A greve geral – questões estratégicas

Ernest Mandel


Fonte: https://teoriamarxista.wixsite.com/blog-mri/post/greve-geral-1-ernest-mandel

Tradução: Julia Palmberg - da versão disponível em https://www.contretemps.eu/greve-generale-strategie-mandel/

Revisão: Pedro Barbosa

HTML: Fernando Araújo.

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O que é uma greve geral? Por que e como ela pode ser uma estratégia vencedora para derrotar o governo e ir mais longe no sentido de uma transformação revolucionária da sociedade?

Em um contexto de greve renovável e de luta prolongada contra a injusta reforma da previdência que Macron busca impor, Ernest Mandel – militante revolucionário e economista marxista – coloca aqui as grandes perguntas estratégicas associadas à greve geral. Após um retorno às primeiras reflexões marxistas acerca da greve geral, principalmente nos escritos de Rosa Luxemburgo depois da Revolução Russa de 1905, ele se pergunta sob quais condições uma greve geral pode não somente fazer o poder burguês recuar, mas iniciar uma sequência revolucionária de derrubada do capitalismo.

O texto a seguir é a transcrição de uma apresentação de Ernest Mandel durante uma atividade de formação (em uma data desconhecida).

Sumário

A origem da greve geral como modelo para a próxima revolução socialista

1) O que é uma greve geral?

2) A greve geral passiva

3) A greve geral ativa

4) Greve geral autogerida ou dirigida pelas organizações operárias tradicionais

5) Dos comitês de greve aos conselhos operários

6) Dualidade de poder econômico e dualidade de poder político

7) A centralização

8) As lealdades da classe operária às organizações tradicionais e o problema da tomada do poder

9) O armamento operário e a autodefesa

Se nós tratamos da greve geral, é porque nós acreditamos que a greve geral é o modelo mais provável da revolução socialista nos países imperialistas. Evidentemente, não é o único modelo possível; este pressupõe um certo número de hipóteses iniciais confirmadas, a saber, a ausência de uma guerra mundial nos anos seguintes, a ausência de uma vitória do fascismo ou de uma ditadura militar semifascista nos países imperialistas, a manutenção em geral da relação de forças tal como estão atualmente estabelecidas entre os assalariados e o[s detentores do] Capital nesses países. Relações de forças que estão esmagadoramente a favor da classe trabalhadora como jamais vimos antes, ou seja, 80 a 85% – em alguns países até 90% – da população é composta de assalariados.

Estas hipóteses iniciais obviamente não podem ser sempre garantidas. Os camaradas sabem que, durante o Décimo Congresso Mundial [da IV Internacional (1974)], foi dito e adotado por nosso movimento, desde que nos mantenhamos dentro de um limite de tempo razoável, que nos próximos anos, para os quais nos preparamos, acreditamos que essas hipóteses serão provavelmente mantidas. E não se trata de uma especulação, mas um raciocínio, uma lógica interna na adoção dessas hipóteses iniciais: estamos convictos de que uma mudança qualitativa nos três domínios que indiquei acima só é possível se houver de antemão uma enorme derrota da classe trabalhadora.

Então, eis nosso raciocínio: essa derrota pressupõe que a atual ascensão que vai em direção a uma greve geral se encerre negativamente. E é, portanto, perfeitamente justificado analisar, ao contrário, quais são as possibilidades para que essa ascensão proletária, culminando em uma greve geral, se encerre em uma vitória, evitando tal derrota. E é também, portanto, perfeitamente justificado analisar as modificações das condições que permitem a transformação de uma greve geral em uma vitória das revoluções socialistas.

A origem da greve geral como modelo para a próxima revolução socialista

Não é a primeira vez na história do movimento operário que a questão da greve geral é colocada no centro do debate sobre o modelo da próxima revolução socialista. O primeiro debate sobre esse assunto aconteceu no fim do século XIX e foi introduzido pelas tendências anarquistas, principalmente anarco-sindicalistas (sindicalistas revolucionários), e isso em oposição deliberada à tática social-democrata – a luta eleitoral e parlamentar – adotada pela maior parte dos marxistas na época.

Naquele momento os marxistas fizeram uma crítica às teses anarco-sindicalistas que se mantém parcialmente verdadeira e que nós não estamos dispostos a abandonar. A parte essencial de verdade da crítica marxista a essa tese da greve geral sindicalista-revolucionária é que ela subestima o problema do poder político e crê que é suficiente para a classe operária parar o trabalho no plano econômico e retomar a direção das empresas sob seu próprio comando no nível da vida econômica para que a sociedade burguesa colapse. Há uma subestimação grave, catastrófica até, do problema do Estado, do problema do governo, do problema do armamento, da necessária transformação da greve geral em uma insurreição. Toda esta parte da crítica marxista à velha tese da greve geral continua, evidentemente, justa: uma greve geral não é suficiente para derrubar o sistema capitalista.

Mas uma greve geral pode ser o início de uma revolução socialista. Sobre este lado da tese sindicalista-revolucionária, a história do século XX nos países imperialistas deu um veredito que é hoje absolutamente conclusivo: a greve geral em um país industrializado pode ser e provavelmente será o começo de uma revolução socialista. E aquilo que os marxistas, sobretudo os futuros reformistas, disseram quanto a isso no fim do século XIX e que foi resumido na famosa fórmula dos sindicatos social-democratas alemães “a greve geral é a estupidez geral”, isto é, a tese segundo a qual uma greve geral seria impossível no regime capitalista, se demonstrou totalmente falsa. Toda esta parte do argumento clássico dos social-democratas se revelou absolutamente falsa no curso da história do movimento operário do século XX.

Qual foi o raciocínio, se é que houve um raciocínio e não apenas má-fé de pessoas já integradas no regime capitalista? Qual foi o raciocínio que estava por trás desta argumentação social-democrata?

Era uma visão absolutamente mecanicista da suposta simultaneidade de toda uma série de processos: eles diziam que para que uma greve geral tivesse sucesso todos os trabalhadores teriam de estar organizados, que já fossem socialistas; se todos os trabalhadores estão organizados e são socialistas, eles não precisarão de uma greve geral, eles serão a maioria no parlamento e no poder de Estado. Tal era o raciocínio. Evidentemente esta pretensa simultaneidade nos três processos de capacidade de luta, de organização e de consciência é totalmente falsa: uma classe operária que ainda está organizada em minoria e que ainda é socialista em uma minoria relativamente reduzida se mostrou historicamente capaz de fazer uma greve geral. Entre estes três fenômenos não há coincidência necessária.

O erro metodológico que é subjacente a esta concepção mecanicista é a subestimação extremamente decisiva da ação enquanto fonte de consciência. É a ideia de que se deve, antes de mais nada, convencer individualmente os operários por meio da propaganda individual para lhes tornar capazes de alcançar um certo nível de consciência, enquanto a experiência mostra que é exatamente através de grandes greves políticas de massas, através de greves gerais que toda uma fração da classe operária, que não pode ascender à consciência de classe pela via individual da educação e da propaganda, desperta ou se desperta para essa consciência de classe, e ascende e se torna extremamente combativa.

E o resultado desse erro é uma constante no debate entre a esquerda e a direita do movimento operário europeu desde o início do século [XX]. Debate este no qual Rosa Luxemburgo teve um papel decisivo, antes mesmo de Lenin ou Trotsky: ela compreendeu que a divisão da classe operária entre uma “avant-garde” [vanguarda] organizada e uma “arrière-garde” [retaguarda] desorganizada representa uma visão fortemente simplista e estreita da realidade. É verdade que existe uma “avant-garde” organizada e que há os proletários não-organizados, mas é necessário introduzir pelo menos um terceiro elemento nesta análise para entender a realidade: há esta parte de proletários não-organizados que, em uma luta de massa, podem ultrapassar toda uma fração da classe operária organizada que, em função da burocratização das organizações proletárias, terá uma tendência de seguir na luta as palavras de ordem da burocracia e deixará, assim, de estar na [ou fazer parte da] vanguarda na luta.

Essa hipótese de Rosa Luxemburgo foi mal interpretada como uma hipótese espontaneísta, o que não é inteiramente verdade; há um elemento de espontaneísmo mas somente um elemento, que é a compreensão do fato de que “organizado” não é necessariamente idêntico a “avançado” [na luta], o que é evidente até hoje, ninguém contestará. Rosa Luxemburgo não era nem um pouco hostil à organização. Ela era muito favorável à organização, à organização revolucionária. Ela simplesmente entendeu que não há necessariamente identidade entre organização e vanguarda em todos os momentos e sobretudo no momento de uma greve geral.

Lenin levou alguns anos para entendê-lo, mas o entendeu a partir de 1914. E é significativo que os social-democratas o tenham atacado após essa data dizendo “mas você destrói a organização, isto é a revisão de tudo o que defendeu durante vinte anos” e ele respondeu em um de seus polêmicos artigos contra a social-democracia internacional: “a partir de um certo estágio de degeneração, certas formas de organização burocratizadas podem efetivamente ser obstáculos, e os operários não-organizados podem atingir um nível de consciência mais elevado que o das pessoas que permanecem prisioneiras das organizações burocratizadas. É necessário, então, construir uma nova organização. A Segunda Internacional está morta, devemos construir a Terceira Internacional”. E Trotsky, depois de concluir que os partidos da Terceira Internacional haviam se tornado irreformáveis, após a vitória de Hitler, deu ênfases praticamente idênticas àquelas que Lenin utilizou depois de 1914 e que Rosa Luxemburgo já havia utilizado nos anos de 1905 a 1914 na Alemanha para defender a mesma tese.

Passaremos agora à problemática da greve geral tal como ela se apresenta hoje. A princípio operaremos de maneira analítica, e não histórica. Tentaremos analisar o mecanismo de uma greve geral e observar uma dezena de elementos que permitem projetar idealmente sua progressão até, e incluindo, a vitória de uma revolução socialista. Em uma parte final da exposição, retomarei alguns grandes exemplos históricos, sobretudo do movimento operário belga, e observarei em cada caso os fatores que faltaram para que esse transcrescimento se operasse.

1) O que é uma greve geral?

O primeiro traço característico de uma greve geral, e talvez o mais difícil de definir de uma maneira totalmente precisa: o que distingue uma greve geral de uma simples greve ampla? É difícil, pois, de uma maneira puramente quantitativa, não podemos responder à questão. Uma greve geral não é, evidentemente, uma greve na qual participam todos os trabalhadores; isto nunca existiu e jamais existirá! E esperar que o último trabalhador participe da greve pra chamá-la de greve geral é absurdo. Falamos da greve geral na Bélgica em 1960, para todos os efeitos: digamos que houvesse um milhão de grevistas, é a cifra que alcançamos e que eu creio que é um pouco exagerada. Obviamente há mais de um milhão de trabalhadores na Bélgica, algo em torno de dois milhões e meio. Entretanto, o termo estava perfeitamente justificado.

Onde se separa uma greve geral de uma greve simplesmente ampla?

Algumas das principais características são:

  1. Esta [a greve geral] é amplamente interprofissional, não apenas na participação, mas também nos objetivos.
  2. Se estende muito além do setor privado, incluindo os elementos decisivos de todos os trabalhadores dos serviços públicos, de forma que ela não paralise apenas as fábricas, mas também toda uma série de instituições do Estado: ferrovias, abastecimento de gás, eletricidade, água, etc.
  3. E que a atmosfera – é indescritível, mas é provavelmente o fator mais importante – que foi criada no país é uma atmosfera de confronto global entre as classes, ou seja, que não é um confronto entre um setor do patronato e um setor da classe operária, mas que todas as classes da sociedade tem a impressão de que é um confronto entre a burguesia como um todo e a classe operária como um todo, mesmo que a participação dos trabalhadores nessa greve não seja de 100% ou 90%.

É possível que tenham notado que deixei de fora uma outra característica que é muito comumente incluída pelos militantes e pelos teóricos marxistas que se ocupam desta questão. Eu não afirmei que uma greve só é geral se ela apresentar reivindicações políticas. Por que? Uma greve geral é objetivamente política, de forma que ela implica um confronto com a burguesia em seu conjunto e com o Estado burguês, mas não é necessário que ela possua consciência disso desde o início. Há um grande exemplo histórico na Europa, talvez o maior até Maio de 68, que comprova isso, que é o exemplo de Junho de 36, em que nenhuma reivindicação política foi apresentada, em que os operários ocuparam as fábricas e promoveram, aparentemente apenas, reivindicações de tipo econômico (redução das horas de trabalho, férias remuneradas, etc., beirando o “controle operário”), mas onde o próprio Trotsky e todos aqueles que, com um pouco de honestidade, examinaram esse movimento, se deram conta do fato de que esses trabalhadores exigiam, no fundo, infinitamente mais do que o que eram capazes de articular. E seria um erro bastante grave julgar a natureza de uma greve pela capacidade de expressão consciente daqueles que a realizam em um momento determinado.

Crer que uma greve só é geral se ela apresenta reivindicações políticas equivale a dizer “uma greve só é geral se aqueles que a dirigem e exprimem as reivindicações são conscientes de tudo o que ela implica”. Isso restringiria de uma forma muito perigosa a aplicação do conceito de greve geral. A conclusão a que se chega é que, desde o início do movimento, a vanguarda revolucionária se empenha em exprimir a natureza política, os objetivos que vão além dos objetivos econômicos ou específicos de um setor e que seu esforço de politização deve ser cotidiano.

2) A greve geral passiva

Existem alguns exemplos de greve geral passiva na história, e mesmo entre as mais brilhantes: a maior greve geral que já conhecemos na Europa Ocidental, a mais eficaz, foi a greve geral da classe operária alemã contra o golpe do general Kapp em 1920, que foi absolutamente total em sua eficácia e em seu efeito, que parou toda a vida econômica e pública, [e que] foi passiva: os operários não ocuparam as fábricas, eles permaneceram em casa, salvo em algumas regiões e alguns casos excepcionais.

É necessário distinguir bem uma greve geral amplamente passiva, na qual os operários se limitam a parar o trabalho, de uma greve geral com ocupação de fábricas, que é evidentemente um enorme passo adiante (deixarei de lado os aspectos econômicos e voltarei a eles em um instante) porque permite reunir a força da classe [trabalhadora]. Uma greve geral passiva é uma greve que dispersa a força da classe: cada trabalhador vai para sua casa. Não podemos mais lhes tocar, e nem lhes falar.

Uma greve geral com ocupação quer dizer centenas de milhares ou, de acordo com a dimensão do país, milhões de trabalhadores que estão reunidos nas empresas, a quem nós podemos falar o tempo todo, que têm uma força e uma coesão de classe que é evidentemente superior em termos qualitativos àquela de uma greve geral na qual cada um fica em sua casa.

A conclusão aqui é prática: nós propagamos de um modo sistemático, basta ler a nossa imprensa, a ideia da ocupação, e o modelo de greve geral do qual nós tentamos convencer a vanguarda é uma greve geral com ocupação de fábricas. Eu voltarei em seguida aos aspectos organizacionais extremamente importantes que decorrem da ocupação e que são os pilares decisivos para transformar uma greve geral com ocupação rumo a uma plataforma de partida para uma verdadeira revolução.

3) A greve geral ativa

A ideia da greve geral ativa é também uma ideia de origem anarco-sindicalista – temos de dar o que é devido àqueles que o merecem –, mas podemos dizer que os sindicalistas-revolucionários colocaram em prática pouquíssimas demonstrações de aplicação desta ideia, salvo, evidentemente, na Espanha durante a revolução de 1936.

O que quer dizer esta ideia? Os trabalhadores não se contentam em ocupar as fábricas fazendo festa, como foi feito na França em junho de 36 ou mais amplamente em maio de 68, isto é eles não fazem simplesmente sessões de discussões, de cinema ou de jogo de cartas – o que nós vimos quando chegamos à Cockerill [John Cockerill, tradicional metalúrgica belga] ocupada pelos empregados (pela primeira vez na história da Bélgica havia uma greve com ocupação dos empregados: de dezembro de 1971 a janeiro de 1972): eles acolheram uma delegação oficial da LRT [Liga Revolucionária dos Trabalhadores, organização marxista belga]; quando vimos esses trabalhadores jogar carteado, nós ficamos mesmo um pouco decepcionados. É bom ocupar, mas lá era evidente o nível mais elementar da ocupação.

Então o que quer dizer “greve ativa”? Os operários organizam eles mesmos a produção sob a sua própria direção. No passado, para além da experiência da revolução espanhola de 36, que não foi só uma greve geral, mas uma verdadeira revolução, há poucos exemplos. Há atualmente um giro extremamente importante na classe operária da Europa ocidental: LIP na França, Clyde na Inglaterra e Glaverbel na Bélgica mostram que os setores de vanguarda da classe operária começam a se abrir à ideia de que quando ocupamos uma fábrica, podemos fazer mais que animação cultural ou jogar cartas, que podemos organizar nós mesmos a direção. É um enorme passo adiante.

E damos tanta importância a esses exemplos não porque acreditamos na possibilidade de construir o socialismo dentro de uma única fábrica, mas porque acreditamos que esses exemplos, ainda hoje isolados, podem se espalhar e se generalizar em caso de greve geral. E uma greve geral em que os trabalhadores de todas as fábricas fazem aquilo que os trabalhadores da LIP ou Glaverbel fizeram se torna algo totalmente diferente! É um nível histórico qualitativamente superior a tudo o que conhecemos no passado como greve geral. Devemos, no entanto, desconfiar de todo raciocínio mecânico e se dar conta de que a passagem para a greve ativa parte de pontos de motivação ou de consciência muito diferentes. O melhor caso é aquele em que se exprime uma vontade mais ou menos consciente dos trabalhadores de tomar em mãos os meios de produção, ou seja, de destruir o capitalismo. Se isto se produz, ficamos evidentemente muito felizes.

Mas existem outras variantes possíveis. Eu gostaria de apresentar duas:

A. A passagem para a greve ativa pode ser o resultado daquilo que podemos chamar a lógica interna da greve geral, a simples vontade de melhor executar a greve geral. É uma motivação de método de combate, simplesmente para tornar a luta mais eficaz, independentemente de seus objetivos a longo prazo, que a greve ativa pode se tornar necessária. Cito alguns exemplos que reaparecem frequentemente nas apresentações e estão ligados à experiência de maio de 68 na França:

  1. É óbvio que uma greve geral dos transportes, que é uma greve passiva, se torna em uma cidade muito grande um fator de desorganização da greve a partir de um certo momento: se os metrôs, ônibus e ferrovias metropolitanas param de funcionar em uma cidade como Londres, Paris ou Roma, isso significa que a classe operária não pode mais se reunir, que é impossível que as pessoas percorram 20, 30 ou 50 quilômetros para se reunir em uma manifestação. Então a ideia pode surgir, e deve ser defendido pelos revolucionários que se mantenha a greve geral dos transportes para desorganizar e paralisar a vida econômica burguesa; mas quando a classe operaria convoca uma manifestação central na cidade, deve-se fazer funcionar os transportes para levar os trabalhadores à manifestação e somente para esse fim, e sob o controle do comitê de greve que garante que os transportes não funcionem senão com esse objetivo.
  2. Outro exemplo, superior na medida em que toca no santo dos santos da sociedade capitalista: uma greve geral dos bancos, caixas econômicos, etc. É um instrumento vital parar paralisar a vida econômica burguesa, mas se a greve se prolonga, uma tal greve passiva se volta contra os trabalhadores. De fato, um grande número de trabalhadores tem suas pequenas economias em um fundo, em caixas de depósitos de organizações operárias (sociedades mútuas, cooperativas) ou em contas correntes e, se não puderem ter acesso a esse dinheiro, sua capacidade de resistência financeira é reduzida. Em uma greve geral ativa, os empregados de organizações financeiras reabrem os guichês em certos momentos sob o controle de seu comitê de greve e dão uma certa quantia aos grevistas mediante a apresentação de um documento que prova que são grevistas. E é muito importante: isso quer dizer que os empregados começam a administrar o sistema bancário e financeiro.

B. Outra motivação para a greve ativa no contexto da greve geral deriva do que podemos chamar de lógica econômica da greve geral. Essa lógica paralisa toda a vida econômica. Mas toda a vida econômica paralisada durante muito tempo (alguns dias não são nada), causa problemas vitais, imediatos para os próprios grevistas. Tomando o exemplo mais bobo que sempre citamos: uma greve geral absolutamente total que dura uma semana significa que não haveria mais pão, que as pessoas não teriam nada para comer. Evidentemente, isso se torna completamente “contraproducente”, como se diz em italiano. É preciso que a partir de um determinado momento os mecanismos comecem a funcionar, admitindo, sob a direção dos trabalhadores, um mínimo de funcionamento para que a sobrevivência física da classe trabalhadora seja possível. Os exemplos marginais em que isto já foi aplicado são conhecidos e muito importantes: na Bélgica, os trabalhadores da Gazelco (gás, eletricidade), depois de muito tempo, aplicaram a regra que em caso de greve são eles quem controlam a distribuição de energia para cortar a corrente de empresas, de administrações públicas, bancos, etc. e evitar que a corrente seja cortada nas residências, pois isso arrisca dividir a classe operária, já que a greve será impopular em determinados setores da classe operária. Por outro lado, se há continuidade da produção, porém controlada pelos grevistas que garantem que o efeito de paralisia da economia seja mantido sem que o interesse da massa de consumidores seja perturbado demais, a eficácia da greve é aumentada.

O mesmo raciocínio foi aplicado durante maio de 68 em pequena escala, sobretudo em Nantes – não se pode subestimar a importância desses pequenos exemplos –, quando os comitês de greve e os grupos de trabalhadores de vanguarda quiseram organizar o abastecimento de grevistas garantindo uma troca de produtos com os camponeses, o que implicou a retomada ou a manutenção da produção, o escoamento do estoque existente, todo tipo de atividades econômicas, sob a direção dos grevistas, para ter o suficiente para comer.

Podemos citar ainda outro caso marginal que não tem tanta importância para o desenrolar de grandes lutas operárias, mas que para o futuro, visto a tendência geral da evolução econômica, pode se tornar cada vez mais importante; é o que está acontecendo hoje na Inglaterra com a greve dos enfermeiros. É uma greve muito delicada porque é uma greve da área de saúde e os doentes poderiam ser prejudicados ou morrer: o que seria extremamente impopular aos olhos do grande público poderia ser usado pela burguesia na sua campanha contra o direito de greve, os sindicatos, a militância proletária. Os enfermeiros, portanto, tiveram de buscar maneiras de fazer greve que evitassem prejudicar os doentes e que, ao mesmo tempo, mostrasse sua capacidade de greve ao Ministério da Saúde. Uma das soluções encontradas (já houve outros casos do mesmo gênero) foi fazer greve de pagamento, isto é, tratar todos, mas sem registrar nada, nem manter a contabilidade ou cobrar qualquer pessoa. Uma medida extremamente popular! Tudo isso possuindo a eficácia financeira e a desorganização administrativa exigidas! Um outro aspecto, ainda mais avançado, é que em certas cidades inglesas os grupos de trabalhadores, entre outros, os metalúrgicos e os do ramo de transportes, apoiaram esta greve e propuseram aos operários fazer uma greve pela causa dos enfermeiros. Mais um passo adiante muito importante para a solidariedade de classe!

Qual é a importância de tudo isso? Por que destaquei estas anedotas? Não pela importância delas em si, não acreditamos no avanço da consciência comunista em um hospital, na organização do socialismo em uma única fábrica, mas porque acreditamos que a multiplicação destes exemplos e sua popularização criam as condições que preparam a sua generalização em uma greve geral.

Temos de notar que ainda não vimos uma única greve geral na Europa na qual tais exemplos estivessem efetivamente generalizados e que isso seria uma mudança total: é necessário fazer um esforço de imaginação para visualizar o que seria uma greve geral mais ou menos total como aquela de maio de 68 e na qual a maior parte dos setores da classe trabalhadora, no sentido mais amplo do termo, aplicariam todas essas técnicas: isto seria o início de uma revolução social. E é por isso que apresento todos esses exemplos bastante anedóticos, fragmentários. A importância não está na fragmentação e na anedota, mas na popularização do exemplo para atingir um certo estado de espírito. Uma vez que os setores, cada vez mais numerosos, da classe operária compreendam essa problemática, algo de totalmente novo pode nascer e é a isso que estamos nos dedicando.

4) Greve geral autogerida ou dirigida pelas organizações operárias tradicionais

Nova problemática: é preciso uma greve geral dirigida de uma maneira mais ou menos burocrática pelas organizações operárias tradicionais ou uma greve geral autogerida, que alargue a autonomia operária pela aparição de organismos na base que dirijam a greve? Não insisto porque os camaradas conhecem esta problemática e não cessamos de desenvolvê-la em nossa propaganda e mesmo na nossa agitação cotidiana. É preciso insistir muito sobre um fato: essa não é uma posição sectária que tomamos. Se agimos a favor da greve geral (e de toda greve, no geral) dirigida pelos próprios trabalhadores, não é porque não gostamos dos dirigentes da FGTB [Federação Geral do Trabalho da Bélgica] ou da CSC [Confederação dos Sindicatos Cristãos]. Ainda que a direção da CGT [Confederação Geral do Trabalho] ou da FGTB fosse composta exclusivamente por membros da Quarta Internacional, nós ainda seríamos a favor de formas autogeridas de greve, porque acreditamos que é apenas criando comitês de greve eleitos nas empresas e associando o máximo de trabalhadores à gestão da greve que uma greve geral pode ser bem sucedida.

A ideia de uma greve geral dirigida por um pequeno aparelho, um pequeno estado-maior no comando, apertando os botões, mesmo se ele é composto pelas melhores pessoas do mundo do ponto de vista político, não é somente uma ideia utópica, mas é também uma ideia profundamente errada do ponto de vista político e social: não corresponde a uma compreensão do que são a classe trabalhadora e a sociedade burguesa; no fundo ela pressupõe a mesma confusão mecânica dos social-democratas dos anos 1900 da qual falei anteriormente, uma simultaneidade de todos os tipos de processos que não corresponde à realidade.

Para que uma greve de 10 milhões de trabalhadores na França pudesse ser realmente bem sucedida, não é suficiente que haja um estado-maior de 15 ou 20 líderes brilhantes no topo. É necessário também que haja uma associação máxima do maior número de combatentes na direção desta greve, e em todos os níveis; é desta forma que vemos surgir os organismos de dualidade de poder e, assim, a possibilidade de uma vitória da revolução socialista quebrando a divisão do trabalho entre os chefes e a massa, que a burocracia reintroduziu da sociedade burguesa no movimento operário, e recuperando a ideia da organização soviética – a essência do pensamento de Lenin em “O Estado e a revolução” sobre a organização soviética –, isto é uma organização na qual o máximo de trabalhadores, de pessoas do povo, está imediata e diretamente associada, sem divisão do trabalho, à gestão cotidiana de seus negócios.

Vocês conhecem o modelo ideal que propomos:

  1. Eleição de um comitê de greve por uma assembleia geral de grevistas.
  2. A reunião regular desta assembleia geral que tem o direito e a possibilidade de revogar cada membro do comitê de greve.
  3. Eleição de toda uma série de comissões pelo comitê de greve, mais amplas que seus membros, para associar a todo tipo de função o maior número de militantes que comparecem à Assembleia Geral: propaganda, abastecimento, finanças, informações, animação cultural, etc. Estas são coisas das quais já falamos muito.

No entanto, é preciso desconfiar do “esquema ultimatista”: provavelmente não chegaremos a realizar esse modelo ideal em todos os lugares ao mesmo tempo, [pois] ele pressupõe a presença de militantes revolucionários e um nível de consciência bastante elevado para que desta maneira ideal o modelo seja aplicado. Já estaríamos bem contentes se, em um grande número de empresas, haja eleição do comitê de greve. Já seria um passo adiante qualitativo.

Já dissemos muitas vezes: se em maio de 68, tivesse havido eleições de comitês de greve – e sua federação – em todas as empresas, teria se dado o início de uma revolução, teria se dado uma mudança qualitativa da situação. Se estamos impulsionando em direção ao modelo ideal, é porque as vantagens desse modelo são, de fato, evidentes: ele representa as condições ideais para a organização, a auto-organização e a associação do máximo de trabalhadores à direção da greve e para a eclosão de uma situação revolucionária nas melhores condições para a classe operária.

Compreenderemos também a ligação íntima entre o impulso em direção à greve ativa e a auto-organização da greve. É evidente que uma greve ativa não pode mais ser dirigida por um secretariado sindical ou um [líder] permanente: uma ou duas pessoas não podem e não sabem organizar em uma fábrica a produção, o reabastecimento, o vínculo com as empresas fornecedoras de matérias-primas, etc. É impossível: assim que se passa à greve ativa se torna obrigatório associar um grande número de trabalhadores à direção da greve e a toda uma série de decisões de autoridade. A greve ativa por si só é um estimulante muito poderoso da auto-organização da greve, como mostram os exemplos da LIP, Glaverbel-Gilly e muitos outros durante os últimos meses.

5) Dos comitês de greve aos conselhos operários

O comitê de greve – mesmo o comitê central de greve, voltarei a isso porque esta foi a polêmica com os camaradas lambertistas [corrente ligada a Pierre Lambert, dirigente da IV Internacional, trotskista] no maio de 68 na França – ainda não vai além do domínio de uma greve, ou seja, de uma contestação potencial, e ainda não real, do poder político (de Estado) da burguesia.

Como passar dos comitês de greve aos conselhos operários? Qual é a distinção qualitativa entre eles, considerando que o conselho operário nasce dos comitês de greve em 99% das vezes, como por exemplo o primeiro soviete de Petrogrado? Há dois elementos que, até agora, sobre a base da experiência histórica – e devemos ser prudentes porque a experiência futura pode ser mais rica que as do passado –, parecem determinantes nessa transformação:

  1. A federação, isto é, romper o fracionamento do germe do poder operário que nasce no nível de uma fábrica: o caso da LIP não é a contestação da economia burguesa ou do Estado burguês como um todo. Mas 50 LIPs que se unem em federação, que se estendem a dois ou três ramos industriais já é algo qualitativamente diferente! Sobretudo se implica, em parte, o sistema bancário, a eletricidade, os transportes públicos, etc. A federação horizontal ou vertical, ou seja, em uma cidade ou em um ramo industrial – sendo a cidade mais importante que o ramo porque ela tende a acentuar o caráter contestatório –, implica pela sua lógica uma transformação de seus comitês de greve em órgãos de dualidade de poder se essa federação ultrapassar certo nível.
  2. O segundo elemento, que está simplesmente contido como possibilidade na federação, mas ainda não foi realizado, também é indispensável: esses órgãos de federação dos comitês de greve assumem poderes que ultrapassam os poderes de gestão da greve.

Um comitê central de greve que se limita a organizar a greve, distribuir o dinheiro ou o reabastecimento aos grevistas e a editar um jornal de agitação de greve pode, a rigor, ainda ser compatível com um poder não divido da burguesia. É difícil, é um caso limítrofe, mas ainda se pode imaginar. Mas um comitê central de greve que assume poderes para além da organização exclusiva da greve, que começa a organizar a produção, a organizar a distribuição de crédito ou de financiamentos dos bancos, a organizar o transporte público, a distribuição de eletricidade, que assume – em uma palavra – os poderes de fato, deixa de ser apenas um comitê de greve e se torna um conselho operário, um órgão de poder que começa a funcionar.

O nascimento de um organismo de dualidade de poder se manifesta pelo fato de que os poderes que, na sociedade burguesa, são normalmente executados ou pela burguesia e seus instrumentos, como o sistema bancário, ou pelo Estado burguês, começam a ser assumidos por esses órgãos. Isto pode ser mínimo; todo mundo conhece a anedota que lutei para espalhar pela Europa, senão pelo mundo, e pela qual os camaradas de Liège gostam muito de mim: a administração de Liège da FGTB [Federação Geral do Trabalho Belga] que, nas duas greves gerais de 1950 e 1960, organizou a circulação de automóveis na cidade e interditou o tráfego de carros e caminhões sem o selo da FGTB, assumiu de fato um poder público. Os caminhoneiros reconheceram então um poder público de origem operária que é totalmente diferente do poder do Estado burguês. Isso é extremamente embrionário, mas real.

Mais uma vez, a anedota pouco importa; o que é importante é transmitir exemplos semelhantes na memória e na imaginação coletiva da classe trabalhadora, é fazer uma dobra na estrutura mental, porque esse tipo de exemplo pode ser multiplicado, generalizado na próxima greve geral e terá uma importância prática colossal para realmente fazer surgir os conselhos operários, órgãos de poder da classe trabalhadora opostos aos órgãos de poder da burguesia.

6) Dualidade de poder econômico e dualidade de poder político

Tradicionalmente, o conceito de dualidade de poder foi considerado – e a escola “zinovievo-stalinista” exerceu uma grande influência a este respeito dentro do movimento operário – exclusivamente como um conceito político. Os camaradas maoístas são hoje o produto caricatural disto. Eles têm um esquema simplista e absolutamente transparente: “os trotskistas não entenderam que os sovietes existem somente em uma situação revolucionária e que eles são os órgãos do poder revolucionário. Atualmente não há mais uma situação revolucionária, então bradar hoje pelo controle operário, pela dualidade de poder, é falar no vazio, ou pior ainda, é ser reformista”, etc.

Achamos que esse pensamento é obsoleto: ele esvazia totalmente a situação mais característica de uma luta operária que está se expandindo e se generalizando, a saber, uma situação revolucionária, e a maneira pela qual os revolucionários podem e devem intervir em uma situação pré-revolucionária. Por trás do conceito maoísta, há na verdade a velha tradição fatalista, mecânica, kautskiana e anti-leninista de uma situação revolucionária que cai do céu, que é determinada pelas condições objetivas sobre as quais a ação da vanguarda trabalhadora não pode ter nenhum efeito.

Pelo contrário, pretendemos que ao impulsionar [em direção às] experiências de controle operário, generalizando o controle operário, generalizando a transformação dos comitês de greve em conselhos operários, transformamos, por meio desta intervenção, uma situação pré-revolucionária em situação revolucionária. Nós servimos de fator de cristalização, de catalisador para o nascimento de uma situação revolucionária. E Trotsky tinha, a respeito da Alemanha no começo da grande crise econômica, um pensamento mais audacioso e mais renovador: “Devemos evitar identificar a dualidade de poder e os órgãos da dualidade de poder com os sovietes de tipo clássico que são resultados da revolução de 1917. Não se exclui que, na situação concreta da Alemanha de 1930, os conselhos de empresas (órgãos legais no quadro da constituição burguesa de Weimar – E.M.) dominados pelos sindicatos, possam se tornar objetivamente um órgão de dualidade de poder”.

No momento, devemos ter o espírito bastante aberto a essa proposição. É certo que a identificação da dualidade de poder com os órgãos soviéticos exatamente do mesmo tipo daqueles da Revolução Russa ou da Revolução Alemã seria um erro que não podemos cometer. Houve pelo menos um exemplo histórico em grande escala: os comitês de milícia na Espanha em julho de 36, que eram órgãos de dualidade de poder absolutamente evidentes e de uma outra origem, outra posição, relativamente aos sovietes. E, dou o exemplo mais provável, não podemos excluir que na Grã-Bretanha, dada a particularidade da estrutura do movimento operário inglês, órgãos de um tipo bastante diferente dos sovietes clássicos possam desempenhar o papel de órgãos de dualidade de poder.

Nossos camaradas ingleses apoiam-se naquilo que está se tornando uma constante hoje em dia, pelo menos no plano local, na Inglaterra: toda vez que há uma situação de luta muito tensa no nível local, nascem organismos de frente única “ad hoc”, que reúnem os delegados de fábricas mais combativos, não necessariamente todos, que reúnem as seções sindicais mais combativas da localidade, não necessariamente todas, que reúnem às vezes seções locais do partido trabalhista, não necessariamente todas, e que reúnem representantes de organizações revolucionárias localmente implantadas e influentes.

Na prova do pudim, como se diz na Inglaterra, é comendo que se vence. Se tal órgão é capaz de mobilizar toda a classe trabalhadora da localidade, ele corresponde à mesma coisa que um soviete local. Se se trata simplesmente de um órgão que reúne a vanguarda e que mobiliza de 10 a 15% da classe trabalhadora, é uma frente única de esquerda (anticapitalista, como diríamos na Bélgica). Não devemos excluir a aparição de órgãos desse tipo em países onde a imensa maioria da classe trabalhadora se encontra ainda, de uma maneira ou de outra, enquadrada nas organizações tradicionais; isso é evidentemente a condição para que um tipo de movimento desse gênero possa de fato desempenhar o mesmo papel que o de uma estrutura soviética.

Gostaria de sublinhar o fato de ter dito “organizado”, que neste caso é bastante excepcional na Europa. Acredito que fora da Inglaterra – talvez a Suécia, que conheço mal – não exista; na França, certamente não é o caso. Se juntarmos tudo aquilo que acabei de mencionar acima, na maioria das cidades francesas, isso representaria um terço ou um quarto da classe trabalhadora. Idem para a Itália e a Bélgica. Isso pressupõe um nível de organização e de enquadramento da classe operária – não de lhe fazer votar, mas de lhe fazer se organizar e seguir o chamado de... – que é bastante excepcional na Inglaterra: na maior parte dos centros industriais podemos dizer que praticamente toda a classe operária, sob uma forma ou sob outra, está organizada nos sindicatos e no partido trabalhista, na medida em que os sindicatos são deste partido. E mesmo para a Inglaterra, se vou ao fundo do meu pensamento, penso que na presença de uma greve geral haverá comitês de greve eleitos que surgirão no lugar de organizações desse tipo. Mas não podemos excluir totalmente uma eventualidade dessas, pois ela se encontra dentro de uma certa lógica do movimento operário inglês.

A distinção, então, é muito importante entre os órgãos – que, sejam eles eleitos ou não, não é este o ponto decisivo – cujo papel é de assegurar certos poderes econômicos e fazer passar à contestação do poder do Estado burguês. Por que esse problema é tão decisivo e difícil? Porque nos deparamos com a distinção entre uma tendência objetiva e um certo salto qualitativo na consciência. Podemos dizer que pela força das coisas, quase que imperceptivelmente, pela simples lógica interna do movimento, os trabalhadores social-democratas ou educados no kruschevismo podem ser arrastados, apesar de si próprios, a fazer toda uma série de coisas que descrevi anteriormente (pontos 1 a 4), incluindo a greve ativa, incluindo a reabertura dos bancos para pagar os grevistas. Mas há um ponto onde isso se torna difícil, senão impossível: logo é necessário tomar uma decisão deliberada e consciente de se confrontar, de negar as instituições da democracia burguesa. É o que causou a ruína de todas as revoluções até hoje na Europa ocidental.

Há um exemplo clássico, é o mais conhecido pois é também no país onde se fazem as coisas com mais brutalidade: é o caso da Inglaterra. No momento onde o movimento operário inglês teve sua maior força, logo depois da Primeira Guerra Mundial, em 1921, bem quando havia a famosa tríplice aliança entre os três maiores sindicatos que decidiram fazer uma greve em comum (metalúrgicos, mineradores e transportes) – que resultou em uma greve geral infinitamente mais poderosa que aquela de 1926, em um contexto histórico totalmente diferente – no momento onde o movimento dos “shop-steward” [delegados sindicais, comissões de trabalhadores] (de tipo semi-soviético) era largamente difundido nas fábricas inglesas, Lloyd Georges, o dirigente mais inteligente da burguesia inglesa, chamou os três principais dirigentes dos sindicatos da “tríplice aliança” em sua casa e lhes disse: “sabemos que vocês são capazes de paralisar todo o país, sabemos que vocês são muito mais fortes que nós, e sabemos ainda que não poderíamos usar armas contra vocês pois a maior parte dos soldados se recusariam a marchar, mas vocês devem fazer uma escolha: eu represento a maioria da nação, do parlamento; se vocês estão prontos para fazerem uma greve geral contra a maioria da nação e do parlamento, vocês só devem fazê-la se estiverem prontos para substituí-los e criar um outro poder, uma outra estrutura de Estado, que não aquela do parlamento e do sufrágio universal. Vocês estão prontos para fazer isso?”. Não preciso fazer um desenho daquilo que os burocratas sindicais responderam, todo mundo já compreendeu.

A tradução mais trágica (na Inglaterra podemos dizer que é uma tragicomédia, porque nada aconteceu – era o que Lloyd Georges queria) dessa mesma lógica é o caso da Alemanha, onde havia conselhos operários em praticamente todas as fábricas e todas as cidades, onde havia um quase colapso do aparelho de Estado burguês (ou seja, onde o poder estava de fato nas mãos da classe operária) e onde a maioria social-democrata nesses conselhos operários decidiu deliberadamente convocar eleições gerais para um parlamento burguês, e transferir o poder que ela tinha a esse parlamento burguês. Não somente criminoso, mas estúpido! Pois estavam convictos de que teriam a maioria nessas eleições parlamentares. Eles não tiveram nem mesmo 44% dos votos. Eles sequer transmitiram o poder dos conselhos operários a um governo social-democrata, mas aos partidos burgueses.

Foi assim que, em três meses, a revolução alemã foi liquidada (de novembro de 1918 a fevereiro de 1919): após a convocação da assembleia constituinte de Weimar, não havia mais sovietes. Esse ponto de não retorno, transformar os conselhos operários que começam a assumir um certo número de poderes econômicos em órgãos que deliberadamente contestam o poder das instituições parlamentares democrático burguesas do Estado burguês, isso exige um salto qualitativo da consciência; não podemos levar a maioria dos operários a fazer a revolução socialista sem que eles perceba; isto é uma ilusão total.

Portanto, é necessário que haja uma transformação decisiva do nível de consciência da maioria da classe operária, partindo de um nível reformista para um nível revolucionário ou semi-revolucionário. Há uma série de condições propícias para isso:

  1. Aceleração geral da experiência da consciência dos acontecimentos durante um período revolucionário – o que não é uma tarefa fácil. Todo mundo conhece as formulas de Lenin e Trotsky: “Durante uma revolução, os operários aprendem mais em um dia do que durante um ou cinco anos de um período não revolucionário”. Eles aprendem mais porque há mais atividades de massa – evidentemente, é o que caracteriza um período revolucionário.
  2. O papel do partido revolucionário é, sem dúvidas, decisivo nessas circunstâncias. É inconcebível – e não há precedente – a maioria da classe operária adquirir uma consciência anticapitalista e revolucionária sem o papel ativo e dirigente do partido revolucionário. E ainda, em um período revolucionário, o partido revolucionário pode se transformar e crescer em um ritmo infinitamente mais rápido que em um período de relativa calma.
  3. Mas, por mais bizarro que possa parecer, direi de qualquer forma que em todo esse processo o papel decisivo reside em um terceiro fator: o que vem do inimigo.

A única situação que será extremamente difícil é aquela na qual o inimigo não faz nada. Há um exemplo histórico: aquele da burguesia italiana quando os operários do norte da Itália ocuparam todas as grandes fábricas da região: a famosa grande greve de novembro de 1920. E Giolitti, o primeiro ministro italiano à época, que como Lloyd Georges era um dos dirigentes mais astuciosos da burguesia italiana, disse: “Os operários ocuparam as fábricas, eles estão armados (pelo menos aqueles de Turim): é uma ameaça para a sobrevivência do Estado. A única coisa útil que podemos fazer, é não fazer nada”. É preciso esperar, em outros termos, que eles próprios não saibam tomar as iniciativas decisivas para dar um passo adiante decisivo. Foi exatamente o que aconteceu: houve reuniões durante um, dois, cinco, seis dias entre as direções dos sindicatos, entre a direção do partido socialista – os comunistas ainda estavam no interior do partido socialista –, entre os conselhos operários: se discutiu sobre o que se iria enfatizar: controle operário ou não, o que exigir dos patrões, do governo, etc. E o movimento se consumiu em discussões internas, desgastes, paralisia, incapacidade de tomar uma iniciativa decisiva para realizar a transformação que descrevi mais acima.

Se a burguesia italiana cometesse o erro de lançar sobre as fábricas as gangues fascistas naquele momento, ou de começar uma repressão militar, é quase certo que teria havido uma revolução: os operários estavam armados, eles tinham a força material para tomar o poder, para retaliar não importa qual fosse a provocação vinda do outro lado. Mas tomar eles mesmos a iniciativa, sem provocação, romper eles mesmos com as instituições da democracia burguesa, eles não tinham nem a consciência, nem a vontade e nem a direção [necessárias para isso].

Precisamos tirar uma conclusão muito importante, contestada, mas extraída de toda a experiência de greves gerais na Europa ocidental: é decisivo garantir que os órgãos de poder operário nasçam da greve geral subsistente, que haja uma estrutura de dualidade de poder que subsista e que haja um período de dualidade de poder que se abra. Porque a partir do momento em que conseguimos mantê-lo, é quase inevitável que o adversário seja obrigado a atacá-lo, cedo ou tarde, e que as iniciativas necessárias para a resposta possam ser preparadas, centralizadas de uma forma muito mais eficaz do que ao se reclamar de que esses trabalhadores, que deveriam dar um salto organizacional adiante colossal, compreender imediatamente, assim, todas as implicações políticas e revolucionárias de sua decisão, coisa que é pouco provável, pelo menos na maioria dos países onde a classe operária está sob a influência reformista ou neo-reformista.

Em outros termos, a variante mais provável é uma verdadeira dualidade de poder; quer dizer que existirão lado a lado durante um período transitório, os conselhos operários – embrião de poder soviético – e o parlamento e as instituições burguesas. E será uma questão de saber quando, sob qual forma e sob qual pretexto levaremos a maioria dos trabalhadores a romper deliberada e conscientemente com os segundos, para se apoiarem sobre os primeiros.

Tudo isso se aplica se os trabalhadores estão, em sua maioria, ainda sob a influência da ideologia reformista ou neo-reformista. Se a maioria dos trabalhadores já é comunista, anticapitalista, trotskista, revolucionária, maoísta, etc. antes mesmo do nascimento da dualidade de poder, nada disso se aplica; os trabalhadores transformarão seus conselhos operários abertamente em sovietes e eles partirão para a conquista do poder. Mas esta é uma eventualidade extremamente improvável na quase totalidade dos países europeus, com a possível exceção da Espanha, e, ainda assim, é necessário ser muito prudente.

7) A centralização

Nos deparamos aqui com um fenômeno que é de grande importância psicológica e que, sem dúvidas, Lenin subestimou quando quis transpor para a Europa ocidental um certo número de experiências da Revolução Russa: a classe operária da Europa ocidental está centralizada há muito tempo nas organizações operárias, sindicais e políticas. E quando o camarada Posadas veio à Europa e deu um tapinha nas costas dos trabalhadores lhes dizendo: “sabem, vocês têm de aprender a se centralizar”, ele ensinou algo que eles já sabiam há 75 anos.

Infelizmente, a experiência que os proletários realizaram é dupla e, pelo menos parcialmente, negativa: a centralização aumenta incontestavelmente a força, mas a forma concreta da centralização também reforçou a burocratização; e quanto mais centralizada é uma organização de massa hoje, mais ela é burocrática. Não há uma única exceção a essa regra em toda a Europa.

No entanto, explicamos que, em larga medida, justamente o que é positivo em uma greve geral é que ela vai libertar as forças da autonomia operária podendo recolocar em questão o controle burocrático sobre a classe trabalhadora e o movimento operário. É quase inevitável que esta autonomia operária seja caracterizada, no início, por um grau não negligenciável de descentralização. É menos a revolta contra a burguesia e seu Estado que contra a burocracia. Mas as duas estão, por força das coisas, muito intimamente ligadas.

O que quer dizer que a centralização de todas as iniciativas que serão tomadas não será uma coisa tão evidente quanto em um discurso de trotskista ou em uma escola de formação de quadros. Tomemos um exemplo extraído da Revolução Espanhola (devemos nos referir a ela frequentemente porque é a experiência mais rica desse tipo que conhecemos nos países imperialistas até hoje): os órgãos de tipo soviético criados espontaneamente pelos trabalhadores durante os primeiros dias da revolução não tinham os mesmos nomes nas diferentes cidades: na Catalunha, onde o movimento estava mais avançado, eles se chamavam no geral (mas não por toda parte) “comitê de milícia”; em outras partes do país, eles se chamavam diferentemente, “comitê de produção”, “comitê local”, “comitê de fábrica”, “conselho operário”, “comitê de frente popular”, etc. Isso variava de uma cidade à outra. E o título não era somente uma questão formal, ele revestia também uma função diferente, uma composição diferente, uma autoconsciência diferente por parte das pessoas que estavam dentro sobre o que ele representava. E federar todos esses comitês dentro de 24 horas em um Congresso Nacional, não era só impossível, como não foi feito e não é por acaso.

Gostaria de indicar algumas vias pelas quais essa centralização pode progredir:

  1. Uma via muito importante, é a via econômica ou economista, da qual eu já falei: à medida que passamos à greve ativa, há na lógica da greve ativa uma força centralizadora colossal que devemos destacar. É impossível começar a produzir em uma empresa sem fazer contato com as empresas de transporte, de matérias-primas, de distribuição, de energia. Há uma força de centralização e de coordenação que nasce quase automaticamente. Este é mais um argumento para indicar a importância da passagem à greve ativa para transformar uma greve geral em início de um processo em direção à revolução socialista.
  2. Um outro fator muito importante que ainda temos a tendência de subestimar: a centralização da comunicação. Atualmente existem centros nervosos da sociedade que não são mais os mesmo que havia 60 anos atrás. Não é mais a estação [de trem]; a ideia de ocupar a estação – que era uma ideia lógica para os trabalhadores de 1917 – não ocorreria a ninguém na maioria dos países. Os centros nervosos atuais são os centros de telecomunicação, de rádio, de televisão, e tudo o que está ligado a eles: as gráficas (não devemos subestimá-las, principalmente aquela onde se imprime o dinheiro), bancos, correios, etc.

Se observamos esses poucos elementos, vemos as forças de centralização que podem nascer em uma greve geral. Do ponto de vista da possibilidade de uma revolução socialista, ninguém percebeu a reviravolta da greve geral de maio de 68: nos primeiros dias da greve todas as empresas eram ocupadas e controladas pelos trabalhadores, incluindo aquelas de telecomunicação; em Paris não havia uma única antena de telecomunicação que não era controlada pelos grevistas – mesmo aquelas do Ministério do Interior e do Ministério da Defesa Nacional. A única intervenção militar que o governo gaullista fez foi para liberar uma antena em Paris para o Ministério do Interior. Uma intervenção de cem policiais foi suficiente.

Se houvesse uma outra direção para a greve – com a qual poderíamos obviamente fazer muitas outras coisas –, se houvesse uma outra consciência nos proletários, se eles tivessem compreendido a importância decisiva das coisas, eles se oporiam à apreensão dessa antena, e é inútil explicar aquilo que poderia ter surgido de tal resistência – vitoriosa, sem dúvida nenhuma.

Temos que entender que o grau de paralisia que uma greve geral, que toma medidas de centralização dessa natureza, pode impor ao Estado burguês é qualitativamente superior a tudo aquilo que vimos no passado. Nela aparece um dos aspectos mais impressionantes da incompreensão de todos aqueles que fazem a crítica falsa e unilateral à tecnologia contemporânea e que a veem apenas como força de opressão e exploração – o que ela é sob o regime capitalista –, e que não compreendem que ela torna a sociedade burguesa, precisamente porque é tecnológica, infinitamente mais vulnerável do que no passado diante de uma ação unanime e generalizada de todos os assalariados.

Qual era a repressão burguesa há 50 ou 60 anos? Era alguns milhares de soldados armados lançados sobre a população; só havia, naquele momento, uma única coisa a fazer: opor as armas às armas. Hoje, a sociedade é muito mais vulnerável; são unidades altamente móveis, mas todas conectadas por rádio, telex, teleimpressor, etc. com um número fortemente reduzido de centros nervosos. Confiscar todas as antenas de telecomunicação, cortar as possibilidades de transmissão e, em um quarto de hora, a centralização passa para o campo do proletariado e da revolução, e a contrarrevolução é completamente descentralizada.

Durante os primeiros dias da greve geral de maio de 68 na França, chegamos a uma situação na qual o ministro do Interior não tinha mais nenhum meio de comunicação com os prefeitos. E a situação era forçada ao grotesco, pois mesmo os secretários, os escrivães, os empregados das prefeituras estavam em greve, o que quer dizer que a questão mesmo não era a impossibilidade de se comunicar com as prefeituras, mas que isto já não servia de nada: seria preciso falar diretamente com o prefeito ou um de seus adjuntos, porque de outra forma o recado não seria transmitido.

É fundamental compreender a importância destes novos centros nervosos, que são todos esses meios de telecomunicação, para a passagem da centralização para o campo operário e para paralisar o campo burguês e a contrarrevolução. A greve passiva transformada em greve ativa nestes domínios é uma centralização automática. Imaginem a passagem à greve ativa durante uma greve geral do pessoal do rádio e da televisão. Quer dizer que o rádio e a televisão estão colocados a serviço da greve, com uma força de centralização indescritível. A contrarrevolução compreende isso perfeitamente: cada golpe contrarrevolucionário dos últimos quinze anos visou agarrar antes de mais nada os sistemas de rádio e televisão. Eles sabiam que se esses sistemas estivessem nas mãos do povo e dos trabalhadores, isto daria um poder colossal, que jamais existiu no passado, para a centralização de um poder operário.

E podemos tirar conclusões, com certeza, para o futuro: é em torno destes centros que as primeiras provas de forças se darão. A força policial belga não se divertirá ao expulsar os grevistas da Cockerill ou da ACEC [Ateliê de Construção Elétrica de Charleroi] – eles deverão estar loucos para fazer algo parecido. Eles não se concentrarão mais na estação de trem de Waremme, ou na estação-fronteira de Haine-Saint-Pierre. Eles irão aos grandes centros de telecomunicação, à RTB [Rádio-TV Belga], aos correios, aos grandes bancos: estes são os centros que, se forem controlados por um campo ou pelo outro, podem determinar o curso geral dos acontecimentos por um período.

É possível, justamente em torno do problema da autodefesa deste tipo de instituições que, pela sua própria natureza, passam em uma boa medida o poder de um campo ao outro, que se dê a tomada de consciência de uma massa muito maior de trabalhadores e que se compreenda a necessidade de um certo número de coisas que não se compreende enquanto são colocadas de uma maneira um tanto abstrata e geral.

8) As lealdades da classe operária às organizações tradicionais e o problema da tomada do poder

Trata-se da articulação de tudo o que acabo de dizer até agora a respeito do desenvolvimento da dualidade de poder que nasce da greve geral com as lealdades políticas, digamos, tradicionais da classe operária, que leva à famosa questão da forma transitória governamental. Somos confrontados com a contradição fundamental sob a sua forma mais pura e mais elevada.

Objetivamente a questão da greve geral coloca a questão do poder político. Objetivamente os comitês de greve federados são órgãos de dualidade de poder. Objetivamente os comitês de greve federados que começam a assumir outros poderes, além de gerir a greve, começam a agir como órgãos de poder. Mas tudo isso é, infelizmente, compatível com outro fenômeno, que a maioria dos trabalhadores, elegendo esses comitês e lhes apoiando, continuem a apoiar ao mesmo tempo os partidos reformistas que, justamente em situações desse tipo, manifestaram seu caráter contrarrevolucionário da maneira mais prejudicial no curso da história do movimento operário.

É preciso deixar dizer que o veredito da história é absolutamente claro: ele ocorre a cada vez. Os operários russos elegeram os sovietes por toda parte em fevereiro e março de 1917, e eles elegeram uma maioria de mencheviques e socialistas revolucionários de “direita”, ou seja, de reformistas. Os operários alemães elegeram por toda a Alemanha em novembro de 1918 os conselhos operários e eles elegeram uma maioria de social-democratas. Os operários espanhóis criaram comitês em toda a Espanha em julho de 36, mas a grande maioria dos membros destes comitês eram social-democratas, anarquistas e membros do Partido Comunista, ou seja, membros de organizações que não compreendiam a natureza da dualidade de poder, para não falar da necessidade de conquista do poder por meio desses comitês. Devemos entender essa contradição e não podemos negá-la com palavras.

Não podemos dizer: “Assim, enquanto os operários não tiverem rompido conscientemente com o reformismo, eles jamais criarão sovietes”. Isto foi demonstrado ser falso pela história. E menos ainda podemos dizer: “Assim, enquanto os operários não tiverem rompido com o reformismo, eles não deveriam criar sovietes”, o que é quase a teoria dos maoístas. Pois é apenas por meio da criação dos sovietes, estando em uma situação revolucionária, que eles acabarão por romper, em maioria, com o reformismo. Aí se encontra a verdadeira dificuldade, a verdadeira contradição, que encontra sua expressão mais clara na questão do poder.

Pois não se pode convencer os trabalhadores de que esses órgãos devem tomar todo o poder se se opuser esse poder aos partidos aos quais eles ainda são leais. E também não podemos ter a ilusão de que estes partidos, sob a pressão dos trabalhadores, acabarão por tomar o poder. Não podemos excluir de antemão esta eventualidade marginal, mas ela é extremamente improvável, e para a Europa ocidental, ela está excluída.

Até agora, o movimento revolucionário em geral propôs duas soluções para sair desta contradição. Estas soluções, que são proposições para resolver o problema, continuam sendo as únicas válidas.

1. No nível da propaganda, é a famosa e clássica tática dos bolcheviques de 1917 que diziam aos trabalhadores: “Vocês estão organizados nos conselhos operários, vocês querem que eles tomem o poder. Ao mesmo tempo, vocês ainda têm ilusões com o partido social-democrata. Exijam de seu partido que ele tome todo o poder no quadro dos sovietes”.

Insisto no fato de que tal agitação tem uma dinâmica completamente diferente, em uma situação revolucionária na qual já existem órgãos de dualidade de poder, com relação a uma tática de convocar os trabalhadores para votar nos partidos operários, e também com relação à tática de exigir que o Partido Trabalhista chegue ao poder na Inglaterra por meio das eleições, o que também é útil a fim de propaganda, mas que é totalmente diferente em sua dinâmica. Creio que no futuro não estaremos poupados de atravessar pelo mesmo caminho. A única eventualidade na qual poderemos economizar essa etapa intermediária será se as organizações revolucionárias, desde o início, forem majoritárias na classe operária, eventualidade que excluímos como pouco provável, senão impossível, nos próximos anos.

Entretanto, é preciso ter atenção à formulação precisa dessa palavra de ordem governamental transitória, pois ela deve corresponder à realidade da lealdade da classe operária. E a mesma pode variar. Hoje, há uma tendência na Europa ocidental – que constatamos na Bélgica, talvez antes que os camaradas de outros países –, que é uma certa transferência de lealdade dos velhos partidos tradicionais da classe operária aos sindicatos. A forma reformista tradicional clássica em um país como a Bélgica é muito mais a FGTB que o Partido Socialista Belga, na Itália muito mais os sindicatos que o Partido Comunista, para não falar do Partido Social-Democrata.

Devemos, então, considerar na formulação da palavra de ordem governamental: é necessário incluir os sindicatos de toda maneira e, em certas situações, as organizações sindicais antes das organizações políticas tradicionais. Lembremo-nos de que na Bélgica, durante todo um período a partir da greve geral de 1960, tivemos como palavra de ordem governamental de transição “governo operário apoiado nos sindicatos”, o que correspondia a uma realidade da classe operária, do movimento operário na Bélgica. Não devemos pré-julgar o futuro, pois esta questão é muito concreta e ela se modifica com as realidades da classe operária, e ela não deve sair de um esquema ou de um texto escrito há 40 anos, mas deve estar colada à realidade concreta da etapa na qual nos encontramos em cada país.

2. O outro aspecto da solução desta contradição é o aspecto organizacional. Quando há uma crise revolucionária muito aguda, quando há uma greve geral que realmente paralisa todo o país e cria órgãos de dualidade de poder, um reagrupamento ultrarrápido, uma recomposição ultrarrápida se opera na classe operária e no movimento operário. É o grande momento do centrismo na história do movimento operário. Há forças centristas que surgem de diversos horizontes, de diversos pontos de partida, e que, em geral, se encontram rapidamente em um denominador comum na luta, que é positivo – não falo aqui do centrismo no sentido negativo, mas positivo, pois se trata de forças que vão do reformismo em direção à revolução.

Então, a tarefa de criar uma unidade de ação entre os revolucionários e os centristas em torno de algumas questões-chave para o nascimento do poder operário é, em geral, a tarefa organizacional mais importante. Na Revolução Espanhola eram a esquerda anarquista, a esquerda socialista, o POUM [Partido Operário de Unificação Marxista] e os trotskistas. Na Revolução Alemã eram a esquerda do partido socialista independente, o Partido Comunista e certas forças anarco-sindicalistas. Na Revolução Russa eram o Partido Bolchevique e a esquerda do Partido Socialista-Revolucionário.

Evidentemente, a situação ideal é – novamente – a situação na qual o partido revolucionário tem, desde o início, a hegemonia neste movimento, assim, não há muitos problemas e o desenrolar russo pode ser imitado. Mas me permito fazer um prognóstico pessimista. Não creio que isto se repetirá com frequência na Europa ocidental. Não digo por pessimismo congênito, mas porque essa situação excepcional na Rússia foi produzida por um passado que devemos explicar: o partido bolchevique pôde conquistar a hegemonia na extrema-esquerda russa porque ele já tinha a hegemonia em toda a classe operária há dez anos.

Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, o partido bolchevique era absolutamente hegemônico no movimento operário russo, tanto do ponto de vista eleitoral, quanto dos pontos de vista da imprensa, sindical e do número de membros. Há uma enquete conhecida de Émilie Vandervelde, então inimigo feroz dos bolcheviques, que chegou à Rússia, em nome do Bureau Socialista Internacional, no início de 1914 e que reconhece que os bolcheviques eram majoritários em todos os pontos de vista na classe operária russa.

Isto que aconteceu na Rússia é algo totalmente diferente do que existe atualmente na Europa Ocidental. A corrente revolucionária que possuía a hegemonia no seio da classe operária russa quando esta era realmente pouco ativa perdeu temporariamente a hegemonia. Quando a corrente revolucionária se estendeu a todo o povo, em fevereiro e março de 1917, ela recuperou sua hegemonia de forma bastante rápida seis meses depois. E ela pôde fazer isso porque ela tinha quadros operários em cada fábrica, e tinha adquirido implantação na classe operária.

Esta não é, absolutamente, a situação da vanguarda revolucionária atual em qualquer país da Europa ocidental. E, nestas condições, é pouco provável que mesmo com a ajuda de uma ascensão revolucionária – e mesmo pensando na multiplicação da força por dez, ou mesmo por cinquenta, o que é provável em tal ascensão – sejamos imediatamente mais fortes do que as correntes centristas saídas das grandes correntes de massa, que representa uma força infinitamente mais importante. O Partido Comunista alemão em 1919, 1920 até o congresso de Halle, representava de 15 a 25 mil membros, a esquerda dos socialistas independentes representava de 300 a 500 mil pessoas. Vejam a relação de forças. Na Espanha, o POUM – com todas as críticas que podemos fazer – e os trotskistas representavam de 4 a 6 mil pessoas, e a esquerda socialista e anarquista de 200 a 300 mil pessoas. É a mesma relação de forças.

É pouco provável que no futuro conheceremos relações de forças radicalmente diferentes no início de uma ascensão revolucionária. O que quer dizer que evitar todo sectarismo entre estas correntes de esquerda é uma questão vital para não perder a vitória da revolução, e que é preciso encontrar as formas organizacionais para a criação de uma frente única de revolucionários no seio da frente única das organizações operárias. Quando digo “frente única de revolucionários”, refiro-me a uma frente dos partidos revolucionários e dos centristas, pois, por definição, todos aqueles que não estão no partido revolucionário, são centristas.

Na França, isto se concretizou durante o maio de 68: uma espécie de frente de revolucionários funcionou. Era ela que tomava todas as iniciativas de ação. As grandes manifestações, as reuniões, etc. Nossos camaradas desempenharam um papel exemplar, sem sectarismo algum. Vem dali o início de seu avanço na extrema-esquerda francesa como uma força politicamente hegemônica. Creio que esta seja uma imagem a se utilizar. Na Itália, por exemplo, isto não foi feito. Durante a grande ascensão de greves em 69, diferentes grupos e grupúsculos revolucionários jamais chegaram a estabelecer um mínimo de frente única entre eles. Eles [só] perceberam isso agora, em um período de recuo e sob uma linha direitista, mas isto é clássico. E este fato resultou em consequências desastrosas na Itália.

Dou o exemplo mais desastroso. Quando o primeiro conselho de delegados operários foi criado na Fiat, no fim de 69, por meio de iniciativas de grupos da extrema-esquerda, uma conferência proletária nacional reuniu 3 mil operários revolucionários; nossos camaradas, que eram uma pequena minoria, batalharam “até a morte” por uma questão: que todos os revolucionários tomassem a iniciativa de imitar nas outras empresas italianas aquilo que havia sido feito na Fiat. Havia meios de fazê-lo, pois as forças presentes eram capazes. Todos os grupos maoístas e espontaneístas se opuseram, com argumentos estúpidos e típicos da ultra-esquerda: “todos somos delegados”, “nós não temos necessidade de delegados”, “queremos emancipar a massa”, etc.

O resultado disto: a burocracia sindical acabou por expandir a constituição dos comitês no lugar da vanguarda revolucionária, e pôde retomar, assim, o controle de um movimento que poderia lhes ter escapado totalmente. E a conclusão lógica: os mesmos que clamaram em 69 “todos somos delegados” hoje apoiam a burocracia sindical em sua manobra de integração dos conselhos operários ao aparelho sindical.

Este exemplo mostra também que a luta pela frente única de extrema-esquerda no quadro da luta pela Frente Única Operária (F.U.O) exige a ausência de sectarismo, mas também a ausência de alinhamento mecânico e seguidor de posições ultra-esquerdistas e oportunistas que podem ser defendidas pelas diferentes variantes que encontramos nesta fauna.

Qual é, assim, a chance dada aos revolucionários? Gostaria de dar alguns exemplos históricos. A associação da esquerda do Partido Socialista Independente e do Partido Comunista em 1922 permitiu a conquista da maioria do sindicato dos metalúrgicos na Alemanha, e abarcou a maioria na direção (do maior sindicato alemão). Nos meses de setembro e outubro de 1936, o POUM, a esquerda anarco-sindicalista e a esquerda socialista tiveram uma maioria incontestável no seio dos comitês de milícia na Catalunha. E quando criticamos o POUM ou a direção direitista do Partido Comunista alemão de 22 a 23, não é porque eles passaram por essas etapas absolutamente indispensáveis para conquistar a maioria da classe operária, mas porque eles não aproveitaram estas chances para colocar e resolver a questão do poder. Não há outros meios de resolver esta questão. Não a resolveremos com uma pequena minoria contra a maioria da classe operária nos países imperialistas.

9) O armamento operário e a autodefesa

Mesmo quando a extrema-esquerda já possui a maioria nos conselhos operários, mesmo quando a burguesia está profundamente desmoralizada e desorganizada, mesmo quando as classes médias passam cada vez mais para o lado da classe operária, porque elas acreditam que esta vai triunfar – todas estas são características de uma crise revolucionária que está amadurecendo –, a questão da conquista do poder não será solucionada se a questão do armamento não estiver solucionada. E a questão do armamento tem dois aspectos que têm de ser interligados para serem resolvidos:

  1. A questão do armamento da classe operária.
  2. A questão da desagregação do exército burguês.

Um não anda sem o outro. Sem um início de armamento da classe operária, a desagregação do exército burguês não ultrapassará um limite mínimo. Trotsky falou a respeito desse assunto tudo aquilo que faltava ser dito, tudo aquilo que é clássico dizer sobre a força da disciplina dentro do exército burguês; que só pode explodir totalmente quando o soldado individual encontra uma defesa, incluindo uma defesa armada em outro lugar. Por outro lado, a autodefesa operária não ultrapassará um certo limite mínimo, bastante primitivo, se não houver uma decomposição em grande escala do exército burguês.

É preciso compreender que essa questão é essencialmente política, e não técnica. Todos aqueles que tentam colocar esta questão como sendo técnica acabam, cedo ou tarde, dizendo que a revolução é impossível. É a posição de Régis Debray tirando lições da Revolução Chilena: “não temos pilotos de avião o suficiente (quem poderia ter formado pilotos de avião?). Não haviam o suficiente em 73, nem em 72, ou 71. E se tivéssemos começado a armar os operários mais cedo, os pilotos já teriam batido antes”. Em última análise, é a explicação dos stalinistas nos debates que tivemos com os dirigentes do Partido Comunista belga, ou seja, “o resultado obtido era inevitável”. Não quero entrar na questão do Chile, este não é o assunto.

Tivemos um debate semelhante, evidentemente acadêmico, sobre o que teria acontecido em 1968 se os trabalhadores tivessem começado colocar a questão do poder. O problema essencial é um problema político, e não técnico. E é um problema muito complicado, cuja dificuldade deve ser entendida, e em que se deve entender que a maior parte dos que apresentam soluções técnicas precipitadamente o fazem, na verdade, porque estão tentando fugir da dificuldade por meio de uma fuga precipitada.

Qual é a dificuldade? É a mesma que mencionei anteriormente em relação ao parlamento. Por toda a tradição do movimento operário na Europa ocidental – com a possível exceção da Espanha –, os trabalhadores não estão preparados para pegar em armas. Isso lhes parece uma preocupação totalmente alheia à sua experiência real. E ela é alheia, não há sombra de dúvidas! É preciso, então, encontrar as mediações necessárias para fazê-la entrar em sua experiência e compreensão. Aí está a importância do problema da autodefesa, da questão da luta antifascista, das experiências específicas dos piquetes de greve e da extensão destes.

Pois é somente através destas experiências que isto se torna mais concreto para uma massa mais ampla. Deixo de lado o problema da preparação dos quadros e do papel da organização revolucionária neste assunto, sobre o que coisas suficientes já foram escritas. Mais uma vez a dificuldade, que é muito grande, é em parte reduzida pelo próprio adversário.

Se a burguesia e o Estado se comportam de maneira totalmente passiva a respeito de uma greve geral com ocupação das fábricas, com conselhos operários e início de organização da produção pelos próprios operários, com a ocupação das telecomunicações [...]; neste caso, a consciência não progredirá muito pela via do armamento. Mas compreenderemos que reunindo todas estas condições, isso é pouco provável: uma resposta bastante rápida da burguesia é absolutamente inevitável. Ela toma a forma de uma provocação armada, a princípio pequena e depois cada vez maior. A questão do papel da vanguarda revolucionária no aproveitamento de cada uma dessas experiências envolve operar um salto na consciência e na organização prática dos trabalhadores no plano da autodefesa armada.

É assim que a greve geral com ocupação de fábricas e surgimento de órgãos de dualidade de poder se aproxima da situação onde a insurreição armada e a conquista do poder começam a ser colocadas na ordem do dia. E a preparação dos revolucionários neste âmbito é uma preparação antes de tudo política, cujo aspecto técnico não deve ser negligenciado, mas é secundário.

Todos os fracassos das revoluções na Europa ocidental no curso dos últimos 50 anos não ocorreram porque houve muito pouca preparação técnica, mas porque houve falhas no plano político. Se a classe operária espanhola chegou a desarmar praticamente todos os quartéis das grandes cidades, não foi por ter tanta riqueza técnica, ela conquistou este feito por meio de um ataque colossal. Se fracassou na conquista do poder não é porque os meios técnicos que possuía em setembro não eram mais os mesmos que os de julho, mas porque manifestamente careciam de compreensão política, de vanguarda e de direção política sobre este assunto.

E eu gostaria de terminar com dois exemplos da Revolução Alemã, que são os dois momentos nos quais a conquista do poder foi concretizada. Primeiro, a greve geral contra o golpe do General Kapp em 1920. A emoção provocada pelo golpe e a enorme autoconfiança despertada pelo fato deste golpe ter colapsado após três dias de greve geral levaram a que mesmo o partido social-democrata e, principalmente, o sindicato, pela primeira e única vez na Alemanha, colocassem a questão de um governo operário.

Legin, secretário-geral do sindicato alemão colocou a questão da constituição de um governo composto dos sindicatos, do Partido Social-democrata, do Partido Socialista Independente e do Partido Comunista. O Partido Comunista cometeu o erro enorme de não aproveitar a situação e de não lançar uma campanha de agitação pela aplicação imediata desta demanda. Sobretudo porque em uma parte da Alemanha (Ruhr e Saxônia), os operários estavam novamente armados para se opor ao golpe. Neste determinado momento, foi possível um avanço. Não foi, então, uma falta de armas e de forças técnicas, mas uma falta de sagacidade política que determinou que esta reviravolta não tenha sido aproveitada.

O segundo exemplo é aquele de setembro e outubro de 1923. Já falei muito e não posso fazer uma descrição de 1923, que é o ano da reviravolta na história europeia. No verão de 1923, a classe operária alemã, por meio de uma greve geral, derrubou o governo conservador do chanceler Kuno. Neste momento, o Partido Comunista estava ocupado conquistando a maioria nos grandes sindicatos e nos muito numerosos conselhos de empresas. O dirigente do Partido Comunista, Brandler, tem um projeto de conquista do poder. É um projeto arriscado, mas que não é idiota. É um projeto de três tempos. No início, o Partido Comunista constitui um governo de coalizão em duas províncias, Saxônia e Turíngia, com a esquerda socialista. Em segundo lugar, ele utiliza a posição no interior destes governos para constituir milícias operárias armadas e, finalmente, ele se apoia nestas “guardas vermelhas” para preparar a insurreição em toda a Alemanha.

Evidentemente este não é um projeto secreto; todo mundo, mesmo a burguesia, sabia: ele era discutido abertamente na imprensa do Partido Comunista. O que tornava o segundo ponto vulnerável, era, evidentemente, que a burguesia iria reagir assim que os ministros comunistas colocassem em prática o armamento dos operários. Foi o que aconteceu! Assim que a primeira medida de constituição da “guarda vermelha” foi aplicada, a Reichwehr [forças armadas alemãs] entraram na Saxônia e na Turíngia e dissolveu estes dois governos. É um aspecto técnico da questão, que podemos discutir.

Qual é, atualmente, o aspecto político que é, de longe, decisivo? A Saxônia e a Turíngia eram dois estados governados por primeiros-ministros social-democratas de esquerda. Os dois governos apoiavam totalmente os sindicatos. A ofensiva militar do exército contra estes dois governos foi uma afronta, um verdadeiro ataque lançado contra o movimento operário organizado na Alemanha. Era possível tornar este pequeno sucesso tático, secundário em outros lugares, nos dois estados, sob a condição de ter, de maneira sistemática, preparado o Partido Comunista e a vanguarda operária para uma prova de forças de âmbito nacional, inclusive a nível de armamento.

O camarada Brandler não o fez, ele hesitou sobre essa questão e, sobretudo, sobre a questão de saber se a situação estava madura para uma prova de forças. Ele encarou a dificuldade de uma maneira tradicionalmente centrista: ele convocou um congresso de conselhos operários, de comitês de fábricas, e lhes perguntou “vocês estão prontos para resistir com armas à Reichwehr?”. A resposta foi enviada com antecedência. Devo dizer, pois é uma prova da maturidade extraordinária da situação, que havia mais de 40% dispostos para a resistência armada em um congresso deste tipo.

Mas como Trotsky resumiu a situação: “Se uma massa de militantes operários hesitantes se encontram diante de um dirigente hesitante que lhes diz ‘estou pronto para segui-los, qual iniciativa vocês tomarão?’, evidentemente, não podemos esperar que eles irão correr para a conquista do poder”. É obviamente a relação inversa que precisaríamos: uma liderança muito decidida, que deveria convencer uma massa ainda hesitante de que só há uma saída, e indicar esta saída de uma maneira muito clara, tomando as iniciativas necessárias neste sentido. Foi o que os bolcheviques fizeram em 1917.

O que é absolutamente decisivo é a preparação das condições subjetivas necessárias para fazer a classe operária aceitar em sua maioria a necessidade de um conflito decisivo com a burguesia.

Toda a lógica desta apresentação é que uma greve geral, uma greve geral ativa, uma greve geral que dá lugar à eleição de conselhos operários, está preparando tal prova de forças, que possui enormes vantagens do lado operário. Quanto mais um país é industrializado, mais avançada é a tecnicidade dos processos sociais, mais vantagens se encontram no campo operário.

Mas o fator em última análise decisivo continua sendo o campo que toma a iniciativa na ação. Tomar iniciativa na ação, mesmo que em um dia, derrotar o adversário em um momento decisivo, isso muda totalmente as relações de forças. É aí que vemos toda a importância do partido revolucionário e do fator subjetivo para mudar o curso da história!


Inclusão: 22/10/2020