A Crise do Sistema Monetário Internacional

Ernest Mandel


Cronologia


1944

Julho.

A Conferência Monetária Mundial tem lugar em Bretton Woods, New Hampshire, com a participação de quarenta e quatro governos.

1960

Outubro.

Washington anuncia que a reivindicação potencial sobre o ouro dos Estados Unidos por detentores de dólares no estrangeiro excede já a oferta dos Estados Unidos. O relatório incita compras especulativas no mercado de ouro em Londres.

16 de Novembro.

O Presidente Eisenhower ordena ao Departamento de Defesa reduzir o número de pessoas dependentes do pessoal militar que moram no estrangeiro, de 484 000 para 200 000.

19 de Novembro.

O Secretário do Tesouro, Robert Anderson, e o Subsecretário, Douglas Dillon, voam à Europa para, numa série de reuniões, discutir o problema da balança de pagamentos dos Estados Unidos. Pedem ao governo da Alemanha Ocidental 600 milhões de dólares para ajudar a cobrir o custo de mantenimento das tropas dos Estados Unidos estacionadas no país. A demanda é recusada por Bonn.

1961

6 de Fevereiro.

O Presidente Kennedy diz ao Congresso que a melhor solução para o problema da balança de pagamentos é reforçar a economia e incrementar as exportações. Também recomenda que o valor das mercadorias isentas de impostos compradas no estrangeiro polos turistas norteamericanos, seja reduzido de 500 para 100 dólares.

10 de Agosto.

A Grã-Bretanha candidata-se a membro do Mercado Comum.

1962

25 de Janeiro.

O Presidente Kennedy submete ao Congresso a aprovação da Lei de Expansão Comercial para 1962, cujos parágrafos abrem caminho para o Round Kennedy, isto é, conversações com vista à chegada de acordos para reducções de tarifas alfandegárias.

21 de Dezembro.

O Presidente Kennedy e o Primeiro Ministro britânico, Harold McMillan, reunem-se em Nassau e anunciam que concordam "desenvolver uma força nuclear multilateral da OTAN em estreita cooperação com os outros aliados da mesma Organização".

1963

Janeiro.

O governo francês veta a entrada da Grã-Bretanha para o Mercado Comum. Depois, a libra esterlina sofre ataques especulativos. A libra é defendida com êxito graças a um empréstimo ao Banco da Inglaterra dos bancos centrais dos Estados Unidos e da Europa de 250 milhões de dólares.

18 de Julho.

O Presidente Kennedy numa mensagem especial ao Congresso, pede uma "taxa de nivelamento de juros" destinada a estorvar a fugida de capital, diminuir o deficit da balança de pagamentos e deter a perda de ouro dos Estados Unidos.

1964

Outubro-Novembro.

Perante um deficit comercial e de pagamentos a piorar mais cada vez, o novo governo britânico anuncia uma sobretaxa de 15% nas importações das mercadorias manufacturadas e medidas para "modernizar" e melhorar o poder de competição da indústria nacional. A declaração, mais do que afirmar a libra nos mercados das financeiros, desencadeia o caminho de converções em larga escala, de libras para outras moedas mais fortes.

25 de Novembro.

A Grã-Bretanha obtém um empréstimo de 3 mil milhões de dólares dos Bancos Centrais europeus e dos Estados Unidos no apoio à libra.

1965

10 de Fevereiro.

Numa mensagem especial ao Congresso, o Presidente Johnson pede que os banqueiros e os industriais norteamericanos cooperem voluntariamente na redução dos seus empréstimos e investimentos no estrangeiro, como forma de reduzir o deficit da balança de pagamentos dos Estados Unidos. Também pede ao Congresso que reduza de 100 para 50 dólares a isenção de pagamentos de imposto sobre as mercadorias compradas no estrangeiro por turistas norte-americanos.

1966

29 de Novembro.

O Presidente Johnson faz público que os programas federais serão atrasados ou cancelados devido aos custos rapidamente crescentes da guerra do Vietnã. (5 600 milhões de dólares serão eliminados do orçamento federal, adicado a estes programas.)

1967

10 de Janeiro.

O Presidente Johnson pede uma sobretaxa de 6% para financiar os crescentes custos da guerra do Vietnã.

2 de Maio.

É anunciado que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos reduzirão as suas forças da OTAN de 41 500 soldados em 1968. A redução das tropas dos Estados Unidos de 30 000 soldados diminuirá, prevê-se, o deficit da balança de pagamentos desse país de 100 milhões de dólares por ano.

3 de Agosto.

O Presidente Johnson pede ao Congresso uma sobretaxa de 10% para cobrir os custas da guerra do Vietnã, devido a que o seu pedido de aumento dos impostos, feito em Janeiro neste órgão, fora retido.

2 de Novembro.

O Ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, George Brown, anuncia que a Grã-Bretanha retirará as suas forças armadas de certas áreas no Médio Oriente. O Ministro chamou a esta medida "o fim da era imperial".

18 de Novembro.

O Governo Trabalhista britânico desvaloriza a libra esterlina, baixando a sua paridade respeito do dólar de 2,80 para 2,40.

1968

1 de Janeiro.

O Presidente Johnson põe restrições aos investimentos norte-americanos no estrangeiro e deu entrada a um programa destinado a dificultar o turismo norteamericano na Europa, a reduzir os gastos do governo no estrangeiro e a estimular as exportações dos Estados Unidos.

16 de Janeiro.

O Primeiro Ministro britânico, Harold Wilson, anuncia uma retirada completa das tropas britânicas do Extremo Oriente e do Golfo Pérsico para 1971, assim como a um novo programa de austeridade. Todas estas medidas estão desenhadas para pemitir "o funcionamento" da devaluação.

Março.

Uma febre internacional de compra de ouro abala os mercados do mundo em primeiro de Março. A causa é a crença dos especuladores de que os Estados Unidos não manterá o preço do ouro em 35 dólares por onça. Em Paris, a 15 de Março, as compras maciças de ouro empurram o preço deste para o nível extremo de todos os tempos, 44,36 dólares por onça. Os membros do Gold Pool (Clube do ouro) de Londres reúnem-se em Washington a 17 de Março para defrontar a crise da diminuição acelerada das suas reservas de ouro e acordam em manter todas as trasações de ouro entre os governos a 35 dólares por onça, não venderão ouro, porém, no mercado privado. Assim, estabelece-se um sistema duplo para o preço do ouro: preços flutuantes no mercado privado e preço fixo de 35 dólares por onça nas transações monetárias oficiais.

1 de Maio.

As reduções de tarifas do Round Kennedy são restabelecidas para ajudar a balança de pagamentos dos Estados Unidos.

Maio-Junho.

As manifestações maciças de estudantes combinam-se com o descontentamento crescente dos operários franceses, gerando a maior greve da história.

Novembro.

Estala outra crise do ouro, desencadeada pola especulação em larga escala quanto a uma possível revalorização do marco alemão e uma desvalorização do franco francês.

1969

Janeiro.

O Departamento do Trabalho dos Estados Unidos informa que a taxa de inflação é a pior desde 1951. O Departamento do Comércio diz que o excedente comercial dos Estados Unidos no último ano foi o mais baixo desde a depressão de 1929-1933. O Departamento do Tesouro anuncia que terá de pagar as taxas de juro mais altas desde a Guerra Civil.

7 de Março.

O preço do ouro aumenta para níveis sem precedentes, empurrado polas especulações de preste queda do franco e o temor de novos estalidos laborais na França.

5 de Maio.

A Grã-Bretanha anuncia as suas intenções de renovar o seu pedido de entrada no Mercado Comum, após a retirada do General De Gaulle.

9 de Junho.

As taxas de juro sobem até alturas nunca alcançadas, numa atmosfera de crise crescente nos mercados financeiros dos Estados Unidos.

24 de Julho.

Chega-se a acordo, após cinco anos de discusões e negociações, quanto à criação dos Special Drawing Rights (Direitos Especiais de Saque: SDR), o primeiro activo de reserva ministrado internacionalmente.

8 de Agosto.

O franco francês é desvalorizado 12,5% em relação ao dólar. A desvalorização foi desencadeada polas perdas maciças do ouro francês e as reservas de dólares.

2 de Setembro.

O Presidente Nixon, para desacelerar a economia, ordena uma redução de 75% em novos contratos para construções do Governo Federal e faz um apelo aos governos locais e estaduais a procederem a eliminações dos projectos de construção financiados com fundos federais.

6 de Outubro.

Anuncia-se que a taxa de desemprego nos Estados Unidos sobeu abruptamente para 4% em Setembro, indicando que o Presidente Nixon alcançou os seus objectivos de provocar uma recessão.

24 de Outubro.

O Chanceler Willy Brandt, chefe do governo social-democrata, no seu primeiro acto importante, revaloriza o marco alemão em 9,3%.

1970

21 de Julho.

Restrições monetárias, má administração, uma grande dívida e a dispersão de capital em vários projectos especulativos combinam-se para forçar o Penn Central Railroad à falência.

1 de Dezembro.

Os dez membros europeus da OTAN concordam num "programa de melhoria da defesa" de mil milhões de dólares, para aliviar as tenções financeiras dos Estados Unidos quanto a OTAN.

4 de Dezembro.

O Departamento do Trabalho dos Estados Unidos anuncia que a taxa de desemprego em Novembro foi de 5,8%, a mais alta desde os últimos sete anos e meio.

1971

7 de Janeiro.

Numa das primeiras manobras destinadas a arrancar a economia dos Estados Unidos à sua quinta recessão do após-guerra, a Reserva Ferderal baixa a taxa de empréstimo de dinheiro aos bancos parceiros, reduzindo esta taxa ao índice mais baixo atingido em nove anos.

8 de Janeiro.

O Departamento do Trabalho dos Estados Unidos anuncia que a taxa de desemprego alcançou 6% em Dezembro, o índice mais alto em nove anos.

11 de Março.

O Presidente Nixon estima que é urgente limitar as importações têxteis.

9 de Maio.

Para desembaraçar-se de dólares, quatro países europeus, chefiados pola Alemanha Ocidental, revalorizam as suas moedas. O marco alemão é declarado flutuante dentro de limites não revelados.

27 de Julho.

As reservas monetárias dos Estados Unidos baixaram em 307 milhões de dólares em Junho, o nível mais baixo desde 1938. O anuncio do Secretário de Comércio, Maurice Stans, avisando o Congresso de que os Estados Unidos achega-se este ano ao seu primeiro deficit comercial do século.

4 de Agosto.

O Banco Central francês anuncia medidas destinadas a deter um fluxo especulativo de dólares para França. A medida provoca um pânico de vendas de dólares em Zurique, Francfurt e Londres.

7 de Agosto.

Uma subcomissão do Congresso, chefiada por Henry S. Reuss, democrata de Wisconsin, anuncia que o dólar está "sobre-valorizado" em relação a outras moedas e deve ser desvalorizado de qualquer maneira. Esta declaração é seguida por um renovado fluxo especulativo sobre o dólar que procura converter quantidades maciças desta moeda em moedas europeias.

13 de Agosto.

O dólar apresenta-se cada vez mais fraco dentro da especulação caótica enquanto os banqueiros, privadamente, propalam que o colapso do sistema de taxas fixas de câmbio negociado em Bretton Woods em 1944 é iminente.

15 de Agosto.

O Presidente Nixon anuncia a sua "nova política económica", a qual contém o fim da livre convertibilidade do dólar em ouro, isto é, uma desvalorização efectiva. Uma série de medidas suplementares desta política são: congelamento de salários, sobretaxa nas importações, e outras que tentam estimular a economia contra a recessão.

23 de Agosto.

Pola primeira vez desde o discurso de Nixon, os mercados financeiros europeus reabrem, numa confusão de taxas de câmbio, fixas e flutuantes.

18 de Dezembro.

Após meses de enorme confusão no comércio e nas finanças internacionais, as dez potências capitalistas mais poderosas chegam a acordo sobre um reajustamento das moedas, incluindo a desvalorização do dólar. O acordo conseguido na Smithsonian Institution, em Washington, não recupera a convertibilidade do dólar em ouro.

1972

13 de Janeiro.

O dólar desce para um nível nunca visto em relação ao marco alemão e enfraquece em relação a outras moedas europeias; enquanto insistentes rumores circulam polos centros financeiros quanto à breve duração dos acordos do mês anterior.

9 de Março.

Perante o anuncio do Banco Central holandês dum endurecimento do contrôle dos câmbios para deter o afluxo de dólares e rumores de medidas semelhantes por parte de outros países, uma febre de especulação atinge o dólar nos mercados internacionais.

1973

6 de Junho.

O New York Times sustenta: "não há confiança no dólar; nem Washington promete defendê-lo", "ninguém sabe a ciência certa quanto é que vale o dinheiro." Durante dezoito meses após a primeira desvalorização do dólar, a termos reais a desvalorização foi de 17%, a libra esterlina desvalorizou-se 10% e a lira italiana 13%. Durante o mesmo período o marco revalorizou-se 11%, o franco suíço 18% e o ien japonês 24%.

17 de Junho.

O Banco de Ajustes Internacionais (Basileia, Suíça), na sua declaração anual, faz referência indirecta ao escândalo Watergate, quando refere o brusco declínio do dólar nos últimos dias. Agrega que o futuro de qualquer novo sistema monetário mundial é incerto. O prevalecente sistema actual de taxas flutuantes estima-se óptimo. De facto, esta livre cotização das divisas neutralizou o que pode considerar-se como a terceira desvalorização do dólar, que se tem desenvolvido de forma "quotidiana e permanente" nos últimos 30 dias.

29 de Junho.

Anuncia-se em Bonn a revalorização do marco em 5,5% quanto aos direitos especiais de saque.

4 de Julho.

O dólar sofre a sua pior queda num só dia em Francfurt, Paris, Zurique, Amsterdam, Bruselas, Oslo, Milão e Estocolmo. Em Paris o Presidente Georges Pompidou declara que "a situação agrava-se consideravelmente; é precisso definir uma política de defesa da França e Europa defrontando esta doença maligna que é a crise da moeda".

Setembro-Outubro.

Faz-se a Assembleia Anual de Governadores do Fundo Monetário Internacional em Nairobi, Quénia. O seu principal objectivo, pôr os cimentos dum novo sistema monetário mundial que reemplace ao decadente sistema do tempo presente baseado no padrão-ouro-dólar, não se realiza com sucesso. Nem as potências imperialistas europeias, nem os Estados Unidos se pusseram de acordo, pois o novo sistema implica sacrifícios que ninguém quer compartir e sim botar nas costas dos outros. Em Nairobi, o máximo ao que se chegou foi a preparar para 1974 o projecto dum novo sistema que se terá de pôr em prática em 1975, isto é, não se chegou a resultados susbstanciais. Todos os delegados reconheceram que o caos actual não pode durar eternamente, e assim o Comitê dos 20 — Constituído polas principais potências capitalistas, encarregadas de delinhar o novo sistema — consciente de que a inflacção ou qualquer outro factor pode desencadear uma crise tão séria como a do fim de ano passado e primeiros deste, comprometeu-se para o próximo mês de Julho em ter esse plano.

O delegado dos Estados Unidos, George Schultz, Secretário do Tesouro (Facenda) opôs-se totalmente a seguir qualquer política de uso dos Direitos Especiais de Saque como forma de financiamento dos países subdesenvolvidos, entanto, segundo ele, seria equivalente a dar-lhe ao Terceiro Mundo "um prelo de bilhetes" que causaria uma inflação sem freno nas suas economias.
O Presidente do Banco Mundial, Robert S. McNamara, apoiou a posição anterior afirmando que "acabaram-se os créditos brandos para Iberoamérica" — a não ser para alguns casos especiais, como Bolívia, Haiti, Paraguay e Chile. Anunciou que se elevarão as taxas de juro dos créditos normais de 6,5% para 8,5% ou 9%. Anunciou, da mesma maneira, que "as necessidades maiores da Ásia e a África" faram-nas prioritárias sobre Latinoamérica. Todas estas medidas devem ser tomadas, segundo ele, pola "espiral inflacionária mundial".

Polo seu lado, o delegado mexicano, o licenciado López Portillo, secretário do Tesouro, declarou que "os países poderosos pertencem à Humanidade, e não a Humanidade aos países poderosos", fazendo-se eco das queixas dos países do Terceiro Mundo, pola discriminação de que são objecto polo Comitê dos 20. Para o delegado mexicano, os países poderosos "não dever exportar os seus problemas monetários" aos outros.

29 de Outubro.

A inflação é o problema principal do comércio, mas os esforços para a combater poderiam redundar num "esganamento" da economia mundial, a não ser que sejam coordenados no nível internacional, advirte o Acordo Geral sobre Aranceles Alfandegários e Comércio (GATT) reunido em Genevra. Num informe especial, o GATT ascrescenta que a falta de coordenação poderia ter "um efeito inflacionário" cada vez mais intenso e extenso, "capaz de reduzir o comércio mundial, a produção e o número de empregados" e engade: "Se bem é pouco provável que as medidas deflacionárias mais radicais impostas polos países em forma individual, tenham efeitos adversos na economia mundial; sim poderiam produzir um afogamento económico se é que são aplicadas à vez por um número de países importantes."

27 de Novembro.

Por segundo dia consecutivo a bolsa de valores de Wall Street experimentou uma das suas baixas mais grandes dos últimos anos, por conseqüência da escasez de petróleo.

Dezembro.

Como principal subproduto económico da guerra de Outubro em Médio Oriente, a crise petroleira ergue-se em fim de ano como catalizadora duma recesão da economia europeia, japonesa e estadounidense.

Os indicadores que os espertos e os órgãos especializados manejam são ameaçantes: a produção desce em Grã-Bretanha, no Japão resente-se duramente a escasez de petróleo, o governo de Bonn reconhece que a economia da Alemanha Federal não crescerá nos próximos anos, na Itália os problemas da sua estagnação também não serão superados em curto prazo e nos Estados Unidos a recesão aguarda-se para o novo ano.

Encerra-se o ano com o anúncio de fortes presões de retardamento do crescimento económico no mundo capitalista, sem que exista, contudo, o menor indício de que a inflação galopante aminorará o seu ritmo.


Inclusão 05/11/2008
Última atualização 14/04/2014