resumem o trabalho realizado do ponto-de-vista de nossa revolução proletária.

Cumprimos o principal, o que constitui a tarefa primordial e fundamental da revolução proletária. É, precisamente por isso, coloca-se em caráter imediato um problema mais complexo: nossa posição em relação ao camponês médio. Não compreenderão de modo algum as tarefas do proletariado, as tarefas da revolução comunista aqueles que acreditem que a colocação deste problema é uma certa atenuação do caráter de nosso poder, um debilitamento da ditadura do proletariado, uma mudança, por mais leve e parcial que seja, de nossa política fundamental. Estou convencido de que em nosso Partido não haverá gente desse tipo. Quis somente prevenir os camaradas contra pessoas que não pertencem ao partido operário e que falarão assim, não porque isso se depreenda e alguma concepção filosófica, mas simplesmente para desbaratar nossa obra e ajudar os guardas brancos, isto é, para instigar contra nós o camponês médio, que sempre vacilou, que não pode deixar de vacilar e que continuará vacilando durante muito tempo. Para instigá-lo contra nós lhe dirão: «Tenha cuidado, estão tentando seduzi-lo! Isso significa que levaram em consideração as suas insurreições, que começaram a vacilar», etc. Nossos camaradas devem estar preparados contra tal agitação. E estou convencido de que o estarão se conseguirmos agora formular esta questão do ponto-de-vista da luta de classes.

É mais do que evidente que esta questão fundamental constitui um problema mais complexo mas não menos urgente: Como determinar com exatidão a posição do proletariado em relação ao camponês médio? Camaradas: Do ponto-de-vista teórico, assimilado pela imensa maioria dos operários, esta questão não apresenta dificuldade para os marxistas. Recordarei, por exemplo, que no livro de Kautsky sobre o problema agrário — escrito quando ele expunha com justeza a doutrina de Marx e era considerado uma autoridade indiscutível na matéria — afirma-se, ao tratar da transição do capitalismo para o socialismo, que a tarefa do partido socialista consiste em neutralizar o campesinato, isto é, em conseguir que os camponeses permaneçam neutros na luta entre o proletariado e a burguesia, que os camponeses não possam prestar a esta última uma ajuda efetiva contra nós.

Durante o longo período de dominação da burguesia, o campesinato apoiava seu poder, estava do lado da burguesia. É isto é compreensível, se se leva em conta a força econômica da burguesia e os meios políticos de sua dominação. Não podemos esperar que o camponês médio se coloque imediatamente do nosso lado. Mas se seguimos uma política correta, ao cabo de algum tempo terminarão essas vacilações e o camponês poderá colocar-se do nosso lado.

Já Engels, que com Marx lançou os fundamentos do marxismo científico — isto é, da doutrina que serve de guia constante a nosso Partido, sobretudo durante a revolução — subdividia os camponeses em pequenos, médios e ricos, e esta divisão ainda hoje corresponde à realidade na imensa maioria dos países europeus. Engels dizia: «Pode ocorrer que nem sempre se tenha que esmagar pela violência os próprios camponeses ricos». É nenhum socialista sensato pensou alguma vez que tivéssemos que empregar a violência contra os camponeses médios (os pequenos camponeses são nossos amigos). Assim falava Engels em 1894, um ano antes de morrer, quando o problema agrário se colocava na ordem-do-dia. Este ponto-de-vista prova-nos uma verdade às vezes esquecida, mas com a qual, em teoria, todos estamos de acordo. No que se refere aos latifundiários e capitalistas, nossa tarefa consiste em sua desapropriação completa. Mas não admitimos violência alguma contra oscamponeses médios. Inclusive em relação aos camponeses ricos não empregamos uma linguagem tão enérgica quanto a que usamos com a burguesia; não dizemos: desapropriação absoluta dos camponeses ricos e dos culaques. Em nosso programa se estabelece esta diferença. Dizemos: esmagamento da resistência dos camponeses ricos, esmagamento de suas intentonas contrarrevolucionárias. É isto não é o mesmo que desapropriação completa.

A diferença fundamental que determina nossa posição em relação à burguesia e ao camponês médio — desapropriação total da burguesia e aliança com o camponês médio que não explore o trabalho alheio — esta linha fundamental é teoricamente reconhecida por todos. Mas, na prática, não é observada com a devida consequência e em vários lugares ainda não aprenderam a aplicá-la. Quando o proletariado, depois de derrubar a burguesia e de fortalecer seu próprio poder, empreende a obra de criar a nova sociedade em seus diferentes aspectos, a questão do camponês médio passa a ocupar o primeiro plano. Não há no mundo um só socialista que tenha negado que a edificação do comunismo seguirá caminhos diferentes nos países de grande agricultura e nos de pequena agricultura. Trata-se de uma verdade elementaríssima, primária. Dela se depreende que à medida que nos aproximamos das tarefas da edificação do comunismo devemos concentrar nossa máxima atenção, em certo sentido, exatamente no camponês médio.

Muito depende de como definamos nossa posição em relação ao camponês médio. Este problema está resolvido do ponto-de-vista teórico, mas sabemos perfeitamente, pela própria experiência, a diferença que existe entre a solução teórica de um problema e a aplicação prática dessa solução. Vemos claramente essa diferença, tão peculiar à Grande Revolução Francesa, quando observamos que a Convenção adotava ostensivamente medidas de grande envergadura, mas carecia da base necessária para aplicá-las, nem sequer sabia em que classe devia apoiar-se para levar a cabo tal ou qual medida.

As condições em que nos encontramos são incomparavelmente mais favoráveis. Todo um século de desenvolvimento nos permite saber em que classe nos apoiamos. Mas saldemos também que a experiência prática desta classe é bastante precária. Para a classe operária, para o partido operário, estava claro o fundamental: derrubar a burguesia e entregar o poder aos operários. Mas como fazer isso? Todos lembram com quantos erros e dificuldades passamos do controle operário à direção da indústria pelos operários. E isso quando se tratava de um trabalho no seio de nossa própria classe, no seio da massa proletária, com a qual sempre estivemos em contato. Agora, ao contrário, devemos definir nossa posição em relação a uma nova classe, em relação a uma classe desconhecida para o operário urbano. É necessário fixar a atitude em relação a uma classe que não tem uma posição firme, definida. O proletariado em massa é partidário do socialismo, a burguesia em massa está contra o socialismo; definir as relações entre estas duas classes é fácil. Mas quando se trata de uma camada como a dos camponeses médios, vemos que esta é uma classe que vacila. O camponês médio é em parte proprietário e em parte trabalhador. Não explora outros trabalhadores. Durante dezenas de anos viu-se obrigado a defender sua situação com enorme esforço, experimentou em sua própria carne a exploração dos latifundiários e dos capitalistas, sofreu tudo isso, mas, ao mesmo tempo, é proprietário. Por isso, nossa atitude em relação a esta classe vacilante apresenta enormes dificuldades. Baseando-nos em nossa experiência de mais de um ano, em mais de seis meses de nosso trabalho proletário no campo e no fato de que já se tenha produzido a diferenciação de classes no campo, devemos guardar-nos sobretudo de qualquer precipitação, de toda teorização inábil, de toda pretensão a considerar feito o que estamos em vias de elaborar, mas que ainda não acabamos de elaborar. Na resolução a ser apresentada pela comissão eleita pela seção agrária e que será lida por um dos camaradas que me sucederá no uso da palavra, o Congresso encontrará uma advertência suficiente a respeito disso.

Do ponto-de-vista econômico, é evidente que devemos acudir em ajuda do camponês médio. Nesse sentido não existe teoricamente qualquer dúvida. Mas, com nossos costumes e nosso nível cultural, com a escassez dos meios culturais e técnicos que poderíamos oferecer ao campo e a debilidade que frequentemente mostramos em nossas relações com ele, os camaradas recorrem muito amiúde à coerção, pondo tudo a perder. Ainda ontem um camarada entregou-me um folheto intitulado Instruções e Regras Sobre a Organização do Trabalho do Partido na Província de Nijni-Novgorod, editado pelo Comitê do PC(b) da Rússia daquela cidade. Neste folheto lê-se, por exemplo, na página 41: «O decreto sobre o imposto extraordinário deve recair com todo o seu peso sobre os ombros dos culaques rurais, dos especuladores e, em geral, sobre o elemento médio do campesinato». Isto se chama ter «compreendido»! Ou é uma errata — e deixar passar tais erratas é imperdoável! — ou é um trabalho feito com precipitação, superficialmente, que demonstra quanto é perigosa toda pressa neste assunto. Talvez se trate — e esta é a pior hipótese, que não gostaria de considerar tratando-se dos camaradas de Nijni-Novgorod — de mera incompreensão. É muito provável que seja um simples descuido.

Na prática, ocorrem casos como o que um camarada nos contou na comissão.

Um dia os camponeses rodearam-no e o bombardearam com perguntas: «Diga se sou camponês médio ou não. Tenho dois cavalos e uma vaca. Tenho duas vacas e um cavalo», etc. Este propagandista, que percorre distritos, deveria dispor de um termômetro infalível para, aplicando-o ao camponês, estabelecer se é ou não camponês médio. Mas para isso seria preciso conhecer toda a história da exploração agrícola desse camponês e sua atitude em relação aos grupos inferiores e superiores, coisa que não podemos saber com exatidão.

Nesta questão e preciso ter muita capacidade prática, é preciso conhecer as condições locais. É isso ainda não conseguimos. Não devemos ter vergonha de confessá-lo: devemos reconhecê-lo francamente. Nunca fomos utopistas nem imaginamos que íamos edificar a sociedade comunista com as mãos puras de comunistas puros, que devem nascer e ser educados em uma sociedade puramente comunista. Isso são histórias para crianças. Devemos edificar o comunismo a partir dos escombros do capitalismo, e isso só pode ser feito pela classe temperada na luta contra o socialismo. O proletariado, como sabem perfeitamente, não está isento de defeitos e debilidades da sociedade capitalista. Luta pelo socialismo e, ao mesmo tempo, combate seus próprios defeitos. A parte melhor do proletariado, sua vanguarda, que lutou encarniçadamente nas cidades durante decênios, teve a possibilidade de assimilar no curso desta luta toda a cultura da vida urbana, da vida da capital e, até certo ponto, a assimilou. Todos sabem que o campo, inclusive nos países adiantados, foi condenado à ignorância. É claro que nós elevaremos o nível cultural do campo, mas para isso são necessários anos e anos. Isto é o que, por toda parte, os camaradas esquecem e o que reflete com particular nitidez cada palavra dos homens da província, não dos intelectuais daqui, dos que ocupam postos oficiais — a estes ouvimos muito — mas de homens que observaram praticamente o trabalho no campo. Estas palavras tiveram para nós um valor especial na seção agrária e agora — estou convencido disso — serão extraordinariamente valiosas para todo o Congresso do Partido, pois não foram tiradas de livros ou de decretos, mas da própria vida.

Tudo isto nos incita a trabalhar de maneira tal que fique bem clara nossa posição em relação aos camponeses médios. É muito difícil, porque na vida não existe essa clareza.

Este problema, longe de estar resolvido, é insolúvel se se removê-lo de imediato e a porrete. Há quem diga: «Não promulgar tantos decretos, criticando o Governo soviético por publicar decretos sem saber como levá-los à prática. Essas pessoas não percebem, na realidade, que vão se passando para o campo dos guardas brancos. Se confiássemos em que a redação de uma centena de decretos iria mudar a vida do campo, seriamos uns idiotas rematados. Mas se renunciássemos a assinalar nos decretos o caminho a seguir, seríamos uns traidores do socialismo. Estes decretos, que não puderam ser aplicados imediatamente e em toda a sua amplitude, desempenharam um papel importante do ponto-de-vista da propaganda. Se antes fazíamos nossa propaganda com base em verdades comuns, hoje a fazemos com nosso trabalho. Isto também é propaganda, mas é uma propaganda com a ação, e não no sentido de ações isoladas de alguns indivíduos, que tanto riso causavam na época dos anarquistas e do velho socialismo. Nossos decretos são apelos, mas não no velho estilo: «Operários, levantai-vos e derrubai a burguesia!» Não, são exortações às massas, são apelos a ações práticas. Os decretos são instruções que conclamam a uma ação prática das massas. Isso é o essencial. Não importa que contenham muitas coisas inúteis, muitas coisas que não poderão ser aplicadas na prática. Mas há neles material para trabalhos eficazes e sua missão consiste em ensinar a dar passos práticos às centenas, milhares e milhões de homens que escutam com atenção a voz do Poder Soviético. São um ensaio das medidas positivas no terreno da edificação do socialismo no campo. Se lhes damos essa interpretação, nos será extremamente útil o conjunto de nossas leis, decretos e resoluções. Não devemos interpretá-los como resoluções absolutas que é necessário aplicar em seguida, imediatamente, custe o que custar.

É preciso evitar tudo o que possa estimular, na prática, os abusos. Em alguns lugares ligaram-se a nós arrivistas e aventureiros, que se proclamam comunistas e nos enganam, que ingressaram em nossas fileiras porque os comunistas estão hoje no poder e porque os empregados mais honrados não quiseram trabalhar conosco por causa de suas ideias atrasadas, enquanto os arrivistas carecem de ideias, de honestidade. Essas pessoas, cuja única aspiração é obter méritos, empregam nos povoados a coerção e acreditam que fazem bem. Mas, na prática, isto faz às vezes com que os camponeses digam: «Viva o Poder Soviético, mas abaixo a comunal» (isto é, o comunismo). Casos assim não são fantasia, mas fatos reais tomados da vida, dos informes dos camaradas das aldeias. Não devemos esquecer o enorme dano que causa toda falta de moderação, toda impaciência, toda precipitação.

Devíamos apressar-nos para sair a todo custo, por meio de um salto extremamente ousado, da guerra imperialista, que nos havia levado à ruína; era preciso fazer esforços desesperados para esmagar a burguesia e as forças que ameaçavam esmagar-nos. Tudo isto era imprescindível, sem isto não teríamos podido triunfar. Mas se se procede do mesmo modo em relação ao camponês médio, isso será tão idiota, tão estúpido e tão funesto para nossa causa que só provocadores nodem trabalhar assim conscientemente. A tarefa deve ser formulada, neste caso, de modo inteiramente diferente. Não se trata aqui de cumprir a tarefa que nos havíamos fixado antes: esmagar a resistência de exploradores inveterados, vencê-los e derrubá-los. Não; a solução deste problema principal faz com que se coloquem em caráter imediato problemas mais complexos. Neste terreno nada se poderá criar por meio da violência. A violência para com o camponês médio é extremamente prejudicial. Trata-se de uma camada social numerosíssima, de muitos milhões de pessoas. Nem sequer na Europa, onde o camponês médio nunca alcançou tanta força, onde estão desenvolvidas em proporções gigantescas a técnica e a cultura, a vida urbana e as estradas de ferro, e onde teria sido muito mais fácil pensar nisto, ninguém, nem um único dos socialistas mais revolucionários, chegou a propor a aplicação de medidas de violência contra os camponeses médios.

Quando tomamos o poder, apoiamo-nos em todo o campesinato em seu conjunto. Naquele momento todos os camponeses tinham uma só tarefa: lutar contra os latifundiários. Mas até hoje continuam encarando com desconfiança a grande exploração agrícola. O camponês pensa: «Se a fazenda é grande, novamente serei convertido em assalariado». Isso, naturalmente, é falso. Não obstante, a ideia da grande exploração agrícola está ligada na mentalidade do camponês ao ódio. às recordações da terrível opressão do povo pelos latifundiários. Este sentimento persiste, ainda não morreu.

Devemos, sobretudo, basear-nos na verdade de que neste problema não é possível, pela própria natureza do assunto, conseguir coisa alguma com métodos de violência. A tarefa econômica coloca-se aqui de modo inteiramente diferente. Aqui não há essa cúpula que é possível derrubar deixando de pé todos os fundamentos, todo o edifício. Aqui não existe essa cúpula que eram os capitalistas da cidade. Atuar pela violência significa, neste caso, deitar tudo a perder. É preciso um longo trabalho de educação. Ao camponês médio, prático e realista não só em nosso país, mas em todo o mundo, devemos dar exemplos concretos para demonstrar-lhe que a comuna é o melhor. Naturalmente, nada conseguiremos de positivo se no campo aparece gente estouvada, que chega revirando a cidade, fala um pouco, suscita umas quantas discórdias de intelectuais, que às vezes nada têm de intelectuais, e vai embora, depois de ter provocado a animosidade de todos contra si. Isto costuma ocorrer. É é lógico que tais homens, em vez de respeito, provoquem somente zombarias. Devemos dizer, quanto a isso, que estimulamos as comunas, mas estas devem ser organizadas de tal modo que conquistem a confiança dos camponeses. Enquanto isso não ocorrer, continuaremos sendo alunos dos camponeses, e não seus professores. Não há nada mais estúpido do que se considerar professor dos camponeses em tudo, como fazem esses homens que, sem conhecer agricultura nem suas particularidades, lançam-se ao campo somente porque ouviram falar da utilidade da fazenda coletiva, porque estão cansados da vida urbana e desejam trabalhar na aldeia. Nada há de mais idiota do que a própria ideia de violência no que se refere às relações econômicas do camponês médio.

A tarefa não consiste neste caso em expropriar o camponês médio, mas em levar em conta as condições especiais da vida do camponês, em aprender com ele os métodos para passar a um regime melhor e em não mandar! Esta é a norma que nos impusemos. (Aplausos de todo o Congresso). Esta é a norma que tratamos de expor em nosso projeto de resolução, pois a realidade é, camaradas, que a este respeito temos pecado bastante. Não nos envergonhamos, de modo algum, de reconhecê-lo. Carecíamos de experiência. A própria luta contra os exploradores foi por nós aprendida na prática. Se às vezes nos censuram por esta luta podemos dizer: «A culpa é dos senhores, capitalistas. Se os senhores não tivessem oposto uma resistência tão selvagem, insensata, cínica e desesperada, se não se tivessem aliado com a burguesia do mundo inteiro, a revolução teria adquirido formas mais pacíficas.» Hoje, depois de ter rechaçado raivosos ataques de todos os lados, podemos passar a outros métodos, porque não atuamos como um pequeno círculo, mas como um partido que conduz milhões de seres. Esses milhões não podem compreender imediatamente a mudança de rumo, e, em consequência disso, vemos a cada passo os golpes dirigidos contra os culaques caírem sobre o camponês médio. Isto não é estranho. O que é preciso é compreender que tal fato tem como origem condições históricas já superadas, e que as novas condições e as novas tarefas em relação a essa classe exigem uma nova mentalidade.

Nossos decretos sobre as explorações camponesas, no fundamental, são justos. Não temos motivos para nos retratar de nenhum deles, nem para lamentá-los. Mas, se os decretos são justos, o injusto é impô-los pela força aos camponeses. Em nenhum decreto se fala disso. São justos como rotas traçadas, como um apelo à adoção de medidas práticas. Quando dizemos: «Estimulem a associação», damos diretrizes que devem ser experimentadas muitas vezes para que se encontre a forma definitiva de sua aplicação. Posto que se disse que é necessário conseguir a concordância voluntária, é preciso convencer os camponeses, e convencê-los na prática. Não se deixarão convencer somente com palavras, e farão bem. O ruim seria que se deixassem convencer pela simples leitura dos decretos e folhetos de propaganda. Se fosse possível transformar assim a vida econômica, essa transformação não teria valor algum. Primeiro é preciso demonstrar que essa associação é melhor, é preciso associar as pessoas de tal modo que se associem de verdade e não que lutem entre si; é preciso demonstrar que a associação é vantajosa. Assim é que os camponeses formulam este problema, e assim o formulam também nossos decretos. Se não conseguimos até agora fazer com que assim seja, nada há nisso de vergonhoso e devemos reconhecê-lo com toda sinceridade.

Por ora resolvemos apenas a tarefa básica de toda revolução socialista: vencer a burguesia. É a resolvemos no fundamental, embora se inicie agora um semestre terrivelmente difícil: os imperialistas de todo o mundo fazem os últimos esforços para nos esmagar. Hoje podemos dizer, sem o menor exagero, que eles próprios compreenderam que depois deste semestre sua causa estará completamente perdida. Ou aproveitam agora nosso esgotamento e vencem um só país, ou nós sairemos vitoriosos não só no que se refere a nosso país. Neste semestre, em que a crise de abastecimento se entrelaça com a de transporte, e quando as potências imperialistas tratam de empreender a ofensiva em várias frentes, nossa situação é extremamente difícil. Mas este será o último semestre difícil. É preciso continuar lançando mão de todas as forças para lutar contra nosso inimigo externo, que nos ataca.

Mas, apesar das dificuldades, apesar de que toda nossa experiência tenda ao esmagamento imediato dos exploradores, quando falamos das tarefas que implica o trabalho no campo devemos ter presente e não esquecer que o problema está formulado em outros termos no que se refere aos camponeses médios.

Todos os operários conscientes — de Petrogrado, de Ivano-Vosnesensk, de Moscou — que estiveram no campo citaram exemplos demonstrativos de que uma série de equívocos, aparentemente os mais irreparáveis, e uma série de conflitos que pareciam os mais graves, eram solucionados ou se atenuavam quando intervinham operários sensatos. É eram solucionados ou atenuados porque estes operários não falavam em linguagem livresca, mas em linguagem compreensível para o mujique, porque não falavam com chefes que se permitem dar ordens embora desconheçam a vida do campo, mas como amaradas que explicam aos camponeses a situação e apelam Para seus sentimentos de trabalhadores contra os exploradores. Com base nesta explicação fraternal se conseguia o que não puderam conseguir centenas de outros, que se comportam como chefes e superiores.

Este é o espírito que penetra toda a resolução que submetemos ao estudo dos camaradas.

No meu breve informe tentei abordar as questões de princípio, a importância política geral desta resolução. Procurei demonstrar — e quero crer que o consegui — que, do ponto-de-vista dos interesses da revolução em seu conjunto não existe qualquer reviravolta, não existe qualquer mudança de linha. Os guardas brancos e seus lugares-tenentes gritam ou vão gritar que há. Que gritem quanto quiserem. Não nos preocupam. Desenvolvemos nossas tarefas do modo mais consequente. Nossa atenção, dedicada até agora à tarefa de esmagar a burguesia, deve concentrar-se na tarefa de organizar a vida do camponês médio. Devemos viver em paz com ele. Na sociedade comunista, os camponeses médios só virão para o nosso lado quando aliviarmos e melhorarmos as condições econômicas de sua vida. Se amanhã pudéssemos fornecer 100 000 tratores de primeira classe, abastecê-los de gasolina e dotá-los de mecânicos (e todos sabem muito bem que, por ora, isto é uma fantasia), os camponeses médios diriam: «Voto pela comuna» (isto é, pelo comunismo). Mas, para poder fazer isto, temos que vencer antes a burguesia internacional, obrigá-la a fornecer-nos esses tratores, ou elevar nossa produtividade até o ponto de podermos fornecê-los nós mesmos. Só assim ficará formulado corretamente este problema.

O camponês necessita da indústria da cidade, não pode viver sem ela, e a indústria está em nossas mãos. Se empreendemos a tarefa de maneira correta, o camponês nos ficará agradecido, já que lhe levaremos da cidade esses produtos, esses instrumentos, essa cultura. É não serão os exploradores, os latifundiários que os levarão, e sim camaradas trabalhadores como ele, que ele muito aprecia, mas com um espírito prático, só por sua ajuda efetiva, rechaçando — e com razão — os métodos mandonistas, a «prescrição» vinda de cima.

Primeiro ajudem-no, e depois tratem de ganhar sua confiança. Se se encaminha bem este trabalho, se se organiza corretamente cada passo de nossos grupos nos distritos, nas comarcas, nos destacamentos de abastecimento e nas diferentes organizações, se sé comprova atentamente desse ponto-de-vista cada uma das nossas medidas, ganharemos a confiança do camponês. É só então poderemos ir adiante. Hoje, devemos prestar-lhe ajuda, aconselhá-lo. Não se tratará da ordem de um chefe, mas do conselho de um camarada. Nessas condições, o camponês estará inteiramente do nosso lado.

Isto é, camaradas, o que contém nossa resolução; o que, a meu ver, o Congresso deve resolver. Se aprovarmos isto, se o convertermos em guia para todo trabalho das organizações de nosso Partido, poderemos cumprir também a segunda e grande tarefa que se coloca diante de nós.

Aprendemos a derrubar a burguesia e a esmagá-la, e nos orgulhamos disso. Mas ainda não aprendemos, e devemos declará-lo abertamente, a melhorar nossas relações com os milhões de camponeses médios e a ganhar sua confiança. Não obstante, compreendemos e formulamos a tarefa, e nos dizemos cheios de esperança, com pleno conhecimento de causa e com toda a decisão: resolveremos com êxito esta tarefa e, então, o socialismo será absolutamente invencível. (Prolongados aplausos).

Resolução sobre a atitude em relação ao camponês médio

Na questão do trabalho no campo, o VIII Congresso, baseando-se no programa do Partido aprovado a 22 de março de 1919 e apoiando integralmente a lei, já aplicada pelo Poder Soviético, de organização socialista do usufruto da terra e das medidas de transição para a agricultura socialista, reconhece que no momento atual tem particular importância a aplicação cada vez mais correta da linha do Partido em relação ao camponês médio, no sentido de observar uma atitude mais solícita em relação a suas necessidades, de pôr fim à arbitrariedade das autoridades locais e de procurar entrar em acordo com ele.

1) Confundir os camponeses médios com os culaques, tomar extensivas aqueles, em maior ou menor grau, as medidas dirigidas contra os culaques, significa infringir do modo mais grave não só todos os decretos do Poder Soviético e toda a sua política, como, também, todos os princípios fundamentais do comunismo, que apontam o acordo do proletariado com os camponeses médios, no período da luta decisiva do proletariado pela derrubada da burguesia, como uma das condições para a passagem sem grandes sacrifícios à supressão de toda exploração.

2) Os camponeses médios, que, em virtude do atraso da técnica agrícola em relação à técnica industrial, têm raízes econômicas relativamente fortes mesmo nos países capitalistas adiantados, para não falar na Rússia, subsistirão durante um período bastante longo depois do início da revolução proletária. Por isso, a tática dos funcionários dos sovietes no campo, bem como a dos funcionários do Partido, deverá ser traçada para um longo período de colaboração com os camponeses médios.

3) O Partido deve conseguir, custe o que custar, que todos os funcionários dos sovietes que trabalham no campo compreendam com absoluta clareza e firmeza a verdade, plenamente estabelecida pelo socialismo científico, de que os camponeses médios não pertencem ao campo dos exploradores, pois não lucram às custas do trabalho alheio. Esta classe de pequenos produtores não pode perder com o socialismo, mas, pelo contrário, pode ganhar muito com a derrubada do jugo do capital, que os explora de mil maneiras em qualquer república, mesmo na mais democrática.

A política plenamente correta do Poder Soviético no campo garante, pois, a aliança e o acordo do proletariado vitorioso com os camponeses médios.

4) Estimulando toda espécie de cooperativas, bem como as comunas agrícolas de camponeses médios, os representantes do Poder Soviético não devem entretanto admitir a menor coação na sua criação. Só são valiosas as associações formadas pelos próprios camponeses por sua livre iniciativa e cujas vantagens foram por eles comprovadas na prática. A precipitação excessiva neste assunto é prejudicial, pois a única coisa que se consegue é fomentar as prevenções do camponês médio contra qualquer inovação.

Os representantes do Poder Soviético que se permitirem empregar a coação, ainda que apenas indireta, para incorporar os camponeses às comunas, devem ser severamente responsabilizados e afastados do trabalho no campo.

5) Toda requisição arbitraria, isto é, que não se baseie em indicações concretas das leis do poder central, deve ser castigada implacavelmente. O Congresso insiste em que se reforce neste sentido o controle do Comissariado do Povo da Agricultura, do Comissariado do Povo do Interior e do Comitê Executivo Central de toda a Rússia.

6) Atualmente, a extraordinária desordem econômica, provocada em todos os países por quatro anos de guerra imperialista em favor dos interesses criminosos dos capitalistas, e especialmente agravada na Rússia, coloca os camponeses médios em uma situação difícil.

Levando isto em conta, a lei do imposto extraordinário promulgada pelo Poder Soviético, ao contrário das diferentes leis de todos os governos burgueses existentes no mundo, insiste em que todo o peso do imposto recaia inteiramente sobre os culaques, sobre os representantes, pouco numerosos, do campesinato explorador, que reuniu quantias fabulosas durante a guerra. No que se refere ao camponês médio, deve pagar um imposto extremamente moderado, somente em uma proporção que coincida plenamente com suas possibilidades e não represente uma carga excessiva para ele.

O Partido exige que, no que se refere aos camponeses médios, o imposto extraordinário seja atenuado em todos os casos, sendo mesmo possível uma diminuição do montante total do imposto.

7) O Estado socialista deve promover a mais ampla ajuda ao campesinato, principalmente, abastecendo os camponeses médios de produtos da indústria urbana e, em particular, de instrumentos agrícolas aperfeiçoados, sementes e toda espécie de material para elevar o nível técnico da agricultura, e garantindo a vida e o trabalho dos camponeses.

Se a desordem atual impede a aplicação destas medidas de modo imediato e total, as autoridades soviéticas locais têm o dever de buscar todos os meios possíveis para prestar aos camponeses pobres e médios a mais variada ajuda efetiva que lhes sirva de apoio no difícil momento presente. O Partido considera indispensável destinar para isso uma importante soma dos fundos do Estado.

8) É preciso conseguir, particularmente, que se aplique verdadeira e integralmente a lei do Poder Soviético que impõe às explorações agrícolas dos sovietes, às comunas agrícolas e a todas as organizações semelhantes o dever de conceder ajuda imediata e múltipla aos camponeses médios dos seus arredores. Somente à base de tal ajuda, prestada de modo prático, é possível o acordo com os camponeses médios. Só assim pode e deve ser conquistada a sua confiança.

O Congresso chama a atenção de todos os funcionários do Partido para a necessidade de satisfazer sem tardança e de maneira efetiva todas as reivindicações contidas na parte agrária do programa do Partido, a saber:

  1. pôr ordem no usufruto da terra pelos camponeses (acabar com a fragmentação das parcelas, com as parcelas aumentadas, etc.);
  2. abastecer os camponeses de sementes selecionadas e de adubos artificiais;
  3. melhorar a raça do gado dos camponeses;
  4. difundir os conhecimentos agronômicos;
  5. prestar ajuda agronômica aos camponeses;
  6. consertar nas oficinas de reparação dos Sovietes os instrumentos agrícolas dos camponeses;
  7. organizar pontos de aluguel, estações experimentais, campos-modelo, etc.;
  8. realizar trabalhos de melhoramento das terras dos camponeses.

9) As organizações cooperativistas dos camponeses devem receber ampla ajuda do Estado, quer financeira quer organizativa, a fim de elevar a produção agrícola e, em particular, de transformar os produtos agrícolas, melhorar as terras dos camponeses, apoiar a indústria artesanal, etc.

10) O Congresso lembra que tanto as decisões do Partido como os decretos do Poder Soviético nunca se afastaram da unha de acordo com os camponeses médios. Por exemplo, no importantíssimo problema da organização do Poder Soviético no campo, ao serem fundados os comitês de camponeses pobres publicou-se uma circular assinada pelo presidente do Conselho de Comissários do Povo e pelo Comissário para o Abastecimento, na qual se assinalava a necessidade de incluir naqueles comitês representantes dos camponeses médios. Ao serem suprimidos os comitês de camponeses pobres, o Congresso dos Sovietes de toda a Rússia assinalou novamente a necessidade de incluir nos sovietes das comarcas representantes dos camponeses médios. A política do governo operário e camponês e do Partido Comunista deverá continuar sendo aplicada nesse espírito de acordo do proletariado e dos camponeses pobres com os camponeses médios.


Notas de fim de tomo:

(1) O regulamento sobre a organização socialista do usufruto da terra e sobre as medidas de transição à agricultura socialista foi aprovado pelo Comitê Executivo Central de toda a Rússia em fevereiro de 1919. Lênin participou pessoalmente em sua elaboração e redação. O Regulamento assinalava diversas medidas práticas para reestruturar a agricultura sobre bases socialistas, elevar a produtividade da economia agrícola e ampliar a área de semeadura. (retornar ao texto)

Inclusão: 11/02/2022