Entrevista com um Correspondente do Sihghuajepao Sobre a Nova Situação Internacional

Mao Tsetung

1 de Setembro de 1939


Primeira Edição: ...
Tradução: A presente tradução está conforme à nova edição das Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Tomo II (Edições do Povo, Pequim, Agosto de 1952). Nas notas introduziram-se alterações, para atender as necessidades de edição em línguas estrangeiras.
Fonte: Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Pequim, 1975, Tomo II, pág: 425-435.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo

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O correspondente: Qual é o alcance do pacto de não agressão concluído entre a União Soviética e a Alemanha(1)?

Mao Tsetung: O pacto soviético-germânico de não agressão resulta do crescimento das forças do socialismo na União Soviética e da política de paz indefectivelmente seguida pelo governo soviético. Esse pacto frustrou as intrigas da burguesia reacionária internacional, representada por Chamberlain e Daladier, no sentido da provocação duma guerra entre a União Soviética e a Alemanha; rompeu o cerco da URSS por parte do bloco anti-comunista germano-ítalo-japonês, consolidou a paz entre a União Soviética e a Alemanha e garantiu o desenrolar da edificação socialista na União Soviética. No Oriente, o pacto assestou um golpe no Japão e ajudou a China; na própria China, reforçou as posições dos partidários da resistência e golpeou os capitulacionistas. Tudo isso proporciona uma base para a ajuda aos povos do mundo inteiro que lutam pela liberdade, pela emancipação. Tal é o alcance político global do pacto soviético-germânico de não agressão.

Pergunta: Pessoas há que não compreendem como o pacto soviético-germânico de não agressão é um resultado da ruptura das negociações entre a Inglaterra, a França e a URSS; pensam que, pelo contrário, foi a celebração do pacto que provocou essa ruptura. Poderia expor as razões do fracasso das negociações anglo-franco-soviéticas?

Resposta: As negociações falharam apenas em razão da má-fé dos governos da Inglaterra e da França. Há alguns anos que a burguesia reacionária mundial, e antes de mais a da Inglaterra e da França, pratica sistematicamente a política reacionária dita de “não intervenção”, frente as agressões do fascismo alemão, italiano e japonês. O seu objetivo é encorajar a guerra de agressão e tirar daí proveito. Foi assim que a Inglaterra e a França opuseram recusa categórica as reiteradas propostas da União Soviética no sentido da organização duma verdadeira frente de luta contra a agressão. Mantendo-se de fora, elas determinaram-se pela “não intervenção”, com o que encorajaram tacitamente a agressão alemã, italiana e japonesa. O objetivo era intervirem depois de terem deixado os beligerantes esgotar-se reciprocamente. Prosseguindo essa política reacionária, sacrificaram metade da China ao Japão, e sacrificaram a Abissínia, a Espanha, a Áustria e a Checoslováquia inteiras a Alemanha e Itália(2). Agora, o intuito era sacrificar a União Soviética. A manobra revelou-se em toda a clareza no decurso das recentes negociações anglo-franco-soviéticas, onde, durante mais de quatro meses, de 15 de Abril a 23 de Agosto, a União Soviética deu provas de máxima paciência. Ao longo dessas negociações, a Inglaterra e a França jamais se dispuseram a aceitar os princípios de igualdade e reciprocidade; exigiam que a União Soviética lhes garantisse a segurança mas não se dispunham a garantir do seu lado a segurança da União Soviética, nem a segurança dos pequenos Estados bálticos, proporcionando assim uma brecha a passagem das forças alemãs; além disso, não aceitavam que o exército soviético atravessasse a Polónia na marcha contra os agressores. Assim se explica a ruptura das negociações. Nesse entretanto a Alemanha declarou-se disposta a cessar as atividades anti-soviéticas e a renunciar ao “pacto anti-komintern”(3), e reconheceu a inviolabilidade das fronteiras da União Soviética; foi aí que se concluiu o pacto soviético-germânico de não agressão. A política de “não intervenção” da reação internacional, antes de mais da reação inglesa e francesa, consiste em “observar o combate dos tigres, do alto da montanha”, é a política inteiramente imperialista de assegurar-se de vantagens a custa dos demais. Iniciada com a subida ao poder de Chamberlain, atingiu o ponto culminante com a conclusão do Acordo de Munique, em Setembro do ano passado, e faliu definitivamente durante as recentes negociações anglo-franco-soviéticas. Daqui para frente, a situação há-de evoluir irremediavelmente no sentido dum conflito direto entre os dois grandes blocos imperialistas — o bloco anglo-francês e o bloco germano-italiano. Tal como dizia em Outubro de 1938, na Sexta Sessão Plenária do Comité Central eleito pelo VI Congresso Nacional do Partido Comunista da China, “levantar uma pedra para deixá-la cair depois sobre os seus próprios pés será o resultado inevitável da política de Chamberlain”. Chamberlain começou por querer prejudicar os outros e acabou por prejudicar-se a si próprio. Essa é a lei de desenvolvimento de toda a política reacionária.

Pergunta: Em sua opinião, como evoluirá a situação atual?

Resposta: A situação internacional já ganhou nova fisionomia. O carácter unilateral que há certo tempo reveste a segunda guerra imperialista, isto é, a situação em que, no seguimento da política de “não intervenção”, um grupo de Estados imperialistas ataca e o outro deixa-o agir, há-de fatalmente ser substituído pela guerra geral, no que respeita a Europa. A segunda guerra imperialista já entrou numa fase nova.

Na Europa, está iminente uma grande guerra imperialista pelo domínio dos povos das colónias, entre os blocos imperialistas germano-italiano e anglo-francês. Nessa guerra, cada uma das partes beligerantes proclamará sem vergonha que a sua causa é justa e a do adversário injusta, a fim de enganar o povo e obter o apoio da opinião pública. Isso constituirá uma pura mentira, pois as duas partes prosseguem objetivos imperialistas; uma e outra lutam pelo domínio sobre as colónias e semi-colonias e por esferas de influência; as duas fazem a guerra de rapina. atualmente disputam pela Polónia, pelos Balcãs e pelo litoral mediterrânico. Uma guerra assim de modo nenhum é justa. Só são justas as guerras não anexionistas, as guerras de emancipação. Nunca os comunistas sustentarão guerras de rapina. Eles levantar-se-ão com audácia para apoiar todas as guerras justas, não anexionistas, de emancipação, e colocar-se-ão nas primeiras linhas dessas guerras. Quanto aos partidos sociais-democratas da II Internacional, está a operar-se uma diferenciação, ante as ameaças e promessas feitas por Chamberlain e Daladier. Uma parte, a camada superior reacionária, está a seguir o mesmo trilho da época da Primeira Guerra Mundial, prepara-se para apoiar a nova guerra imperialista; mas a outra parte há-de formar com os comunistas uma frente popular contra a guerra e contra o fascismo. Tomando como exemplo a Alemanha e a Itália, Chamberlain e Daladier tornam-se cada vez mais reacionários e servem-se da mobilização para fascistizar os seus Estados e pôr em pé de guerra as respectivas economias. Resumindo, os dois grandes blocos imperialistas preparam-se febrilmente para a guerra, pesando sobre milhões de homens a ameaça duma carnagem colossal. Sem dúvida, isso não deixará de provocar movimentos de resistência entre as grandes massas populares. Se o povo não quer servir de carne de canhão para os imperialistas, tem que levantar-se, na Alemanha e na Itália, na Inglaterra e na França, na Europa e nas demais partes do mundo, lutando por todos os meios contra a guerra imperialista.

Além dos dois grandes blocos referidos, o mundo capitalista conta ainda com um terceiro: o bloco encabeçado pelos Estados Unidos, que abrange toda uma série de Estados da América Central e do Sul. Preocupado com os seus interesses, esse bloco não entrará de momento em guerra. Pretextando neutralidade, o imperialismo norte-americano renuncia provisoriamente a juntar-se a esta ou aquela das duas partes beligerantes, a fim de poder entrar em cena mais tarde e apoderar-se da direção do mundo capitalista. O fato de a burguesia norte-americana não encarar, no momento, um abandono da democracia e da economia de tempo de paz constitui um elemento favorável ao movimento mundial pela paz.

A conclusão do pacto soviético-germânico foi duramente sentida pelo imperialismo japonês, cujo futuro se anuncia ainda mais difícil. No Japão há dois grupos que se enfrentam sobre questões de política exterior. Os militaristas encaram uma aliança com a Alemanha e a Itália, a fim de imporem uma dominação sem partilha sobre a China, invadirem os países do Sudeste Asiático e eliminarem do Oriente a Inglaterra, os Estados Unidos e a França; uma fração da burguesia, porém, acha preferível fazer concessões a Inglaterra, aos Estados Unidos e a França, para poder concentrar-se na pilhagem da China. No Japão existe, atualmente, uma forte tendência ao compromisso com a Inglaterra. Os reacionários ingleses oferecem ao Japão a partilha, entre ambos, da China, acompanhada de ajuda financeira e económica, em contrapartida de este servir de cão de guarda aos interesses ingleses no Oriente, empregar-se no esmagamento do movimento de libertação nacional chinês e na contenção da União Soviética. Essa a razão por que o Japão jamais se desviará do seu objetivo essencial — a subjugação da China. Parece pouco provável que ele lance na China ofensivas militares frontais de grande envergadura; mas há-de desenvolver com maior vigor a ofensiva política que visa “submeter os chineses pelos chineses”(4) e intensificará a agressão económica na China para “alimentar a guerra pela guerra”(5), sem abandonar as selvagens operações de “limpeza”(6) que prossegue nas regiões que ocupa. Além disso, através da Inglaterra, tentará forçar a China a capitulação. No momento que julgar propício, o Japão há-de propor um Munique do Oriente e, com esta ou aquela concessão relativamente importante a servir de isca, procurará fazer com que a China aceite as suas condições de paz, para o que combinará promessas e ameaças, a fim de atingir o seu objetivo que é a subjugação da China. Enquanto a revolução popular não estoirar no Japão, esse objetivo imperialista permanecerá o mesmo, sejam quais forem as mudanças de gabinete a que procedam as classes dominantes desse país.

Fora do mundo capitalista existe um mundo radioso, a União Soviética socialista. O pacto sovieto-germânico aumentou as possibilidades da União Soviética ajudar o movimento mundial pela paz e apoiar a China na resistência ao Japão.

Tal é a minha apreciação sobre a situação internacional.

Pergunta: Que perspectivas abre essa situação para a China?

Resposta: Duas vias se apresentam a China — uma consiste em perseverar na resistência, na união e no progresso, isto é, na via do renascimento; a outra consiste no compromisso, na ruptura, na regressão, quer dizer, a via da subjugação.

Na nova conjuntura internacional, como as dificuldades do Japão continuam a crescer e o nosso país rechaça absolutamente todo o compromisso, a etapa da retirada estratégica vai terminar para nós e começará a do equilíbrio estratégico, etapa da nossa preparação para a contra-ofensiva.

Mas, quanto maior o equilíbrio na frente tanto menor será o equilíbrio na retaguarda do inimigo; com o equilíbrio na frente, a luta na retaguarda do inimigo ganhará em intensidade. Eis porque as grandes operações de “limpeza”, lançadas pelo inimigo nas regiões ocupadas (sobretudo no Norte da China) após a queda de Vuhan, não só continuarão como ainda se intensificarão. Além disso, dado que o inimigo se orienta principalmente para uma ofensiva política que visa “submeter os chineses pelos chineses” e uma agressão económica destinada à “alimentar a guerra pela guerra”, e uma vez que a política da Inglaterra para o Oriente tende a um Munique do Extremo Oriente, o perigo de capitulação de grande parte da China resultará consideravelmente aumentado, tanto como o perigo de divisão interna. No que respeita a correlação de forças, nós estamos ainda longe de igualar o inimigo, e não poderemos concentrar as forças necessárias a contra-ofensiva a menos que o país inteiro lute arduamente na mais perfeita unidade.

Prosseguir sem desfalecimentos a Guerra de Resistência permanece pois, para nós, uma tarefa de extrema importância, não devendo haver nisso o menor relaxamento.

Está fora de dúvida que a China não deve em caso algum deixar escapar a ocasião atual nem adotar decisões erradas, mas sim assumir uma posição política firme.

Isso significa: primeiro, perseverar na resistência anti-japonesa e opor-se a toda a tendência ao compromisso. Golpear energicamente todos os Uam Tsim-vei declarados e camuflados. Repelir com energia todas as promessas sedutoras do Japão e da Inglaterra e em nenhum caso deve a China participar num Munique do Oriente.

Segundo, ater-se firmemente a união e combater toda a atividade divisionista. Manter uma vigilância total com relação a essa atividade, venha do Japão imperialista, venha de qualquer outro país ou venha dos capitulacionistas chineses. Pôr rigorosamente fim a toda a fricção interna prejudicial a causa da Guerra de Resistência.

Terceiro, persistir na via do progresso e combater toda a regressão. Reconsiderar e retificar efetivamente, no interesse da Guerra de Resistência, todas as ideias, instituições e medidas que lhe são nocivas no domínio militar, político, financeiro e económico, nas questões de partido, nos domínios da cultura e da educação, assim como no domínio dos movimentos de massas.

Uma vez tudo isso realizado, a China poderá preparar como convém as suas forças para a contra-ofensiva.

A partir de agora, o país inteiro deve considerar a “preparação da contra-ofensiva” como a sua tarefa geral na Guerra de Resistência.

Presentemente, há que, por um lado, prestar sério apoio a nossa defesa na frente e dispensar uma ajuda enérgica as operações na retaguarda do inimigo e, por outro lado, proceder a reformas políticas, militares e outras, bem como acumular forças consideráveis para, chegado o momento, lançá-las numa contra-ofensiva de grande envergadura, em recuperação dos territórios perdidos.


Notas de rodapé:

(1) Pacto concluído a 23 de Agosto de 1939. (retornar ao texto)

(2) Em Outubro de 1935 a Itália desencadeou uma agressão militar contra a Abissínia, ocupando-a inteiramente em Maio de 1936. Em Julho de 1936, a Alemanha e a Itália empreenderam uma intervenção armada conjunta nos negócios internos da Espanha, apoiando o fascista Franco na rebelião contra o Governo da Frente Popular da Espanha. Depois duma longa guerra contra as hordas germano-italianas de intervenção e as forças rebeldes de Franco, o Governo da Frente Popular acabou por ser vencido, em Março de 1939. Em Março de 1938 as tropas alemãs ocuparam a Áustria e, em Outubro, invadiram a região dos Sudetas checos. Em Março de 1939 toda a Checoslováquia caiu sob ocupação militar alemã. Essas agressões desenfreadas dos fascistas alemães e italianos puderam ser realizadas e levadas a bom termo, graças ao acordo tácito e encorajamento por parte dos governos inglês e francês, que praticavam a política de “não intervenção”. (retornar ao texto)

(3) Em Novembro de 1936 o Japão e a Alemanha concluíram o “pacto anti-komintern”, a que aderiu a Itália em Novembro de 1937. (retornar ao texto)

(4) “Submeter os chineses pelos chineses” era um sinistro projeto alimentado pelos imperialistas japoneses na sua agressão a China. Havia muito que eles encorajavam na China o desenvolvimento de forças que pudessem utilizar, para provocar no seio desta a divisão e atingir com isso o objetivo que a sua agressão visava. Quando estoirou a Guerra de Resistência, tomaram a seu serviço o grupo dos pró-japoneses declarados no interior do Kuomintang, o de Uam Tsim-vei, e utilizaram também as forças do grupo Tchiang Kai-chek, para conter o Partido Comunista, que se revelava o mais resoluto na resistência ao Japão. A partir de 1939, o Japão deixou de atacar os exércitos de Tchiang Kai-chek e encorajou-o, no plano político, a uma ação anti-comunista, o que constituía precisamente a concretização dessa política de “submeter os chineses pelos chineses”. (retornar ao texto)

(5) Política de pilhagem despiedada praticada pelos imperialistas japoneses nas regiões ocupadas na China, a fim de satisfazer as necessidades materiais da sua guerra de agressão. Os militaristas japoneses chamavam a isso “alimentar a guerra pela guerra”. (retornar ao texto)

(6) Durante a Guerra de Resistência contra o Japão, nos ataques contra as regiões populares libertadas, os agressores japoneses seguiam a “política dos três-tudo”, política de crueldade inaudita, consistente em queimar tudo, matar tudo e pilhar tudo. Era a isso que o inimigo dava o nome de “limpeza”. (retornar ao texto)

Inclusão 05/03/2013