História do Mundo
Volume II - O Período Moderno

A. Z. Manfred


Capítulo VI - A Europa Durante as Guerra Napoleónicas. O Começo da Contra-Revolução em França


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O derrube do governo revolucionário em 9 do Termidor de 1794 marcou o início da contra-revolução burguesa. Embora nos primeiros dias a seguir à execução de Robespierre os deputados à Convenção continuassem a apregoar a sua lealdade à causa revolucionária, esta máscara foi logo desvendada e os vencedores mostraram a sua verdadeira cor.

As ruas eram agora patrulhadas por bandos de vagabundos da Jeunesse Dorée (Juventude Dourada). Na Convenção nos órgãos governamentais eram os chamados «Termidorianos de Direita» que dominavam — representantes de um novo sector da burguesia que se tinha desenvolvido durante a revolução, prosperando na especulação. Foi por insistência sua que os preços fixos foram abandonados e se liberalizou o comércio. Como consequência houve uma subida dos preços dos alimentos e a especulação atingiu proporções sem precedentes. A fome caiu sobre os pobres da cidade, enquanto os comerciantes e especuladores acumulavam lucros enormes.

Em Novembro de 1794 a Jeunesse Dorée destruiu o Clube dos Jacobinos e este ultraje marcou início de uma vaga de terror contra-revolucionário, à medida que os girondinos e os feuillants e outros grupos contra-revolucionários iam ajustando contas com os jacobinos.

As maiores realizações sociais e democráticas da ditadura jacobina foram anuladas. Em 1795 foi elaborada uma nova constituição que abolia o sufrágio universal e restaurava as classificações eleitorais baseadas na propriedade.

O Directório

No final de 1795, de acordo com a nova constituição, o poder foi transferido para o Directório (órgão executivo de cinco «directores» e duas câmaras legislativas — o Conselho dos Anciãos e o Conselho dos Quinhentos. Tanto no Directório como nas duas câmaras quem dominava era a nova burguesia especulativa e rapinante, que tinha um grande desprezo pelos pobres das cidades, a quem temia profundamente. Foi este medo que esteve na base da política reaccionária e antipopular que seguia. Contudo, esta nova burguesia que se tinha apoderado das riquezas dos antigos nobres, proprietários de terras, não podia permitir a restauração do antigo regime. Era um governo antimonárquico e esmagava cruelmente todas as tentativas da parte dos realistas para reconquistarem o poder. Isto significava que o Directório não seguia nada que se assemelhasse a uma política coordenada, visto que estava sempre a tentar um compromisso entre os dois extremos da esquerda e da direita. Esta «política» vacilante tornou-se conhecida como política de báscula.

Em 1796, o Directório descobriu uma conspiração cuidadosamente planeada, designada «conspiração dos iguais», chefiada por Grachus Babeuf (1760-1797). Babeuf foi o primeiro revolucionário comunista que esperava destruir a propriedade privada por meio de uma ditadura da minoria. Mas o comunismo que propagava era de um tipo igualitário primitivo e Babeuf não reconheceu o papel histórico do proletariado. Babeuf foi executado e a conspiração esmagada.

Depois de aniquilar esta conspiração, o Directório passou a ser ameaçado pela direita. Em 1797 houve uma ameaça de golpe monárquico e mais uma vez o Directório teve de recorrer à força para se defender. Depois de constantes oscilações para a direita e para a esquerda, o Directório perdeu grande parte da sua primitiva autoridade e a confiança do povo, e sentiu dificuldade em se agarrar aos últimos vestígios do poder.

O Golpe de Estado do 18 do Brumário
Napoleão Bonaparte

Na manhã de 18 do Brumário do ano VIII (9 de Novembro de 1799), a pretexto de que havia ameaças de uma nova conspiração jacobina, o Conselho dos Anciãos designou Napoleão comandante das forças armadas. Com uma voz perturbada pela emoção, Napoleão fez o voto de que, nesta situação, em que um grande perigo ameaçava a República e uma terrível conspiração tinha sido denunciada, ele, Bonaparte, defenderia a República fundada «na liberdade, na igualdade e nos sagrados princípios da representação popular». Tal foi o início de um golpe político cuidadosamente premeditado e preparado. Na noite do dia seguinte o golpe estava feito. De uma maneira altamente «legal» o Directório e os seus órgãos tinham sido abolidos e fora estabelecida uma nova instituição: o Consulado.

Contudo, embora nos seus curtos e um pouco incoerentes discursos feitos no Brumário (Novembro), o general Bonaparte assegurasse a toda a gente que estava resolvido a defender os «princípios sagrados da representação popular», o verdadeiro motivo subjacente ao último golpe era eliminar estes princípios sagrados e estabelecer a sua própria e ilimitada ditadura.

 
O Consulado

Aparentemente, pouco tinha mudado desde o tempo do Directório. Bonaparte tinha dado instruções aos seus conselheiros para que escrevessem em termos breves e obscuros. «A nova constituição adoptada depois do golpe de estado de Brumário, conhecida por Constituição do Ano VIII, foi elaborada de acordo com as instruções de Napoleão. Era extremamente breve e muito obscuramente redigida. A França continuaria a ser uma república como antes. O calendário revolucionário, que tinha sido introduzido pela Convenção, foi mantido, tal como o foram os slogans «Liberdade, Igualdade, Fraternidade», e as figuras simbólicas da Liberdade e da República. O poder executivo, contudo, passou do Directório para três cônsules, e as duas câmaras legislativas foram substituídas por quatro órgãos — o Senado, o Conselho de Estado, o Tribunado e o Corpo Legislativo. Os deputados a cada um destes órgãos legislativos não eram eleitos mas designados pelo governo de entre os candidatos propostos. Estas quatro instituições eram pouco práticas, porque as suas esferas de acção coincidiam em grande parte e o seu poder era mais aparente que real.

O verdadeiro poder na república estava agora nas mãos de um só homem — o Primeiro Cônsul General Bonaparte (1769-1821). Quando fez o golpe de estado em 1799 a sua reputação ainda não estava formada e o terreno não lhe era favorável para aspirar à chefia do país.

Sabia-se, é claro, que era um dos melhores generais, mas na altura havia alguns bons generais, tais como Moreau, Jourdain e Massena, e também corria o boato de que Bonaparte tinha abandonado o exército egípcio numa situação desesperada sem qualquer autorização oficial.

Bonaparte tinha perfeita consciência disso e assim preocupou-se ao princípio em dar nos seus discursos proeminência à república e aos «sagrados» princípios da revolução, não referindo o seu próprio papel. Entretanto, secretamente, fazia o possível por destruir a república e os próprios princípios de que tanto falava. Aboliu o sistema parlamentar, a autonomia local que a revolução tinha instituído e estabeleceu em seu lugar uma forte administração centralizada, que abrangia todo o país. O Ministério do Interior e uma polícia toda-poderosa que se infiltrou em todas as esferas da vida da nação — política, espiritual e privada — tornar-se-iam os órgãos estatais mais importantes durante o Consulado. Toda a rede policial foi colocada nas mãos de José Fouché que tinha sido padre antes da revolução, extremista da Convenção Jacobina e Termidoriano durante o Directório — astucioso, falso e traiçoeiro, e um mestre da intriga. Fouché mostrou ao seu novo senhor daquilo de que era capaz. Fouché declarou — como um encorajamento directo ao primeiro cônsul — que os atentados organizados contra Napoleão Bonaparte pelos monárquicos em 1800 eram obra dos jacobinos. Isto deu-lhe o desejado pretexto de exercer represálias contra os jacobinos e os realistas, numa palavra, contra aqueles que ainda se comportavam com demasiada independência: encontrou-se o pretexto e o esquema foi posto em prática até às últimas consequências. Aboliu-se a liberdade de imprensa e uma dúzia de jornais foram encerrados. Os treze jornais que restavam tornaram-se todos órgãos do governo.

A Campanha de 1800 e o Fim da Segunda Coalizão

As medidas policiais, contudo, não foram suficientes para consolidar o poder do primeiro cônsul. Bonaparte tinha consciência disso e compreendeu que precisava de vitórias militares e duma reputação que se espalhasse além-fronteiras. Por isso conduziu o exército francês ao norte da Itália onde se encontram as principais forças austríacas. O exército francês escolheu o caminho mais difícil e mais inesperado — através dos Alpes pelo desfiladeiro de S. Bernardo. No princípio de Junho, o exército apareceu na retaguarda inimiga. Em 14 de Junho, depois de uma renhida batalha em Marengo, cujo resultado esteve durante muito tempo oscilante, Napoleão conseguiu derrotar o exército austríaco, obrigando os sobreviventes a fugir em pânico.

O resultado da campanha austríaca já estava decidido. Uma nova vitória em Hohenlinden conseguida pelo general Moreau fez com que os Austríacos desejassem a paz mais que tudo. Pelo Tratado de Lunéville assinado em 9 de Fevereiro de 1801, cujos termos foram ditados pelo vencedor, a França anexou a Bélgica e todo o território alemão da margem esquerda do Reno, e a Áustria concordou em reconhecer todas as chamadas «Repúblicas filhas», Helvécia (Suíça), Batávia (Holanda), Ligúria (região de Génova) e Cisalpina (Lombardia) que na prática ficaram totalmente dependentes da França, sendo o Piemonte sujeito a ocupação francesa.

A Inglaterra da Revolução Francesa ao Tratado de Amiens

O Tratado de Lunéville fazia da França a principal potência da Europa Ocidental. Contudo, havia ainda a contar com a Inglaterra, o tradicional inimigo da França, que de há muito contestava a supremacia francesa na Europa e no mundo colonial. A Inglaterra tinha estado em guerra com a França durante quase uma década. Durante este período a sua indústria, impulsionada pela introdução das últimas inovações mecânicas, tinha feito muitos progressos, a sua esquadra tinha crescido consideravelmente e a alta burguesia tinha acumulado lucros consideráveis com as guerras. No seu conjunto, contudo, as enormes despesas militares tinham prejudicado a economia do país; os preços, particularmente o preço do pão, tinham subido muitíssimo. À medida que os anos passavam as condições de vida das massas tornavam-se mais intoleráveis. Em 1795 estalaram motins por causa dos preços dos produtos alimentares em várias cidades inglesas, slogans como «Pão, Paz para o Povo, ou Corta-se a cabeça ao Rei», encontravam-se nas paredes das regiões pobres. Em 1797 marinheiros de navios de guerra ingleses amotinaram-se no Canal da Mancha e no Mar do Norte. Nalguns casos prendiam nós de corda aos mastros como aviso aos capitães e oficiais. Em 1798 rebentou uma revolta na Irlanda.

O governo inglês era chefiado na altura por William Pitt Filho (1759 - 1806) que, por meio de concessões ou, mais frequentemente, pela repressão, conseguiu esmagar estas revoltas. Exigia a vitória total sobre a França. No entanto, quando às notáveis vitórias de Suvorov na Itália, em Adda e na batalha de Trebbia (1799) se seguiu uma reconciliação entre a Rússia e a França e enormes reveses para a Inglaterra, e quando finalmente a Áustria também se retirou da guerra, compreendeu que já não havia esperança de vitória sobre a França. O povo exigia a paz e Pitt demitiu-se. Em Marco de 1802 foi assinado em Amiens, entre a França e a Inglaterra, um tratado com concessões mútuas. Pela primeira vez, depois de dez longos anos de dispendiosas guerras que tiveram como resultado grandes perdas de vidas, a França estava finalmente em paz. Tinha derrotado alguns dos seus inimigos, sendo os restantes obrigados a concluir com ela uma paz honrosa.

A França era agora universalmente reconhecida como o mais forte poder militar da Europa.

Napoleão Torna-se Imperador

Estas grandes vitórias trouxeram à França um prestígio sem precedentes e estava perto do apogeu da sua glória como primeira potência da Europa. E como todos os seus sucessos estavam ligados ao ilustre nome do Primeiro Cônsul do País, Bonaparte decidiu que havia chegado a hora de tornar realidade as suas verdadeiras ambições. Já não se sentia obrigado a continuar o seu antigo papel de soldado dedicado à causa da República. Em 1802 Bonaparte foi nomeado Cônsul vitalício e em 1804 foi aclamado «Imperador dos Franceses». Napoleão desejava ser coroado pelo Papa tal como Carlos Magno mil anos antes. A diferença estava em que enquanto Carlos Magno tinha ido ter com o Papa, Napoleão obrigou o Santo Padre a ir a Paris e durante a cerimónia da coroação arrancou a coroa imperial das mãos do Papa e pô-la ele próprio na sua cabeça.

O Império Burguês

Assim desapareceu a República e apareceu o Império. As Tulherias iam tornar-se a corte do novo Imperador e Napoleão havia decidido que o esplendor e a magnificência do seu palácio haviam de ofuscar todas as outras cortes da Europa. Apareceu uma nova nobreza imperial, quando antigos funcionários, moços dos estábulos e pequenos comerciantes, dedicados a Napoleão, de alma e coração, foram feitos duques, príncipes e condes de um dia para o outro. Abelhas douradas sobre veludo preto seriam o brasão do novo império. Em breve aparecera uma monarquia, uma poderosa monarquia rica e pródiga no seu brilho exterior, não uma monarquia feudal, mas um império burguês sob a ditadura de um só homem, Napoleão I.

Bonaparte destruiu as conquistas democráticas da revolução. O fim da República foi também o fim de muitas das liberdades democráticas recentemente adquiridas e os democratas foram submetidos a uma perseguição sem piedade. Contudo, a política de Napoleão baseava-se em princípios claramente determinados por objectivos definidos. Bonaparte não só manteve a redistribuição da propriedade no interesse da burguesia, que a revolução decretara, mas fez tudo para consolidar e proteger as conquistas burguesas. Toda a sua política, toda a sua legislação social e civil promoviam os interesses da burguesia e dos camponeses com terras. Mas os interesses da sucessão dinástica obrigaram o Imperador a planear novos sucessos militares.

O trono do império ia ser valorizado por uma áurea de glória, como o exigiam os interesses da burguesia francesa na sua aspiração a dominar a Europa Ocidental. Entretanto, nem a Inglaterra, reconhecida como a principal potência económica e industrial da Europa e que aspirava a dominar o mundo ocidental, nem as velhas monarquias feudais da Europa aceitavam reconciliar-se com a ascensão do novo império burguês. Os tratados de paz de 1801 e 1802 foram considerados mais como tréguas do que armistícios duradouros. Entretanto, ambos os lados estavam a preparar-se para a guerra.

A Terceira Coalizão

No Outono de 1805 a Europa envolveu-se mais uma vez numa guerra generalizada. Por iniciativa dos diplomatas ingleses, formou-se uma poderosa e nova coalizão antifrancesa.

Tomaram parte nela a Inglaterra, a Rússia e a Áustria, e a Prússia estava também pronta a atacar a França. Os acontecimentos sucederam-se rapidamente: em 20 de Outubro, Napoleão obrigou o exército austríaco a capitular em Ulm, e em 13 de Novembro tropas francesas marcharam triunfalmente sobre Viena. Contudo, pouco antes destas vitórias, em 21 de Outubro, a esquadra inglesa sob o comando do almirante Nelson aniquilou praticamente a esquadra franco-espanhola em Trafalgar. Então Napoleão foi obrigado a abandonar o plano de invadir a Grã-Bretanha. Trafalgar compensou Ulm e serviu para novo equilíbrio de poderes.

Em 2 de Dezembro de 1805 as principais forças de ambos os lados encontraram-se numa batalha que ia determinar o resultado da guerra. Na batalha de Austerlitz, que veio a ser conhecida por «Batalha dos Três Imperadores», os exércitos austríaco e russo foram derrotados por Napoleão. O czar Alexandre e o Imperador Francisco da Áustria fugiram do campo de batalha no meio de um caos desesperado.

Alguns dias mais tarde a Áustria capitulou. Em 26 de Dezembro aceitava os termos humilhantes do Tratado de Pressburg. Como resultado, o Sacro Império Romano deixou de existir e a Áustria ia perder uma considerável parte do seu território em favor do Império Francês em expansão, que daí auferiu um enorme prestígio político.

A Quarta Coalizão

Bonaparte ainda tinha de contar com a Rússia e a Inglaterra. Em 1806, estes países, com a Saxónia e a Suécia, fizeram a quarta coalizão contra a França.

Os presunçosos e convencidos militares prussianos, que dominavam o Estado, de que eram o exército, com uma disciplina e um regime de ferro, inspirados na recordação da era de Frederico, o Grande, prometeram uma vitória esmagadora sobre o «Anticristo revolucionário». Mas logo que começaram as hostilidades, os acontecimentos tomaram um rumo muito diferente.

Em 8 de Outubro de 1806, o exército francês, chefiado por Napoleão, partiu para uma nova expedição. Seis dias bastaram para que o principal corpo do exército prussiano fosse derrotado em duas batalhas quase simultâneas: Iena e Auerstadt. Os prussianos, então, recuaram em pânico, abandonando cidade após cidade. A última das fortalezas prussianas equipada com artilharia massiça e uma guarnição de vinte e dois mil homens, Magdeburgo, rendeu-se sem resistência ao Marechal Ney, que comandava as forças avançadas francesas, quase antes de ter tido tempo de disparar alguns morteiros ligeiros, únicas armas que possuía. Um mês depois do começo da guerra, a Prússia já não existia. Como notou o grande poeta alemão Heine, «Napoleão só precisou de assobiar para a Prússia deixar de existir».

Entretanto a Rússia continuava a luta. Em 7 e 8 de Fevereiro de 1807, em Preussisch-Eylan travou-se uma dura batalha entre os Franceses e os Russos. Apesar de tremendas perdas, o seu resultado foi indeciso. Contudo na grande batalha de 14 de Junho, em Friedland. Napoleão obteve outra grande vitória.

O Tratado de Tilsit

Os adversários estavam ambos ansiosos porque cessassem as hostilidades. Napoleão e Alexandre encontraram-se em Tilsit e, em 7 de Julho de 1807 assinaram um tratado de paz que concluía numa aliança franco-russa. A Rússia reconhecia todas as conquistas e alterações que Napoleão tinha introduzido na Europa Ocidental, enquanto Napoleão prometia dar o seu apoio aos direitos russos no Médio Oriente. Assim a Rússia se tornou aliada da França contra a Inglaterra e juntou-se ao Sistema Continental, o que equivalia ao bloqueio das Ilhas Britânicas exigido por Napoleão em 1806-1807. A ideia de Napoleão era forçar a Inglaterra a curvar-se perante a alternativa da fome ou da capitulação. Como verificaria depois estas esperanças não tinham fundamento.

Em 1809, o império de Napoleão ia entrar em guerra com a Quinta Coalizão, esta também convocada pela Inglaterra. O principal inimigo da França no continente era ainda a Áustria, mas dentro de dois ou três meses os seus exércitos tinham sido aniquilados e, em Outubro de 1809, numa Viena ocupada pelos Franceses, o governo austríaco foi obrigado a aceitar uma paz onerosa e humilhante.

Razões das Vitórias Napoleônicas

No ano de 1809 a França alcançou o auge da sua glória e do seu poderio. O Império incluía agora a Bélgica, a Holanda, a Itália do Norte e do Centro, a Ilíria e a Dalmácia. Na Itália do norte e do centro Napoleão fundou um reino italiano, onde o seu enteado Eugênio de Beauharnais reinava por ele como regente. O resto da Europa ocidental e central era formado por Estados franceses vassalos. O irmão de Napoleão, José, foi colocado no trono espanhol, enquanto seu cunhado* o Marechal Murat, se tornava rei de Nápoles. O próprio Napoleão chefiava o Theinbund ou Confederação do Reno, que abrangia a maior parte dos Estados alemães ocidentais. O reino da Vestefália abrangendo «várias partes do antigo território prussiano, foi entregue ao irmão mais novo de Napoleão. Jerónimo. A Áustria, a Prússia e a Saxónia que tinham sido derrotadas por Napoleão tornaram-se agora países aliados. A Rússia continuou em relações amigáveis com Napoleão, que em 1809 gozava praticamente de uma hegemonia completa sobre a Europa.

Que estava na raiz deste extraordinário êxito, e das grandes vitórias do exército francês e da sua rápida ascensão? Costuma atribuir-se a Napoleão um grande génio e é muitas vezes retratado quase como um super-homem. Na verdade, Bonaparte era um comandante e um estadista de raro talento, embora, é claro, nada tivesse de sobrenatural. Uma jovem burguesia no alvorecer do seu poderio produz sempre notáveis líderes dos seus interesses. Napoleão tinha não só uma rara capacidade de trabalho como também era audacioso e decidido e era dotado de uma vontade de ferro. Baixo e fisicamente insignificante, afeito a desmaios na juventude, tinha uma rara capacidade de impor aos outros a sua autoridade. Quando com a idade de vinte e sete anos, foi posto no comando da campanha italiana, e Augereau, a quem ele tinha ultrapassado, começou a pôr objecções, Bonaparte observou friamente:

«General, o senhor é realmente um bocado mais alto que eu, mas se continua a pôr objecções à minha nomeação, eu farei questão de eliminar essa diferença».

Depois de se tornar ditador, a crueldade de Napoleão, o seu desprezo pelos que o rodeavam e a sua ambição desmedida revelaram-se claramente. Mas sendo um chefe extremamente talentoso, Napoleão rodeou-se de auxiliares competentes. Davout, Ney, Murat, Massena, Berthier, Lannes e vários marechais seus, eram comandantes de primeira ordem. Se não tivesse havido Napoleão, qualquer deles se teria tornado um general notável da sua época. Napoleão, além disso tinha alguns colaboradores muito competentes nos postos civis.

Contudo, é necessário ir além das qualidades pessoais de Napoleão e dos que o rodeavam para explicar a vaga de vitórias sem precedentes que a França obteve sobre os seus inimigos. A razão por que a França conseguiu tão notáveis triunfos, defrontando, mais ou menos só, cinco enormes coalizões europeias num curto espaço de tempo e derrotando-as todas, pode explicar-se pelo facto de a França burguesa representar uma sociedade mais avançada do que as ordens feudais da Europa absolutista. Apesar de os objectivos anexacionistas e rapaces seguidos por Napoleão, as guerras que travou contra os estados absolutistas da Europa, pelo menos por algum tempo, representavam um fenómeno claramente progressista. Onde quer que fossem, as tropas francesas destruíam as velhas práticas feudais, substituindo-as por padrões sociais burgueses mais progressistas. Assim, quando Napoleão provocou o colapso do Sacro Império Romano e limpou do mapa da Europa dúzias ou mesmo centenas de pequenos estados alemães — herança do particularismo e da desunião feudais estava a prestar um contributo significativo para o progresso do povo alemão.

Profundas Contradições dentro do Império Napoleónico

Quanto mais extensos e ambiciosos se tornavam os planos de conquista de Napoleão e quanto mais longe se estendiam as fronteiras do Império Francês, mais pesado se tornava o jugo do domínio francês nos satélites do Império e menos elementos progressistas havia na política de Napoleão. Na verdade esta política ia mudar ao ponto de quase não se reconhecer, à medida que o elemento reaccionário da anexação, que sempre tinha estado presente nos seus planos, se ia tornando o aspecto dominante e dentro em pouco a razão de ser e o objectivo único da sua política.

A preponderância militar, política, comercial e industrial da França na Europa, tinha sido a base das guerras napoleónicas. Napoleão saqueou e devastou as terras que conquistou, escravizando-as e destruindo as suas matérias-primas, apoderando-se do dinheiro e outras riquezas. O domínio de Napoleão passou então a constituir uma ameaça para a integridade nacional de muitos povos da Europa. Os movimentos nacionais de libertação nos territórios submetidos começaram a formar-se, pouco a pouco; primeiro, fracos e clandestinos, para, mais tarde, com um carácter mais audacioso, eles terem de desempenhar um papel importante na queda final do império.

A Resistência Popular em Espanha

Entre 1807 e 1808, tropas francesas ocuparam a Espanha e o irmão de Napoleão, José, foi colocado no trono espanhol. O povo espanhol, contudo, não estava disposto a aceitar este estado de coisas e ergueu-se contra os conquistadores estrangeiros. Os Franceses esmagaram uma revolta em Madrid, mas não conseguiram esmagar as actividades de guerrilha. Em Julho de 1808, um exército de vinte mil homens comandados pelo general Dupont, foi obrigado a render-se às forças dos guerrilheiros em Baylen. Ao ser informado deste desastre, Napoleão, num ataque de fúria, mandou Dupont para o tribunal militar; entretanto, esta capitulação teria um enorme impacto por toda a Espanha. Napoleão decidiu mandar grandes reforços para Espanha. O cerco e a invasão de Saragoça, onde os Espanhóis defenderam cada rua e cada casa até ao último homem, e onde cinquenta mil corpos juncavam as ruas depois da batalha, serviram para mostrar a determinação do povo espanhol de preferir morrer a submeter-se aos conquistadores.

A derrota de Saragoça não marcou o fim da resistência em Espanha. A corajosa luta dos patriotas espanhóis foi um grande exemplo para outros povos da Europa. Em Itália, uma sociedade secreta conhecida por Carbonari foi criada para organizar uma luta de libertação contra os conquistadores franceses. Na Prússia, agora um humilhado território vassalo de Napoleão, o movimento nacional patriótico que nascia ia assumir várias formas. O conhecido filósofo Fichte, nos seus famosos «Discursos à Nação Alemã», incitou o povo a empreender a luta pela libertação do seu país. Em Konigsberg, oficiais e estudantes fundaram uma sociedade patriótica secreta conhecida por Tugendbund ou «União da Virtude». No Tirol austríaco, os camponeses começaram um movimento de resistência de guerrilha, que os conquistadores franceses tiveram muita dificuldade em suprimir.

Intoxicado pelas suas vitórias e pelo tremendo poder, que entretanto se havia tornado cada vez mais ilusório, Napoleão não prestou atenção a estes maus presságios. Era agora um monarca habituado a dar ordens, incapaz de valorizar correctamente a importância dos movimentos nacionais de libertação que se estavam a desenvolver entre os povos súbditos do Império, contra ele. Tal era a situação em que se encontrava o Imperador quando empreendeu a desnecessária e imprudente guerra contra a Rússia.

A Invasão da Rússia por Napoleão. O Carácter Popular do Movimento de Resistência

Na noite de 24 de Julho de 1812 as tropas de Napoleão atravessaram traiçoeiramente o Niemen sem terem declarado guerra à Rússia.

No princípio da guerra o Grande Exército da França era numericamente superior às forças russas e Napoleão avançou rapidamente capturando cidade após cidade. Perto de Smolensk o Primeiro Exército Russo, sob o comando de Barclay de Tolly, e o Segundo Exército conduzido por Bagration enfrentaram juntos os invasores. Napoleão esperava que esta batalha fosse decisiva para a campanha ao conseguir derrotar a força principal do seu opositor. O seu plano, contudo, foi contrariado, porque o exército russo não foi derrotado: conseguiu manter a sua força principal intacta, retirando da cidade em chamas. Napoleão perseguiu-a para travar a batalha decisiva, destruir o exército russo e levar a guerra a um rápido fim.

A resistência russa ia assumir um carácter cada vez mais popular. Isto fez-se sentir sobretudo na coragem dos soldados russos, que acabaram por encarar a tarefa de expulsar os conquistadores estrangeiros das suas terras como a sua própria causa, à qual tinham de devotar todas as suas energias. Os povos do Império Russo — Ucranianos, Bielo-Russos, Bashkirs e outros lutaram lado a lado com os Russos nesta luta heróica. O povo deu ao exército uma assistência activa. Os camponeses, nos territórios ocupados, recusavam-se a comerciar com o inimigo e a dar-lhe os necessários fornecimentos de rações. Além disso, denunciavam os espiões e os agentes para serem julgados, e abandonavam as aldeias à medida que o inimigo se aproximava, queimando as suas cabanas antes de se refugiarem nos bosques e de levarem o gado. Os camponeses formavam grandes destacamentos de partisans, sendo um dos mais famosos o que foi dirigido pelo camponês Gerasim Kurim, perto de Moscovo, que contava cinco útil homens, e outro conduzido por Vasilisa Kozhina perto de Smolensk.

Depois de os exércitos russos se terem reunido perto de Smolensk, Alexandre I designou Mikhail Kutuzov, famoso general e pupilo de Suvorov, para o posto de comandante-chefe de todas as forças armadas.

O próprio Czar não gostava muito de Kutuzov mas o povo, de modo geral, foi a favor da sua designação e nesta hora crítica o Czar estava disposto a ouvir a voz da nação. O povo recebeu com júbilo a notícia da designação de Kutuzov, o que fez muito para melhorar a moral dos soldados.

Napoleão avançava rapidamente em direcção a Moscovo. Kutuzov preparou-se para lhe dar batalha perto da aldeia de Borodino, não longe de Mozhaisk. O flanco direito do exército russo comandado por Barclay de Tolly tomou posição na colina que dava para o rio Kolocha e o flanco esquerdo comandado por Bagration ocupava uma posição mais exposta na planície aberta perto da aldeia de Semyonovskaya, onde dispôs as suas peças de artilharia.

A batalha começou ao alvorecer de 7 de Setembro de 1812 (26 de Agosto de acordo com o calendário pré-revolucionário). Um exército francês de 130 mil homens enfrentou um exército russo de 120 mil homens. Ao princípio Napoleão mandou os seus homens atacar o flanco esquerdo russo, notando que este era o ponto fraco da posição russa. Os Franceses apoderaram-se das posições da artilharia, depois de uma dura luta durante a qual Bagration foi mortalmente ferido. Contudo, as tropas russas mantiveram-se firmes. Napoleão então atacou o centro da linha russa e com considerável dificuldade acabou por conseguir capturar a trincheira ocupada pela bateria de Raevky. Contudo, a linha russa aguentou-se firme e não foi quebrada. A batalha aproximava-se do fim quando a noite caiu, altura em que os Franceses tinham perdido cinquenta e oito mil homens e quarenta e sete dos seus melhores generais.

A reunião do Conselho Militar em Fili, em que se decidiu abandonar Moscovo sem batalha às tropas invasoras de Napoleão

De início Kutuzov estava inclinado a retomar o ataque no dia seguinte, mas como o seu exército tinha poucas munições deu ordem de retirada. Compreendeu que se conservasse o exército intacto o país podia continuar a lutar, mas se o prosseguir da batalha acabasse num desastre para os russos no dia seguinte, a guerra estava perdida. Depois do conselho militar se reunir na aldeia de Fili, foi decidido entregar Moscovo ao inimigo sem batalha. Mais tarde Napoleão escreveria acerca da batalha Borodino:

«De todas as minhas batalhas a mais terrível foi a batalha antes de Moscovo. Os Franceses mostravam-se capazes de ganhar, mas os Russos tomaram para si o direito de serem invencíveis.»

Ao nascer do Sol de 14 de Setembro, os primeiros destacamentos russos deixaram Moscovo. A notícia de que as tropas iam partir espalhou-se como fogo na cidade, e os acontecimentos tomaram então um rumo inesperado. Toda a população da cidade, como um só homem, sem receber quaisquer ordens para isso, decidiu de preferência deixar a cidade a permanecer lá sob a ocupação estrangeira.

Pouco depois de o inimigo marchar sobre Moscovo declararam-se incêndios em várias partes da cidade. Os incêndios espalharam-se e o exército francês viu-se assim privado de uma grande parte dos abastecimentos e mesmo de alojamento.

A Contra-ofensiva Russa

Foi um duro golpe para Kutuzov e para os outros russos terem de abandonar Moscovo ao inimigo. Mas a perspectiva de perderem o exército era ainda mais terrível, visto que isso teria significado perderem a guerra com Napoleão. O exército precisava de recobrar forças depois de batalhas que tinham custado muitas vidas e de arranjar reforços, treiná-los e preparar um novo plano de acção para expulsar o inimigo do país. Kutuzov levaria o exército russo a mostrar-se à altura desta tarefa.

Kutuzov foi muito astuto ao prever os planos de acção subsequentes de Napoleão. Para o desorientar, tomou um caminho inesperado e conservou, assim, o seu exército intacto. Napoleão perdeu de vista o exército russo e durante algum tempo nem sabia onde ele estava.

Seguindo as instruções de Kutuzov, o povo ajudou o exército, fazendo surtidas contra os Franceses, fazendo prisioneiros e recapturando muito do que tinha sido pilhado. A batalha de Tarutino em Outubro de 1812, acabou numa vitória russa, Mais tarde a batalha de Maloyaroslavets ia convencer Napoleão de que as tropas russas estavam muito bem reforçadas.

A meados de Novembro o Grande Exército que nesta altura estava esgotado por muitas batalhas e grandes perdas aproximou-se do rio Berezina. No curso da dura luta que continuou durante a travessia os Franceses perderam muitos milhares de soldados.

No princípio de Dezembro, Napoleão abandonou secretamente o exército ao seu destino e fugiu em segurança. Numa simples carruagem, escondendo o rosto por detrás de uma espessa gola de pele, para não ser reconhecido, precipitou-se para Paris para começar a reunir um novo exército. Tal foi o fim inglório da sua campanha russa e dos seus sonhos de dominar o Mundo.

A guerra patriótica de 1812 foi a guerra justa de um povo que salvou a Rússia da traiçoeira invasão de um conquistador estrangeiro e destruiu a sua ambição de escravizar o povo russo.

A Queda do Império Napoleónico

A derrota de Napoleão na guerra de 1812 contra a Rússia marcou o começo da queda do Império. No seu regresso a Franca. Napoleão mobilizou todos os que podiam pegar em armas e partiu com um novo exército ao encontro das tropas russas que nesta altura se tinham dirigido para a Alemanha. Desta vez, Napoleão enfrentou não só os Russos mas toda a Europa. Oprimidos pelo jugo francês, os povos da Europa levantavam-se para combater logo que ouviram a notícia da derrota do Grande Exército na Rússia. Os recém-aliados da França — a Prússia, a Áustria, a Saxónia e outros — juntaram-se agora à nova coalização antifrancesa. Os poderosos exércitos aliados marcharam para ocidente, e na batalha de Leipzig que durou três dias (16-19 de Outubro de 1813) e ficou na história conhecida como «Batalha das Nações» os aliados esmagaram Napoleão e obrigaram-no a recuar. O Império de Napoleão estava nesta altura em ruínas e em 1814 o teatro de guerra tinha sido transferido para solo francês. Napoleão mostrou uma grande energia e capacidade de chefia durante a campanha de 1814, mas apesar de várias vitórias menores, já não estava na sua mão inverter o curso da guerra.

A 31 de Março de 1814, as forças aliadas chefiadas por Alexandre da Rússia, montado num cavalo branco, marcharam triunfalmente para Paris onde encontraram um povo sofredor e destruído. Napoleão, reconhecendo por fim que os seus marechais já não acreditavam que a vitória estava ao seu alcance, assinou um acto de abdicação em Fontainebleau, e foi exilado para a ilha de Elba que lhe foi cedida para o resto da vida.

Os monarcas aliados decidiram que o trono francês devia ser devolvido aos Bourbons. O irmão de Luís XVI, Conde de Provença, que desde há vinte e cinco anos vivia no exílio, foi conduzido a Paris com uma escolta de tropas aliadas e proclamado Rei de França (Luís XVIII).


Inclusão 23/08/2016