História do Mundo
Volume I - O Mundo Antigo - A Idade Média

A. Z. Manfred


II Parte: A Idade Média
Capítulo V - A Europa Ocidental nos Séculos XI-XV


A Separação da Indústria da Agricultura e a Ascensão das Cidades
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Embora as forças de produção se desenvolvessem lentamente no início da Idade Média, apesar disso o progresso foi firme, e o primeiro resultado deste processo foi uma nova divisão social do trabalho que facilitou mais o progresso económico por toda a Europa. Gradualmente começou a traçar-se uma linha divisória entre a indústria e a agricultura. Apareceram cada vez mais cidades e outras aumentaram, desenvolvendo-se como centros industriais e comerciais. Resultado deste desenvolvimento foi também o aparecimento da relação artigos moeda.

As crescentes necessidades da sociedade medieval a partir do século XI obrigaram os camponeses que se dedicavam ao comércio, além do seu principal trabalho, o agrícola, a estabelecerem-se como ferreiros, tecelões, alfaiates e sapateiros, a ocuparem cada vez mais tempo com estes ofícios subsidiários e cada vez menos tempo com a agricultura. Estes camponeses muitas vezes deixavam as aldeias e estabeleciam-se em sítios onde era fácil vender os seus artigos e receber em troca deles os produtos da terra de que precisavam, para se alimentarem e às suas famílias (em encruzilhadas, nas margens dos rios, em lugares onde tinham a protecção dos castelos ou dos mosteiros).

Os mercadores também começaram a estabelecer-se gradualmente em tais lugares e, por fim, conseguiram restaurar o comércio que tinha declinado muito desde a queda do Império Romano.

O primeiro tipo de comércio a ser restabelecido na Europa foi o comércio dos artigos caros e facilmente transportáveis de terras distantes, particularmente do Oriente, tais como tecidos de Bizâncio, marfim e ouro da Ásia Menor e da Índia, e perfumes da Arábia. Gradualmente, contudo, os mercadores que se estabeleceram ao lado dos artesãos começaram a vender os artigos produzidos pelos artesãos locais e desta maneira davam aos artesãos a possibilidade de espalhar a sua mercadoria fora dos limites das suas regiões. Assim se desenvolveram novas cidades europeias como centros comerciais e industriais.

Inicialmente, estas cidades eram pouco mais do que aldeias grandes, cujos habitantes se dedicavam tanto à agricultura como ao comércio e tinham as suas pastagens, terras aráveis, florestam e lagos ou rios. Mas, pouco a pouco, a indústria ia exigir cada vez mais tempo e esforço dos trabalhadores das cidades e muitas vezes eram obrigados a trocar a sua mercadoria com camponeses das aldeias vizinhas para obter as matérias-primas essenciais e os produtos de que necessitavam para sustentar as suas famílias.

Apareceram, então, guildas, cujos membros eram pequenos produtores independentes que trabalhavam as suas próprias pequenas propriedades e empregavam trabalhadores à jorna e aprendizes, cujo número (tal como a organização do trabalho e da produção como num todo) estava rigorosamente estipulado nas escrituras das guildas. O principal objectivo destas escrituras era estabelecer e fixar condições de vida e de trabalho uniformes para os membros efectivos da guilda, ou seja, os mestres, porque os jornaleiros eram na realidade trabalhadores assalariados, assim como os aprendizes, que pagavam a sua instrução com o trabalho.

Os interesses dos jornaleiros e dos aprendizes não eram compatíveis com os dos mestres e a luta de classes entre estes dois grupos agudizou-se, gradualmente, à medida que os mestres começavam a constituir um sector privilegiado da sociedade e deixaram de autorizar os jornaleiros a invadirem os seus domínios.

O Conflito entre as Cidades e os Proprietários de Terras

A população concentrada nas cidades era muito mais unida do que no campo e podia competir com a nobreza, em cujas terras as cidades tinham sido fundadas. Por fim, quer por conflito directo, quer por compra de vários direitos, muitas cidades tornaram-se comunas, que se auto governavam, quase completamente independentes dos senhores. As cidades conquistaram ainda o direito de ter a sua própria câmara, de eleger os seus funcionários, de comprar a isenção de impostos, do serviço militar e do trabalho obrigatório e de assegurar a todos os habitantes a sua liberdade pessoal. Como se dizia naquele tempo: «O ar da cidade faz um homem livre».

As cidades da Itália — em particular Veneza, Génova, Amalfi, Nápoles, Palermo, Milão e Florença — foram as primeiras a expandir e a reformular os laços comerciais com o Oriente, começando logo nos séculos IX e X. Os mercadores destas cidades prosperaram rapidamente com o comércio com o Oriente e em pouco tempo as cidades não só conquistaram o direito ao autogoverno aos senhores em cujas terras viviam, quer fossem bispos ou nobres, mas também se tornaram repúblicas independentes. As cidades da Flandres eram muito prósperas, graças aos seus têxteis, que eram muito apreciados no Norte da Europa, e, no século XII, as cidades do Sudoeste da Alemanha também começaram a ter importância. Na Inglaterra e na França começou um espectacular desenvolvimento urbano no século XI e o comércio e a indústria floresceram nas cidades nos séculos XII e XIII.

A Sociedade Feudal Avançada

Os resultados deste desenvolvimento urbano e da expansão da indústria e do comércio foram tão importantes e diversos através da Europa que a época em que surgiram e o seu subsequente desenvolvimento podem ser considerados como o início do período do feudalismo avançado, quando as forças de produção (isto é, as técnicas agrícolas e industriais e as técnicas de trabalho adoptadas por aqueles que participavam na produção em reduzida escala, típica da sociedade feudal) tinham atingido o mais alto nível de desenvolvimento possível na economia feudal de pequena escala.

Na verdade, a indústria urbana, à medida que se desenvolveu, forneceu aos trabalhadores agrícolas suficientes utensílios de ferro, que se encontravam agora mesmo nas casas camponesas mais modestas. As crescentes necessidades de produtos agrícolas dos habitantes da cidade levaram os camponeses a cultivar mais terras e a desenvolver a criação de gado, as técnicas de lavrar a terra, a técnica das hortas e a plantação de pomares. Ao mesmo tempo que houve avanços significativos na agricultura, os melhoramentos técnicos mais importantes deram-se na indústria urbana, e consequentemente nas cidades, onde as forças de produção revelaram o mais impressionante desenvolvimento da Idade Média. Cresceram centros industriais que exportavam os seus produtos pela Europa (centros das indústrias têxteis, da lã, da seda e, mais tarde, de algodão e dos couros, artigos de metal e cerâmica, etc.).

O desenvolvimento das cidades europeias e consequente avanço das forças de produção também foram factores decisivos tanto no desenvolvimento’ político como no desenvolvimento social. Era nas cidades, que se tinham tornado centros de ofícios e comércio, que a classe dominante podia realizar os seus lucros, os quais por vezes excediam várias vezes os das aldeias. Contudo, os artesãos e os comerciantes uniam-se para defender os seus interesses mais do que os camponeses, e geralmente gozavam de liberdade pessoal. Logo desde o início opuseram-se à nobreza e à sua lei.

Isto significou que o campesinato, se não conseguiu aliados entre os habitantes das cidades, pelo menos encontrou simpatizantes na sua luta contra os proprietários das terras e, deste modo conseguiu aligeirar consideravelmente a sua carga.

O desenvolvimento urbano também trouxe consigo importantes alterações na vida política da Europa desse período. Os comerciantes e os artesãos estavam interessados em expandir os seus mercados e laços comerciais em geral, e, assim, procuraram evitar guerras locais e assegurar pelo menos um mínimo de lei e de ordem nas terras onde exerciam a sua actividade (em primeiro lugar isto significava a área onde os homens falavam línguas mutuamente inteligíveis). Por esta razão, os habitantes das cidades apoiavam sempre os governos centralizados que tinham a autoridade necessária para acabar com a arbitrária violência dos nobres, que chegavam a considerar os assaltos nas estradas como uma expressão suprema de valor. Quase simultaneamente com a onda de desenvolvimento urbano surgiram alianças espontâneas entre os reis europeus e os seus súbditos das cidades. As cidades ajudavam os reis quer com dinheiro quer com destacamentos armados para assegurar a obediente submissão dos seus vassalos. Isto, por sua vez, levou à consolidação de alguns Estados centralizados europeus, antecessores das actuais grandes potências, no final do século XV.

As Causas das Cruzadas

A última fase do estabelecimento do sistema feudal no século XI em quase toda a Europa e a consolidação de uma ordem mais ou menos estável levou a uma ascensão definitiva das forças de produção, a um renascimento da indústria e do comércio, a uma divisão mais nítida entre os ofícios e a agricultura, à ascensão das cidades como centros industriais e comerciais. O renascimento do comércio com o estrangeiro, sobretudo com os Estados culturalmente mais avançados do Oriente, despertou novo interesse por estes países entre os povos da Europa. Este novo interesse levou a expedições de exércitos europeus ao Oriente, que se chamaram as cruzadas. Representantes de várias classes e camadas sociais, descontentes com a sua sorte na pátria, tomavam parte nestas «guerras santas». A parte principal dos exércitos das cruzadas era formada pelos escalões mais baixos da classe dominante — os cavaleiros, que geralmente eram os filhos mais novos dos nobres e não herdavam terras dos pais, e também por camponeses abastados e mesmo servos, contratados por cavaleiros para administrarem os seus domínios (administradores). Como estavam mal equipados, não se entregavam aos assaltos de estrada, mas roubavam os seus próprios homens ou estranhos e estavam sempre prontos a arriscar-se a qualquer aventura.

Naquele tempo reinava o descontentamento entre os camponeses que achavam difícil aceitar as exorbitantes obrigações que lhes eram exigidas. Houve uma série de más colheitas de 1095 a 1097 e os camponeses foram obrigados a comer ervas, cascas de árvores e até barro. Houve mesmo casos de canibalismo. Muitos camponeses deixaram as terras a que estavam ligados em busca de uma existência menos dura. Quando foram convocados exércitos para as cruzadas, multidões destes camponeses partiram para o Oriente. Muitas cidades, particularmente as de Itália, também tomaram parte neste movimento, na esperança de expandirem o seu vantajoso comércio em luxuosos artigos orientais.

A Igreja Católica também desempenhou um papel importante na convocação de homens sob a bandeira dos Cruzados, exortando-os a libertar a Síria e a Palestina dos turcos, a «Terra Santa» onde Cristo tinha vivido e onde estava situado o santuário cristão do Santo Sepulcro. Na realidade, a Igreja tinha dois objectivos com esta Politica — primeiro, expandir o seu poderio e a sua influência, e, em segundo lugar, estava a afastar temporariamente da Europa grande número de cavaleiros que tinham o hábito de pilhar igrejas e mosteiros.

Bizâncio do Século VII ao Século XI

As cruzadas, era inevitável, preocuparam logo Bizâncio, que desde há séculos travava dispendiosas guerras com os seus vizinhos — o Irão, os Árabes, os Búlgaros e os Turcos seljúcidas. Depois de uma série de grandes êxitos militares, particularmente durante o reinado da dinastia macedónia (867- 1056), em que os Búlgaros haviam sido derrotados, partes da Síria. Arménia e Mesopotâmia foram reconquistadas aos Árabes e a aliança com o antigo Estado Rus, havia sido consolidada, o poderio bizantino começou a declinar rapidamente.

No século XI, o sistema feudal estava estabelecido: o campesinato livre desaparecera, enquanto cresciam em número as grandes propriedades pertencentes à nobreza. A introdução da classe dos servos, de formas mais intensas de exploração, deu origem, em várias ocasiões, a revoltas populares. O aparecimento de relações de produção feudais e da intensificada divisão de terras levou a frequentes contendas entre os nobres proprietários de terras. A rivalidade pelo trono entre os membros de classe dominante também se intensificou. Todos estes factores serviram para minar o poderio do Estado bizantino e tornou-se cada vez mais difícil quer manter a ordem interna quer defender as fronteiras. Quando uma nova dinastia subiu ao poder, a dinastia dos comnénidas, a posição do império era crítica. Contudo, o imperador Aleixo Comneno (1081-1118) e os seus descendentes conseguiram reconsolidar temporariamente o poder bizantino.

A Primeira Cruzada

Em 1095, no Concílio de Clermont (Sul de França), o Papa Urbano II proclamou a primeira cruzada, prometendo a todos aqueles que nela tomassem parte a absolvição dos pecados e ricos despojos de guerra. Os primeiros exércitos que começaram a cruzada eram compostos pelos camponeses pobres. Multidões de soldados camponeses mal equipados chegaram a Constantinopla, saqueando e pilhando tudo à sua passagem. O imperador bizantino exortou-os precipitadamente a partirem para as costas da Ásia, onde foram logo desbaratados pelos Turcos. Alguns patéticos soldados dos destacamentos camponeses voltaram surpreendidos a Constantinopla e ficaram à espera da principal força expedicionária chefiada por cavaleiros que partiu da Europa em 1096 para Jerusalém. Depois de uma longa e difícil viagem, esta força atingiu, finalmente, Jerusalém em 1099. Tomaram a cidade de assalto e depois incitaram a um brutal massacre da população maometana. Alguns Estados cruzados foram estabelecidos em território sírio e palestiniano. Eram governados por nobres europeus poderosos que chefiavam uma hierarquia complexa e fechada de senhores e cavaleiros inferiores. Os camponeses europeus, tal como os seus correspondentes locais, estavam numa situação de vassalagem económica e não tinham, assim, obtido qualquer alívio para a sua sorte. A população local revoltou-se, e, em 1144, os cruzados perderam Edessa, uma das suas posições mais importantes. Uma segunda cruzada, organizada com o objectivo de reconquistar a cidade, não teve êxito.

Em meados do século XII apareceu um novo campeão dos pequenos Estados árabes e turcos, Saladino, talentoso comandante que conseguiu unir estes pequenos Estados e depois derrotar os Cruzados (1187) e tomar Jerusalém. As cruzadas subsequentes, que foram cinco, organizadas em grande estilo, também não tiveram êxito. Durante a quarta cruzada, os cavaleiros ocidentais saquearam Constantinopla (1204) revelando, assim, a toda a gente que o principal objectivo das cruzadas não era a libertação do Santo Sepulcro mas o saque e a pilhagem, visto que a capital bizantina era uma cidade cristã. Pouco depois, os turcos expulsaram os Cruzados da Ásia Menor. A sua última fortaleza na Palestina, a cidade de Acre, foi tomada pelos Turcos em 1291 e considera-se que esse ano marca o fim das cruzadas.

Embora as cruzadas não obtivessem os objectivos políticos que desejavam os cavaleiros europeus, o movimento teve consequências importantes para a cultura europeia. Os europeus contactaram com a cultura mais evoluída do Oriente, e adoptaram as suas formas mais avançadas do cultivo da terra e das técnicas de artesanato que já eram prática comum naquela região. Trouxeram consigo do Oriente muitas plantas novas e úteis, tais como o trigo mourisco, o arroz, a planta da cidra, a cana-de-açúcar e o damasco, para não falar de descobertas tão importantes como o fabrico da seda e os objectos de vidro soprado.

A Inglaterra

No século V, esta ilha habitada por tribos celtas foi invadida por tribos germânicas — Anglos, Saxões, Jutas e Turíngios. Estes estabeleceram sete reinos bárbaros, que gradualmente se uniram para formar três reinos durante os séculos VI e VII, e subsequentemente um Estado anglo-saxónico sob Egbert, rei de Wessex, no início do século IX (829). O aparecimento de padrões económicos feudais no reino anglo-saxónico começou neste período e na segunda metade do século XI; quando o trono foi tomado pelos barões normandos chefiados por Guilherme de Normandia [que ficaria na história como Guilherme, o Conquistador, (1066)], o sistema feudal já estava bem estabelecido.

Os barões normandos que vieram para Inglaterra com Guilherme e conquistaram as terras anglo-saxónicas completaram o processo de feudalização, na sua qualidade de representantes de um Estado feudal mais avançado. Como se encontraram entre uma população local hostil aos conquistadores estrangeiros, foi essencial para eles manterem-se juntos para defenderem os seus interesses e manter uma disciplina rigorosa. Por esta razão, apoiaram o poder e a autoridade de domínio central do seu duque que se tornara agora rei de Inglaterra. Guilherme, que foi obrigado a dividir as terras conquistadas entre os barões que o tinham acompanhado nesta aventura, e também com o desejo de saber ao certo qual o rendimento que teria à sua disposição como rei, mandou elaborar um levantamento das terras do seu reino (que descrevia a sua extensão, o seu valor, a quem pertenciam e as suas obrigações). Este levantamento foi elaborado com base em testemunhos dos habitantes locais que eram prestados sob juramento de dizerem toda a verdade e somente a verdade, como se estivessem perante Cristo no Juízo Final, no «Domsday», no fim do mundo. Assim, o livro que regista todos estes dados estatísticos e que foi conservado até aos nossos dias, é conhecido como «Domsday Book».

Neste livro os camponeses, cuja posição era difícil de definir, são muitas vezes chamados vilãos, isto é, servos, e neste aspecto o levantamento marcou a fase final do estabelecimento do sistema feudal. Contudo, é importante lembrar que parte do campesinato inglês conservou a sua liberdade. Os barões anglo-saxónicos que não se mostravam dispostos a acatar a ordem nova foram substituídos por barões normandos. Uma parte considerável do campesinato inglês tornou-se serva.

Apenas num aspecto, o sistema feudal inglês diferia do continental: o poder do rei em Inglaterra, pelas razões acima mencionadas, era suficientemente forte para obrigar todos os membros da classe dominante, desde os nobres aos mais pobres cavaleiros, a servir lealmente a coroa. A manifestação externa deste poder consistia na exigência feita a todos os membros da classe dominante de prestarem um juramento de fidelidade ao rei, quem quer que fossem os seus suseranos imediatos.

Como resultado, foi poupado à Inglaterra o longo e difícil caminho, rumo à unidade que todos os Estados continentais tiveram de percorrer: a sociedade inglesa não sofreu tanto de falta de um poder central forte (que afligiu os outros Estados da Europa, onde as liberdades que os barões se permitiam, minaram a administração política e o progresso económico), como de um poder central demasiado forte de que muitas vezes se abusou no interesse da classe dominante.

O Início do Parlamento

A existência de um poder central extremamente firme em Inglaterra cedo levou a uma série de tentativas para limitar o poder real. No reinado do rei João, cognominado o Sem Terra (1199-1216), os barões obrigaram o rei a assinar a Magna Carta (1215), que limitou o seu poder de alterar e modificar os direitos de propriedade e os privilégios dos barões. Em 1265 foi convocado o primeiro Parlamento. Esta instituição do século XIII pouco tem de comum com o Parlamento inglês dos nossos dias, que é uma instituição constitucional burguesa, embora este considere que teve origem neste primeiro Parlamento e os historiadores e homens de lei ingleses tendam a chamar a atenção para a longa história da constituição inglesa. O Parlamento inglês do século XIII ao século XVI era um conselho dos três Estados («Lords Spiritual e Temporal» e os «Commoners» — representantes dos condados e das cidades), parecido com os que mais tarde foram estabelecidos noutros Estados do continente. Contudo, o rápido desenvolvimento económico da Inglaterra, o crescimento das suas cidades e da sua rede comercial em breve tornou prósperas a sua classe dominante e as suas cidades, de maneira que a restrição dos poderes do rei enraizou-se desde logo. Assim, no século XIV, foi tirado ao rei o direito de instituir novos impostos e de cobrar os que já estavam fixados sem o consentimento do Parlamento. O Parlamento, no qual tanto a base dominante como as cidades e condados estavam representados, tornou-se uma instituição política cada vez mais influente.

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A expansão urbana e o desenvolvimento da relação mercadorias dinheiro levaram a consequências que se iam tornar típicas no resto da Europa Ocidental. Provocaram alterações substanciais no elemento básico administrativo e económico da sociedade feudal, a casa senhorial. Os barões começaram a exigir o pagamento em dinheiro (commutation) aos seus camponeses em vez do pagamento em géneros, agora que os camponeses começavam a vender o excesso de produtos em mercados locais e em cidades vizinhas. Este tipo de pagamento tinha-se tornado quase universal no século XIV e teve repercussões significativas. Os nobres que tinham terras começaram a desleixar as quintas dos seus domínios e alugavam-nas em glebas aos camponeses. Visto que os seus domínios já não existiam como tais, a prestação de trabalho já não era exigida aos camponeses e estes eram libertados em troca de um resgate. Contudo, os proprietários de terras, que precisavam de dinheiro, fecharam as terras comunais para desenvolver a criação de gado, o que lhes trouxe considerável rendimento. A nova «liberdade», que ia de mãos dadas com uma maior independência económica levou a uma considerável deterioração das condições de vida dos camponeses. Este estado de coisas espalhar-se-ia por toda a Europa e subsequentemente levou a algumas grandes revoltas camponesas — a que foi chefiada por Wat Tyler, em Inglaterra, a de Dolcino, em Itália, e a Jacquerie, em França.

A causa próxima da revolta dos camponeses em Inglaterra (1381) foi a introdução de um imposto universal, conhecido por «imposto de capitação», para arranjar dinheiro para a guerra que se estava a travar com a França (Guerra dos Cem Anos). Os funcionários administrativos que cobravam este imposto recorreram a muitas medidas injustas e violentas. O povo ergueu-se em protesto e dentro de pouco tempo a revolta espalhou-se por alguns condados.

O exército camponês marchou sobre Londres e os pobres da cidade abriram-lhe as portas. Um dos destacamentos camponeses era chefiado por um trolha(7), chamado Wat Tyler. Os revoltosos expuseram ao rei as seguintes pretensões: liberdade completa para todos os camponeses; a substituição das obrigações de trabalho por pequenas obrigações em dinheiro; a concessão aos camponeses do direito de vender livremente o produto das suas terras. Alarmados, o rei e os barões primeiro prometeram fazer concessões e alguns dos destacamentos camponeses dispersaram e voltaram às suas casas. Contudo, numa das confrontações com o rei, Wat Tyler foi assassinado traiçoeiramente. Seriamente alarmados com o caminho que tinham tomado os acontecimentos, os barões reuniram as suas tropas e infligiram um cruel castigo aos camponeses revoltosos. No entanto, receando possíveis repetições de tal revolta, os nobres proprietários de terras continuaram a conceder a liberdade a um número cada vez maior de camponeses e no final do século XV já não havia servos em Inglaterra. Contudo, os camponeses, que ainda «alugavam» a terra dos seus suseranos, eram obrigados a pagar por ela uma renda.

A Guerra das Rosas

Entretanto, continuava a Guerra dos Cem Anos. No decurso desta guerra, os reis de Inglaterra apoiaram-se, sobretudo, em soldados mercenários, mas, lado a lado com eles, lutavam os barões ingleses com os seus séquitos armados, que tinham como alvo os saques das terras francesas. Apesar de várias vitórias, tais como a batalha de Azincourt, em 1415, os ingleses acabaram por ser obrigados a retirar da França. Depois disto os barões ingleses foram travar contendas entre si em solo inglês, saqueando a sua própria terra. Na segunda metade do século XV apareceram duas alianças, que se fizeram para apoiar duas famílias nobres, as casas de Lencastre e de York, cujos brasões eram respectivamente uma rosa encarnada e uma rosa branca, e que disputavam o trono. Durante esta guerra, a classe dos poderosos barões que tinham constituído o principal bastião da oposição à unidade política e ao poder centralizado começou a desintegrar-se como grupo fortemente unido. A segunda metade do século XV assistiu à queda de ambas as casas e ao aparecimento de uma nova dinastia real, a dos Tudors, quando Henry Tudor (Henrique IV) subiu ao trono. Todas as forças progressistas do país — incluindo o sector da nobreza (os nobres com terras) que tinha começado a dedicar-se à criação de carneiros em larga escala e que mais tarde ia constituir a classe burguesa, e a burguesia existente — deram de bom grado o seu apoio à forte monarquia centralizada.

No final do século XV, a Inglaterra tinha-se tornado um forte Estado centralizado com uma activa política externa, que conseguiu pôr em prática com êxito, do ponto de vista dos interesses da classe dominante, pois tinha ao seu dispor os meios necessários. Em primeiro lugar, a classe dominante estava mais bem organizada e era mais disciplinada do que as dos outros países europeus; em segundo lugar, os representantes dos agora livres camponeses ingleses alistavam-se de bom grado no exército como arqueiros e lutavam corajosamente nas frequentes batalhas que havia naqueles tempos; em terceiro lugar, a classe dominante inglesa tinha investido interesses na expansão do comércio, o que quer dizer que em breve deixou de haver barreiras insuperáveis que impedissem a penetração dos principais cidadãos nas fileiras da classe dominante ou a nobreza com terra de empregar as suas energias na indústria e ao comércio. Os nobres que possuíam terras organizaram a produção de lã em larga escala nas suas próprias casas senhoriais e tiraram grandes lucros, vendendo-a nos mercados da Flandres e até da Itália. Os nobres ingleses começaram desde logo a interessar-se pelo dinheiro e pelas empresas lucrativas, e em comparação com os seus correspondentes franceses eram empresários eficientes: no século XIII já compreendiam as vantagens da política comercial do governo, mesmo que essa política envolvesse o risco de guerra, de reveses temporários ou de ruína financeira, particularmente desde que tinham ao seu dispor um campesinato trabalhador e, de modo geral, obediente. Por último, temos de ter em conta o papel também importante da economia como base da unidade política — as primeiras fases da formação de uma rede económica no território de um futuro Estado politicamente unido, ou, por outras palavras, o aparecimento de um mercado dentro do país.

A França
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A unificação de França foi um processo mais difícil. Não é por acaso que a França é tomada como exemplo clássico do Estado feudal. Era aqui que as subdivisões políticas mais se tinham enraizado. Cada senhorio era uma unidade económica e política independente. Os reis carolíngios foram perdendo gradualmente o poder e no século X tudo o que restava desse poder era o seu nome ilustre, que já não tinha a menor base real.

O primeiro rei da nova dinastia capetíngea, Hugo Capeto, foi eleito para o trono (987) só porque era fraco e não tinha poder para se opor aos nobres, que pretendiam ignorar a autoridade do rei. A nova dinastia possuía o pequeno ducado de Ile-de-France no centro do país, onde se juntam o Sena (que atravessa Paris) e o Loire (que atravessa Orleães). Contudo, a própria posição geográfica na confluência de dois grandes rios que unem duas grandes cidades em breve colocaria este ducado no centro económico do país que ia realizar a unidade política de toda a França, habitada por uma população de origem francesa.

Os primeiros reis desta dinastia eram apenas primi inter pares no verdadeiro sentido da expressão, não sendo mais fortes do que os seus vassalos, sendo por vezes mesmo mais fracos. Todos os nobres, tanto os maiores como os menos poderosos, viviam em castelos de pedra, construídos em lugares altos e privilegiados ou em rochedos inexpugnáveis. Destas fortalezas comandavam a vida dos seus servos e a defesa do castelo e travavam constantemente guerra uns com os outros. As massas camponesas estavam sujeitas a uma exploração ainda mais dura. Os camponeses eram obrigados a pagar pela sua terra impostos na forma de rendas e corveias. Só tinham autorização de moer os seus cereais no moinho do senhor e para o fazerem tinham de lhe pagar com parte do cereal; também tinham de cozer o pão nos fornos do senhor e de fazer o vinho na sua prensa. Para chegarem à cidade, os camponeses eram obrigados a pagar portagem nas estradas, pontes e mercados, etc. Os nobres adquiriram o direito de julgarem os seus camponeses e, em geral, de os tratarem como bens móveis. Os camponeses revoltavam-se frequentemente contra os seus senhores, mas estas revoltas eram sempre esmagadas.

A partir do século XII, os reis franceses conseguiram gradualmente consolidar o seu poder. Os reis da dinastia capetíngia (987-1328) afirmaram a pouco e pouco a sua autoridade, primeiro sobre os nobres (que possuíam terras) no seu próprio ducado e depois também fora das suas terras. A dinastia valois que se seguiu (1328-1589) completou a tarefa de unificar as terras francesas sob o domínio da coroa. A razão por que foi bem sucedida esta empresa, está no desenvolvimento económico da França e nas novas necessidades da sociedade francesa, cujos vários sectores e classes tinham nesta altura começado a preocupar-se com a unidade política do seu país.

As cidades e os habitantes das cidades desempenharam um papel decisivo na consolidação da autoridade do rei. Os artesãos e comerciantes que vendiam as suas mercadorias e o trabalho que produziam, tinham interesse na segurança das rotas comerciais internas e na manutenção da lei e da ordem no país. Estavam preparados para apoiar o poder crescente do rei contra os nobres proprietários de terras que minavam a lei e a ordem, travando guerras com os seus vizinhos e por vezes recorrendo a simples assaltos de estrada. Por outro lado, os reis deste período, na medida em que ajudavam os habitantes das cidades nos seus conflitos com os nobres proprietários de terras, promoveram o comércio e a indústria nas cidades e encorajavam o desenvolvimento económico do país.

Assim, o rei representava a ordem dentro da desordem e a unidade nacional em oposição ao separatismo desintegracionista dos seus vassalos rebeldes, os nobres proprietários de terras. Todos os elementos progressistas que surgiram durante a era feudal gravitaram em volta do poder real, e vice-versa. A aliança entre o rei e os habitantes das cidades começou a formar-se logo no século X. Em várias ocasiões ela foi destruída por vários conflitos mas sempre voltou a afirmar-se, tornando-se gradualmente mais forte até que os reis finalmente saíram vitoriosos na sua luta com os barões e conseguiram unificar todo o país sob a sua autoridade real.

A Guerra dos Cem Anos. Joana D'Arc
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Uma característica da unificação da França foi o facto de que os reis franceses foram obrigados a travar uma dura luta não só contra os seus próprios vassalos mas também contra inimigos do estrangeiro.

Estes inimigos, nos séculos XIV e XV, foram os barões ingleses, que travaram guerras contra a França por um período de mais de cem anos (1337- 1453). No decurso desta guerra, deram-se revoltas camponesas em larga escala tanto em França como em Inglaterra, revoltas a que se podem atribuir as mesmas causas: os tremendos sacrifícios exigidos às massas por causa da guerra.

Toda a guerra foi travada em solo francês e de início os franceses sofreram derrota após derrota. Os exércitos chefiados pelos cavaleiros franceses sofreram duas derrotas às mãos dos ingleses em Crécy (1346) e em Poitiers (1356). Na batalha de Poitiers foi destruída a fina flor da cavalaria francesa e o rei João, o Bom, foi levado prisioneiro para Inglaterra.

Os soldados de ambos os campos entregavam-se frequentemente à pilhagem dos camponeses em muitas regiões do país. O governo, chefiado pelo delfim, Carlos, exigia altos impostos para juntar o dinheiro do resgate que libertaria o rei. Tudo isto deu origem a um profundo descontentamento entre as massas. As cidades do Norte chefiadas por Paris exigiram que Carlos entregasse o poder aos Estados Gerais(8) e quando ele ia dissolvê-los, estalou uma revolta em Paris chefiada pelo presidente da Comuna de Paris, Etienne Mareei, um rico comerciante de tecidos (1358). Esta revolta foi chamada com desprezo pela nobreza a Jacquerie (a revolta de Jacques, o homem do povo). Durou apenas duas semanas mas espalhou-se por um sexto país. Foi uma vaga espontânea de ódio: irritados com os saques e os altos impostos a que tinham sido submetidos, os camponeses ameaçaram «limpar todos os nobres até ao último homem». Destruíram castelos, queimaram casas senhoriais e mataram os seus habitantes. Os nobres em breve recuperaram do seu terror inicial e esmagaram a revolta. Contudo, esta revolta ia dar resultados apreciáveis: no final do século XV, a servidão pertencia praticamente ao passado.

O povo francês que sofrera os saques tanto dos ingleses como dos seus próprios senhores ergueu-se contra os invasores estrangeiros. Uma rapariga do campo, Joana d’Arc, convencida de que Deus a chamara para salvar o seu país e ajudar o rei, chefiou o exército francês para libertar Orleães cercada e infligiu algumas derrotas aos ingleses. Então preparou-se para libertar o país do inimigo inglês mas durante a batalha foi aprisionada pelos burgunhões, aliados dos ingleses, e entregue ao invasor. Os ingleses promoveram contra ela uma acusação de comunhão com o diabo para a condenar à morte pelo fogo (1431). Contudo, o povo francês conseguiu (cerca de 1453) libertar todo o país e, pouco depois, no reinado de Luís XI (1461-1483), foi realizada a unificação política final do país.

A Formação de Outros Estados Europeus

O século XV também assistiu à unificação política de outros países europeus, grandes e pequenos, tornada possível por uma gradual consolidação económica. Na Europa Ocidental surgiu um forte reino espanhol, para Norte surgiram três reinos escandinavos, a Dinamarca, a Noruega e a Suécia, e, a Leste, alguns Estados eslavos — a Polónia, a Boémia e o grande principado de Moscovo. Os países eslavos do Sul que se tinham formado nos séculos XIII e XIV (a Sérvia e a Bulgária) ficaram sob o domínio turco a partir do final XV.

A Turquia

Do século XVI ao século XVIII, a Turquia foi um dos mais poderosos Estados da Europa e infundiu terror a todos os povos vizinhos. No século XIV, os Turcos tinham conquistado a península balcânica e, em 1453, tomaram Constantinopla e subjugaram todas as terras de Bizâncio. Obrigaram os povos seus súbditos a pagar-lhes um grande tributo e devastaram cidades e aldeias inteiras, levando os habitantes prisioneiros e vendendo-os depois como escravos. Assim, os Turcos condenaram os povos seus súbditos à pobreza, impedindo o curso natural do seu desenvolvimento económico.

A Desunião Política Italiana

Dois povos constituem interessantes excepções ao padrão geral europeu, os quais não só não alcançaram a unidade política no século XV mas também não o fariam durante centenas de anos: os Italianos e os Alemães.

O povo italiano descendia dos Romanos e das tribos germânicas que tomaram a península dos Apeninos nos séculos V e VI; os Ostrogodos e particularmente os Lombardos. Utilizando as velhas rotas comerciais romanas, os Italianos reanimaram o comércio como o Oriente logo no século X e depois começaram a estabelecer uma larga rede comercial com o resto da Europa tirando grandes lucros da venda de artigos de luxo orientais (oiro, marfim, brocado e perfumes) aos nobres ricos da Europa. Como resultado, algumas grandes cidades comerciais desenvolveram-se na Itália, as quais floresceram não só em virtude do seu papel de elos comerciais entre o Oriente e o resto da Europa, mas também por causa do comércio activo de artigos italianos, vidro e cristal de Veneza, artigos de metal de Milão e lã e seda de Florença. Os competentes mercadores destas cidades em breve procuraram na indústria local artigos para troca e ao fazê-lo contribuíram para o seu desenvolvimento. Na Itália do século XIV iriam aparecer as primeiras empresas capitalistas em larga escala.

Vimos já que em países como na Inglaterra, e ainda mais na França, os habitantes das cidades, defendendo a unidade económica nacional foram os aliados mais importantes dos reis, visto que estes procuraram consolidar os seus países como poderosas monarquias centralizadas. Teria parecido natural que a Itália, onde floresceram grandes centros comerciais e industriais, se tivesse desenvolvido como Estado centralizado unificado antes dos outros. Contudo, isto não aconteceu: mais uma vez a razão reside no caminho para o desenvolvimento económico seguido por determinado país.

Originalmente, as cidades italianas mais importantes tinham-se distinguido como centros comerciais para venda dos preciosos artigos orientais ao Ocidente. Na própria Itália, entretanto, a numerosa população camponesa levava uma existência pobre não estando em situação de comprar tais artigos, que eram consequentemente comprados pelos nobres ricos de toda a Europa. Havia uma grande rivalidade entre as cidades italianas pela compra destes artigos no Oriente e pela sua venda na Europa. As contas eram ajustadas em solo italiano: as cidades do Norte expulsaram do mercado as cidades do Sul e quase acabaram com a sua actividade. No curso de dois séculos inteiros, Veneza brigou com Génova pelo monopólio do comércio com o Oriente, enquanto, algum tempo mais tarde, Florença venceria o seu grande rival, Pisa. Qualquer tentativa de uma das cidades para subjugar outra era considerada como uma tirânica aventura. Não havia nobres com terras em Itália em situação de promover a unidade política do país. O único poder fundiário da península era a cidade de Roma que pertencia ao Papa, o qual apenas receava uma coisa: que um dos nobres se tornasse demasiado poderoso e começasse a dar-lhe ordens. Isto significa que o poder papal constituiu um dos mais importantes obstáculos à unidade política durante centenas de anos. A Itália não conseguiria a unidade antes do século XIX.

Muitas das cidades italianas eram repúblicas independentes, cujos nobres eram chefes insignificantes e cujos cidadãos não tinham o mais pequeno interesse pela unificação política. Muito naturalmente, como resultado desta situação, a Itália ia frequentemente ser presa de vizinhos mais unidos e, portanto, mais poderosos. A partir do século X ficou exposta a frequentes ataques dos nobres alemães, a que se juntaram os franceses já no século XIII. No século XVI, a Itália caiu nas mãos dos espanhóis, e depois ficou sob o jugo austríaco do século XVII a meados do século XIX.

As Características Específicas do Desenvolvimento Social e Econômico dos Séculos XII A XV

A sorte do povo alemão não foi melhor. Na Alemanha, ou no Sacro Império Romano, como então se chamava, não se formou nenhum centro político. Na verdade as pré-condições de tal processo não existiam, embora a economia desta terra atrasada a exigisse. A própria estrutura do império tornou possível que ele se tornasse num todo unificado. A população era extremamente heterogénea. Alemães no centro, Franceses no Oeste, Italianos no Sul, vários povos eslavos no Sudeste e Lituanos, Finlandeses e Eslavos no Nordeste. Os próprios Alemães estavam divididos em miríades de principados, que pertenciam a grandes senhores temporais e eclesiásticos que não estavam unidos por quaisquer interesses comuns mas que tinham um objectivo comum, o de impedir qualquer futura consolidação do poder central. Este poder central estava representado pelo imperador ou kaiser, que, sob o véu do seu impressionante título e das suas pretensões a ser maior do que todos os reis, era na realidade fraco e sem poder em relação aos seus vassalos.

As cidades alemãs que se desenvolveram mais devagar do que as do resto da Europa e que, assim, eram mais fracas, estavam mal equipadas para desempenhar um papel semelhante ao das cidades inglesas e francesas. As cidades alemãs, particularmente os grandes centros comerciais do Norte e do Sudoeste eram, como as cidades italianas, pontos importantes nas rotas comerciais internacionais.

A Liga Hanseática

As cidades alemães situadas ao longo da costa do Báltico e junto dos rios que lá vão desaguar mantinham comércio activo com os países da Europa Ocidental e Oriental. Estas cidades uniram-se para formar a Liga Hanseática. As suas esquadras traziam peles, artigos de couro, tecidos de linho, e sementes de linho do Oriente para o Ocidente, as mesmo tempo que do Ocidente traziam mercadorias da Flandres, como por exemplo lã e outros têxteis. As cidades tinham pouco contacto com o resto do país, e a única coisa que temiam eram os ataques e as pilhagens instigadas pelos proprietários de terras alemães. Foi este receio que os levou a formar a Liga, e a criar um exército. O centro da Liga Hanseática era a cidade de Lúbeck. A Liga estava representada em todos os Estados por grandes centros comerciais que iam de Londres, no Ocidente, a Novgorod, no Oriente. No auge do poderio da Liga, nos séculos XIII e XIV, ela estava preparada para lutar, mesmo com um país inteiro como a Dinamarca, conflito de que a Liga sairia vencedora. Na verdade, os reis dinamarqueses só podiam ser eleitos com a aprovação da Liga.

As grandes cidades do Sudoeste da Alemanha, como as do Norte, cresceram, sobretudo, como elos comerciais entre o Oriente e o Ocidente. Mais tarde, no século XIV, começaram a fazer comércio de artigos produzidos localmente. Como as cidades do Norte, não mantinham contacto íntimo com a vida económica do resto do país e tentavam preservar a sua liberdade e independência dos príncipes e nobres locais.

Na sua luta contra estes últimos, também se reuniram em ligas, visto que não podiam contar com a ajuda do imperador e do poder central.

Em nenhum outro país, o domínio e a libertinagem dos nobres que possuíam terras, foram tão longe como na Alemanha durante o período que vai do século XI ao século XV.

O poder central sempre fraco foi obrigado a seguir linhas políticas no interesse desses ladrões «nobres» e a organizar expedições para atacar países estrangeiros para satisfazer a sua vontade de pilhagens e saques.

As Guerras Italianas

A partir do século X, os reis germânicos fizeram frequentes ataques à Itália, que era muito mais rica do que as suas próprias terras, para obrigar o Papa a conferir-lhe o título e a coroa do Sacro Império Romano. A pilhagem sistemática da Itália trouxe rendimentos para os cofres dos nobres e fez deles os opositores mais poderosos do poder imperial. Quando, a partir do século XII, as cidades do Norte da Itália se tornaram mais fortes e puderam oferecer resistência capaz, os cavaleiros alemães começaram a voltar-se para o Oriente.

Der Drang Nach Osten

A ordem religiosa dos cavaleiros teutões tomou as terras das tribos prussianas na Lituânia e quase eliminou a população local até ao último homem; os que ficaram foram feitos escravos e depois o exército deslocou-se para Leste e subjugou a população dos países bálticos orientais, a Letónia e a Estónia. Esta agressão foi disfarçada com a bandeira da propagação do cristianismo entre os pagãos (embora a maioria dos que ficavam prisioneiros destes ladrões já fossem adeptos da fé cristã) e distinguiram-se por uma crueldade sem precedentes. Os historiadores da época falam da devastação de aldeias inteiras, incêndios de colheitas e massacres sem fim de adultos, velhos e crianças.

Não há dúvida de que estes porta-vozes da «verdadeira cultura cristã», como se chamavam a si próprios, teriam ido mais para o Oriente e penetrado na Rússia, se não tivessem sido impedidos disso por Alexandre Nevsky, tendo sofrido uma esmagadora derrota às suas mãos, sobre o gelo do lago Chudskoyo em 5 de Abril de 1242. Duzentos anos mais tarde, em 1410, os Polacos e os Lituanos, juntamente com forças russas do principado de Smolensk infligiram outra derrota aos cavaleiros teutónicos de Grunwald (na Prússia Oriental) depois do que a ordem deixou de existir como poder religioso independente.

Contudo, as consequências destas devastações foram desastrosas para a Alemanha. A pilhagem sistemática da Itália e o crescente poder dos nobres a Leste, no território que mais tarde viria a ser chamado Prússia Oriental, minaram ainda mais o poder do imperador e o governo central. Esta contínua agressão contra potências vizinhas eliminou todas as esperanças de unidade política da Alemanha. O poder imperial em breve não era nada mais do que um símbolo sem qualquer significado. Entretanto, o poder dos nobres individuais, dos príncipes, aumentou, e estes tentaram mesmo obter a ratificação legal da sua independência do imperador. Em 1356, a Bula Dourada de Carlos IV reconheceu a independência política dos príncipes mais poderosos, o seu direito de elegerem o imperador, e concedeu-lhe vários privilégios. Foram proibidas as alianças entre cidades, mas não se proibiram as guerras entre os principados individuais. A Alemanha desintegrou-se literalmente numa quantidade de pequenos principados e os seus nobres, criados em antiquíssimas tradições de pilhagens, de violação dos outros povos, iriam espalhar as sementes do posterior espírito Junker e da sua mais horrível manifestação, a do militarismo prussiano.

A Boémia do Século XI ao Século XV. As Guerras Hussitas

O sacro império romano incluía não só um grande número de Estados alemães mas também o Estado da Boémia. Logo no século XI, os imperadores alemães concederam aos príncipes boémios um título real e, pouco a pouco, a Boémia tornou-se um país praticamente independente. Era a terra mais rica do império, onde a indústria e o comércio se desenvolviam rapidamente, onde se exploravam minerais valiosos e as cidades prosperavam. Contudo, as cidades ainda não desempenhavam qualquer papel político importante visto que eram os prelados e os nobres que tinham a última palavra na Dieta da Boémia. A influência alemã fazia-se sentir fortemente no país. A Boémia pouco mais era do que uma colónia alemã. Depois de adoptar a religião cristã, levada para lá pelos alemães, a Boémia pôs grandes extensões de terra virgem à disposição dos mosteiros alemães, e lá se estabeleceram camponeses alemães. A Boémia foi inundada de monges alemães representantes de ordens religiosas e da cavalaria. Os alemães, ricos proprietários, membros do clero, donos de minas, funcionários municipais — eram na sua maior parte membros da classe dominante. O zénite do poderio político da Boémia foi atingido no reinado de Carlos IV, que praticamente fez dela o centro do seu império.

No final do século XIV, os conflitos de interesses na Boémia tinham atingido o auge. Os habitantes dos burgos, os cavaleiros e os nobres menores checos resistiram ao domínio dos prelados e proprietários de terras, alemães. O principal bastião da oposição revolucionária foi o campesinato, checo que procurou libertar-se da exploração feudal e do domínio da Igreja Católica. Assim, os problemas sociais e nacionais estavam ligados e em breve iam encontrar expressão num movimento religioso. O movimento revolucionário em larga escala do século XV na Boémia ficaria na história como o nome de guerras hussitas. O nome deriva dum professor da Universidade de Praga, Jan Hus (1371-1415), que desafiou o papado, exigiu reformas da Igreja e revelou a corrupção do clero católico. Em 1415, foi chamado ao Concílio de Constança (um concílio da Igreja). O salvo-conduto imperial, que lhe concedera o imperador Sigismundo, foi violado e foi queimado vivo. A morte de Hus foi o sinal para o estalar de uma revolta na Boémia. As batalhas mais renhidas foram travadas no Sul do país, onde houve revoltas em massa. O centro da ala radical dos Hussitas foi a cidade de Tabor. De 1419 a 1437, o exército revolucionário dos Taboritas resistiu ao exército imperial e obteve mesmo algumas vitórias. Porém, uma divisão dentro do movimento hussita acabou por levar os revoltosos à derrota.

Apesar de tudo, as guerras hussitas seriam de grande significado na história do povo checo. Infligiram um duro golpe ao papado e à Igreja Católica, prenunciando a Reforma europeia. Estas guerras serviram ainda para apressar o aparecimento de uma consciência nacional checa e o desenvolvimento da cultura nacional checa.

Resumo do Desenvolvimento da Sociedade Feudal entre os Séculos XII e XV

Este segundo período da Idade Média trouxe alterações extremamente importantes, preparando o caminho para a transição para novas relações de produção tanto na agricultura como na indústria.

A exploração de minas e o fabrico de artigos de ferro, que na alta Idade Média fora mais precioso do que o ouro, tinha-se agora desenvolvido em mais larga escala: o ferro tinha-se tornado tão barato que as relhas de arado de ferro, as lâminas de enxadas, os dentes das grades de lavoura, as foices e outros utensílios agrícolas tinham substituído em toda a parte os utensílios de madeira nas casas dos camponeses. Na segunda metade do século XII, novas terras foram utilizadas na agricultura depois de serem devastadas as florestas que cobriam grandes extensões na Alemanha, no Norte da França e na Inglaterra. Nesta altura, as técnicas de fertilização das terras também tinham melhorado, o que fez aumentar bastante as colheitas de cereais. À medida que se foram desenvolvendo mais cidades e que a população urbana se foi expandindo, as hortas e as árvores de fruto começaram a desempenhar um papel importante na agricultura. Embora no século XIV e no princípio do século XV, como resultado da Peste Negra (1348-1351) e de grandes guerras, tenha havido uma nítida diminuição na população da Europa e a falta de mão-de-obra fosse tão grave que causou mesmo uma crise na agricultura (reflectida no facto de que muitas das terras recentemente cultivadas no século XIII foram abandonadas e como resultado o fornecimento de géneros foi consideravelmente reduzido), este estado de coisas foi temporário e na segunda metade do século XV já se observavam outros progressos na agricultura. A indústria progrediu ainda mais.


Notas de rodapé:

(7) À letra — um homem que põe telhados, pedreiro. (retornar ao texto)

(8) Corpo representativo criado em 1302. (retornar ao texto)

Inclusão 31/05/2016