Informe sobre o imposto em espécie
X Conferência do PC(b) da Rússia - 26/28 de maio de 1921

Vladimir Ilitch Lênin

26 de maio de 1921


Primeira edição: Publicado, nos dias 27 e 28 de maio de 1921, no Boletim da Conferência do C. C. (bolchevique) da Rússia, nº 1 e 2. V I. Lênin, Obras, 4.ª ed. em russo, t. 32, págs. 380/394

Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 564-577

Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz

HTML: Fernando Araújo.

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Camaradas:

Tive que examinar para o Partido a questão do imposto em espécie, em um folheto que suponho conhecido pela maioria dos aqui presentes. Para mim, pessoalmente, o fato de esta questão ter sido posta em debate na conferência do Partido foi um tanto inesperado, no sentido de que não possuía materiais relativos à necessidade de uma colocação deste assunto, na ordem-do-dia, mas muitos dos camaradas que estiveram em diferentes lugares, e em particular o camarada Osinski, depois de sua viagem por diversas províncias, informaram ao CC — e isto foi confirmado por vários outros camaradas — que em plano local a política traçada em relação ao imposto em espécie contínua em grande parte sem ter sido esclarecida e inclusive não é compreendida. Em vista da extraordinária importância desta política, o exame adicional na conferência do Partido era tão necessário que se decidiu convocar a conferência antes do prazo fixado. Fui encarregado de fazer uma exposição preliminar do significado geral desta política, e era meu desejo limitar-me a acrescentar ligeiras observações ao que foi dito por mim no folheto. Não tenho um conhecimento direto de como está colocada agora a questão em plano local, das deficiências, falhas e confusões que mais se fazem sentir nos diferentes lugares. Provavelmente terei que dar explicações complementares quando, através da discussão das questões colocadas na conferência ou dos debates posteriores, se enxergar com clareza em que direção devem concentrar agora sua atenção os funcionários locais e o Partido.

Pelo que pude perceber, os mal-entendidos e a insuficiente clareza quanto à compreensão das tarefas políticas relativas ao imposto em espécie e à nova política econômica devem-se, talvez, a exageros de um ou outro aspecto da questão. Mas, enquanto não colocarmos praticamente a questão, são inevitáveis exageros deste tipo, e enquanto não fizermos pelo menos uma campanha de abastecimento com base nos novos princípios, dificilmente poderemos traçar com alguma exatidão os limites efetivos da aplicação de uma ou outra particularidade desta política. Deter-me-ei somente no exame geral de algumas contradições que, a julgar por algumas notas que chegaram a mim nesta reunião, são as que provocaram maiores incompreensões. Amiúde se interpretam o imposto em espécie e as mudanças em nossa política vinculada a ele no sentido de que se trata de uma mudança radical de nossa política. Não é de estranhar que tal interpretação seja incentivada com todo empenho pela imprensa estrangeira dos guardas brancos, principalmente a esserrista e a menchevique. Mas não sei se, em virtude de certa influência de ações análogas que se faz sentir também no território da RSFSR, ou em virtude de um descontentamento acentuado que se manifestou em certos setores e que possivelmente ainda se faz sentir em consequência do extraordinário agravamento da situação em relação ao abastecimento, talvez incompreensões deste gênero tenham logrado certa difusão também entre nós e tenham dado lugar, em medida considerável, a uma ideia errônea do significado da mudança efetuada e do caráter da nova política.

É natural que, dado o enorme predomínio da população camponesa, nossa principal tarefa — tanto da política geral como da política econômica em particular — consista em fixar determinadas relações entre a classe operária e os camponeses. Pela primeira vez na história contemporânea encontramo-nos diante de um regime social em que foi afastada do palco a classe exploradora, mas existem duas classes diferentes: a classe operária e o campesinato. O imenso predomínio dos camponeses não podia deixar de se refletir na política econômica e em toda a política em geral. Para nós a questão principal contínua sendo — e necessariamente ainda o será por muitos anos — o estabelecimento correto das e ações entre essas duas classes, correto do ponto-de-vista a abolição das classes. Os inimigos do Poder Soviético detêm-se frequentemente na fórmula do acordo entre a classe operária e o campesinato e utilizam-na com frequência não menor contra nós, por ser esta fórmula, em si, inteiramente imprecisa. Por acordo entre a classe operária e o campesinato pode entender-se o que se quiser. Se não se tem presente que, do ponto-de-vista da classe operária, o acordo só é tolerável, correto e possível em princípio quando apoia a ditadura da classe operária e constitui uma das medidas no sentido da supressão das classes, a fórmula do acordo da classe operária com o campesinato não é, naturalmente, senão uma fórmula que faz parte das concepções de todos os inimigos do Poder Soviético e de todos os inimigos da ditadura. De que modo realizar este acordo no primeiro período de nossa revolução, isto é, no período que podemos agora considerar, aproximadamente, que estamos atravessando? De que modo se manteve e se consolidou a ditadura do proletariado, considerando o enorme predomínio da população camponesa? A causa principal, o móvel principal e o principal fator determinante do nosso acordo foi a guerra civil. A guerra civil que, embora frequentemente tenha começado com a participação dos guardas brancos, dos esserristas e mencheviques, unidos contra nós, foi tornando inevitável que todos os elementos esserristas partidários da Assembleia Constituinte e os mencheviques fossem relegados a segundo plano, por um golpe de Estado ou sem ele, e que à frente dos guardas brancos se colocassem exclusivamente os elementos capitalistas e os latifundiários. Assim ocorreu no governo de Koltchak e Denikin e em todos os numerosos governos e campanhas militares de menor significação empreendidas contra nós. Este foi o principal fator determinante da forma de aliança do proletariado com os camponeses. Esta circunstância criou-nos uma multidão de dificuldades incríveis, mas, por outro lado, eximiu-nos de árduas especulações sobre como devia ser aplicada a fórmula da aliança entre a classe operária e o campesinato, já que esta fórmula e as condições reinantes eram ditadas pelas contingências da guerra com absoluta premência, sem nos deixar margem para a menor opção.

Só a classe operária podia realizar a ditadura na forma em que era exigida pela guerra e pelas condições da guerra civil. A participação dos latifundiários nesta guerra uniu a classe operária e os camponeses de modo inevitável, incondicional e irrevogável. Neste sentido não houve vacilação alguma na política interna. Devido às gigantescas dificuldades que surgiram diante de nós em consequência do fato de que a Rússia viu-se isolada de suas principais zonas produtoras de cereais, e devido a que as dificuldades em matéria de abastecimento eram extremamente graves, nossa política de abastecimento não poderia ter sido aplicada sem o sistema de entrega obrigatória dos excedentes. Este sistema não significava somente a expropriação dos excedentes, que só teriam sido suficientes se houvesse também uma justa distribuição. Não posso deter-me agora no exame pormenorizado das irregularidades que trouxe consigo o sistema de entregas obrigatórias. Em todo caso, este sistema cumpriu o que lhe cabia: fazer com que subsistisse a indústria mesmo nos momentos em que nos vimos mais isolados das zonas produtoras de cereais. Pois bem, este sistema só podia ser mais ou menos satisfatório na situação de guerra. Quando acabamos realmente com o inimigo exterior — e isto só foi feito em 1921 — colocou-se para nós outra tarefa, a da aliança econômica entre a classe operária e os camponeses. Só na primavera de 1921 propusemo-nos a fundo este objetivo. Isso ocorreu quando a má colheita de 1920 piorou incrivelmente a situação dos camponeses, quando pela primeira vez atravessamos, até certo ponto, vacilações políticas internas, vinculadas não à investida dos inimigos externos, mas às relações entre a classe operária e o campesinato. Se em 1920 tivéssemos tido uma colheita muito boa, ou pelo menos uma boa colheita, se tivéssemos reunido 400 milhões de puds dos 420 fixados pelo plano de requisição de excedentes, teríamos podido cumprir em grande parte nosso programa industrial e teríamos tido à nossa disposição um determinado fundo para trocar artigos industriais da cidade por produtos agrícolas. Mas ocorreu o contrário. Sobreveio a crise de combustíveis, em alguns lugares ainda mais aguda do que a de abastecimento, e vimo-nos diante da impossibilidade absoluta de fornecer à economia camponesa produtos da cidade. Sobreveio uma crise extraordinariamente aguda da economia camponesa. Dessas circunstâncias decorria que não podíamos, de modo algum, manter a anterior política de abastecimento. Devíamos colocar na ordem-do-dia uma nova questão: averiguar quais as bases econômicas da aliança entre a classe operária e o campesinato que nos eram imediatamente necessárias, como transição para medidas posteriores.

A medida de transição com vistas a providências subsequentes resume-se em preparar o intercâmbio de artigos industriais por produtos agrícolas, em chegar a uma ordem de coisas na qual os camponeses não tenham que entregar produtos senão em troca de artigos urbanos e fabris; mas, evidentemente, este intercâmbio não deveria abranger a totalidade das formas vigentes no regime capitalista. Mas, em virtude das condições econômicas, não pudemos sequer pensar nisto. Por isso, adotamos a forma de transição da qual falei antes, isto é: receber produtos a título de imposto, sem equivalente algum, e obter produtos suplementares através o intercâmbio de mercadorias; mas para isso é indispensável contar com disponibilidades correspondentes de mercadorias, e as nossas são extremamente insignificantes. Só este ano se nos apresenta a oportunidade de aumentá-las por meio do comércio com o estrangeiro em consequência de uma série de tratados com as potências capitalistas. É certo que por estes tratados não são senão a introdução, o preâmbulo; ainda não começou, hoje, o verdadeiro comércio. A sabotagem e as tentativas de toda espécie para torpedear estes acordos pela maioria ou grande parte dos círculos capitalistas prosseguem incessantemente, e o mais significativo é que a imprensa russa dos guardas brancos, incluída a esserrista e a menchevique, concentra seus ataques nestes acordos talvez com mais energia e entusiasmo do que em qualquer outra coisa. É mais do que evidente que a burguesia está mais preparada para a luta, está mais adestrada do que o proletariado, e sua consciência de classe aguçou-se ainda mais com todos os «contratempos» que vem sofrendo, razão pela qual ela mostra uma sensibilidade muito mais alta do que normalmente. Basta examinar a imprensa dos guardas brancos para observar que desfere seus golpes cabalmente contra o ponto que constitui o centro, o eixo de nossa política.

Depois do fracasso da invasão armada, que foi derrubada irremediavelmente, embora ainda continue a luta, toda a imprensa russa dos guardas brancos se propõe um objetivo irrealizável: fazer fracassar os acordos comerciais. Esta campanha, que foi empreendida nesta primavera em proporções extraordinárias — sendo de notar que os esserristas e mencheviques ocuparam o primeiro lugar entre as forças contrarrevolucionárias — tendia a um fim determinado: frustrar para a primavera os acordos econômicos entre a Rússia e o mundo capitalista. Esta finalidade foi conseguida em parte considerável. É certo que concertamos os acordos fundamentais, que o seu número aumenta e que estamos vencendo a resistência que atualmente se nos opõe com redobrado empenho, mas a demora resultante é muito perigosa para nós, pois, sem uma determinada ajuda do estrangeiro, o restabelecimento da grande indústria e de um correto intercâmbio de mercadorias ou é impossível ou implica um intervalo acompanhado de extraordinários riscos. Estas são as condições em que devemos atuar, as condições que promoveram ao primeiro plano a questão do restabelecimento do comércio para os camponeses. Não vou referir-me à questão das concessões, porque é a que mais se debateu nas reuniões do Partido e ultimamente não tem provocado dúvidas. Como antes, continuamos insistentemente oferecendo concessões, mas até agora os capitalistas estrangeiros não receberam uma só concessão de importância, até agora não assinamos um só tratado que dê concessões consideráveis. A dificuldade está em encontrar um procedimento praticamente comprovado que nos permita atrair capital da Europa ocidental.

Teoricamente é indiscutível para nós — e parece-me que se dissiparam as dúvidas de todos a este respeito — teoricamente, repito, é mais do que evidente que nos convém pagar um resgate ao capital europeu de algumas dezenas ou centenas de milhões de rublos, que ainda poderemos dar-lhes, para aumentar no mais curto prazo as reservas de ferramentas, materiais, matéria-prima e máquinas, a fim de restaurar nossa grande indústria.

A única base efetiva para consolidar os recursos, para criar a sociedade socialista, é a grande indústria. Sem a grande fábrica capitalista, sem uma grande indústria de alto nível não cabe sequer falar em geral de socialismo, com muito maior razão em um país camponês. Na Rússia sabemos isto de modo muito mais concreto que antes, pelo que hoje falamos não de maneira indeterminada ou abstrata de restabelecimento da grande indústria, mas de um plano preciso, exato e concreto de eletrificação. Temos um plano calculado com toda exatidão, por meio do concurso dos melhores especialistas e cientistas russos, que nos permite formar uma ideia completa dos recursos com que, levando em conta as particularidades naturais da Rússia, podemos e devemos estabelecer e estabeleceremos nossa economia com base na grande indústria. Sem isto não é concebível qualquer fundamento socialista efetivo de nossa vida econômica. Isto contínua sendo absolutamente indiscutível, e se ultimamente se falou disso de forma abstrata em relação ao imposto em espécie, é preciso agora afirmar de maneira concreta que é necessário restaurar antes de tudo a grande indústria. Pessoalmente ouvi a esse respeito de alguns camaradas manifestações às quais, como é lógico, respondi com um encolher de ombros. Desde já, naturalmente, é inteiramente ridículo e absurdo permitir que possamos esquecer alguma vez este objetivo fundamental. Só resta esclarecer como puderam surgir tais dúvidas e incompreensões entre os camaradas, como estes puderam pensar que foi deslocada para um segundo plano esta tarefa fundamental, primordial, sem a qual e impossível a base material de produção inerente ao socialismo. Estes camaradas simplesmente compreenderam de modo errôneo a correlação entre nosso Estado e a pequena indústria. Nossa tarefa essencial baseia-se na restauração a grande indústria. Mas, para passar de modo sério e sistemático ao restabelecimento desta grande indústria, é preciso restaurar a pequena. Neste ano e no ano passado tivemos a enorme pausa em nosso trabalho de reconstrução da grande indústria.

No outono e no inverno de 1920 foram postos em atividade alguns dos ramos importantes da nossa grande indústria, mas foi preciso interromper o trabalho iniciado. Em consequência de quê? Havia muitas fábricas que podiam contar com mão-de-obra suficiente, que podiam abastecer-se de matéria-prima. Por que deixaram de funcionar estas fábricas? Porque não dispúnhamos das reservas suficientes de produtos alimentícios e combustíveis. Sem dispor de 400 milhões de puds de cereais (dou uma cifra aproximada) nos armazéns do Estado, além de uma justa distribuição mensal, sem isto é difícil falar em uma edificação econômica acertada, em restaurar a grande indústria; sem isto nos encontramos em uma situação tal que novamente se deteve por alguns meses o trabalho que já havíamos iniciado no sentido de restaurar a grande indústria. Agora, está paralisada a imensa maioria do escasso número de empresas que haviam sido postas em atividade. Sem reservas de produtos alimentícios plenamente garantidas e suficientes, não cabe sequer falar em que o Estado possa concentrar sua atenção, possa levar a cabo de modo sistemático o restabelecimento da grande indústria, ainda que seja apenas numa proporção modesta, mas ininterrupta.

Quanto ao combustível, enquanto não for restaurada a bacia do Donetz, enquanto não recebermos petróleo com regularidade, continuaremos dispondo unicamente de lenha e, portanto, continuaremos dependendo dessa mesma pequena exploração camponesa.

Por isso incorreram em erro, em uma confusão de pensamento, os camaradas que não compreenderam porque se deve, no momento atual, dar a atenção principal aos camponeses. Alguns operários dizem: aos camponeses faz-se uma certa concessão, mas a nós não se dá coisa alguma. Pudemos ouvir manifestações semelhantes, mas é preciso dizer, assim o creio, que não estão muito difundidas, pois se deve dizer que são perigosas, porque são um eco da formulação esserrista da questão; trata-se de evidente provocação política e, além disso, de resíduo de preconceitos gremiais dos operários, preconceitos que não são classistas, mas de caráter profissional. Esses preconceitos fazem com que a classe operária se considere parte da sociedade capitalista supostamente baseada na igualdade de direitos, e com que não compreenda que contínua mantendo-se nessa mesma base das relações capitalistas: aos camponeses fizeram uma concessão — libertaram-nos do sistema de entregas obrigatórias permitiram-lhes fazer intercâmbio da parte que lhes fica dos excedentes; conosco, os operários, que estamos ao pé do torno, queremos que se faça o mesmo.

O que há no fundo deste ponto-de-vista? Na realidade, a própria ideologia pequeno-burguesa. Uma vez que os camponeses constituem uma parte da sociedade capitalista, a classe operária contínua também sendo parte dessa sociedade. Por conseguinte, se o camponês comercia, também nós devemos comerciar. Nessa questão, sem dúvida, revivem velhos preconceitos que prendem o operário ao velho mundo. Os defensores mais furibundos e inclusive os únicos defensores sinceros do velho mundo capitalista são os esserristas e os mencheviques. Nos demais setores, entre centenas, milhares, e até centenas de milhares de pessoas, não se encontrarão defensores francos do mundo capitalista. Mas nos meios da chamada democracia pura, representada pelos esserristas e mencheviques, subsistem ainda estes exemplares raros, que defendem sinceramente o capitalismo. É quanto maior é a obstinação com que mantêm seu ponto-de-vista, mais perigosa é sua influência sobre a classe operária. São tanto mais perigosos no momento em que a classe operária tem que atravessar períodos de interrupção da produção. A principal base material para o desenvolvimento da consciência de classe do proletariado é a grande indústria, que permite ao operário ver as fábricas em marcha e sentir diariamente a força que poderá realmente suprimir as classes.

Quando os operários vêem desaparecer esta base material de produção, apodera-se de certos setores da classe operária um estado de desequilíbrio, de incerteza, de desesperança, de falta de fé, o que, reunido à provocação direta de nossa democracia burguesa — dos esserristas e mencheviques — exerce determinada influência. Surge então uma psicologia que faz com que também nas fileiras do Partido Comunista haja quem pense assim: ao camponês foi outorgada uma dádiva e, pelo mesmo motivo e com idênticos processos, é preciso dá-la também aos operários. Tivemos que pagar certo tributo a essa psicologia. Naturalmente, o decreto estabelecendo prêmios para os operários, dando-lhes uma parte dos produtos fabris, constitui uma concessão a esse estado de espírito, que tem suas raízes no passado e é fruto da falta de fé e da desesperança. Esta concessão era necessária dentro de certos limites restritos. Foi feita essa concessão, mas não se pode esquecer um instante sequer que fizemos e estamos fazendo uma concessão indispensável do ponto-de-vista estritamente econômico, do ponto-de-vista dos interesses do proletariado. O interesse fundamental e essencialíssimo do proletariado reside na restauração da grande indústria e, com ela, de uma sólida base econômica; então o proletariado consolidará sua ditadura, então levará até o fim com segurança sua ditadura, a despeito de todas as dificuldades de ordem política e militar. Pois bem, por que devíamos fazer esta concessão e por que é extremamente perigoso que se dê a ela mais alcance do que tem? Justamente porque se nos vimos obrigados a seguir este caminho, foi exclusivamente em virtude de condições e dificuldades passageiras em relação ao abastecimento de combustível.

Quando dizemos que é preciso basear as relações com o campesinato não no sistema de entregas obrigatórias, mas no imposto em espécie, qual o principal fator econômico determinante desta política? É o fato de que com o sistema de entregas obrigatórias as pequenas explorações camponesas não tenham uma base econômica apropriada e se vejam condenadas por muitos anos a permanecer inativas, o fato de que a pequena exploração agrícola não possa existir nem se desenvolver, pois o pequeno agricultor perde o interesse em consolidar e desenvolver sua atividade e em aumentar a quantidade de produtos, em consequência do que ficamos sem base econômica. Outra base não temos, não há outra fonte, e sem concentrar em mãos do Estado grandes reservas de víveres não é possível restauração alguma da grande indústria. Por isso, realizamos em primeira etapa esta política, que modifica nossas relações na questão do abastecimento público.

Praticamos esta política para dispor de reservas próprias com vistas à restauração da grande indústria, para que a classe operária se veja livre de toda espécie de interrupções na produção, interrupções que a grande indústria não deve sofrer — nem mesmo a nossa, que tem um aspecto lamentável em comparação com a dos países mais adiantados; para que o proletariado, ao procurar meios de subsistência não tenha necessidade de recorrer a processos que não são proletários, mas especulativos, pequeno-burgueses, coisa que constitui para nós o maior perigo econômico. Por força das penosas condições de nossa realidade, os proletários veem-se obrigados a recorrer a formas de retribuição não proletárias, não relacionadas com a grande indústria, mas pequeno-burguesas, especulativas, e por meio de furtos, ou com trabalhos feitos às escondidas na fábrica, que é uma empresa social, eles conseguem certos artigos e os trocam por produtos agrícolas. Nisto reside nossa mais grave ameaça econômica, o perigo principal para a própria existência do regime soviético. O que agora precisa o proletariado é de realizar sua ditadura de modo tal que se sinta seguro como classe e pise em terreno firme. Mas o terreno que pisa é instável. Em lugar da grande fábrica mecânica que funciona sem interrupção, o proletariado vê outra coisa e tem necessidade de atuar na esfera econômica como um especulador, ou como um pequeno produtor.

Para pô-lo a salvo disto, no atual período transitório, não devemos regatear sacrifícios. A fim de assegurar um restabelecimento ininterrupto, ainda que lento, da grande indústria, não nos será inconveniente brindar com algumas dádivas os capitalistas estrangeiros que tanto as cobiçam, porque agora, do ponto-de-vista da edificação do socialismo, e conveniente pagar mais algumas centenas de milhões de rublos aos capitalistas estrangeiros, mas em troca receber para o restabelecimento da grande indústria as máquinas e materiais que restaurem para nós a base econômica do proletariado, que convertam este em um proletariado firme e não em um proletariado que continue dedicando-se à especulação. Os mencheviques e esserristas aturdiram-nos os ouvidos de tanto gritar que é preciso renunciar às tarefas da ditadura do proletariado, porque o proletariado perdeu suas características de classe. Isto vem sendo proclamado por eles desde 1917, e o espantoso é que no ano que corre continuem proclamando a mesma coisa. Mas, ao ouvir estas acusações, não replicamos que não haja essa perda de características de classe, que não existam contrariedades de espécie alguma: o que dizemos é que as condições da realidade russa e internacional são tais que inclusive quando o proletariado se vê no transe de atravessar um período de perda de suas características de classe e experimentar estas contrariedades, apesar destas falhas ele pode cumprir sua missão de conquistar e manter o poder.

Seria ridículo, idiota e absurdo negar que as condições de desclassificação do proletariado constituem uma contrariedade. No início do ano vimos que, uma vez terminada a luta contra os inimigos externos, e principal perigo, o maior mal era que não podíamos assegurar o funcionamento ininterrupto nas poucas grandes empresas que nos haviam restado. Isto é o fundamental. Sem esta base econômica não pode existir um poder político sólido da classe operária. Para assegurar o restabelecimento constante da grande indústria é preciso organizar o abastecimento público de maneira a assegurar e distribuir com justiça um fundo de cerca de 400 milhões de puds. Sem dúvida, não poderíamos reuni-lo por meio do velho sistema de entregas obrigatórias. Os anos 1920 e 1921 o demonstraram. Agora vemos que, apesar de tudo, por meio do imposto em espécie se pode cumprir esta tarefa, que oferece enormes dificuldades. Com os velhos processos não a cumpriríamos, pelo que devemos preparar novos métodos. Podemos resolver esta tarefa por meio do imposto em espécie e de justas relações com os camponeses, como pequenos produtores. Até agora dedicamos não pouca atenção a demonstrar isto teoricamente.

Creio que, a julgar pela imprensa do Partido e por tudo o que tem sido dito nas reuniões, do ponto-de-vista teórico está plenamente provado que podemos empreender esta tarefa, mantendo em mãos do proletariado o transporte, as grandes fábricas, a base econômica, além do poder político. Devemos dar aos camponeses uma margem suficiente, como pequenos produtores. Sem levantar a economia camponesa não poderemos resolver a situação na questão do abastecimento.

Assim, dentro destes limites, é como devemos enquadrar a questão do desenvolvimento da pequena indústria com base na liberdade de comércio; na liberdade de intercâmbio de mercadorias. Esta liberdade de intercâmbio é o meio que permite criar relações estáveis do ponto-de-vista econômico entre a classe operária e o campesinato. Os dados de que agora dispomos sobre a grandeza da produção agrícola são cada dia mais exatos. No congresso do Partido distribuiu-se um folheto sobre a produção de cereais; foi distribuído entre os delegados do congresso na forma de provas de imprensa. Desde então têm sido reunidos e dados a conhecer novos materiais. Embora já esteja no prelo o folheto com o texto definitivo, ainda não está preparado para ser distribuído na conferência e não posso responder se se chegará a publicá-lo em tempo, antes que termine a conferência. Tomaremos todas as medidas, mas não posso prometer que se conseguirá editá-lo a tempo.

Esta é uma pequena parte do trabalho que realizamos para determinar com a maior exatidão possível o estado da produção agrícola, os recursos de que dispomos.

Não obstante, pode afirmar-se que possuímos dados demonstrativos de que podemos resolver plenamente a tarefa econômica, sobretudo este ano, em que se espera uma colheita não completamente arruinada, como se acreditava que fosse, na primavera. Isto nos dá oportunidade de criar uma reserva de produtos agrícolas a fim de nos consagrarmos inteiramente ao restabelecimento da grande indústria, lento mas incessante.

A fim de resolver a tarefa de criar reservas para a indústria é preciso encontrar as formas das relações com o camponês, com o pequeno proprietário, e não há outra forma senão a do imposto em espécie; ninguém propôs outra forma, nem cabe concebê-la. Mas é preciso dar solução prática a este problema, fixar normas justas para o imposto em espécie, não fazer como antes, em que o recebíamos duas ou três vezes, deixando o camponês em condições muito piores, de modo que o camponês que mais se esforçava era quem mais sofria, com o que desaparecia toda possibilidade de estabelecer relações firmes do ponto-de-vista econômico. O imposto em espécie, sendo também uma medida de confisco para cada camponês, deve ser estabelecido de outro modo. Com base em dados reunidos e publicados anteriormente, pode dizer-se que o imposto em espécie introduzirá agora neste ponto a mudança mais importante, uma mudança decisiva, mas ainda contínua até certo ponto sendo uma incógnita em que medida conseguiremos ordenar tudo. Mas é certo que devemos melhorar imediatamente a situação dos camponeses.

A tarefa coloca-se para os funcionários locais do seguinte modo: tornar plenamente efetivo o imposto em espécie e, além disso, fazê-lo com a maior rapidez possível. A dificuldade é maior porque este ano se espera que a colheita seja feita muito cedo e, se nos prendermos aos prazos habituais de preparação, podemos chegar tarde. Daí a importância e a oportunidade de ter sido adiantada a convocação da conferência do Partido. É preciso trabalhar com maior rapidez do que antes na preparação de todo o aparelho para a cobrança do imposto em espécie. Da rapidez com que se arrecadar este imposto depende que o Estado reúna um fundo mínimo de 240 milhões de puds e seja assegurada a situação dos camponeses. Qualquer demora no recebimento do imposto causa certo prejuízo ao camponês. A entrega do imposto não será voluntária, não poderemos prescindir da coação; o pagamento do imposto dá origem a diversas inconveniências para a economia camponesa. Se dilatamos além da conta o prazo do recolhimento do imposto, o camponês manifestará descontentamento e dirá que não é livre para dispor dos excedentes. Para que a liberdade seja efetiva, é preciso que a cobrança do imposto seja realizada com rapidez, que o cobrador de imposto não gravite por muito tempo em torno do camponês. Isto pode ser conseguido se encurtamos o prazo entre a colheita e a cobrança completa do imposto.

Esta é uma das tarefas; a outra consiste em tornar efetivos nos limites máximos a liberdade de intercâmbio econômico para o camponês e o estímulo à pequena indústria, a fim de dar certa liberdade ao capitalismo que cresce com base na pequena propriedade e no pequeno comércio, e em não temer esse capitalismo, pois para nós ele é inteiramente inofensivo.

Em virtude da conjuntura geral econômica e política que agora surgiu, quando o proletariado tem em suas mãos todas as fontes da grande indústria, quando é inconcebível qualquer desnacionalização, não há razão para temer esse capitalismo. É quando sofremos principalmente por causa da mais completa escassez de produtos, por causa de nosso total empobrecimento, é ridículo temer que constitua uma ameaça esse capitalismo baseado na pequena agricultura mercantil. Temê-lo equivale a não levar em conta para nada a correlação de forças de nossa economia, equivale a não compreender em absoluto que a pequena exploração camponesa, como tal, de modo algum pode ser estável sem certa liberdade de intercâmbio e sem as relações capitalistas que são inerentes a referido intercâmbio.

Camaradas, devemos ter isto bem presente, e nossa principal tarefa consiste em imprimir em toda parte um impulso no plano local, em dar provas da maior iniciativa, da máxima independência e da máxima audácia; até agora nosso defeito quanto a essa questão é que tivemos medo de localizá-la em profundidade. Carecemos de experiência prática acumulada e sintetizada mais ou menos concretamente sobre como marcham as coisas no plano local em relação ao intercâmbio e circulação de mercadorias, e como se conseguiu restaurar e desenvolver em certa medida a pequena indústria, que pode aliviar a situação dos camponeses imediatamente e sem os grandes trabalhos que requer a grande indústria, que consistem em transportar para os grandes centros industriais copiosas reservas de produtos alimentícios e de combustível. Neste sentido, não se faz no âmbito local o suficiente do ponto-de-vista dos interesses econômicos gerais. Não possuímos estes dados sobre a vida local, não sabemos como vão as coisas em toda a república, não contamos com exemplos de uma organização verdadeiramente acertada desta questão. Essa mesma impressão produziu-me o Congresso dos sindicatos e o do Conselho Superior da Economia Nacional.

O defeito principal destes congressos está em que a maior atenção é dedicada a coisas tão batidas como as teses, os programas e especulações gerais, em lugar de as pessoas trocarem realmente em cada congresso experiências locais para que, ao voltarem para seus respectivos lugares, possam dizer: De mil exemplos encontramos um bom, que vamos imitar. Bons exemplos temos não um entre mil, mas muito mais. Mas este método de trabalho é o que está menos em moda.

Não pretendo adiantar-me, mas gostaria de dizer duas palavras sobre o abastecimento coletivo dos operários, isto é, sobre a passagem do sistema de cartões de racionamento a outro que consiste em prover as empresas de determinada quantidade de comestíveis, sempre que funcionem bem e segundo a produção que cada uma apresente. A ideia é excelente, mas convertemo-la em algo semifantástico. Ainda não realizamos neste sentido um trabalho preparatório efetivo. Ainda não temos um exemplo de um distrito ou de uma fábrica, mesmo que só com um pequeno número de operários, onde tenhamos aplicado esta medida e conheçamos os resultados. Não o temos. Esta é a maior deficiência de todo o nosso trabalho. Devemos repetir incansavelmente que, em lugar das questões gerais, oportunas em 1918, isto é, há muito tempo atrás, em 1921, precisamos ocupar-nos da colocação prática dos problemas. Se nos congressos falássemos em primeiro lugar dos lugares onde temos — e por certo em número suficiente — modelos de uma boa organização do trabalho, obrigaríamos os demais a seguir os melhores exemplos que tenham sido alcançados na prática em alguns casos raros, excepcionais. Digo isto referindo-me aos trabalhos do congresso dos sindicatos, mas também a todo o trabalho concernente ao abastecimento.

Em alguns lugares, não muitos, fez-se bastante para preparar o recebimento do imposto em espécie, o intercâmbio de mercadorias, etc. É isto é o que temos sabido estudar. Agora temos a ingente tarefa de fazer com que a imensa maioria das localidades imitem nosso melhor modelo. Devemos empreender este trabalho, passar ao estudo prático da experiência, ao desenvolvimento de nossas comarcas e distritos atrasados e médios, que estão, sem dúvida, em um nível completamente insatisfatório, enquanto o número dos que oferecem resultados altamente satisfatórios é insignificante. É preciso que os congressos prestem a máxima atenção, não ao estudo de teses e programas gerais aprovados em reuniões, e sim à análise das experiências práticas, dos exemplos satisfatórios e mais do que satisfatórios, e à tarefa de elevar as localidades atrasadas e médias, que são as predominantes, até o nível destas outras, não numerosas, mas que existem.

Estas são as observações a que me devo limitar (Aplausos).


Inclusão: 11/02/2022