Entrevista com três Correspondentes da Agência Central de Informação e dos Jornais Saotampao e Sinmimpao(1)

Mao Tsetung

16 de Setembro de 1939


Tradução: A presente tradução está conforme à nova edição das Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Tomo II (Edições do Povo, Pequim, Agosto de 1952). Nas notas introduziram-se alterações, para atender as necessidades de edição em línguas estrangeiras.
Fonte: Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Pequim, 1975, Tomo II, pág: 437-446.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo

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Os correspondentes: Gostaríamos de conhecer a sua opinião sobre certos problemas. Hoje lemos, no Sintchunghuapao, as suas declarações do dia 1 de Setembro. Determinados problemas ficaram tratados, mas há outros sobre os quais desejaríamos obter esclarecimentos complementares. Nós formulámos as perguntas por escrito, divididas em três partes; satisfazer-nos-ia um conhecimento da sua opinião sobre cada uma delas.

Mao Tsetung: Examiná-las-ei de acordo com a lista que os senhores elaboraram.

Perguntam se a Guerra de Resistência já chegou a etapa de equilíbrio. Penso que sim, em certo sentido — no sentido de que existe uma nova situação internacional, as dificuldades do Japão vão em crescendo e a China recusa-se categoricamente ao compromisso. Contudo, não excluo com isso a possibilidade de o inimigo ainda empreender ofensivas operacionais de certa importância; pode atacar Pehai Tchancha e mesmo Si-an, por exemplo. Quando dizemos que, em certo sentido, a grande ofensiva estratégica do inimigo e a nossa retirada estratégica cessaram no fundamental, isso de modo nenhum significa que esteja afastada toda a possibilidade de ofensiva ou retirada. O conteúdo concreto da nova etapa é a preparação da contra-ofensiva, noção que engloba tudo. Dito doutro modo, na etapa de equilíbrio, a China deve preparar todas as forças necessárias a contra-ofensiva. Preparar a contra-ofensiva não significa desencadeá-la imediatamente; é impossível desencadeá-la antes que a situação esteja madura. Sobretudo quando se trata, em concreto, duma contra-ofensiva estratégica e não duma contra-ofensiva operacional. As contra-ofensivas operacionais, como as que nos permitiram rechaçar o inimigo durante as suas campanhas de “limpeza” no sudeste de Xansi, não só são possíveis como também indispensáveis. Mas o momento da contra-ofensiva estratégica de grande estilo ainda não soou, encontramo-nos atualmente numa etapa de preparação ativa para essa vasta contra-ofensiva. Em tal etapa temos ainda que repelir um certo número de ofensivas operacionais que o inimigo pode lançar, na frente, contra nós.

Consideradas em separado as tarefas da nova etapa, precisamos de, na retaguarda inimiga, prosseguir com tenacidade a guerra de guerrilhas, esmagar as campanhas de “limpeza” inimigas e frustrar a agressão económica; na frente, devemos reforçar as nossas defesas militares e rechaçar todas as ofensivas operacionais eventualmente lançadas pelo adversário; e na nossa retaguarda geral, o essencial é prosseguir energicamente as reformas políticas. Nisso está, em concreto, aquilo que constitui a preparação da contra-ofensiva.

As reformas políticas no interior do país adquirem importância excepcional porque, atualmente, o inimigo realiza sobretudo uma ofensiva política, o que nos obriga a reforçar particularmente a resistência política. Noutros termos, é preciso resolver o mais cedo possível a questão da democracia, uma vez que é a única via de reforçar a resistência política e preparar as nossas forças militares. Na Guerra de Resistência, a China deve apoiar-se sobretudo nas suas próprias forças. Nós já tínhamos preconizado isso no passado, mas na nova conjuntura internacional esse princípio ganha uma importância ainda maior. E o essencial do princípio é a democracia.

Pergunta: Acabou de dizer que a democracia é essencial para a conquista da vitória na Guerra de Resistência, baseando-nos nas nossas próprias forças. Mas como poderá instalar-se semelhante regime nas circunstâncias atuais?

Resposta: O Dr. Sun Yat-sen encarava três períodos:

Contudo, na “Declaração a propósito da Minha Partida para o Norte”(3), publicada pouco antes da sua morte, ele já não voltou a referir-se a esses três períodos, e falava da necessidade de convocar imediatamente uma assembleia nacional na China. Vê-se pois que havia já muito o próprio Dr. Sun Yat-sen modificara a sua posição, de acordo com as novas condições. Na situação critica em que hoje nos encontramos, processando-se a Guerra de Resistência, temos de convocar o mais depressa possível uma assembleia nacional e instaurar um regime democrático, a fim de pouparmos a China a sorte trágica da subjugação e expulsarmos o inimigo do país. A esse respeito têm-se ouvido as mais diversas opiniões. Alguns dizem: as pessoas comuns são ignorantes, não pode estabelecer-se um regime democrático. É uma afirmação falsa. As pessoas comuns fizeram progressos muito rápidos na Guerra de Resistência e se, além disso, forem bem dirigidas e puderem dispor duma linha política adequada, a introdução do regime democrático tornar-se-á seguramente possível. No Norte da China, por exemplo, a democracia já foi instaurada. Na sua maioria, os chefes de sub-distrito, circunscrição, pao e tsia são eleitos pelo povo. O mesmo acontece com relação a certos chefes de distrito, tendo-se eleito para esses cargos elementos progressistas e jovens que são inteiras promessas. Essa questão devia ser submetida a debate público.

Na segunda parte do vosso questionário figura o problema da “limitação da atividade dos partidos heréticos”, quer dizer, o das fricções verificadas em vários pontos do país. O vosso interesse sobre esse problema é muito legítimo. É certo que se registou uma relativa melhoria nestes últimos tempos, mas a situação permanece fundamentalmente a mesma.

Pergunta: Terá o Partido Comunista definido já a sua posição, a esse respeito, junto do Governo Central?

Resposta: Nós já elevámos um protesto.

Pergunta: Em que termos?

Resposta: Logo em Julho, o camarada Chou En-lai, representante do nosso Partido, remeteu uma carta ao presidente do Conselho Militar, Tchiang Kai-chek. Por seu turno, em 1 de Agosto, os vários sectores da população de Ien-an expediram telegramas ao presidente do Conselho Militar e ao Governo Nacional, exigindo a abolição das “medidas para limitação da atividade dos partidos heréticos”, medidas que haviam sido postas secretamente em circulação e constituíam uma fonte de fricções em vários pontos do país.

Pergunta: E o Governo Central respondeu?

Resposta: Não. Mas diz-se que no próprio seio do Kuomintang há quem não aprove as ditas medidas. Como os senhores sabem, os exércitos que participam na luta comum contra o Japão são exércitos amigos, não são “exércitos heréticos”; do mesmo modo, os partidos e grupos políticos que participam nessa luta comum são partidos amigos e não “partidos heréticos”. Numerosos partidos e grupos políticos participam na Guerra de Resistência; embora possam ter potenciais diferentes, todos combatem pela mesma causa, sendo portanto natural que todos se unam e se guardem de “limitar-se” mutuamente as atividades. Que partido é herético? O partido dos traidores, encabeçado por Uam Tsim-vei que é lacaio dos japoneses, é um partido herético, uma vez que, politicamente, nada tem em comum com os partidos e grupos políticos anti-japoneses, sendo a atividade desse partido aquilo que importa limitar. No plano político, o Kuomintang e o Partido Comunista têm um ponto em comum: resistência a agressão japonesa. Assim, o que importa presentemente é concentrar todas as forças do país para lutar e defender-se contra o Japão e Uam Tsim-vei, e não contra o Partido Comunista. Não é possível formular palavras de ordem a não ser nessa base. Agora Uam Tsim-vei formulou três palavras de ordem: “lutemos contra Tchiang Kai-chek!”, “lutemos contra o Partido Comunista!”, “sejamos amigos do Japão!”. Uam Tsim-vei é o inimigo comum do Kuomintang, do Partido Comunista e da totalidade do povo. Pelo que respeita ao Partido Comunista, este não é inimigo do Kuomintang, nem o Kuomintang é inimigo do Partido Comunista, sendo por isso desnecessário que se combatam e “limitem”, mutuamente, as atividades; pelo contrário, devem unir-se e ajudar-se mutuamente. As nossas palavras de ordem devem ser distintas das de Uam Tsim-vei, devem ser o respectivo contrário e há que evitar-se toda a confusão. Como Uam Tsim-vei apela para que se lute contra Tchiang Kai-chek, é necessário que todos apoiemos Tchiang Kai-chek; como apela para que se lute contra o Partido Comunista, todos devemos aliar-nos ao Partido Comunista; como apela para que se faça amizade com o Japão, todos devemos resistir ao Japão. Devemos apoiar tudo o que o inimigo combate e combater tudo o que o inimigo apoia. Nos artigos que redigem, muitos citam frequentes vezes a frase seguinte: “que os teus atos não aflijam os teus amigos nem regozijem os teus inimigos”. A frase é de Tchu Fu, general de Liu Siu, na dinastia dos Han de Leste. Numa carta a Pem Tchom, prefeito do distrito de Iu-iam, ele escreveu:

“Em todas as tuas empresas não faças seja o que for que possa afligir os teus amigos e regozijar os teus inimigos”.

Com isso Tchu Fu exprimia um princípio político claro e definido que jamais deveremos esquecer.

A vossa lista contém ainda uma pergunta sobre a posição do Partido Comunista relativamente as fricções. Posso dizer-vos francamente que estamos em oposição absoluta a todas as fricções entre partidos e grupos políticos anti-japoneses, pois isso só enfraquece. Contudo, se alguém for arbitrário para connosco, tentar maltratar-nos ou recorrer a repressão, o Partido Comunista adotará uma posição das mais firmes: se não nos atacarem não atacaremos, se nos atacarem seguramente que contra-atacaremos. Atemo-nos firmemente a legítima defesa, nenhum comunista está autorizado a transgredir esse princípio.

Pergunta: Como se apresenta, no Norte da China, o problema das fricções?

Resposta: Aí, Tcham Im-vu e Tchin Tchi-jum tornaram-se mestres na arte de provocar fricções. Tcham Im-vu, no Hopei, e Tchin Tchi-jum, no Xan-tum, conduzem-se sem fé nem lei e o seu comportamento em pouco difere do dos traidores. Fazem guerra raramente ao inimigo e frequentemente ao VIII Exército. Nós já remetemos ao presidente do Conselho Militar, Tchiang Kai-chek, um grande número de provas irrefutáveis sobre isso, como por exemplo a ordem de Tcham Im-vu prescrevendo aos seus subordinados o ataque ao VIII Exército.

Pergunta: Tem havido fricções com o Novo IV Exército?

Resposta: Sim, tem havido. O Incidente Sangrento de Pinquiam foi um grande acontecimento que chocou todo o país.

Pergunta: Alguns dizem que a Frente Única é algo importante mas, no interesse da unificação, o Governo da Região Fronteiriça deve ser suprimido. Que pensa sobre isso?

Resposta: Tolices ouvem-se um pouco por toda a parte, o que se diz sobre a supressão da região fronteiriça é um exemplo disso. A região fronteiriça Xensi-Cansu-Ninsia é uma base anti-japonesa, democrática e, do ponto de vista político, constitui a região mais avançada do país. Por que razão pois eliminá-la? Aliás, ela foi reconhecida há já muito pelo presidente do Conselho Militar, Tchiang Kai-chek, e uma decisão oficial foi adotada a esse respeito pelo Conselho Executivo do Governo Nacional, no Inverno do ano 26 da República. É certo que a China sente necessidade de unificação, mas isso tem que ser numa base de resistência, união e progresso. Se se tenta unificá-la na base contrária, a China é subjugada.

Pergunta: Uma vez que a unificação é entendida diferentemente, existe então possibilidade de ruptura entre o Kuomintang e o Partido Comunista?

Resposta: Se se fala apenas de possibilidades, a união apresenta-se tão possível como a ruptura. Tudo depende da posição do Kuomintang e do Partido Comunista e, mais particularmente, da posição da totalidade do povo. Quanto a nós, comunistas, já tornámos desde há muito conhecida a nossa política de cooperação: não só desejamos uma cooperação durável mas ainda nos esforçamos por convertê-la em realidade. Diz-se que na Quinta Sessão Plenária do Comité Executivo Central do Kuomintang, o presidente do Conselho Militar, Tchiang Kai-chek, declarou por seu lado que as questões interiores não devem ser resolvidas pelas armas. Ante um inimigo possante, e a luz da experiência do passado, o Kuomintang e o Partido Comunista devem, em absoluto, estabelecer uma cooperação durável entre si e evitar a ruptura. Contudo, a fim de afastar definitivamente a possibilidade dessa ruptura, há que assegurar condições políticas para a cooperação; isso significa que se deve prosseguir até ao fim a resistência ao Japão e instaurar um regime democrático. Se se segue essa via, torna-se possível manter a união e evitar a ruptura. Tudo depende do esforço conjunto dos dois partidos e da totalidade do povo, esforço que tem de ser feito. “Perseverar na resistência e opor-se a capitulação”, “perseverar na união e opor-se a ruptura”, “perseverar no progresso e opor-se a regressão”, tais são as três grandes palavras de ordem políticas que o nosso Partido formulou este ano, no seu Manifesto de 7 de Julho. Pensamos que só agindo nesse sentido a China poderá escapar a subjugação e rechaçar o inimigo. Não existe outro caminho.


Notas de rodapé:

(1) A Agência Central de Informação era a agência oficial de informação do Kuomintang; o Saotampao era o órgão dos sectores militares do governo kuomintanista e o Sinmimpao, um dos porta-vozes da burguesia nacional. (retornar ao texto)

(2) Em O Programa de Construção Nacional, Sun Yat-sen dividiu a ordem da “construção nacional” em três períodos: o do poder militar, o da tutela política e o do poder constitucional. A camarilha reacionária do Kuomintang, dirigida por Tchiang Kai-chek, utilizou durante muito tempo essa fórmula de Sun Yat-sen, sobre o “poder militar” e a “tutela política”, para justificar a sua ditadura contra-revolucionária e a denegação das liberdades ao povo. (retornar ao texto)

(3) No Inverno de 1924, assim que estalou pela segunda vez a guerra entre a camarilha dos caudilhos militares de Tchili e a de Fontien, Fom Iu-siam, que fazia parte da primeira camarilha, recusou-se a lutar e regressou a Pequim, a testa das suas tropas, o que provocou a queda de Vu Pei-fu, caudilho militar da camarilha de Tchili. Por telegrama, Fom Iu-siam convidou Sun Yat-sen a vir a Pequim. A 12 de Novembro este seguiu para o Norte. Dois dias antes da partida, em Cantão, publicou a “Declaração a propósito da Minha Partida para o Norte”, onde reafirmou a sua posição contra o imperialismo e os caudilhos militares e apelou para a convocação duma assembleia nacional que solucionasse os problemas do país. Essa declaração foi aplaudida pela totalidade do povo. (retornar ao texto)

Inclusão 17/03/2013