Economia e política na época da ditadura do proletariado

Vladimir Ilitch Lênin

30 de outubro de 1919


Primeira edição: Pravda, nº 250, 7 de novembro de 1919. Assinado: N. Lênin V. I. Lênin, Obras, 4.ª ed. em russo, t. 30, págs. 87/96

Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 497-506

Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz

HTML: Fernando Araújo.

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Havia projetado escrever para o segundo aniversario do Poder Soviético um pequeno folheto sobre o tema indicado no título. Mas com a azáfama do trabalho diário não consegui até agora ir além da preparação preliminar de algumas partes. Por isso, decidi tentar uma exposição breve e sumária das ideias, a meu ver, mais essenciais nesta questão. Naturalmente, o caráter de resumo da exposição encerra muitas dificuldades e inconvenientes. Mas talvez em um pequeno artigo jornalístico possa ser realizável este objetivo modesto: formular a questão e traçar as linhas gerais para sua discussão pelos comunistas dos diferentes países.

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Teoricamente, não há dúvida de que entre o capitalismo e o comunismo existe um certo período de transição. Este período não pode deixar de reunir os traços ou as propriedades de ambas as formações da economia social, não pode deixar de ser um período de luta entre o capitalismo agonizante e o comunismo nascente; ou, em outras palavras: entre o capitalismo vencido, mas não aniquilado, e o comunismo já nascido, mas ainda muito débil.

A necessidade de toda uma época histórica, que se distingue por estes traços de período de transição, deve ser clara por si mesma, não só para um marxista, mas para toda pessoa instruída que conheça de uma ou de outra maneira a teoria do desenvolvimento. Não obstante, todos os raciocínios sobre a passagem ao socialismo que escutamos da boca dos atuais representantes da democracia pequeno-burguesa (tais são, apesar de sua pretendida etiqueta socialista, todos os representantes da II Internacional, incluindo as pessoas do séquito de MacDonald e Jean Longuet, de Kautsky e Friedrich Adler) caracterizam-se pelo completo esquecimento

desta verdade evidente. São próprios dos democratas pequeno-burgueses a aversão à luta de classes, os sonhos sobre a possibilidade de prescindir dela, a aspiração de atenuar, conciliar e limar suas agudas arestas. Por isso, os democratas desta espécie ou se negam a qualquer reconhecimento de todo um período histórico de transição do capitalismo ao comunismo, ou consideram que sua tarefa é inventar planos para conciliar ambas as forças em luta, em lugar de dirigir a luta de uma destas forças.

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Na Rússia, a ditadura do proletariado tem que se distinguir inevitavelmente por certas particularidades em relação aos países avançados, como consequência do imenso atraso e do caráter pequeno-burguês de nosso país. Mas as forças fundamentais — e as formas fundamentais da economia social — são, na Rússia, as mesmas que em qualquer país capitalista, pelo que estas particularidades podem referir-se somente ao que não é essencial.

Estas formas básicas da economia social são: o capitalismo, a pequena produção mercantil e o comunismo. É as forças básicas são: a burguesia, a pequena burguesia (particularmente os camponeses) e o proletariado.

A economia da Rússia na época da ditadura do proletariado representa a luta que em seus primeiros passos mantém o trabalho organizado de modo comunista — em escala única de um enorme Estado — contra a pequena produção mercantil, contra o capitalismo que continua subsistindo e contra o que renasce à base desta produção.

O trabalho está organizado na Rússia de modo comunista pois que, primeiro, está abolida a propriedade privada dos meios de produção e, segundo, porque o poder proletário do Estado organiza em escala nacional a grande produção nas terras e empresas estatais, distribui a mão-de-obra entre os diferentes ramos da economia e entre as empresas, distribui entre os trabalhadores imensas quantidades de artigos de consumo pertencentes ao Estado.

Falamos dos «primeiros passos» do comunismo na Rússia (como o diz também o programa do nosso Partido aprovado em março de 1919), já que as referidas condições só foram realizadas em parte, ou, em outras palavras: a realização destas condições encontra-se apenas em sua fase inicial. De uma vez, com um só golpe revolucionário, fez-se tudo o que se pode, em geral, fazer de imediato: por exemplo, já no primeiro dia da ditadura do proletariado, 26 de outubro de 1917 (8 de novembro de 1917), foi abolida a propriedade privada da terra e foram expropriados sem indenização os grandes proprietários de terra. Em alguns meses foram expropriados, também sem indenização, quase todos os grandes capitalistas, os donos de fábricas, empresas de sociedade anônima, bancos, estradas de ferro, etc. A organização da grande produção industrial pelo Estado, a passagem do «controle operário» à «administração operária» das fábricas e estradas de ferro já estão realizadas em seus traços mais importantes e fundamentais; mas em relação à agricultura isto apenas começou (as «explorações soviéticas», grandes explorações agrícolas organizadas pelo Estado operário em terras do Estado). Igualmente apenas começou a organização das diferentes formas de cooperação entre pequenos lavradores, como a passagem da pequena produção agrícola mercantil para a agricultura comunista.(1) O mesmo se pode dizer da organização estatal da distribuição dos produtos em substituição ao comércio privado, isto é, no que se refere à estocagem e ao envio pelo Estado de cereais às cidades e de artigos industriais ao campo. Mais adiante daremos os dados estatísticos que temos sobre esta questão.

A economia camponesa continua sendo uma pequena produção mercantil. Há aqui para o capitalismo uma base extraordinariamente ampla e dotada de raízes muito profundas e sólidas. Sobre esta base o capitalismo se mantém e renasce, lutando da maneira mais encarniçada contra o comunismo. As formas desta luta são: a venda clandestina e a especulação contra a estocagem estatal de grão (bem como de outros produtos) e em geral contra a distribuição estatal dos produtos.

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Para ilustrar estas teses teóricas abstratas, apresentaremos dados concretos.

A estocagem estatal de cereais na Rússia, segundo dados do Comissariado do Povo de Abastecimento, atingiu, de 1º de agosto de 1917 a 1º de agosto de 1918, cerca de 30 milhões de puds. No ano seguinte, cerca de 110 milhões de puds. Nos três primeiros meses da campanha de estocagem seguinte (1919/1920), alcançou-se, ao que parece, cerca de 45 milhões de puds, contra 37 milhões nos mesmos meses (agosto/outubro) do ano de 1918.

Estas cifras revelam claramente um melhoramento lento, mas constante, no sentido da vitória do comunismo sobre o capitalismo. Obtém-se este melhoramento apesar das inauditas dificuldades motivadas pela guerra civil, que os capitalistas russos e estrangeiros organizam, empenhando todas as forças das potências mais poderosas do mundo.

Por isso, por maiores que sejam as mentiras e calúnias dos burgueses de todos os países e de seus cúmplices declarados ou disfarçados (os «socialistas» da II Internacional), é indubitável que do ponto-de-vista do problema econômico fundamental da ditadura do proletariado, está assegurada em nosso país a vitória do comunismo sobre o capitalismo. Se a burguesia de todo o mundo está enraivecida e enfurecida contra o bolchevismo, se organiza invasões armadas, conspirações, etc., contra os bolcheviques, é precisamente porque compreende muito bem a inevitabilidade de nossa vitória na reestruturação da economia social, a menos que nos esmague pela força militar. Mas não consegue nos esmagar por esse processo.

O quadro que se segue permite ver exatamente em que medida já vencemos o capitalismo, no pouco tempo que nos foi concedido e entre as dificuldades sem precedentes em que nos vimos obrigados a atuar. A Direção Central de Estatística acaba de preparar para a imprensa dados sobre a produção e o consumo de cereais, não de toda a Rússia, mas de apenas 26 províncias.

Eis aqui as cifras:

26 províncias da Rússia soviética População (em milhões) Produção de cereais (exclusive sementes e forragens) (em milhões de puds) Cereais fornecidos Total de cereais de que dispunha a população (em milhões de puds) Consumo de cereais por habitante (em puds)
pelo Comissariado de Abastecimento pelos especuladores
(em milhões de puds)
Províncias produtoras Cidades
4,4
- 20,9 20,6 41,5 9,5
Aldeias
28,6
625,4 - - 481,8 16,5
Províncias consumidoras Cidades
5,0
- 20,0 20,0 40,0 6,8
Aldeias
13.8
114,0 12,1 27,8 151,4 11,0
Total (26 províncias) 52,7 739,4 53,0 68,4 714,7 13,6

Assim, pois, aproximadamente a metade do grão para as cidades é fornecida pelo Comissariado do Abastecimento; a outra metade, pelos especuladores. O levantamento completo da alimentação dos operários das cidades em 1918 deu precisamente esta proporção. Lembremos que os operários pagam pelo cereal fornecido pelo Estado nove vezes menos do que pelos dos especuladores. O preço de especulação é dez vezes maior do que o preço do Estado. Isso se verifica pelo estudo consciencioso do orçamento dos operários.

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Os dados citados, se bem estudados, proporcionam um material exato sobre todos os traços fundamentais da economia atual da Rússia.

Os trabalhadores foram libertados de seus opressores e exploradores seculares, os latifundiários e capitalistas. Este progresso da verdadeira liberdade e da verdadeira igualdade, progresso que por sua grandeza, extensão e rapidez não tem precedentes no mundo, não foi levado em consideração pelos partidários da burguesia (inclusive os democratas pequeno-burgueses), que falam de liberdade e de igualdade no sentido da democracia burguesa parlamentar, chamando-a falsamente de «democracia» em geral ou «democracia pura» (Kautsky).

Mas os trabalhadores levam em consideração precisamente a verdadeira igualdade, a verdadeira liberdade (a que implica sua libertação dos latifundiários e capitalistas), e por isso apoiam com tanta firmeza o Poder Soviético.

Neste país camponês, foram os camponeses em geral os primeiros a se beneficiar, os que mais ganharam e os que imediatamente gozaram os benefícios da ditadura do proletariado. Sob o regime dos latifundiários e capitalistas, na Rússia, os camponeses passavam fome. No transcurso de longos séculos de nossa história, os camponeses nunca tiveram a possibilidade de trabalhar para si: passavam fome, entregando centenas de milhões de puds de trigo aos capitalistas, às cidades e ao estrangeiro. Sob a ditadura do proletariado, o camponês pela primeira vez trabalha para si e se alimenta melhor do que o habitante da cidade. O camponês viu pela primeira vez a liberdade de fato: a liberdade de comer seu próprio pão, a liberdade de não passar fome. Estabeleceu-se, como se sabe, a máxima igualdade na repartição das terras: na grande maioria dos casos, os camponeses repartem a terra «pelo número de bocas».

O socialismo é a supressão das classes.

Para suprimir as classes, é preciso, primeiro, derrubar os latifundiários e os capitalistas. Esta parte da tarefa foi cumprida, mas é só uma parte e, além disso, não é a mais difícil. Para abolir as classes é preciso, em segundo lugar, suprimir a diferença entre os operários e os camponeses, convertê-los todos em trabalhadores. Isto não pode ser feito de imediato. Esta é uma tarefa incomparavelmente mais difícil e, necessariamente, de longa duração. Não é uma tarefa que pode ser resolvida com a derrubada de uma classe. Só pode ser resolvida por meio da reorganização de toda a economia social, passando da pequena produção mercantil, individual e isolada, à grande produção coletiva. Esta passagem é, por necessidade, extraordinariamente longa, e as medidas administrativas e legislativas precipitadas e imprudentes fariam somente com que ela se tornasse mais lenta e difícil. Só se pode acelerá-la prestando aos camponeses uma ajuda que lhes permita melhorar em enormes proporções toda a técnica agrícola, transformando-a radicalmente.

Para resolver esta segunda parte da tarefa, a mais difícil, o proletariado, depois de ter vencido a burguesia, deve aplicar inalteravelmente a seguinte linha fundamental em sua política em relação aos camponeses: o proletariado deve distinguir, diferenciar os camponeses trabalhadores dos camponeses proprietários, o camponês trabalhador do camponês mercador, o camponês laborioso do camponês especulador.

Nesta delimitação reside toda a essência do socialismo.

É não é estranho que os socialistas em palavras e democratas pequeno-burgueses de fato (os Martov e os Tchernov, os Kautsky e Cia.) não compreendam esta essência do socialismo.

A delimitação aqui indicada é muito difícil, pois na vida prática todos os traços próprios do «camponês», por mais variados e contraditórios que sejam, formam um todo único. Não obstante, a delimitação é possível, e não só possível, como deriva inevitavelmente das condições da economia e da vida do camponês. O camponês trabalhador foi oprimido durante séculos pelos latifundiários, pelos capitalistas, pelos mercadores, pelos especuladores, e por seu Estado, inclusive as repúblicas burguesas mais democráticas. O camponês trabalhador foi formando durante séculos seu ódio e sua animosidade contra estes opressores e exploradores, e esta «formação», produto da própria vida, força os camponeses a buscar a aliança com os operários contra os capitalistas, contra o especulador, contra o mercador. Mas, ao mesmo tempo, as circunstâncias econômicas, as circunstâncias da economia mercantil, convertem de modo inevitável o camponês (não sempre, mas na grande maioria dos casos) em mercador e especulador.

Os dados estatísticos acima citados mostram com clareza a diferença que existe entre o camponês trabalhador e o camponês especulador. Os camponeses que em 1918/1919 deram aos operários famintos das cidades 40 milhões de puds de grão, aos preços de tabela fixados pelo Estado e através dos organismos estatais, apesar de todos os defeitos destes organismos, defeitos perfeitamente conhecidos pelo governo operário, mas irremediáveis no primeiro período de transição para o socialismo, estes camponeses são camponeses trabalhadores, camaradas dos operários socialistas com todos os direitos, seus aliados mais seguros, seus irmãos de sangue na luta contra o jugo do capital. Mas esses outros camponeses que venderam às escondidas 40 milhões de puds de grão a um preço dez vezes maior do que o fixado pelo Estado, aproveitando-se da penúria e da fome do operário da cidade, fraudando o Estado, aumentando e engendrando em todo lugar o embuste, a pilhagem e as manobras fraudulentas, esses camponeses são especuladores, são aliados dos capitalistas, são inimigos da classe operária, são exploradores. Com efeito, ter excedentes de trigo colhido nas terras que pertencem ao Estado, com a ajuda de instrumentos em cuja fabricação foi invertido, de um ou outro modo, não só esforço do camponês, mas também do operário, etc., ter excedentes de trigo e especular com eles significa ser um explorador do operário faminto.

Os senhores violam a liberdade, a igualdade, a democracia — gritam-nos de todos os lados, assinalando-nos a desigualdade que nossa Constituição estabelece entre o operário e o camponês, a dissolução da Assembleia Constituinte, a entrega obrigatória dos excedentes de trigo, etc. Nós respondemos: não houve no mundo Estado que tenha feito tanto para eliminar a desigualdade e a falta de liberdade que de fato o camponês trabalhador sofreu durante séculos. Mas nunca reconheceremos a igualdade com o camponês especulador, como não reconheceremos a «igualdade» do explorador com o explorado, do farto com o faminto, a «liberdade» do primeiro de roubar o segundo. É aqueles homens instruídos que não querem compreender estas diferenças nós aremos como tratamos os guardas brancos, ainda que se chamem democratas, socialistas, internacionalistas, Kautsky, Tchernov, Martov.

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O socialismo é a supressão das classes. A ditadura do proletariado fez nesse sentido tudo o que estava a seu alcance. Mas as classes não podem ser suprimidas de um só golpe.

E as classes permaneceram e permanecerão durante a época da ditadura do proletariado. A ditadura deixará de ser necessária quando desaparecerem as classes. E sem a ditadura do proletariado as classes não desaparecerão.

As classes permaneceram, mas cada uma delas modificou-se na época da ditadura do proletariado; variaram igualmente as relações entre elas. A luta de classes não desaparece sob a ditadura do proletariado; o que ocorre é que ela ganha outras formas.

O proletariado, sob o capitalismo, era uma classe oprimida, desprovida de toda propriedade sobre os meios de produção, a única classe oposta direta e inteiramente à burguesia, e por isso a única capaz de ser revolucionaria até o fim. O proletariado, ao derrubar a burguesia e conquistar o poder político, converteu-se na classe dominante: tem em suas mãos o poder do Estado, dispõe dos meios de produção já socializados, dirige os elementos e as classes vacilantes, intermediarias, esmaga a resistência dos exploradores, que se manifesta com energia crescente. Estas são as tarefas especiais da luta de classes, tarefas que antes o proletariado não colocara nem podia colocar diante de si.

A classe dos exploradores, dos latifundiários e capitalistas, não desapareceu, nem pode desaparecer de imediato, sob a ditadura do proletariado. Os exploradores estão derrotados, mas não aniquilados. Resta-lhes uma base internacional, o capital internacional, do qual são um ramo. Restam-lhes alguns meios de produção, dinheiro, amplíssimos vínculos sociais. Sua força de resistência aumentou, precisamente em virtude de sua derrota, centenas e milhares de vezes. Sua «arte» no governo do Estado, no comando do Exército, na direção da economia, proporciona-lhes uma superioridade muito grande, e, portanto, uma importância incomparavelmente maior do que a que lhes corresponde por seu número entre o conjunto da população. A luta de classes dos exploradores derrubados contra a vitoriosa vanguarda dos explorados, isto é, contra o proletariado, tornou-se incomparavelmente mais encarniçada. Isto não pode ser de outro modo se se fala da revolução, se não se substitui este conceito (como fazem todos os heróis da II Internacional) por ilusões reformistas.

Por último, os camponeses, bem como toda a pequena burguesia em geral, ocupam também sob a ditadura do proletariado uma situação intermediaria: por um lado, representam uma massa de trabalhadores bastante considerável (e na Rússia atrasada, uma massa imensa), unida pelo interesse, comum a todos os trabalhadores, de emancipar-se do latifundiário e do capitalista; e, por outro lado, são pequenos patrões isolados, pequenos proprietários e comerciantes. Tal situação econômica provoca inevitavelmente sua oscilação entre o proletariado e a burguesia. Nas condições da juta aguçada entre estes últimos, da subversão extraordinariamente brusca de todas as relações sociais, e diante do hábito do velho, do rotineiro, do invariável, tão arraigado precisamente entre os camponeses e pequeno-burgueses em geral é lógico que observemos inevitavelmente entre eles evasões de um campo para outro, vacilações, reviravoltas, insegurança, etc.

Em relação a esta classe — ou a estes elementos sociais cabe ao proletariado a tarefa de dirigi-la, de lutar pela influência sobre ela. Conduzir atrás de si os vacilantes e instáveis é o que deve fazer o proletariado.

Se confrontamos todas as forças ou classes fundamentais e suas relações mútuas modificadas pela ditadura do proletariado, veremos que ilimitado absurdo teórico, que estupidez constitui a opinião pequeno-burguesa, em voga entre todos os representantes da II Internacional, de que se pode passar ao socialismo «por meio da democracia» em geral. A base deste erro está no preconceito, herdado da burguesia, de que a «democracia» tem um conteúdo absoluto, independente das classes. Mas, de fato, a democracia passa a uma fase inteiramente nova sob a ditadura do proletariado, e a luta de classes se eleva a um grau superior, submetendo a seu domínio todas e cada uma das formas políticas.

Os lugares-comuns sobre liberdade, igualdade e democracia equivalem no fundo a uma repetição cega de conceitos que constituem uma cópia fiel das relações de produção mercantis. Querer resolver por meio destes lugares-comuns as tarefas concretas da ditadura do proletariado, significa passar-se em toda a linha para as posições teóricas e de princípio da burguesia. Do ponto-de-vista do proletariado, a questão só pode ser colocada da seguinte maneira: libertação da opressão exercida por qual classe? Igualdade entre que classes? Democracia com base na propriedade privada ou com base na luta pela supressão da propriedade privada? É assim por diante.

Em seu Anti-Dühring, Engels esclareceu há muito que a noção de igualdade, sendo uma cópia fiel das relações de produção mercantis, transforma-se em preconceito, se não se compreende a igualdade no sentido da supressão das classes. Esta verdade elementar relativa à diferença entre a concepção democrático-burguesa e a socialista sobre a igualdade é constantemente esquecida. Quando não é esquecida, torna-se evidente que o proletariado, ao derrubar a burguesia, dá com isso o passo mais decisivo em direção à supressão das classes, e que para atingir isto, o proletariado deve continuar sua luta de classe utilizando o aparelho do poder do Estado e aplicando diferentes métodos de luta, de influência, de ação em relação à burguesia derrubada e à pequena burguesia vacilante.

(Continua)
30/X/1919


Notas de rodapé:

(1) O número de “explorações soviéticas” e de “comunas agrícolas” na Rússia Soviética é de cerca de 3 536 e 1 961, respectivamente; o número de artéis agrícolas é de 3 696. Nossa Divisão Central de Estatísticas efetua atualmente um censo completo de todas as fazendas soviéticas e comunas. Os primeiros resultados serão conhecidos em novembro de 1919. (retornar ao texto)

Inclusão: 11/02/2022
Última atualização: 12/04/2024