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Primeira Edição: Publicado em Mundial, Lima, 9 de dezembro de 1924
Fonte: Nova Cultura - https://www.novacultura.info/post/2019/02/28/o-nacional-e-o-exotico
Tradução: Equipe de Traduções Nova Cultura
Transcrição: Igor Dias
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Frequentemente ouvem-se as vozes de alerta contra a assimilação de ideias estrangeiras, estas vozes, denunciam o perigo de difundir em um país uma ideologia inadequada a realidade nacional. E não são manifestações supersticiosas e preconceitos vulgares e difamadores, pois, em muitos casos, estas vozes partem do estrato intelectual.
Poderiam acusar de uma mera tendência protecionista, dirigida a defender os produtos da inteligência nacional da concorrência estrangeira, mas, os adversários da ideologia exótica apenas rechaçam as importações contrárias ao interesse conservador. As importações úteis a esse interesse nunca lhes parecem ruins, qualquer que seja sua procedência: trata-se, portanto, de uma simples atitude reacionária, disfarçada de nacionalismo.
A tese em questão se apoia nos lugares frágeis e comuns, portanto, mais que uma tese, é um dogma. Seus sustentáculos demonstram na verdade, pouquíssima imaginação. Demonstram também muito pouco conhecimento sobre a realidade nacional, querem legislar para o Peru e provar que sabem pensar e escrever para os peruanos e que os problemas da peruanidade(1) são resolvidos nacionalmente, que os seus anseios são ameaçados pelos vazamentos do pensamento europeu. Mas todas estas afirmações são muito vagas e genéricas, não demarcam o limite entre o nacional e o exótico. Invocam abstratamente um peruano, que nem tentam antes de qualquer coisa, definir.
Esta peruanidade, profusamente insinuada, é um mito, uma ficção. A realidade nacional está menos desconectada, menos independente da Europa do que supõem nossos nacionalistas. O Peru contemporâneo move-se dentro da órbita da civilização ocidental e a mistificada realidade nacional não é mais que um segmento, uma parcela da vasta realidade mundial. Tudo o que o Peru contemporâneo estima, recebeu desta civilização e não sei até que ponto os nacionalistas extremos também não a qualificam de exótica. Existe hoje uma ciência, uma filosofia, uma democracia, uma arte, existem máquinas, instituições, leis, genuinamente e caracteristicamente peruanas? O idioma que falamos e que escrevemos, a própria linguagem é realmente um produto do povo peruano?
A nacionalidade peruana ainda está em formação. Está sendo construída sobre os inertes estratos indígenas, as aluviões da civilização ocidental. A conquista espanhola aniquilou a cultura inca, destruiu o Peru autóctone, frustrou a única peruanidade que já existiu. Os espanhóis extirparam do solo e da raça todos os elementos vivos da cultura indígena, substituíram a religião inca pela religião católica romana, da cultura inca, não deixaram nem vestígios mortos. Os descendentes dos conquistadores e os colonizadores constituíram o cimento do Peru atual. A independência foi realizada por esta população crioula. A ideia de liberdade não brotou espontaneamente de nosso solo; seu germe nos veio de fora. Um acontecimento europeu, a revolução francesa, gerou a independência americana. As raízes do feito libertador foram alimentadas pela ideologia dos Direitos do Homem e do Cidadão. Um artificio histórico classifica Túpac Amaru como um percursor da independência peruana, a revolução de Túpac Amaru foi feita pelos índios; a revolução pela independência foi feita pelos crioulos e entre os dois eventos não houve consanguinidade espiritual e ideológica. Para a Europa, por outro lado, não devemos apenas a doutrina de nossa revolução, mas, também a possibilidade de agir sobre ela. Em conflito e abalada, a Espanha não pode, em primeiro lugar, opor-se validamente contra a libertação de suas colônias, como mais tarde, também não foi capaz de tentar reconquista-las. Os Estados Unidos declararam sua solidariedade com a libertação da América espanhola. Acontecimentos estrangeiros em suma, seguiram influenciando nos destinos hispano-americanos. Antes e depois da revolução emancipadora, não faltavam pessoas que acreditava que o Peru não estava preparado para ser independente e sem dúvida, achavam exóticas a liberdade e a democracia, mas, a história não deu razão a estas pessoas negativas e céticas e sim as pessoas positivas, românticas, heroicas, que acreditaram estarem aptas para a libertação de todos os povos que assim quisessem.
A independência acelerou a assimilação da cultura europeia, o desenvolvimento do país ficou dependente diretamente deste processo de assimilação. A industrialização, os maquinários, todos os suportes matérias do progresso nos chegaram de fora. Temos importado da Europa e dos Estados Unidos tudo o que podemos. Quando limitam nosso contato com o estrangeiro, a vida nacional se deprime. O Peru encontra-se desta forma, inserido dentro do organismo da civilização ocidental.
Uma rápida excursão pela história peruana faz-nos perceber todos os elementos estrangeiros que se misturam e combinam-se em nossa formação nacional. Contrastando-os, identificando-os, não é possível insistir em afirmações arbitrárias sobre a peruanidade, não é possível falar de ideias políticas nacionais.
Temos o dever de não ignorar a realidade nacional, mas, temos também o dever de não ignorar a realidade mundial, pois, o Peru é um fragmento de um mundo que segue uma trajetória solidaria. Os povos com mais aptidão ao progresso são sempre aqueles com mais aptidão para aceitar as consequências de sua civilização e de seu tempo. O que se deve pensar de um homem que rejeitou, em nome da peruanidade, o avião, o rádio, a linotipo, considerando-os exóticos? O mesmo deve-se pensar do homem que toma esta atitude diante das novas ideias e dos novos eventos humanos.
Os velhos povos orientais, apesar de suas raízes milenares, se suas instituições, não se fecharam, não se exilaram, não se sentem independentes da história europeia, a Turquia, por exemplo, não tem buscado sua renovação em suas tradições islâmicas, mas nas correntes da ideologia ocidental. Mustafá Kemal tem agredido as tradições, expulsou o califa e suas mulheres da Turquia, está criando uma república nos moldes europeus. Esta orientação revolucionária não marca, naturalmente, um período de decadência, mas, um período de renascimento nacional. A nova Turquia, a herética Turquia de Kemal, tem conseguido impor e conquistar com as armas e o espirito, o respeito da Europa. A Turquia ortodoxa, a Turquia tradicionalista dos sultões, por outro lado, sofreu quase sem protestos, todas as humilhações e toda a espoliação dos ocidentais. Atualmente, a Turquia não repudia a teoria e nem a técnica da Europa, mas, repele os ataques europeus a sua liberdade, portanto, sua tendência a ocidentalizar não é uma capitulação de seu nacionalismo.
Assim comportam-se antigas nações que possuem suas próprias formas políticas, sociais e religiosas. Como poderá o Peru, desta forma, que ainda não cumpriu seu processo de formação nacional, exilar-se das ideias e emoções europeias? Um povo com vontade de renovação e de crescimento não pode se enclausurar. As relações internacionais da inteligência têm que ser pela força, livres. Nenhuma ideia que frutifica, nenhuma ideia que aclimatize é uma ideia exótica. A propagação de uma ideia não é culpa ou mérito de seus afirmadores, é culpa ou mérito da história. Não é romântico tentar adaptar o Peru a uma nova realidade, mas, romântico é querer negar esta realidade acusando-a de concomitâncias com a realidade estrangeira. Um ilustre sociólogo disse uma vez que nestes povos sul-americanos falta “atmosfera de ideias”. Seria tolice diminuir ainda mais esta atmosfera com a perseguição das ideias que atualmente fecundam a história humana, e se misticamente, gandhianamente, desejamos nos separar e nos desvincular da “satânica civilização europeia”, como Gandhi a chama, devemos fechar nossos limites não apenas às suas teorias, mas, também às suas máquinas, a fim de retornar aos costumes e aos ritos incas. Nenhum nacionalista crioulo aceitaria, seguramente, esta extrema consequência de seu jingoísmo.(2) Porque aqui, o nacionalismo não brota da terra e nem brota da raça, o nacionalismo extremista é a única ideia realmente exótica e estrangeira que é defendida aqui e como um estranho ou um exótico, tem poucas chances de se espalhar no conglomerado nacional.
Notas:
(1) peruanidade: identidade peruana. (retornar ao texto)
(2) jingoísmo: partido dos jingos, na Inglaterra em 1877; chauvinismo arrogante e agressivo. (retornar ao texto)
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