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Tradução: Eric Marques.
HTML: Lucas Schweppenstette.
“O erro de Hutten foi apenas o mesmo de todos aqueles de carácter profético: isto é, o de ver e desejar imediatamente um ideal brilhante, o qual a Humanidade só pode atingir passo a passo e pouco a pouco após séculos de luta”
Com estas palavras, David Friedrich Strauss acaba o seu romance Hutten. E o que se aplica a Hutten também se aplica a Lassalle na mesma magnitude. Obviamente, não são tomados séculos em consideração no desenvolvimento veloz do capitalismo contemporâneo. Não obstante, o que Lassalle conseguiu conquistar da história em dois anos de fervorosa agitação necessitou de muitas décadas para chegar à superficie. Contudo, é precisamente a esta ilusão de óptica - à qual tudo de carácter profético se sucumbe, e que lhes leva, como gigantes do topo da sua montanha, a iludir-se que os horizontes longíquos lhes são alcançáveis - que temos de responsabilizar pela ousada obra, a partir da qual a Social-Democracia alemã emergiu.
O surgimento de um partido de classe independente foi uma necessidade histórica, decorrente do sistema económico capitalista e da natureza política do estado burguês. A Social-Democracia alemã teria aparecido com ou sem Lassalle, tal como a luta de classes do proletariado internacional se teria tornado no factor predominante da história recente com ou sem Marx e Engels. Ainda assim, o facto de o partido de classe do proletariado alemão ter sobrevido com tanto fulgor e esplendor há 50 anos, mais de duas décadas antes de qualquer outro país, e de servir como um modelo para estes, é graças à obra de vida de Lassalle e à sua máxima: ‘Eu ousei!’.
A luta de classes tem sido o motor no núcleo da história mundial desde que a propriedade privada separou a sociedade humana em exploradores e explorados. A luta do proletariado moderno é meramente a última na série de lutas de classes, que decorre como um fio vermelho no decurso da história escrita. E, mesmo assim, os últimos 50 anos fornecem algo que a história mundial não tinha testemunhado anteriormente: pela primeira vez a grande massa dos explorados emerge numa guerra organizada e significante pela libertação da sua classe. Todas as revoluções anteriores eram de minorias pelo interesse de minorias. E, à medida que os primeiros movimentos do proletariado em Inglaterra e França despoletaram a luta de classes moderna, as massas apareceriam em cena apenas por breves instantes, antes de serem derretidas no retrocesso revolucionário, sendo absorvida na sociedade burguesa, uma e outra vez.
Trazida à existência por Lassalle, a Social-Democracia alemã foi a primeira tentativa histórica de criar uma organização permanente das massas, da maioria do povo, para a luta de classes. Graças à ação política de Lassalle e à teoria de Marx, a Social-Democracia alemã tem resolvido esta tarefa de forma brilhante. A sua história de 50 anos provou que, com base nos interesses de classse do proletariado, é possível unir o derradeiro objetivo da revolução com uma luta quotidiana paciente, que é possível unir teoria científica com a praxis mais sóbria, que é possível unir uma organização firme e disciplinada com o carácter de massas do movimento, que é possível unir entendimento da necessidade histórica com força de vontade consciente e dinâmica.
A história da Social-Democracia alemã até à data pode ser rapidamente resumida como a utilização do parlamentarismo burguês para o esclarecimento e centralização do proletariado no seu partido de classe. Neste rumo, do qual nunca se deixou ser seduzido ou por leis de emergência brutais ou por astúcia demagógica, o nosso partido tem progredido década após década, tornando-se de longe no mais forte partido do Império Alemão e no mais forte partido trabalhista do mundo. Neste sentido, os últimos 50 anos têm visto a implementação do programa de ação de Lassalle, o qual foi concentrado em duas finalidades intimamente relacionadas: a criação de uma organização de classe dos trabalhadores, independente da burguesia liberal; e a conquista do sufrágio universal, de modo a pô-lo ao serviço dos trabalhadores.
A construção desta organização e a sistemática utilização do sufrágio universal - isto foi mais ou menos o legado de Lassalle, e o cerne da Social-democracia nos últimos 50 anos.
Este programa já foi levado até aos seus limites, pelo que, de acordo com a lei da dialética histórica, quantidade deve converter em qualidade, isto é, o imparável crescimento da Social-Democracia, com base e abalizada no parlamentarismo burguês, deve eventualmente transcendê-lo.
O desenvolvimento capitalista da Alemanha, tal como o de toda a restante enconomia mundial, atingiu agora um ponto a partir do qual as condições em que Lassalle realizou a sua grande tarefa aparecem como uma criança desajeitada. Ao passo que, na Europa da época, o esquema dos estados nacionais burgueses ainda estatavam a ser refinados para melhor servir a dominação ilimitada do capital, hoje as últimas regiões não-capitalistas estão a ser engolidas pelo monstro imperialista, e o capital coroa a sua dominação mundial com uma sequência de guerras sangrentas.
Desde o seu nascimento, o parlamentarismo burguês no continente europeu tem sido caracterizado pela sua impotência devido ao medo do espectro vermelho do proletariado revolucionário. Presentemente, este está a ser esmagado pelos cascos de ferro galoper desenfreado do imperialismo; transforma-se numa casca oca, degradado num apêndice impotente do militarismo.
Em 50 anos de trabalho exemplar, a Social-Democracia colheu praticamente tudo o que podia do agora solo empedernecido em termos de proveitos materiais para a classe trabalhadora e para o seu esclarecimento de classe. A mais recente, maior vitória eleitorial do nosso partido mostrou claramente para todos que uma facção de 110 mandatos sociais-democratas na era do delírio imperialista e da impotência parlamentar, longe de alcançar mais no que toca à agitação e reformas sociais do que uma facção com um quarto do seu tamanho, alcançará menos.
E o naufrágio sem remédio do eixo do desenvolvimento político interno da Alemanha atual - os direitos de voto na Prússia - destruiu todas as expectativas de reforma parlamentar através da mera pressão do ato eleitoral.
Tanto na Prússia e no império, a Social-Democracia na sua força total é tornada incapaz à medida que se colide contra a barreira que Lassalle anteviu em 1851:
“Uma assembleia legislativa nunca derrubou nem nunca vai derrubar a ordem existente. Tudo o que uma assembleia tem sempre feito e o que será capaz de fazer é proclamar a ordem existente lá fora, aprovar o já completo derrubamento da sociedade e elaborar nas suas consequências individuais, leis, etc. Contudo, tal assembleia será sempre impotente para derrubar a sociedade que ela própria representa.”
Nós, no entanto, chegámos a um nível de desenvolvimento onde a reivindicação mais urgente e imperativa do proletariado - o direito de voto na Prússia e a milícia do povo no império - sinaliza um verdadeiro derrubamento das relações de classes Prusso-Germânicas existentes. Se a classe trabalhadora quer ir atrás dos seus interesses da vida no parlamamento hoje, então tem que levar a cabo um verdadeiro derrubamento “lá fora”. Se quer tornar o parlamentarismo fértil mais uma vez, então tem que liderar as massas elas próprias ao palco político através de ação não-parlamentar.
A última decada - com a resolução da greve geral em Jena sob a influência da revolução russa e a campanha de manifestações nas ruas na luta pelo direito de voto na Prússia há três anos - mostra claramente que a transição da ação unicamente parlamentar para a ação imparável de massas vai inevitalmente forçar a sua entrada - mesmo que a consciência do partido na Alemanha, como em outros países, seguir apenas este caminho irregularmente, deparando-se com muitos contratempos.
O 50º aniversário da Social-Democracia alemã representa uma orgulhosa e vitoriosa realização do testamento político de Lassale. Todavia é também simultaneamente um aviso ao proletariado socialista para se tornar inteiramente consciente que nada seria mais contrário ao espírito de Lassalle do que seguir a sua rotina desgastada ao seu passo firme e de forma teimosa agarrar-se a um programa táctico que já foi ultrapassado pelo decurso da história.
A grande obra criativa de Lassale consistiu em reconhecer a tarefa do proletariado na hora histórica correta e ousar a cumpri-la com a sua ação destemida. Qual é hoje a continuação da obra de Lassalle? Não é agarrar-se ao seu programa político, mas sim reconhecer as novas grandes tarefas da situação contemporânea e de forma destemida enfrentá-las ao momento certo. Aí, no espírito de Lassalle, também se poderá de si mesmo: ‘Eu ousei!’