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«Sou partidária convicta da perestroika. É uma ideia ousada e muito atractiva. Traz mais liberdade aos soviéticos, inaugura a via que conduz ao progresso e à prosperidade. Considero que a União Soviética cumpre hoje uma missão histórica.»(1)
Deixamo-vos adivinhar por um instante quem será a autora desta declaração. Para vos dar uma boa pista, citar-vos-emos uma afirmação da agência Novosti, constatando que, no mundo de hoje, vemos operarem-se «duas revoluções, uma a Leste e uma a Oeste». A Oeste, a agência soviética descobre
«uma revolução na mentalidade política dos líderes dos países mais importantes do mundo, que mudam o seu comportamento em relação aos países socialistas, por vezes, em 180 graus».(2)
Entre esses líderes que procederam à grande viragem em relação ao socialismo está a Senhora Thatcher, autora da declaração atrás citada.
A ouvir a Dama de Ferro, como a escutar o presidente Bush e o primeiro-ministro Martens, poder-se-ia pensar que tudo vai bem na União Soviética, que a democracia se instaura, que a liberdade progride, que a prosperidade se anuncia. Dá para nos perguntarmos onde está então essa famosa crise do comunismo... No entanto, se a senhora Thatcher se considera feliz com a evolução na União Soviética, para os trabalhadores desse país, a «crise do comunismo» torna-se numa realidade quotidiana. O Financial Times publicou, em 20 de Novembro de 1989, a reportagem de uma importante conferência sobre o futuro económico da União Soviética. Abálkine, vice-primeiro-ministro e responsável pelas reformas econômicas apresentou aí um relatório. Durante a discussão que se seguiu, o jornal bolsista anotou uma intervenção invulgar que provocou grande perturbação. O seu autor, operário de uma empresa, exclamou:
«Tudo começou a correr mal na União Soviética com Nikita Khruchov, quando foram introduzidos elementos do capitalismo no comunismo. Não se podem misturar os dois sistemas. É preciso voltar aos anos 50.»
O jornalista do Financial Times acrescenta que esta tomada de posição reflectia manifestamente o sentimento de grande parte do auditório.(3) Os soviéticos que acreditam no comunismo estão perfeitamente conscientes de que, na sua terra, as coisas vão por mau caminho. O operário citado considera que o país está lentamente a virar à direita desde há cerca de 30 anos e que, de promessas em reformas, a situação não cessa de se degradar.
É oportuno relembrar aqui quatro teses essenciais lançadas por Nikita Khruchov, há 30 anos, que permitem compreender melhor o que se passa actualmente na União Soviética.
Primeira tese: Já não há poder da classe operária na União Soviética, o Estado da classe operária é substituído pelo Estado de todo o povo.
«Após ter assegurado a vitória total e definitiva do socialismo e a passagem da sociedade à construção do comunismo, a ditadura do proletariado cumpriu o sua missão histórica, (...) o Estado (...) transformou-se em Estado de todo o povo.»(4)
Esta tese conduziu à cessação da luta contra as correntes burguesas, reaccionárias, influenciadas pelo imperialismo, e visava, além disso, assegurar a tranquilidade de uma burocracia que estava a caminho de se separar completamente dos trabalhadores. Num Estado de todo povo, a burocracia podia instalar-se confortavelmente, adquirir privilégios, tirar proveito pessoal das suas posições políticas e econômicas, já que, de qualquer modo, as contradições de classe não podiam surgir entre ela e as massas trabalhadoras.
Segunda tese: Nikita Khruchov anuncia em 1962 que a União Soviética atingirá o comunismo em 1980 e que, nesse momento, terá ultrapassado os Estados Unidos.
«Bastará pouco tempo para ultrapassar economicamente os Estados Unidos. (...) A União Soviética obterá uma vitória histórica de alcance universal na competição pacífica com os Estados Unidos.»(5) «Teremos tudo o que é necessário para criar em duas décadas a base técnica e material do comunismo? Sim, camaradas, possuímos tudo isso.»(6)
Hoje, portanto, a União Soviética teria conhecido já a plenitude da felicidade em pleno comunismo, abundância de tudo para todos, e isso há já dez anos! Na realidade, adormecendo as massas entre as quais a ideia da revolução, do socialismo e do comunismo era muito popular, tais promessas de um futuro paradisíaco permitiram consolidar o poder e a posição dos tecnocratas e burocratas.
Terceira tese de Nikita Khruchov. Declara que o capitalismo está a desmoronar-se no mundo inteiro, enquanto o socialismo marcha irresistivelmente para o triunfo. Os progressos fulgurantes da União Soviética atraem o olhar dos trabalhadores de todo o mundo, enquanto o capitalismo enfraquecido já quase não tem capacidade de resistência. Por isso tornou-se possível tomar o poder na Europa e no resto do mundo pela via parlamentar e pacífica.
«Criaram-se condições mais favoráveis à vitória do socialismo nos outros países porque o socialismo triunfou na União Soviética.» «O vasto campo dos países do socialismo, nos quais a população ultrapassa os 900 milhões de habitantes, cresce e consolida-se. (...) As ideias do socialismo apoderam-se efectivamente do espírito de toda a humanidade trabalhadora.» «O capitalismo tornou-se muito mais fraco. (...) Os partidos burgueses de direita e os governos que formam falham cada vez mais.» Daí a possibilidade «de conquistar uma sólida maioria no parlamento e de transformá-la em instrumento de uma verdadeira vontade popular.»(7)
Estas posições face à sociedade imperialista e à ditadura da burguesia, posições embrulhadas nas pregas do anti-stalinismo, constituem uma mudança total de orientação política.
O quarto ponto diz respeito à atitude de Nikita Khruchov em relação aos Estados Unidos. A superpotência imperialista era considerada até então como o gendarme número um no mundo, praticando a ingerência e a agressão nos cinco continentes. E eis que Nikita Khruchov declara:
«Queremos ser amigos dos Estados Unidos e cooperar com eles na luta pela paz e a segurança dos povos. Empenhamo-nos nesta via com boas intenções e sem desígnios escondidos»...(8)
Isto num momento em que a maior parte dos povos do Terceiro Mundo, seja na Ásia, na África ou na América Latina, afrontam com vigor o imperialismo americano que lhes impõe uma ditadura neocolonial das mais terroristas. Compreender-se-á facilmente que esta atitude do dirigente do primeiro país socialista nada tem a ver com a coexistência pacífica sempre defendida pelos comunistas.
Em seguida vem Bréjnev. Alguns comunistas estimam que ele se demarcou dos erros mais grosseiros de Nikita Khruchov para tornar ao caminho recto da revolução. A análise dos quatro congressos do Partido a que ele presidiu não permite confirmar essa opinião.
Vejamos primeiro o que foi feito das quatro «novas ideias» com quais Nikita Khruchov marcou a ruptura com Stáline.
Primeira: o fim da luta de classes, Estado de todo o povo, solicitude para com a burocracia privilegiada.
Bréjnev, em alguns lances idealistas, continuou por esta via. Apresenta-nos imagens paradisíacas de uma sociedade sem classes, que servem para disfarçar uma crescente diferenciação das camadas sociais. Congratula-se com
«a aproximação de todas as classes e grupos sociais». «A nossa intelligentsia soviética considera que a sua vocação é a de consagrar a sua energia criadora à obra de edificação da sociedade comunista.»(9)
Ora, na época, parte importante dessa intelligentsia está completamente despolitizada e enfeitiçada pelo Ocidente. Nas quimeras brejnevianas apagam-se não apenas as diferenças entre as classes mas também as distinções entre nacionalidades. Bréjnev inventa a noção de «povo soviético» em que tanto as classes como as nacionalidades se dissolvem.
«No nosso país viu-se formar uma nova comunidade histórica: o povo soviético. Novas relações harmoniosas entre as classes e os grupos sociais, entre as nações e as nacionalidades, nasceram do trabalho comum.»(10)
Com Bréjnev, o marxismo-leninismo metamorfoseia-se de ciência da luta de classes em ideologia, quer dizer, na falsa consciência que exprime os interesses de uma camada privilegiada a caminho de separar-se dos trabalhadores. Nunca, durante o período de quatro congressos, se verá Bréjnev agarrar as realidades vivas, em movimento, das diferentes classes, camadas e forças políticas para daí retirar palavras de ordem de luta e de mobilização.
Bréjnev é obrigado a constatar certos fenômenos sociais que relevam da luta de classes, mas, incapaz de os analisar em profundidade, considera-os como marginais. As suas críticas são puramente formais e não dão lugar a uma prática consequente de luta de classes.
«Infelizmente», diz ele «há ainda gente, reclamando-se das artes, que se consagra a denegrir o nosso regime, a caluniar o nosso povo heróico. Claro, podem-se contar pelos dedos».
Eis a que se reduz o combate contra a corrente ideológica conduzida por Soljenítsine.
«Alguns jovens têm uma mentalidade de parasita, exigindo muito do Estado mas esquecendo os seus deveres para com a sociedade. Os ideólogos burgueses apostam nesses homens pouco aguerridos para usá-los no seu interesse. Por felicidade, eles são muito raros entre nós.»(11)
A despolitização da juventude decorre necessariamente da concepção do Estado de todo o povo. Um marxismo-leninismo esclerosado e fastidioso não pode ancorar-se no espírito dos jovens. Ora, desde Lénine que sabemos que não existe vazio em matéria ideológica. Onde a ideologia socialista não se implanta, reina, sob as suas múltiplas formas, a ideologia burguesa.
Com Bréjnev, a elite burocrática torna-se quase inamovível. Ele declara:
«A solicitude e a atenção aos quadros são regra no Partido. Acabaram as transferências injustificadas e as remodelações demasiado frequentes de funcionários.»(12)
O brejnevismo é a tranquilidade assegurada à camada emburguesada. Stáline mostrava-se excessivamente exigente com os quadros, os que cometiam erros eram despedidos ou presos e os jovens, formados num espírito bolchevique puro e duro, eram promovidos a altas responsabilidades. Adepto de Nikita Khruchov, Jaurès Medvédiev escreve a propósito:
«Na época de Stáline, os dignitários do Partido sentiram-se ainda mais ameaçados pelos órgãos de segurança do que os simples cidadãos.»(13)
E prossegue:
«Bréjnev não era um verdadeiro chefe em 1964, mas sim o representante da burocracia que procurava viver tranquilamente e com mais segurança, enquanto aumentava os seus privilégios. Os seus eleitores não eram outros senão a elite burocrática.
«A este respeito, Bréjnev também mudou o sistema, porque criou, mais que ninguém, as condições da expansão de uma verdadeira elite privilegiada, uma real nomenklatura.»(14)
Estando asseguradas para a elite a tranquilidade e a inamovibilidade, os seus membros não se contentavam com os proventos legais.
«A estabilidade da elite teve um outro efeito negativo. A corrupção oficial não cessou de desenvolver-se a todos os níveis. A disciplina do Partido baixou, o nepotismo tornou-se um fenómeno normal e o prestígio ideológico e administrativo do Partido murchou.»(15) «A grande corrupção dos burocratas soviéticos altamente colocados tornou-se numa forma de “doença profissional”. A distinção entre propriedade pública e propriedade privada não era respeitada.»(16)
Vamos à segunda grande ideia de Nikita Khruchov: nós ganharemos a competição pacífica com o imperialismo, realizaremos o comunismo em 1980.
Dez anos mais tarde, Bréjnev perde-se na mesma auto-satisfação beata e estúpida.
«No nosso país», declara, «foi construída uma sociedade socialista desenvolvida que se transforma progressivamente em sociedade comunista.» «É uma economia sem crises e em perpétuo crescimento. É uma sociedade em face da qual se abrem as perspectivas ilimitadas de um progresso contínuo.»(17)
Se Nikita Khruchov prometia o poderio e a abundância num futuro próximo, Bréjnev acreditava que estavam já ao alcance da mão.
«Sim, este Estado socialista, mais vigoroso e próspero que nunca, existe! O poderio da URSS no plano económico, militar e noutros é inquebrantável!»(18)
Terceira descoberta de Nikita Khruchov: o capitalismo desmorona-se, a passagem pacífica ao socialismo torna-se possível.
Fugindo à análise concreta como gato escaldado que da água fria tem medo. De congresso em congresso, Bréjnev repisa os mesmos clichés:
«A crise geral do capitalismo continua a aprofundar-se.»(19) «O imperialismo é impotente para obstaculizar a marcha da história.»(20)
A teoria da impotência torna-se no alicerce da via parlamentar para o socialismo, que Bréjnev pensa ser praticável na França, na Itália, nos Estados Unidos e por aí fora.(21) Citando a República Árabe Unida (o Egipto e a Síria), a Argélia, o Sudão, a Somália (substituída depois pela Etiópia), o Mali, a Guiné, o Congo Brazaville e a Birmânia, onde «sérias transformações sociais foram realizadas», Bréjnev afirma:
«As massas populares convencem-se de que a melhor via é a do desenvolvimento não capitalista. (...) Nós estabelecemos relações estreitas e amigáveis com os jovens Estados que se orientam para o socialismo.»(22)
Assim, não há necessidade alguma de fazer uma análise de classe das forças no poder ou do antigo aparelho de Estado colonial, muitas vezes deixado intacto, ou ainda do poder real do imperialismo sobre as alavancas econômicas. A burguesia e a pequena-burguesia do Terceiro Mundo dirigirão a revolução socialista de marca Bréjnev.
Quarta ideia de Nikita Khruchov: a amizade sincera com o imperialismo.
Bréjnev não a largará. Rivalizando em força militar com o imperialismo, mantém no entanto toda a confiança nele. Assim, Bréjnev considera a conclusão do tratado de 1970, entre a URSS e a RFA, como uma vitória estratégica, implicando, por parte do imperialismo, «a sua renúncia a pôr em causa as fronteiras europeias existentes».(23) Ele vê apenas o evidente espírito de revanche primitivo, militarista, e não entende o perigo do revanchismo escondido, inteligente, social-democrata.
Do mesmo modo, Bréjnev saúda os laços económicos, científicos, técnicos e culturais com o Ocidente:
«Tudo isso, camaradas, é a materialização do desanuviamento.»(24)
Nem uma palavra sobre o modo como o imperialismo daí tira proveito para ganhar influência política e infiltrar os meios dirigentes.
Longe de arrepiar caminho sobre os erros de Nikita Khruchov, Bréjnev lançou-se na mesma nefasta direcção, agravando mais o curso revisionista.
Primeiro, Bréjnev imprimiu uma orientação militarista a toda a política soviética. Aposta quase exclusivamente no crescimento das forças militares soviéticas para defender e alargar as posições da União Soviética.
«Reforçar o Estado Soviético quer dizer também reforçar as suas forças armadas, aumentar ao máximo a capacidade de defesa da nossa pátria.»(25)
E vá de saudar
«o equilíbrio militar e estratégico que se instaurou entre a URSS e os Estados Unidos».(26)
A via da «paridade militar e nuclear» com o complexo militar e industrial é impraticável e destruidora para um país socialista. Relegando para o museu da história a mobilização das massas, a continuação da luta de classes e a educação revolucionária, Bréjnev adopta uma concepção e uma doutrina militar próprias dos seus adversários. Tudo o que fazia a força da Defesa socialista no tempo de Stáline desaparece. Um esforço militar desmesurado mina toda a economia civil da União Soviética.(27)
Em seguida, por efeito acumulado do revisionismo e do hegemonismo, Bréjnev faz estilhaçar o movimento comunista internacional.
Em 1966, Bréjnev excomunga, por «desviacionismo de esquerda» a China e a Albânia, que expressaram o seu desacordo com o novo evangelho de Nikita Khruchov. Três anos mais tarde, Bréjnev transforma a confrontação política com a China em confronto armado. Exige o controlo do conjunto do rio Ussuri, que marca em mil e duzentos quilómetros a fronteira entre os dois países. Bréjnev coloca a sua fronteira na margem chinesa, contrariamente aos usos internacionais que fazem passar a linha de fronteira pelo meio do canal de navegação.
«É Bréjnev quem dá a ordem à artilharia para atacar massivamente as tropas chinesas, o que levou à morte de vários milhares de soldados chineses e a um profundo ressentimento da China para com a União Soviética.»(28)
Embriagados pelas «novas ideias» de Nikita Khruchov, muitos partidos comunistas avançam a toda a velocidade para a reconciliação com a burguesia dos seus próprios países, o que provoca a destruição da unidade do movimento comunista internacional. Bréjnev tem de reconhecer que o movimento rebenta em quatro eixos: os que defendem a experiência revolucionária de Lénine são expulsos por «revisionismo de esquerda»; os que pregam a social-democratização e a integração no mundo imperialista, os Dubcek e os Carrillo, vêm-se afastados por «revisionismo de direita; os partidos que se opõem ao modelo soviético como única referência, aos diktats e às intervenções da União Soviética nos assuntos dos outros, são banidos por «nacionalismo» e «anti-sovietismo», e finalmente restam os que fazem prova de uma fidelidade incondicional à URSS, os «marxistas-leninistas autênticos».(29)
Enquanto o revisionismo corrói as bases do socialismo na Europa de Leste, Bréjnev tem de recorrer ao controlo militar para manter uma aparência de unidade no seu campo. Proclama:
«As fronteiras da comunidade socialista são invioláveis e intangíveis.» «A unidade fraternal dos países socialistas é a melhor muralha contra as forças que tentam atacar e enfraquecer o campo socialista.»(30)
Na aparência, a União Soviética exprime assim a sua fidelidade ao internacionalismo proletário. Mas a sua ingerência e o seu controlo cada vez mais directos, corroem cada vez mais um socialismo raquítico. A teoria da «melhor muralha: a protecção da União Soviética» é uma inépcia. A melhor muralha será sempre a mobilização dos trabalhadores, o desenvolvimento da sua consciência, o seu esforço independente para defender o seu poder. Nesta base, um país socialista pode apelar, em circunstâncias excepcionais e por período limitado, à ajuda dos países amigos, como o fez a República democrática e popular da Coreia, agredida, em 1950, pelo exército americano.
Isto permite-nos voltar ao problema da «reorientação à esquerda» que Bréjnev teria iniciado reabilitando Stáline e apoiando activamente os movimentos revolucionários no mundo.
Nos quatro congressos brejnevianos, não se contra uma palavra que seja para restabelecer o prestígio de Stáline. Pelo contrário, em 1966, Bréjnev afirma apoiar-se
«na linha dos XX e XXII congressos do Partido».(31)
Cinco anos mais tarde sublinha que o «dogmatismo» do tempo de Stáline cedeu o lugar ao «espírito criador» e que a «destalinização» e a «liquidação das sequelas do culto da personalidade», empreendidas por Nikita Khruchov, eram necessárias e correctas. Não quer ouvir falar nem da ditadura do proletariado nem da continuação da luta de classes nem da depuração do partido dos seus elementos oportunistas, porque
«são opiniões contrárias ao elemento novo, criador, que o partido introduziu durante os últimos anos».(32)
Tomando uma orientação chauvinista que glorifica a «grandeza do passado», a União Soviética pôs em surdina as críticas a Stáline. Evitava mostrar-se contra Stáline tal como lhe repugnava criticar os tsares.
O apoio de Bréjnev aos movimentos revolucionários do Terceiro Mundo, com a ajuda de muitas citações de Lénine, inseria-se essencialmente no quadro dos esforços soviéticos para arranjar esferas de influência. Bréjnev opôs-se constantemente à estratégia da insurreição armada e da ditadura do proletariado no Terceiro Mundo. Pronunciou-se sempre a favor da estratégia reformista, a da direcção da burguesia «esclarecida», aliada a formações revisionistas: era a famosa via não capitalista de desenvolvimento.
A sua «revolução mundial» é essencialmente o alastramento a todo o planeta do hegemonismo soviético, seguindo o modelo da Europa de Leste. Bréjnev nega que o socialismo mundial nascerá da soma de diferentes experiências revolucionárias mundiais. Desconhece que os partidos revolucionários devem ancorar-se nas realidades específicas dos seus países, que lhes é necessário mobilizar as amplas massas para a luta revolucionária tendo em conta as suas particularidades e que devem esmagar o imperialismo e a reacção locais.
«O desenvolvimento dos países socialistas, o crescimento do seu poderio, constituem hoje o eixo principal do progresso social da humanidade.»(33)
A concepção do «eixo principal» exprime a subestimação, se não mesmo a negação, de dois eixos fundamentais do movimento revolucionário mundial: o da revolução nacional e democrática e o da revolução socialista.
Bréjnev rejeita a ideia de que as massas populares em armas constituem a única muralha contra o imperialismo e a reacção. Faz rebrilhar perante os povos do Terceiro Mundo a intervenção do exército soviético como garantia da liberdade deles. Bréjnev:
«O socialismo serve de muralha aos povos que lutam pela sua liberdade e independência».(34)
A União Soviética apoia reformistas (Chile), putschistas e aventureiros (Etiópia e Afeganistão), assim como militaristas (Egipto, Síria), que apresenta indistintamente como obreiros da revolução socialista. Como a União Soviética «está a seu lado» e que o seu exército «constitui o bastião que lhes garante a liberdade», Bréjnev intervém em vários países para manter no poder forças reformistas e putschistas pró-soviéticas. Lá onde o imperialismo agride um povo, a União Soviética enviará os seus soldados, lá onde o imperialismo exporta a contra-revolução, o exército soviético está pronto a defender a revolução. É o que Bréjnev, já com os pés para a cova, declara de modo oficial em 1981, dando provas de um aventureirismo completamente estranho ao marxismo-leninismo.
«Cada vez que é preciso ajudar as vítimas de uma agressão, o soldado soviético aparece ao mundo como um patriota desinteressado e corajoso, como um internacionalista pronto a ultrapassar qualquer dificuldade.»(35) «Quando nos pedem, ajudamos os Estados a reforçar a sua capacidade de defesa. Somos contra a exportação da revolução, mas também não podemos aceitar a exportação da contra- revolução.»(36)
Esta política aventureirista atingiu o seu ponto culminante no momento das invasões do Kampuchea e do Afeganistão.
No domínio económico, a crise futura da sociedade soviética transparece no último relatório de Bréjnev, em 1981.
Há já dez anos que ele insiste na necessidade de certas mudanças qualitativas nas estruturas e mecanismos da economia. Com um tom fatigado, repete-se sublinhando a necessidade da «passagem a um desenvolvimento essencialmente intensivo» em que a palavra de ordem seja a «eficácia». Mas porque se não chegou lá? «Ainda não se ultrapassou a força da inércia.»(37)
Tal como nos relatórios precedentes, Bréjnev constata que os resultados da ciência são introduzidos na produção com «intolerável lentidão».(38) Retoma também os exemplos há muito conhecidos de desorganização, de falta de disciplina e de incúria. O sector do grande consumo continua negligenciado, embora dois planos quinquenais fossem baseados na «satisfação das necessidades quotidianas das pessoas».(39)
Bréjnev confessa que a planificação, um dos fundamentos da economia socialista, é cada vez mais deficiente.
«O Partido encarou sempre o plano como uma lei. Esta verdade manifesta tendência para ser esquecida. »(40)
Desde há anos que são tomadas decisões, mas não se está em condições de planificar consequentemente o desenvolvimento económico, Bréjnev constata que alas inteiras do edifício económico soviético ruem sem que ele consiga aperceber-se das causas e ainda menos de as remediar.
A militarização, o sobre-armamento, as aventuras estrangeiras minaram cada vez mais a economia soviética levando-a à beira do desmoronamento e da crise.
E nestas circunstâncias dramáticas, o novo profeta tão esperado sobe ao palco da história: como um arcanjo, Mikhail Gorbatchov aparece. Maravilha o mundo com um discurso novo no qual se mostram quatro linhas de força.
Gorbatchov põe praticamente fim à política de militarização. As tropas soviéticas são retiradas do Afeganistão. O Vietname sofre pressões para sair do Kampuchea. Várias empresas militares são reconvertidas ou sê-lo-ão nos dois anos seguintes.
Gorbatchov afirma a necessidade da democratização da vida política na União Soviética. Deseja que tudo possa ser livremente discutido, que haja debates contraditórios. A necessidade de tal abordagem não pode ser contestada num país onde as amplas massas, desgostadas de um marxismo vazio de conteúdo, detestando as práticas burocráticas, já não se interessam pela coisa pública. Era absolutamente necessário que esse povo retomasse o gosto da prática do debate político, da luta ideológica, do socialismo. É verdade que só a luta ideológica aberta, só o confronto com as correntes reaccionárias e revisionistas, poderia acabar com o marxismo esclerosado e ossificado da época de Bréjnev, e reintroduzir um marxismo vivo, autêntico, revolucionário. Gorbatchov afirma querer reavaliar tudo o que foi errado na construção do socialismo retornando ao espírito e às teses de Lénine, o maior pensador e prático da acção revolucionário que o mundo conheceu.
Gorbatchov afirma enfim que a União Soviética deve dominar as últimas conquistas da revolução científica e tecnológica que alastra pelo mundo. Acrescenta que imporá à economia soviética um maior dinamismo e encorajará a criatividade dos trabalhadores por todos os meios, económicos e outros.
Nós seguimos com interesse a evolução destas linhas de força. Pudemos, após cinco anos de perestroika e de glasnost, fazer certo número de constatações e de análises.
Abordaremos em primeiro lugar o domínio político, em seguida o domínio económico e por fim a política externa da União Soviética.
No domínio político, comecemos por uma interrogação: a quem aproveitou a glasnost, quais as camadas e as forças políticas que realmente se exprimiram e que impuseram a sua orientação política aos media soviéticos?
A liberdade e a democracia nunca estão acima das classes e da luta de classes, mesmo e sobretudo na União Soviética pós-nikita khruchoviana. A glasnost, a liberdade de discussão, permitiu o alastramento de uma propaganda claramente contra-revolucionária, anti-socialista e pode-se dizer que quase tudo o que o povo russo construiu através de esforços titânicos e heróicos, viu-se atacado, manchado, denegrido. Na leitura das publicações soviéticas, damo-nos conta que a fracção mais abertamente burguesa entre os intelectuais tomou o controlo dos meios de comunicação.
Gorbatchov e Rijkov, o primeiro-ministro, fizeram declarações oficiais sobre o balanço histórico da construção do socialismo.
Aquando do 70.° aniversário da URSS, Gorbatchov declarou que era preciso reconhecer os enormes méritos de Stáline, a sua força de trabalho, a sua vontade de ferro, a sua capacidade de organização para reconstruir o país e defendê-lo contra o fascismo. Sublinhou igualmente que era necessário reconhecer, analisar e criticar todos os erros e todos os crimes que foram cometidos durante esse período. Rijkov fez declarações do mesmo género, criticando certos erros cometidos por Stáline, para colocar em evidência
«o conjunto do Partido, os milhões de gente simples cujo apego às ideias de Lénine e aos ideais revolucionários não foi abalado».(41)
Estas declarações podiam ser passíveis de um debate entre comunistas, embora para nós seja claro que os imensos méritos e conquistas do Partido, no período de 1924-1953, são também e antes de mais devidos à direcção do Comité Central do PCUS e de Stáline.
Infelizmente, desde há quatro anos, é preciso desfolhar muitas publicações soviéticas para encontrar um só artigo que seja expondo e explicando o trabalho revolucionário dos comunistas durante os anos 20, 30 e 40, nos domínios da industrialização, da colectivização, da revolução cultural e da defesa do país, para já não falar do que respeita à ajuda internacionalista.
Pelo contrário, há centenas de artigos, inspirados directamente na literatura burguesa e fascista mais revoltante, para denunciar as realizações deste período histórico crucial.
Hoje, a imprensa soviética é abundante neste estilo de extrema-direita:
«Stáline foi um monstro e, se alguma vez existiu um autêntico inimigo do povo, foi ele»,(42) ou ainda: «os limites da glasnost a respeito do stalinismo devem ser definidos pela Constituição, a qual proíbe a propaganda da violência».(43)
Em resumo, a liberdade, a democracia e a glasnost quase chegam a proibir os soviéticos de recordarem a experiência heróica da geração precedente, de desenvolver o espírito revolucionário e as teses fundamentais que guiaram a construção do socialismo e a sua defesa contra a agressão hitleriana.
Um filósofo soviético de direita lamenta que actualmente trabalhadores descontentes comecem a exprimir a sua admiração pelo entusiasmo que mobilizava o país durante os anos 20. E zanga-se: um célebre jornalista pretendeu mesmo que
«estes românticos não eram amorais mas que tinham uma moral particular. Ora, foi justamente essa moral que criou Auschvitz e a Kolima».(44)
Eis um resumo perfeito da posição da extrema-direita pós-hitleriana: stalinismo igual a fascismo — e os iluminados revolucionários são arrumados junto dos criminosos.
Que têm a dizer contra o stalinismo os numerosos autores que dominam hoje a imprensa soviética? Dois temas essenciais sobressaem dos seus escritos.
O crime principal de Stáline é o de ter conduzido a luta de classes.
«Toda a gente tinha o dever de odiar os fidalgos, os padres, os funcionários e outros elementos socialmente hostis. (...)
Era preciso odiar classes inteiras. Este ódio foi cultivado a tal ponto que tomou raiz geneticamente.»(45) Porque Stáline recusou
«a ideia de paz entre as classes (para impor) a ideologia da hostilidade, (...) o país mergulhou durante dezenas de anos na fantasmagoria do delírio paranóico».(46)
Estas frases contêm uma maravilhosa lição de dialéctica para todos os que se deixaram levar a um dado momento pelo encanto do anti-stalinismo. Contra os «erros grosseiros» de Stáline, mudava-se o rumo para os «princípios de Lénine». Mas no fim do caminho, damo-nos conta que agora o «crime principal» de Stáline foi o de ter conduzido a luta de classes! Será necessário acrescentar que erradicando a luta de classes da história também se enterra tanto o marxismo como o leninismo?
O segundo crime de Stáline diz respeito à sua política externa. O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Elguiz Pozdianikov fala disso.
«Optando pela revolução mundial, (...) contávamos dividir o mundo em proletários e em burgueses. (Se isso) se pode justificar ainda no período de efervescência revolucionária no mundo, é inadmissível noutras condições, estando em total contradição com as normas das relações entre Estados civilizados.»(47)
Tão simples e tão estúpido como isto. Gostaríamos de perguntar a esse ignaro se os Estados fascistas dos anos 30 e 40 eram Estados «civilizados», se os Estados colonialistas inglês e francês o eram, se o imperialismo americano durante o período da guerra fria e da guerra da Coreia agia de maneira «civilizada». Pois que foi contra estes adversários que Stáline teve de lutar e lutou bem. Ou ainda, do mesmo autor:
É preciso «um novo internacionalismo apostando no advento da “internacional pan-humana”, quer dizer, do futuro da comunidade humana única sobre a terra, que substituirá o internacionalismo baseado nos interesses de classe, de partido, de grupo ou de Estado.»(48)
Um outro fanático da glasnost começa por escrever:
«Havendo levado a cabo a revolução no nosso país, os proletários renunciaram aos valores que se mostravam estranhos à sua consciência de classe e aos seus interesses».
E acrescenta:
«Já não existem proletários, em todo o caso não os há no Leste e no Oeste da Europa. Há operários, camponeses, empregados, empresários, representantes das profissões liberais, sacerdotes de cultos, estudantes, militares, reformados, crianças».
Reagan e Thatcher não diriam melhor. Por fim, o nosso autor chega ao fundo do seu pensamento:
«Todos eles têm um interesse comum: viver em paz e sobreviver. Eis a razão por que é tempo de renunciar à palavra de ordem: Proletários de todos os países, uni-vos!».(49)
Para este anticomunista que passa os dias como conselheiro principal dos Negócios Estrangeiros, o maior crime de Stáline é o de ter defendido a solidariedade de todos os proletários do mundo.
Uma vez lançados nesta larga estrada, já nada faz parar os nossos reformadores. Há um ano e meio, deixaram de tagarelar a propósito de Stáline e passaram desde então a atacar Lénine e a revolução socialista. Declaram que a Revolução de Outubro foi um erro e que é essa, finalmente, a mensagem que os «anti-stalinistas» pretendem fazer passar.
Um representante do CVP, a democracia-cristã flamenga, foi à União Soviética para entregar fundos do Partido Democrata-Cristão e financiar a publicação de livros de Soljenítsine. Durante o ano de 1990, foram impressos alguns milhões de livros desse autor. Artigos na imprensa já comentam os escritos de Soljenítsine:
«Desde há 70 anos, a moral humana incondicional foi substituída por um totalitarismo de classe unificado, apoiando-se numa ideologia capaz de justificar não importa que crime».(50)
Os trotskistas podem propagar este género de literatura em nome da liberdade de expressão, eles, que fazem uma propaganda barulhenta a propósito dos escritos de Soljenítsine, o autor preferido de Le Pen. Mas nós gostamos de dizer que essa é uma literatura puramente fascista. Também o Nouvelles de Moscou pode continuar, com toda a lógica, a propagar estes pensamentos:
«A responsabilidade pessoal de Lénine nos aspectos ideológicos da história soviética, antes da ditadura stalinista, deve ser sublinhada. Pensadores de orientação nacionalista como Soljenítsine intervêm há muito, deixando supor que o leninismo e o stalinismo são dois fenómenos da mesma espécie.»(51)
Torna-se portanto à glorificação pública do tsarismo, que Soljenítsine tão bem exprime no seu estilo enfático, em jornais que se dizem comunistas. Num longo texto sobre o estado actual da União Soviética, pode ler-se a seguinte intervenção de Mikhail Lobanov, jornalista político, partidário feroz da glasnost:
«Em 70 anos destruiu-se a espiritualidade e, daí, os apoios culturais do sistema económico, indo até às tradições nacionais, à consciência de si próprio. O essencial é não espezinhar mais uma vez a Igreja.»(52)
O socialismo é assim atacado por haver esmagado a espiritualidade do tempo dos tsares e o sistema económico que encontrava aí a sua justificação.
Sublinhemos enfim que a agitação das ideias abertamente anticomunistas é tal que o próprio Gorbatchov já não sabe em que pé dançar. Algumas das suas intervenções bastante medíocres assim o demonstram. Num discurso em Setembro de 1989, diz:
«Toma-se por vezes uma atitude niilista no que respeita ao caminho percorrido pelo nosso país, a Revolução de Outubro é apresentada como um erro, uma tragédia que perturbou o curso normal das coisas e não trouxe senão sofrimento ao nosso povo.»(53)
Gorbatchov não consegue dar réplica à dimensão da ofensiva anticomunista. Nenhuma diligência por pouco militante que seja. Ele contenta-se com constatações desencantadas.
Abordamos agora a teoria dos «valores universais», colocada em evidência desde há três ou quatro anos pela equipa de Gorbatchov, e que constitui hoje a linha ideológica orientadora do Partido. Fatigado dos valores socialistas, Gorbatchov redescobre os valores universais da civilização europeia...
«Os êxitos económicos da Europa e da América do Norte são indivisíveis de todas as outras componentes tradicionais da civilização europeia. São normas da moral e das ideias sobre o destino do homem, baseadas em primeiro lugar no cristianismo, nos princípios da democracia que foram desenvolvidos durante séculos. (...) Estamos prontos a adoptar de novo os valores da civilização europeia que negámos durante os últimos 70 anos sob o pretexto de imperativos de classe. Para nós, isso marcará com efeito um grande passo na direcção da paz com o Ocidente. (...) A história demonstrou manifestamente que a ignorância das leis inevitáveis e necessárias da economia de mercado e a renúncia às normas da democracia e da moral elaborada no seio da civilização europeia durante séculos, levam a atrasos no desenvolvimento.(54)
Na Bélgica, era preciso ir muito longe à direita para encontrar uma expressão tão franca da ideologia liberal e imperial! Se se quiser voltar séculos atrás para falar de democracia e de moral na Europa, deveria começar-se por falar dos 150 a 200 milhões de escravos africanos de que os civilizadores se apoderaram, sobre o trabalho dos quais o capitalismo «democrático» foi em parte construído. Seria necessário igualmente falar dos 60 milhões de índios massacrados no México e no Peru para que a civilização europeia pudesse devorar o ouro e a prata desse continente. É preciso falar das dezenas de milhões de escravos que foram mandados vir de África para rebentarem nas plantações de cana-de-açúcar. É preciso falar da extensa cadeia de massacres necessários à construção da conquista colonial no século XIX e da opressão colonial no presente século. A democracia europeia e a moral europeia cristã distinguiram-se particularmente aquando do ascenso e do triunfo do fascismo.
E basta olhar as ditaduras neocoloniais para constatar que a Europa e os Estados Unidos, cujos especialistas de economia, de intriga política e de tortura dirigem esses países nos bastidores, continuam sempre a um palmo da concepção fascista do mundo.
Sem ir tão longe na extravagância das declarações pró-imperialistas acima citadas, Gorbatchov aproximou-se bastante delas, quando ao fundo, pela sua apreciação dos valores universais. Diz, por exemplo, que a União Soviética redescobrirá
«os verdadeiros valores do socialismo ligados à elevação do homem, à humanização, à democratização das relações sociais». Fala de «socialismo humano e democrático apoiando-se sobre todos os progressos da civilização contemporânea», canta «a palavra de ordem Liberdade! no sentido mais lato e universal deste termo».(55)
Compreende-se desde logo a razão por que Marc Eyskens, ministro belga dos Negócios Estrangeiros, declarou que o CVP, Partido Social-Cristão, primeiro partido do imperialismo belga, lhe poderia acordar o título de «membro honorífico». É efectivamente o mesmo falatório oco, dito universal, que se encontra em todos os documentos dos partidos cristãos e liberais da Europa civilizada!
Enfim, um artigo de Temps Nouveaux anuncia-nos em título que a visita de Gorbatchov ao Vaticano constitui
«um símbolo do continuado retorno da União Soviética aos valores universais da civilização mundial»!(56)
Aqui é a religião católica, versão João Paulo II, verdadeira doutrina da apologia do imperialismo, que é ostentada como valor universal a redescobrir. Um académico, a quem perguntaram qual o seu prognóstico para a União Soviética em 1990, respondeu que nesse ano iria
«acentuar-se a atracção da religião na sociedade. Trata-se de uma tendência geral», e depois acrescenta: «Durante todo o poder soviético, (...) uma intensa propaganda anti-religiosa era levada a cabo por ímpios belicosos e por sábios ateus. (...) A transparência [glasnost] varreu os simulacros de ideais, isso leva o homem e a sociedade a tornarem aos ideais milenários.»(57)
É já o delírio. Mas o pior está para vir. Num jornal da seita Moon pode-se ler um diálogo entre Moon e um jornalista soviético. Moon, que se sabe estar ligado à CIA, exprime aí, em quatro páginas, as suas reflexões político-filosóficas, e nelas o jornalista soviético vai descobrir numerosos traços comuns entre o pensamento de Moon e o novo pensamento soviético!
«Nós apoiamos o presidente Gorbatchov nas suas reformas pelo novo pensamento!», titula o reverendo Moon.
E o jornalista soviético Iordanski vai mais longe:
«As palavras do reverendo Moon parecem, de qualquer modo, provar de maneira impressionante, que os conceitos filosóficos do novo pensamento oferecem-nos novos horizontes na colaboração mundial».(58)
A questão da religião na União Soviética não é portanto um mero detalhe, está ligada à constatação de que os dirigentes do partido soviético crêem cada vez menos nas teses do marxismo-leninismo, afastam-nas completamente da prática política e empurram deliberadamente face ao vazio ideológico, os trabalhadores para os «ideais milenares».
A agitação do nacionalismo burguês no país e no partido constitui uma terceira tendência marcante na vida política e ideológica. Esta terá, num futuro que pode estimar-se bastante próximo, pesadas consequências.
Há quatro anos, Gorbatchov declarava que era necessário desenvolver o pluralismo socialista. Concordávamos que, após o período Bréjnev, era preciso permitir, na base do socialismo, a expressão de diferentes ideias. O pensamento revolucionário não podia revigorar-se senão através da luta contra as correntes burguesas. Mal foi lançada esta ideia, numerosas organizações e numerosas frentes populares foram criadas para apoiar a perestroika. Tratava-se de coligações entre forças abertamente reaccionárias e de «reformadores» da época de Nikita Khruchov, verdadeiras máquinas de guerra contra o que resta de socialismo na União Soviética.
Tomemos o exemplo da Ucrânia onde, por iniciativa de gente de direita do Partido, foi criado o Movimento Popular Ucraniano para a Perestroika, a Frente Popular desta República, que reivindica 280 mil membros. O seu congresso inaugural contava com 1100 delegados dos quais 25 por cento eram membros do Partido. Esta Frente provocou uma vaga de fundo de ideias anti-socialistas e anticomunistas, o que levou o seu congresso a denunciar o socialismo e o partido comunista sob as aclamações da sala. Na tribuna, os representantes que tentaram defender o PCUS foram vaiados e expulsos. O assunto era a ocupação da Ucrânia pela União Soviética. Reclamava-se a partida do Exército Vermelho e a criação de um exército ucraniano. E qual seria o núcleo desse exército? Durante a Segunda Guerra Mundial houve um exército ucraniano criado pelos bons cuidados de Hitler. O Movimento Popular Ucraniano para a Perestroika escutou respeitosamente uma inverosímil intervenção de um tal Lukianenko. Este declarou perante o Congresso que era preciso reabilitar os guerrilheiros de Stepan Bandera, o chefe fascista ucraniano, como vítimas do stalinismo e «combatentes pela liberdade».(59) Um livro sobre a World Anti-Communist League (extrema-direita fascista controlada pelos americanos e pelos taiwaneses) explica que, depois da guerra, os ingleses e os americanos prenderam um número considerável de membros do grupo de Bandera. Assim, derrotado o nazismo, centenas de colaboradores ucranianos foram recrutados pelos serviços ocidentais para fazerem espionagem na União Soviética. Membros do grupo de Bandera trabalharam na Radio Free Europe. Há uns anos produziram algumas emissões abertamente pró-fascistas que suscitaram vivos protestos nos Estados Unidos! Estas emissões faziam abertamente o elogio do grupo nazi «Gallician SS».
Que antigos nazis das SS, reconhecidos como tal na Ucrânia, tenham podido enviar um dos seus representantes para tomar a palavra numa reunião da Frente Popular, no momento em que se expulsam os comunistas, eis o que dá para reflectir acerca da degenerescência política na Ucrânia. Relevemos aqui, entre parênteses, que as publicações trotskistas do grupo de Mandel apoiam o combate «democrático» das Frentes Populares na União Soviética e publicam as suas tomadas de posição, segundo a bem conhecida táctica da frente unida contra o comunismo, mesmo moribundo.
Também na Letónia foi constituída uma Frente Popular de todos os antimarxistas. Um dos seus líderes declarava quando do último congresso da Frente:
«É importante para nós estreitar os laços com os países do Ocidente, estabelecer contactos económicos (...) para preparar o caminho de regresso da Letónia ao mundo civilizado da Europa à qual a Letónia pertenceu no seu tempo.» E acrescentou: «A forma principal de propriedade na República da Letónia deve ser a propriedade privada. A experiência dos Estados ocidentais industrializados prova que a propriedade privada e a iniciativa privada asseguram um funcionamento altamente eficaz do mercado livre.»(60)
Não se pode ser mais explícito: é o regresso ao capitalismo, ao mundo imperialista e às leis mais elementares, mais simples, do capitalismo mundial.
A agitação das ideias anticomunistas nas repúblicas bálticas inquieta muito vivamente o PCUS. Com efeito, estas repúblicas decidem reivindicar a sua independência assim como a adesão, em duas ou três fases, ao Mercado Comum. O Partido Comunista da União Soviética declarou então:
«O carácter anti-socialista, anti-soviético dos seus objectivos revelou-se. Viu-se aparecerem organizações que lembram as formações do período burguês e da ocupação fascista, assistiu-se à criação de órgãos paralelos do poder.»(61)
Esta constatação é exacta. No entanto, as críticas, os protestos, as denúncias não impediram os reaccionários de continuar o seu trabalho de sapa. e o próprio PC lituano passou recentemente para o lado dos «independentistas», declarando que já não pertencia ao PCUS e se tornara um partido independente, com o seu programa próprio, definido por si próprio e com os seus próprios estatutos. Quer iniciar negociações com o PCUS para determinar as bases das suas futuras relações.
Em 25 de Dezembro último, Gorbatchov pronuncia um dos mais interessantes discurso, em que revela todo o impasse em que se meteu... e que soa já como o canto do cisne. Fala da cisão entre o partido lituano e o PCUS.
Há alguns anos, disse Gorbatchov,
«não se contavam na república senão algumas dezenas de “guerreiros” da oposição. Apenas procuravam tornar-se populares, atiçando as tendências nacionalistas. A oposição juntou-se às palavras de ordem da perestroika com o fito de comprometer o socialismo. O perigo que este fenómeno representava não foi notado em tempo útil».(62)
Há aparentemente muitas coisas que Gorbatchov não nota em tempo útil. Tornaremos a falar disso.
Em seguida, Gorbatchov sublinha
«a perda de influência do partido nos media (...). À medida que estas posições eram tomadas, a Sajudis (Frente Nacionalista da Lituânia) empenhava-se no caminho da luta pelo poder real».(63)
Aqui Gorbatchov confessa que a glasnost, a política de transparência, caiu nas mãos da direita e da extrema-direita. Mas volta a reconhecer que não notou em tempo útil este deslizamento.
Depois Gorbatchov constata que,
«para assegurar as condições necessárias para a tomada parlamentar do poder, uma parte dos deputados representando Sajudis propagam as palavras de ordem da perestroika. Elaborou-se e aplica-se escrupulosamente a táctica das cadências do desmantelamento das conquistas do socialismo».
Assim, Gorbatchov concede que nos domínios da perestroika, da glasnost e da democracia — três das quatro linhas de força da sua nova política — não notou em tempo útil o que realmente se passava na União Soviética.
A quarta constatação de Gorbatchov a propósito da Lituânia é uma confissão de incompetência política. Houve numerosos contactos com o PC lituano. Este último assegurava-lhe que as massas caminhavam no sentido do nacionalismo e que o PC era obrigado a segui-las para poder mantê-las sob a sua direcção. E Gorbatchov confessa:
«É preciso reconhecer que nós demos ouvidos às suas propostas, e que muitas vezes fomos além dos seus próprios desejos.»
Segundo as suas próprias confissões, uma tal situação
«é utilizada pelos elementos nacionalistas, separatistas, anti-soviéticos, (...) que sonham fazer renascer os regimes de antigamente, regimes autoritários, de extrema-direita».
É perfeitamente verdade, mas que conta fazer agora Gorbatchov? A sua medíocre análise é seguida de algumas reflexões da mesma estirpe. Primeiro,
«devemos demonstrar grande contenção, reflexão e circunspecção. (...) [É preciso pedir a toda a gente para] reflectir mais uma vez».
Em lugar de pedir aos outros para reflectirem quando já era tarde demais, Gorbatchov teria feito melhor em reflectir ele próprio no avanço das forças que ia desencadear.
Aos membros do Comité Central que dizem ser preciso reagir, que não se pode deixar ir as coisas até à catástrofe, ele responde: Vocês têm a nostalgia do
«socialismo de caserna», «cada vez que temos de enfrentar manifestações das largas camadas da população, nós empregamos meios políticos».
Mas que meios políticos lhe restam?
Depois agita um outro argumento:
«Vocês dizem que o poder já não é forte, que se esfarrapa». Ora, «o ideal de uma política forte não é a animosidade nem a confrontação, é a concórdia e a solidariedade».
Assim é necessário
«compreender o grande valor dos compromissos razoáveis».
Conhecendo nós os fascistas e a extrema-direita, perguntamo-nos como fará Gorbatchov para jogar sozinho este grande jogo dos compromissos.
Gorbatchov acrescenta ainda isto:
«É indispensável tomar decisões enérgicas para conservar o Estado federal e assegurar a sua unidade. E que ninguém se iluda acerca das intenções e das possibilidades do Centro».(64)
Depois de tudo o que declarou, estas são palavras vãs, de que todos os reaccionários rirão a bandeiras despregadas. Gorbatchov completa esta ideia dizendo:
«É necessário submeter ao exame do órgão legislativo superior a questão da legalidade das organizações e dos movimentos políticos que encorajam o terror nacionalista».
Eis ao que se reduz a feroz exclamação de
«que ninguém tenha dúvidas quanto às intenções e às possibilidades...».
Este discurso mostra-nos um Gorbatchov enleado num impasse total. E a «profundidade» da sua análise deixa-nos a braços com numerosas interrogações sobre o futuro da União Soviética.
Depois de ter sublinhado os três maiores eixos da orientação política e ideológica, exporemos brevemente as concepções econômicas avançadas actualmente pela maioria da direcção do PCUS.
Há cinco anos, Gorbatchov declarou categoricamente que as coisas deviam mudar neste domínio. Estagnação, inércia, taxa de crescimento em baixa, falta de alimentos, impossibilidade de responder às necessidades mais elementares, é preciso, dizia ele, lançar uma política econômica nova. Após quatro anos, constata-se que nada mudou, salvo para pior!
Na revista editada pelo ministério dos Negócios Estrangeiros, pode-se ler que,
«com a crise actual na União Soviética, cada vez encaramos mais seriamente o alerta lançado por F. Hayek, o nosso principal oponente entre os conservadores monetaristas. Este pretende que mesmo a via pacífica social-democrata conduz de qualquer modo ao colectivismo total sócio-estatal, à economia planificada e directivista. É a via do monopolismo do estrangulamento do individualismo, da democracia e da liberdade».
E Larissa Piácheva, investigadora no Instituto do Movimento Operário (!) Internacional, neófita na ciência económica do capitalismo selvagem, termina o seu ensaio com uma condenação da economia mista. Afirma ela que, na União Soviética, há a necessidade das ideias de Milton Friedman e de Friederich Hayek, porque
«a economia mista onde a propriedade privada se amalgama com a propriedade do Estado, onde o mercado tem de coexistir com os preços planificados, não tem futuro». «Todos estes elementos do sistema de mercado, enxertados com tanta dificuldade na grande árvore estatal, agonizarão inevitavelmente, até ao dia em que o mecanismo jurídico, os novos sistemas de propriedade e formas de poder substituirão os sistemas e formas existentes. Há uma saída: é a inteira liberalização da nossa vida económica e social, é dar uma boa formação aos nossos agricultores, aos nossos lavradores cooperativos, comerciantes, banqueiros, artesãos, a todos aqueles que formarão a classe dos futuros administradores e dirigentes do país - pessoas hábeis e diligentes».(65)
É portanto a doutrina de Friedman que vai salvar o socialismo na União Soviética, depois de ter salvado o capitalismo periférico no Chile!
Desde há dois anos constatamos que Gorbatchov nada tem a dizer no domínio económico que seja inspirado pelo socialismo científico. Ele fala da Nova Política Econômica de Lénine fora de qualquer contexto histórico para melhor rejeitar o conjunto da doutrina de Lénine sobre a economia e a política. As suas propostas práticas são cada vez mais nitidamente orientadas para a empresa privada e para o mercado. Um artigo na revista Temps Nouveaux contém esta pérola:
«Embora o país viva sem Stáline há quase 40 anos, continuamos a não poder libertar-nos definitivamente dos entraves do sistema stalinista, dos princípios feudais das estruturas econômicas que ele fundou, ao passo que outros tiranos europeus do século XX levaram com eles para a tumba as instituições sociais que haviam criado, dando lugar à democracia na economia e na política. Porquê? Porque nem Hitler nem Franco tinham destruído a propriedade privada, sobre o fermento da qual, logo que a ditadura desapareceu, desabrochava uma sociedade florescente».(66)
O maior crime de Stáline foi o de eliminar a propriedade privada. Eis porque ele é pior do que Hitler. É um discurso que Le Pen não repudiaria, nem os antigos combatentes da Frente Leste. E compreendemos melhor por que razão Stáline e Mao Tsé-Tung sublinharam a necessidade de manter a ditadura do proletariado contra os elementos politicamente degenerados, verdadeiros agentes da influência imperialista.
O director do Instituto Plekhánov, o senhor Vladímir Grochev, ainda por cima professor, diz que
«a propriedade privada [dos meios de produção] está presente no país sob a forma de economia da sombra, de certas cooperativas e empresas mistas. O capital privado sob a forma de centenas de milhares de milhões de rublos, de vários milhares de milhões de dólares, erra através da União Soviética».
Por muito professor que seja, ele tem na cabeça questões que não são de ordem puramente académica.
«Não será melhor achar um meio de reconhecer esta forma de propriedade privada colocando-a ao serviço da perestroika?»(67)
Colocar o capitalismo selvagem existente ao serviço da perestroika? Mas não será antes a perestroika que se coloca inteiramente ao serviço do capitalismo selvagem? O mesmo professor conta que um congresso de homens de negócios soviéticos propôs que a propriedade privada dos meios de produção seja reconhecida no mesmo plano que a propriedade do Estado. A sua conclusão:
«Nós, os sábios, ajudá-los-emos a terem êxito.»(68)
Bom exemplo da aliança entre os novos capitalistas e os intelectuais tecnocratas.
Uma outra professora, Margarita Maximova, doutorada em economia, afirma que
«é necessário desestatizar a propriedade» e «assegurar a igualdade, a concorrência e a competitividade de todas as formas de propriedade enquanto fundamento da liberdade económica dos cidadãos»; é preciso preparar «o estabelecimento de zonas de empresas livres».(69)
Apelos às multinacionais, odes à liberdade de explorar como fundamento da liberdade económica. As únicas propostas concretas formuladas visam o regresso ao capitalismo pela táctica gradual dos pequenos passos.
Há um ano, Gorbatchov nomeou Abálkine vice-primeiro-ministro responsável pela reforma económica. Este é apresentado no Financial Times como um homem que defende de maneira convincente «a desnacionalização da propriedade». A sua tese é a de que
«não há alternativa válida no mecanismo de mercado para coordenar as actividades e os interesses dos agentes económicos». «A diversidade das formas de propriedade, a sua igualdade e a sua competição são a condição fundamental da liberdade econômica dos cidadãos que assegura a utilização óptima das suas capacidades», afirma o relatório apresentado por Abálkine em Novembro de 1989.(70)
Isto demonstra que Gorbatchov se insere cada vez mais claramente na corrente da direita liberal.
Passemos ao capítulo da política externa soviética. Trataremos da nova concepção do imperialismo, das consequências que disso decorrem ao nível da política mundial, e da análise das subversões na Europa de Leste.
Vejamos o que afirma um conselheiro principal do ministro dos Negócios Estrangeiros:
«Uma atitude profundamente enraizada em nós (...) consiste em ver no Ocidente um saqueador descarado dos países em vias de desenvolvimento. É um erro». «Uma parte considerável dos países do Terceiro Mundo continua a pronunciar-se a favor das palavras de ordem da “nova ordem económica”, esquecendo que uma política económica voluntarista é o mais das vezes a causa principal do estado catastrófico das suas economias. (...) Nós aprendemos, por nossa própria e amarga experiência, ao que leva a violência para com a economia.»(71)
Vá perguntar-se ao Zaire, ao Brasil e às Filipinas, por exemplo, como é doce viver onde não existe «violência para com a economia», onde as multinacionais e os latifundiários, a máfia do grande comércio, os negreiros do trabalho infantil gozam de todas as liberdades econômicas... E onde eles mergulham as massas populares num inferno de violências de toda a espécie. O combate pela elevação dos preços das matérias-primas do Terceiro Mundo seria portanto, segundo este conselheiro económico em «comunismo», uma violência para as leis naturais da economia. Para marcar mais claramente a sua passagem para o campo da antiga ordem económica imperialista, ele acrescenta:
«Não seria possível instaurar uma nova ordem. É evidente que esta ideia pode bloquear a regulação dos problemas económicos mundiais e levar-nos a uma rivalidade política [com o Ocidente]».
A nova ordem económica, tal como é geralmente formulada, consiste na realização de reivindicações não pondo em causa os fundamentos do sistema imperialista. Os sociais-democratas foram os primeiros a compreender que se a situação do Terceiro Mundo continuar a degradar-se, haverá explosões revolucionárias um pouco por toda a parte. É preciso, por consequência, ser-se previdente, deixar cair algumas migalhas para salvar o essencial da dominação imperialista! Mas eis que um conselheiro comunista ultrapassa Mitterrand e Brandt pela direita. A conclusão de Kolossovski é a seguinte: É preciso acabar com as afirmações de que
«o Terceiro Mundoé uma reserva do socialismo», porque tal posição «empurrar-nos-á para uma luta de classes em todos os azimutes na arena internacional. (...) O Terceiro Mundo não é uma arena para uma confrontação com o Ocidente. O Ocidente já não é o nosso adversário comum.»(72)
Propõe-se aos meios progressistas dos países do Terceiro Mundo
«lutar, não contra o reforço das relações capitalistas enquanto tais, mas pelo capitalismo democrático, contra o reforço dos seus traços reaccionários»...
e em conclusão:
«As multinacionais poderiam criar condições favoráveis aos trabalhadores das suas empresas».(73)
Nutridos com tal pensamento humanista e imbuídos de tais valores universais, podeis utilmente apresentar os vossos serviços à Société Générale ou à Ford Company!
Uma outra proposta: É preciso acabar com as críticas ao Fundo Monetário Internacional nas suas iniciativas no Terceiro Mundo, porque:
«Não ligados directamente aos interesses de tal ou tal grupo privilegiado nos países em vias de desenvolvimento, o FMI e o BIRD são muitas vezes mais consequentes do que os meios dirigentes locais, tanto no que respeita à análise das dificuldades econômicas (...) como para a elaboração de medidas com vista a resolvê-las».(74)
No entanto, não será necessário ser marxista para compreender que o FMI estrangula os países do Terceiro Mundo, isso é coisa reconhecida por todas as forças patrióticas!
Mas os novos filósofos soviéticos ignoram até as verdades mais simples.
E, como para mostrar bem que o revisionismo, uma vez desencadeado e sem freios, não pode evitar o ridículo e o grotesco, o mesmo doutor em ciências econômicas e mestre de investigação formula uma proposta prática de envergadura estratégica:
«Foi dito também, sem ambiguidade, que a União Soviética reconhece os laços históricos Norte-Sul (...) e que convém sanear estas relações. É tempo de descobrir e, mais do que isso, de formar activamente zonas de interesses comuns no Leste e no Ocidente, no Sul».(75)
Depois de se ter ouvido os aselhas académicos deste nível, compreende-se melhor Fidel Castro que, em 9 de Dezembro de 1989, exprimia o seu receio de ver certos países (ex)-socialistas inserir-se nas redes da economia imperialista para explorar Cuba e a América Latina.
Vejamos o que resulta, no domínio da luta política anti-imperialista, destas considerações gerais.
Um autor aborda o tema: «Terceiro Mundo: zonas de risco». Os riscos não provêm absolutamente em nada da opressão bárbara do imperialismo, da política de genocídio permanente contra milhões de pessoas, não, os riscos provêm essencialmente dos revolucionários.
«O Terceiro Mundo é a fonte de um outro mal do nosso tempo: o terrorismo (...) Há um ramo que desestabiliza particularmente a situação internacional, que conduz a acções conscientes contra os cidadãos dos países desenvolvidos, em primeiro lugar, ocidentais.»(76)
É a linguagem de um racista branco e de um contra-revolucionário. Destaca a liquidação de alguns brancos por um ou outro movimento fanático, e não diz palavra sobre as centenas de milhares de mortos em consequência do terrorismo de Estado praticado por Israel, Taiwan, Estados Unidos e África do Sul. O terrorismo, senhor Kossolovski, o verdadeiro terrorismo é o imperialismo; aquele que tanto o excita é quando muito a expressão do desespero de seres humanos constantemente espezinhados, esmagados, despedaçados. O senhor, que se baba diante de séculos de civilização europeia, olhe para uma das suas últimas proezas:
«Desde 1976, a Renamo, criou em Moçambique um dos maiores desastres do mundo moderno. Segundo um relatório das Nações Unidas, publicado em Outubro de 1989, 900 mil pessoas foram mortas em condições horrorosas. Civis vítimas de tiros, assassinatos a catana ou a machado, incêndios de cubatas, afogamentos forçados ou asfixia.»(77)
Num outro texto de análise política, o autor Viktor Chéinis, vai ainda mais longe na mesma direcção: ele liga directamente os movimentos das classes mais oprimidas do Terceiro Mundo às noções de terrorismo, ditadura cruel e violência sangrenta. Lembremos que, aquando da ocupação do Afeganistão, certos ideólogos expuseram a «teoria» do golpe de Estado militar revolucionário, abrindo o caminho à revolução propriamente dita, sustentando que os camponeses eram demasiado atrasados para constituir uma base para a revolução. Hoje, alguns desenvolveram criativamente essa asneira: se os camponeses se mobilizam, tal não pode levar senão ao terrorismo e à violência destruidora.
«Há um ponto de vista, fundado numa tradição científica e ideológica de longa data, segundo o qual (...) o objectivo central das forças progressistas seria activar a luta das camadas oprimidas, deserdadas das sociedades em vias de desenvolvimento e as formas mais extremas de uma tal luta seriam as mais eficazes. (...) Seria muito perigoso apoiar um qualquer movimento da “base”, sobretudo aquele que leva a uma escalada de violência. (...) O carácter conflitual da evolução interna põe em causa a unidade nacional (...). As forças em oposição, cada uma defendendo os seus próprios interesses, são periodicamente tentadas a apelar às camadas tradicionalistas e marginais da população, a colocar em acção reservas de apoio e de pressão que facilmente escapam a qualquer controlo (...), fornecem terroristas, levam a violências sangrentas, a pogroms, e provocam a instauração de ditaduras mais ou menos cruéis».(78)
Esta é uma posição francamente reaccionária. Chéinis não vê terrorismo nem ditaduras sangrentas no Peru, na Guatemala, nas Filipinas.
«O imperialismo», diz, «não é uma característica dominante do capitalismo neste final do século XX.»(79)
O problema essencial para o Terceiro Mundo é o de se empenhar no «processo de modernização» e, deste ponto de vista, a contribuição do capitalismo é positiva. Aqueles que mobilizam a base, as massas tradicionalistas, os deserdados e os oprimidos, põem em perigo a unidade nacional e, por consequência, o processo de modernização. Estas massas atrasadas, uma vez levantadas, correm o risco de instaurar o seu poder que será, contrariamente ao regime neocolonial modernizador, uma ditadura cruel. A União Soviética deveria portanto, segundo o senhor Victor Chéinis, doutor em ciências econômicas, ficar do lado da ordem neocolonial, contra os
«possuídos» e os «elementos irresponsáveis e amorais» que pregam as velhas concepções da «violência justa».(80) «Não seria sem dúvida razoável ver na sangrenta epopeia dos Khmers Vermelhos um episódio isolado e único na história de um pequeno país atrasado, tal como seria errado subestimar o perigo das sevícias como as que são perpetradas pela organização peruana Sendero Luminoso (...). Kampuchea, Peru, quem pode afirmar que esta espécie de “revolucionários” não ameaçaria a sociedade noutros países em vias de desenvolvimento? Digo bem: uma ameaça para a sociedade inteira, que eclipsa o número de disputas e desacordos políticos.»(81)
O contra-revolucionário Chéinis faz de conta que não sabe que os bombardeamentos americanos sobre o Kampuchea causaram a morte de 600 mil camponeses, que a fome criada pelas tropas americanas em fuga do Kampuchea provocou a morte de um milhão de kampucheanos, e isto segundo documentos oficiais. Na América Latina, vários movimentos de guerrilha, bem implantados numa população camponesa que os apoiava, foram mesmo assim esmagados pela violência contra-revolucionária; foi o caso da Colômbia, tal como o da Guatemala. Que o Sendero Luminoso conseguisse não apenas manter-se, mas também alargar a guerrilha a grande parte do território, prova que esta organização tem capacidades revolucionárias reais, seja qual for a opinião que se possa ter sobre algumas das suas tácticas e métodos. Mas Chéinis fala deste movimento revolucionário de massas índias e camponesas como o faria um perito americano em contra-insurreição. Quando as massas populares, oprimidas durante séculos, aterrorizadas pelas matanças em massa, se levantam, mesmo a organização mais disciplinada não pode evitar acções de vingança e erros. Todo o revolucionário sabe que estes fenómenos são inevitáveis em qualquer movimento de libertação popular. Tomar isso como pretexto para preferir o terror e o genocídio permanente sob a dominação imperialista é passar para o campo da reacção.
Na realidade, o que se anuncia nestas declarações, é o direito de ingerência, o direito de decidir quais são os revolucionários bastante bons, civilizados, educados e mansos para merecer a consideração da União Soviética e dos seus aliados ocidentais, e quais são os revolucionários bárbaros e sangrentos que americanos, ingleses, israelitas e outros civilizados podem abater como coelhos para salvar a «sociedade inteira».
Em Janeiro de 1990, a Temps Nouveaux dá a palavra ao chefe do regime de apartheid, F. De Klerk... para dizer o quê? Eis a sua mensagem ao povo e aos comunistas soviéticos:
«Nunca defendi o apartheid. Nós lutamos apenas contra os movimentos que se dedicam a actividades terroristas.»(82)
Pik Botha foi à Hungria (agora em regime de liberdade e de democracia!) a fim de aí negociar um contingente de mão-de-obra de especialistas e de quadros de direcção para a África do Sul. Aproveitou para declarar triunfalmente a propósito do ANC:
«Que tenha em atenção que os seus camaradas irmãos da Europa de Leste viraram as costas à sua ideologia e ao seu sistema político. Que é tempo de o ANC compreender que aquilo que gostaria de estabelecer na África do Sul, acaba de morrer na Europa de Leste e está a morrer na União Soviética.»(83)
Nisto ele tem alguma razão! Este exemplo permite compreender quais as repercussões do que se passa a Leste sobre os povos que sofrem desde há séculos. As primeiras vítimas desta demagogia a propósito da democracia e da liberdade instauradas a Leste serão os povos do Terceiro Mundo que lutam pela sua libertação. Ao lado dos próprios trabalhadores dos países de Leste, que acordarão bem depressa das suas ilusões.
Em conclusão, podemos dizer que os revolucionários do Terceiro Mundo devem tomar consciência de um perigo que os ameaça, o das acções concertadas entre a superpotência americana e uma União Soviética que se lhe submete. Esta perspectiva tornar-se-á realidade se as concepções mencionadas sobre o terrorismo, as massas deserdadas «sanguinárias», os Khmers Vermelhos e o Sendero Luminoso se impuserem definitivamente na direcção do país. Aliás, o próprio chefe do KGB evoca a possibilidade de acções conjuntas CIA—KGB no domínio do terrorismo (Médio Oriente, Irão), da luta contra a droga (América Latina) e nos pontos quentes do planeta África Austral, América Central, Indochina). Eis as respostas de Vladímir Kriutchkov, presidente do Comité de Segurança de Estado da URSS, a um jornalista:
«Em 1990 o KGB projecta estender os seus contactos com os serviços secretos de diferentes países, nomeadamente com a CIA. Trata-se antes de tudo de travar o terrorismo, o tráfico de droga, o contrabando. Por exemplo, estando a URSS e os Estados Unidos mutuamente interessados em fazer baixar a tensão nos “pontos quentes” do planeta, o KGB e a CIA poderiam trocar informações secretas a fim de que os governos dos dois países elaborem e efectuem acções comuns.»(84)
Logo à sua chegada ao poder, Gorbatchov declarou querer renovar o socialismo e regressar ao espírito revolucionário de Lénine. O que se passa a Leste e nos partidos comunistas destes países mostra claramente que estas declarações eram vãs e que as repercussões da pretensa «nova mentalidade» são ainda mais catastróficas para o socialismo na Europa de Leste do que na União Soviética.
Informações cada vez mais numerosas tendem a mostrar que, apesar das declarações de não ingerência nos países de Leste, a União Soviética intrometeu-se largamente nos seus assuntos. Isto é claro na Alemanha de Leste, onde o próprio Gorbatchov «sugeriu» vincadamente as mudanças a introduzir na direcção do partido. Efectivamente, sabemos agora que a intervenção directa dos soviéticos abalou a direcção e empurrou o SED(85) para a deriva. Uma jornalista bem introduzida nos corredores do poder, Marina Pavlova-Silvanskaia, escreve:
«É significativo que após as sevícias contra os manifestantes, E. Honecker e M. Jakes estavam prontos a continuar a defender os seus regimes. Saberemos mais tarde certamente como foi evitado um desenvolvimento trágico dos acontecimentos na RDA. Contentemo-nos, por agora, a confiar nas declarações de W. Brandt afirmando que os militares soviéticos estavam metidos na coisa».(86)
As autoridades da RDA tinham perfeitamente o direito de decidir reprimir manifestações que tomavam um carácter anti-socialista. Mas os hegemonistas soviéticos continuavam a ditar o que os outros deviam fazer. Quanto a «evitar a tragédia», a reunificação alemã e o revanchismo alemão, a partir de uma posição dominante na Europa, serão bem cedo uma catástrofe de uma outra amplitude, não apenas para os trabalhadores da ex-RDA, mas para a Europa inteira.
A direcção do partido búlgaro, inicialmente favorável às acções de Gorbatchov, distanciou-se depois e declarou que jornais como o Nouvelles de Moscou, a revista Ogoniok e outros se haviam tornado os porta-vozes das correntes anti-socialistas.(87) Hoje pode ler-se na imprensa soviética apreciações que mostram que o antigo reflexo hegemonista sobre os países de Leste não desapareceu completamente. Por exemplo, o Nouvelles de Moscou escreve:
«A natureza bestial do governo búlgaro era conhecida e deixava presumir que um banho de sangue não o travaria para manter o poder».(88)
E explicava com aprovação aquilo que é pura e simplesmente uma conjura e um golpe de Estado. Mas ouçam. Primeiro, o jornal declara que Jívkov queria
«punir severamente todos os contestatários». Depois, os partidários «das reformas radicais no Estado e no partido (...) decidiram agir. Ao princípio eram pouco numerosos: Djurov, Mladenov, Atanassov, Lukanov, Stanichev. Puseram-se de acordo? Sim, e estando as suas vidas em jogo, escolheram os membros do CC em que podiam fiar-se nessa matéria. (...) O general Djurov, assim como Stanichev e Iotov foram encarregados de anunciar pessoalmente a Jívkov que este devia deixar o seu cargo. (...) Estavam prontos a recorrer a meios excepcionais? É possível, a julgar pelos resultados.»(89)
Esta conspiração de um punhado de dirigentes, apoiando-se essencialmente no exército, implicou necessariamente uma participação activa da União Soviética desde o princípio.
Após a chegada ao poder do Solidarnosc na Polónia e dos seus parceiros na Hungria, era claro para qualquer comunista que importantes lutas de classes se produziriam nos outros países de Leste em torno da questão: tomada do poder por uma direita ao estilo do Solidarnosc ou rectificação do poder socialista numa base autenticamente marxista-leninista. Ora, a equipa de Gorbatchov encorajou manifestamente o derrube dos dirigentes comunistas que, de um modo ou de outro, pretendiam manter certos princípios leninistas, em benefício de dirigentes de tendência social-democrata e pró-capitalista. Ambartsúmov saúda a subversão a Leste como
«uma autêntica revolução. Não contra o socialismo, (...) mas contra o stalinismo e o brejnevismo. (...) Assim que a actual irrupção de paixões passar, as organizações e as correntes e tendências social-democratas começarão a marcar pontos.»(90)
Trata-se portanto de uma «revolução» contra os princípios de base sobre os quais a União Soviética foi fundada, em proveito das concepções «sociais-democratas» do mundo imperialista. O restabelecimento do capitalismo selvagem é glorificado por autores soviéticos em termos idênticos aos utilizados pelos representantes das multinacionais europeias.
«Os povos da Europa oriental parecem proteger agora os mesmos valores que a nossa perestroika: liberdade, democracia, glasnost, honestidade. (...) Em resumo, o socialismo democrático de face humana.»(91)
A direita soviética impulsionou deliberadamente os processos de restauração do capitalismo na Europa de Leste para aí achar uma base de apoio para a luta, muito mais decisiva e árdua, com vista à sua restauração na própria União Soviética.
«Felicitemo-nos pelo facto de que a revolução actual tenha tirado o tapete debaixo dos pés dos organizadores de um pacto anti-perestroika à escala internacional. (...) Agora, Berlim, Sófia e Praga foram perdidas para esse pacto. Ele está condenado nas suas últimas trincheiras.»(92)
A última frase indica claramente a vontade da direita soviética de encorajar os movimentos anti-socialistas, ditos anti-stalinistas e antidogmáticos, na Roménia, em Cuba, na Coreia do Norte, na Albânia, no Vietname e na China.
Nos anos 20, 30 e 40, o Partido Comunista da União Soviética deu uma contribuição de imenso significado histórico à causa do socialismo e da libertação nacional. Num país em ruínas, os comunistas erigiram a ditadura da classe operária, dos camponeses pobres e médios, dos trabalhadores contra as antigas classes exploradoras, mobilizaram as camadas oprimidas há séculos para a edificação do poder socialista, industrializaram o país a uma velocidade incrível, colectivizaram a agricultura e tornaram assim impossível a evolução capitalista espontânea no sentido da ditadura dos kulaques, camponeses ricos, conseguiram uma grande revolução cultural levando o ensino cientifico aos lugares mais remotos, dirigiram a grande guerra antifascista e destruíram o essencial das forças nazis. Stáline foi um grande dirigente comunista e, sob a sua direcção, o Partido Comunista levou a cabo tarefas essenciais que a história lhe impunha. A seguir a Nikita Khruchov, oportunistas de todos os matizes pretenderam que desejavam corrigir os erros de Stáline. Ora, longe de corrigir os erros, bem reais e muitas vezes inevitáveis na época, atacaram as próprias bases da concepção leninista defendidas por Stáline.
A seguir a Nikita Khruchov, sistematicamente, passo a passo, segundo ritmos tácticos bem calculados, estes oportunistas puseram em causa todas as teses marxistas-leninistas, retomando cada vez mais abertamente as concepções elaboradas pelos ideólogos da burguesia ocidental, que foram apresentadas como adaptações criativas do marxismo à realidade presente, recuperações do humanismo socialista, aprofundamentos do socialismo que lhes dariam uma face humana. Como se os pobres e os oprimidos não tivessem uma face humana e só os burgueses, os banqueiros, os profetas da civilização ocidental possuíssem a face humana, da qual o socialismo, numa versão Mitterrand, tem necessidade. Os partidos comunistas da Europa de Leste seguem desde há 30 anos, no essencial, as concepções de Nikita Khruchov, já não têm praticamente nada em comum com as concepções revolucionárias em vigor sob Stáline. Ora, a palavra stalinismo é usada para indicar todas as teses e todos os valores do socialismo e é sob a bandeira da luta antistalinista que se travam os combates para eliminar o socialismo até aos últimos vestígios.
Ouçamos o politólogo Evgueni Ambartsumov:
«As forças de reestruturação na URSS estão interessadas na derrocada definitiva do stalinismo, seja qual for o preço desta revolução. Uma revolução, com efeito, porque não se trata de melhorar o socialismo mas de o transformar na base. (...) O carácter revolucionário da actual reviravolta reside igualmente na renúncia ao objectivo quanto à sua essência: a edificação de uma sociedade ideal. [Trata- se de uma] renovação interrompida pela contra-revolução totalitária stalinista. »(93)
Oleg Bogomolov, deputado e colaborador de Gorbatchov, e Marina Pavlova-Silvanskaia aprofundam estas reflexões. Diz a última:
«Uma reviravolta radical na política económica exige precisamente aos partidos comunistas o abandono das suas raízes ideológicas teóricas e sociais de classe».
E Bogomolov aprova:
«Por contraditório que seja este movimento, é um passo no desenvolvimento da civilização e nos esforços para reparar os erros que fizeram sofrer milhões de pessoas».(94)
Bogomolov, economista, académico, deputado-confidente de Gorbatchov, não deixa dúvidas quanto à sua orientação política e económica.
«A perestroika na URSS e as reformas na Polónia e na Hungria (...) possuem grande número de traços comuns. (...) É necessário desmantelar de uma vez por todas o modelo stalinista.»
E o economista propõe
«a organização da economia de mercado com a manutenção do controlo social e a protecção dos fracos contra as adversidades»!(95)
Acrescentemos uma palavra sobre o papel desempenhado pela direita soviética aquando do derrubamento do Partido Comunista Romeno. Em nenhuma outra ocasião foi tão claro que a glasnost entrega os media soviéticos à reacção. Todas as mentiras da CIA, distribuídas cegamente pela imprensa imperialista, foram reproduzidas com avidez pela imprensa soviética. Aqui vão algumas pérolas.
«Combatentes da liberdade foram esmagados, abatidos, mortos ou espancados até à morte — 70 mil caíram, um em cada 300 habitantes...»(96)
Um outro jornal muito glasnost:
«70 mil vidas levadas só na primeira semana da revolução».(97)
Ceausescu era
«um tirano louco, de poder ilimitado», «na Roménia, o povo sofria uma tirania mais stalinista que brejneviana, uma estrutura totalitária mais ávida de sangue do que apática».(98) «Em Timisoara mostraram-me fotografias de valas comuns abertas por exigência do povo. Os corpos dos mortos encontravam-se em poses anormais: à pressa, enterravam os feridos com os mortos.»(99)
Claro, estes defensores do humanismo e dos valores universais aplaudiram o assassinato de Ceausescu.
«O país teria perdido muito mais vidas se estes dois se houvessem mantido por mais tempo. Para os terroristas fanáticos romenos e árabes, formados desde a infância em campos especiais, Ceausescu vivo teria sido uma bandeira pela qual eles se bateriam até à morte.»(100)
Todas estas mentiras de tipo fascista se enquadram perfeitamente na política soviética oficial, expressa por Chevardnádze:
«A revolução romena, que é de importância mundial, é perfeitamente compatível com a nossa, a que chamamos de perestroika. [A União Soviética] opõe-se a todas as ditaduras, sejam comunistas, ditas comunistas ou burguesas.»(101)
É extremamente curioso ouvir sublinhar «a importância mundial» da contra-revolução romena: quem é visado: A China? Cuba? A Coreia do Norte?
Mencionemos para concluir que Ligatchov, que representa a esquerda no actual Bureau Político, tomou algumas distâncias em relação à euforia liberal que acabamos de evocar. Disse ele que
«na Europa de Leste, assistimos também a acontecimentos ligados à restauração do capitalismo e à decomposição de partidos fundados sobre os princípios comunistas (...). Alguns afirmam que a sociedade evolui no sentido do chamado “capitalismo democrático”, mas eu não compreendo esse termo.»(102)
Por tudo o que vimos, podemos concluir que várias forças políticas e econômicas se orientam para a desagregação da União Soviética. O processo já está muito avançado e não vemos como poderá ser travado.
No seio do PCUS, duas correntes situam-se nos antípodas uma da outra. A primeira toma a direcção do capitalismo selvagem no estilo húngaro ou polaco. É representada por Sákharov e Éltsine, quer dizer, por um anticomunista de longa data e por um antigo membro do Bureau Político. O seu programa é essencialmente o mercado livre e a empresa privada, com existência legal de partidos burgueses e reaccionários, quer dizer, do multipartidarismo. Tudo isso se encontra no projecto de Constituição, o último texto de Sákharov. Na nova Constituição, Sákharov e Éltsine esperam inscrever:
«A longo prazo, a União [Soviética] aspira a uma aproximação mútua pluralista, à convergência dos sistemas socialista e capitalista».(103)
Esta tendência política que defende a liberalização quase total do país, agrupa cerca de 400 pessoas no Soviete Supremo, na maior parte também dirigentes do partido. Recordemos aqui que o grupo trotskista de Mandel apoia, há anos, a fracção Sákharov—Éltsine, a que chama de «esquerda radical».
A corrente oposta, muito minoritária, pronuncia-se pelo restabelecimento dos princípios marxistas-leninistas. É chamada pela burguesia, tanto europeia como soviética, de tendência conservadora, dogmática, stalinista. Zaslavski, um membro do grupo de Éltsine, fala, por exemplo,
«das pessoas que se inspiram, desde há muitos anos, na ideologia do totalitarismo e que acreditam nela sinceramente. Eles são particularmente numerosos entre as pessoas de idade avançada».
É claro que «esta gente de idade avançada», que lutou nos anos 20, 30, 40 e 50, sob a direcção de Stáline, pela construção do socialismo, que sofreu para defender o partido e o país contra os nazis, tem ideias revolucionárias profundamente enraizadas no coração.
Entre estes pólos extremos há variadas posições. A terceira corrente, taxada também de «conservadora» no Ocidente, é favorável ao restabelecimento do brejnevismo. Alguns são de opinião de que, sob Bréjnev, havia pelo menos ordem, que as coisas eram previsíveis, que nessa época podia-se comandar sem ter de lutar e convencer politicamente e que toda a gente tinha comida suficiente.
Uma quarta corrente, se se pode chamar assim ao conjunto de pessoas cujo imobilismo é o traço dominante, é a dos burocratas, prontos a seguir o poder, qualquer que ele seja. É o bloco amorfo dos «estou-me nas tintas».
Gorbatchov dirige a primeira tendência, hoje maioritária, já que se alia tanto com os brejnevianos como com os amorfos. Visa a evolução lenta, progressiva mas sistemática, para a restauração capitalista. Muito popular no Ocidente, Gorbatchov e a sua perestroika defrontam uma aversão crescente na União Soviética. Gorbatchov, encostado à parede, procura cada vez mais apoios, tanto políticos como económicos, do lado do mundo imperialista. Em troca, deixa os ocidentais fazer praticamente tudo o que querem na União Soviética — financiar organizações anti-socialistas, criar rádios «livres», enviar contentores cheios de bíblias e despachar peritos para erguer partidos pró-ocidentais.
A via que o Partido Comunista tomará nos próximos cinco anos será portanto, provavelmente, a das lutas internas encarniçadas e a da desagregação sobre um pano de fundo de guerras civis locais. O que não pode deixar de levar à paralisia da política internacional da União Soviética. A sua repercussão sobre a situação na Europa de Leste poderá tornar-se grave.
Os partidos comunistas da Europa de Leste foram varridos. Já não têm senão um papel marginal na vida política. Ao contrário, os antigos partidos de direita e fascistas retomam força com o apoio do Ocidente. A crise económica aprofunda-se. O restabelecimento do capitalismo e a intervenção das multinacionais arrastarão um descontentamento generalizado cujos sinais precursores já se manifestam. A única saída para as classes dirigentes será a utilização dos remédios tradicionais, que consistem em arrastar as massas para o nacionalismo, o chauvinismo e a ideologia de extrema-direita. A consequência será o confronto entre as nacionalidades a Leste.
Entretanto, nos próximos cinco anos, nada mais poderá fazer parar a reunificação das duas Alemanhas. A Alemanha de Leste dispõe de poucos trunfos para resistir a uma Alemanha Ocidental, terceira potência imperialista do mundo. O PC da Alemanha de Leste está em crise, dividido e paralisado, e portanto sem meios. A reunificação fará da Alemanha, que domina já o Mercado Comum, também a potência hegemónica em toda a Europa de Leste. O Leste foi tradicionalmente o domínio reservado da Alemanha imperialista que, hoje, ultrapassa largamente a França, a Itália e a Inglaterra no plano da penetração económica e financeira na Checoslováquia, na Jugoslávia, na Polónia e na Hungria. Actualmente fala-se muito da aceleração da unificação política da Europa e da dimensão militar que esta deve ter. Uma Europa Ocidental, munida de meios militares consideráveis, sob a direcção da Alemanha Ocidental, será fortemente tentada a intervir nas situações caóticas que não deixarão de surgir na Europa de Leste. A questão das fronteiras entre a Polónia e a Alemanha, a existência de minorias alemãs na Hungria, Polónia e Roménia, os conflitos nacionalistas possíveis um pouco por toda a parte, serão outros tantos pretextos e ocasiões para a Europa e a Alemanha, em nome do dever de ingerência, da protecção dos direitos humanos e da «democracia», de se imiscuir militarmente nos assuntos da Europa de Leste.
Do período de Nikita Khruchov ao de Gorbatchov, passando pelo de Bréjnev, foi o revisionismo que conduziu à crise do socialismo. O debate foi lançado há 35 anos, com a chegada ao poder de Nikita Khruchov e o enunciado das suas teses: o imperialismo perdeu a sua agressividade, tornou-se numa força de paz com a qual se pode colaborar em todos os domínios; já não há luta de classes nos países socialistas posto que o socialismo triunfou definitivamente; o Partido Comunista, tornado em partido de todo o povo, já não tem a missão de manter a ditadura do proletariado.
Hoje assistimos ao fim lamentável desta corrente demagógica que invectivou durante três décadas contra o stalinismo, a ditadura, o dogmatismo, a ortodoxia, o sectarismo e o pensamento rígido, e que apresentou as suas ideias, roubadas aos sociais-democratas, como a renovação, o regresso a Lénine, o pensamento criador, o socialismo de face humana. O revisionismo, que induziu em erro e influenciou tantos homens de esquerda, percorreu todo um ciclo de maturação para acabar na restauração do capitalismo e na integração no mundo imperialista. Por tudo isto, muitas ilusões voaram em estilhaços. Mas será necessário aprofundar as raízes da degenerescência.
À luz dos acontecimentos actuais pode-se afirmar que, manifestamente, o imperialismo é uma força bem mais resistente, dinâmica e agressiva do que numerosas correntes oportunistas no movimento operário acreditavam sê-lo desde há 30 ou 40 anos. O imperialismo não é democrático nem pacífico, não respeita nem a independência nem os princípios da coexistência pacífica; o imperialismo ocupa-se da arte, da cultura, do turismo, vende produtos, faz cooperação técnica, empresta dinheiro e através de tudo isso realiza a estratégia de dominação económica, militar e política na cena mundial. No debate dos problemas do comunismo, um ponto essencial é a percepção da natureza do imperialismo e das suas capacidades de expansão, infiltração e agressão.
Os países socialistas não podem abordar correctamente as lutas sociais complexas que percorrem a sociedade se não discernirem o essencial: a natureza do partido como vanguarda dos operários e dos trabalhadores; a concepção do partido como partido de luta de classes, de luta pela produção e pela revolução científica e técnica: o estilo do trabalho do partido, como partido ligado às massas, praticando um estilo de vida simples, assíduo no trabalho, impiedoso contra a corrupção e os privilégios.
Só um tal partido pode resolver o problema fundamental do socialismo: manter a ditadura do povo trabalhador contra os antigos exploradores e agentes do imperialismo, desenvolvendo ao mesmo tempo a democracia socialista, indispensável para o reforço da base política da nova sociedade. O partido e as massas devem compreender o carácter prolongado da luta de classes nos domínios político, ideológico e económico. É impossível manter o socialismo e desenvolvê-lo correctamente se se abranda a vigilância na luta incessante contra todas as forças hostis.
Notas de rodapé:
(1) Temps Nouveaux, n.° 40, 1989, p. 7. (retornar ao texto)
(2) Agence de Presse Novosti, Bulletin, 5 de Dezembro de 1989, p. 3. (retornar ao texto)
(3) Financial Times, 20 de Novembro de 1989, «The battle Lines are drawn». (retornar ao texto)
(4) Khrouchtchev, Programme XXIIe Congrès, p. 585. (retornar ao texto)
(5) Idem, ibidem, p. 77. (retornar ao texto)
(6) Idem, ibidem, p. 211. (retornar ao texto)
(7) Khrouchtchev, XXe Congrès, p. 47. (retornar ao texto)
(8) Idem, ibidem, p. 36. (retornar ao texto)
(9) Brejnev, Rapport au XXIVe congrès du PCUS, éd. Agence Novosti, Moscovo, 1971, pp. 129, 132 e 136. (retornar ao texto)
(10) Idem, ibidem. (retornar ao texto)
(11) Brejnev, Rapport au XXIIIe congrès du PCUS, Moscovo, éd. Novosti, 1966, pp. 127 e 151. (retornar ao texto)
(12) Brejnev, Rapport au XXVe congrès du PCUS, Moscovo, éd. Agence Novosti, p. 96. (retornar ao texto)
(13) Medvedev Jaurès, Andropov au pouvoir, Paris, Flamarion, 1983, p. 7. (retornar ao texto)
(14) Idem, ibidem, pp. 226-227. (retornar ao texto)
(15) Idem, ibidem, p. 104. (retornar ao texto)
(16) Idem, ibidem, p.110. (retornar ao texto)
(17) Brejnev, Rapport XXVe congrès, pp. 110 e 118. (retornar ao texto)
(18) Brejnev, Rapport XXIIIe congrès, p. 174. (retornar ao texto)
(19) Brejnev, Rapport XXIVe congrès, p. 24. (retornar ao texto)
(20) Brejnev, Rapport XXIIIe congrès, p. 8. (retornar ao texto)
(21) Idem, ibidem, pp. 22-23. (retornar ao texto)
(22) Idem, ibidem, p.4. (retornar ao texto)
(23) Brejnev, Rapport XXVe congrès, pp. 22, 24 e 30. (retornar ao texto)
(24) Idem, ibidem. (retornar ao texto)
(25) Brejnev, Rapport XXIVe congrès, p. 144. (retornar ao texto)
(26) Brejnev, Rapport au XXVIe congrès du PCUS, Moscovo, éd. Agence Novosti, 1981, p. 41. (retornar ao texto)
(27) A tese de que a economia civil estava minada pelo sobredimensionamento do sector militar é hoje questionada por vários autores que estudaram os problemas da economia soviética. Ver, por exemplo, Roger Keeran e Thomas Kenny, O Socialismo Traído, Por trás do Colapso da União Soviética, ed. Avante!, Lisboa, 2008. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(28) Medvedev, op. cit., p. 189.(retornar ao texto)
(29) Brejnev, Rapport XXIVe congrès, p. 35. (retornar ao texto)
(30) Idem, ibidem, pp. 21-22. (retornar ao texto)
(31) Brejnev, Rapport XXIIIe congrès, p. 5. (retornar ao texto)
(32) Brejnev, Rapport XXIVe congrès, pp. 183 e 157. (retornar ao texto)
(33) Brejnev, Rapport XXVe congrès, pp. 37-38. (retornar ao texto)
(34) Idem, ibidem, p. 15. (retornar ao texto)
(35) Brejnev, Rapport XXVIe congrès, p. 127. (retornar ao texto)
(36) Idem, ibidem, p. 22. (retornar ao texto)
(37) Idem, ibidem, p. 69. (retornar ao texto)
(38) Idem, ibidem, p. 81. (retornar ao texto)
(39) Idem, ibidem, p. 21. (retornar ao texto)
(40) Idem, ibidem, p. 95 (retornar ao texto)
(41) Nouvelles de Moscou, n.° 3, 1988, p. 4. (retornar ao texto)
(42) Ibidem. (retornar ao texto)
(43) Nouvelles de Moscou, n.° 18, 1988, p. 11. (retornar ao texto)
(44) Nouvelles de Moscou, n.° 51, 17 de Dezembro de 1989, p. 13. [Kolima é uma vasta região no longínquo Nordeste da Sibéria. Importante centro de extracção mineira, foram aí instalados, nos anos 30, campos de trabalho para reclusos. Por isso, a propaganda anticomunista associa infamemente esta região aos tenebrosos fornos crematórios nazis que funcionaram em Auschwitz, na Polónia, durante a II Guerra. (N. Ed.)] (retornar ao texto)
(45) Nouvelles de Moscou, Alexandre Vassinski, n.° 45, 5 de Novembro de 1989, p. 3. (retornar ao texto)
(46) Temps Nouveaux, Léonid Lonine, n.° 42, 1989, p. 35. (retornar ao texto)
(47) Vie Internationale, Junho de 1989, pp. 8 e 12. (retornar ao texto)
(48) Idem, ibidem. (retornar ao texto)
(49) Vie Internationale, A. Kolossovski, conselheiro do vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Agosto de 1989, pp. 43-44-45. (retornar ao texto)
(50) Nouvelles de Moscou, n° 45, 5 de Novembro de 1989, p. 12. (retornar ao texto)
(51) Nouvelles de Moscou, n.° 46, 12 de Novembro de 1990, pp. 8-9, artigo intitulado «Octobre 17». (retornar ao texto)
(52) Vie Internationale, Julho de 1989, p. 37. (retornar ao texto)
(53) Gorbatchev, «La perestroika, le parti, le socialisme», 28 de Setembro de 1989, Pravda, 30 de Setembro de 1989. (retornar ao texto)
(54) Discurso de Gorbatchov no Plenário do CC de 12 de Julho de 1989, Pravda, 14 de Julho de 1989. Discurso de Gorbatchov no II Congresso dos Deputados do Povo, Pravda, 25 de Dezembro de 1989. (retornar ao texto)
(55) Idem, ibidem. (retornar ao texto)
(56) Temps Nouveaux, n.° 52, 1989, p. 36. (retornar ao texto)
(57) Nouvelles de Moscou, Raouchenbakh, n.° 1, 7 de Janeiro de 1990, p. 7 (retornar ao texto)
(58) Ein frohes Fest Deutschland, CAUSA Deutschland, postfach 1320, 5303 Bornheim 1, Dezembro de 1989 p. 25 e 20. (retornar ao texto)
(59) Daily Review, 15 de Setembro de 1989, pp. 5-7. (retornar ao texto)
(60) Temps Nouveaux, n.° 42, 1989, p. 25. (retornar ao texto)
(61) Gorbatchev, discurso no CC, em 25 de Dezembro de 1989. (retornar ao texto)
(62) Idem, ibidem. (retornar ao texto)
(63) Idem, ibidem. (retornar ao texto)
(64) Idem, ibidem. (retornar ao texto)
(65) Vie Internationale, Maio de 1989, pp. 104 e 110. (retornar ao texto)
(66) Temps Nouveaux, n.° 47, 1989, p. 34. (retornar ao texto)
(67) Bulletin Agence Novosti, 24 de Outubro de 1989, p. 1-2. (retornar ao texto)
(68) Idem, ibidem. (retornar ao texto)
(69) Bulletin Novosti, 12 de Dezembro de 1989, pp. 4-5 (retornar ao texto)
(70) The Financial Times, 20 de Novembro de 1989. (retornar ao texto)
(71) Vie Internationale, Agosto de 1989, pp. 48-49, 52. (retornar ao texto)
(72) Idem, ibidem. (retornar ao texto)
(73) Vie Internationale, Março de 1989, p. 67. (retornar ao texto)
(74) Sciences Sociales, Academia das Ciências da URSS, n.° 3, 1989, Viktor Chéinis, p. 148. (retornar ao texto)
(75) Idem, ibidem, p. 158. (retornar ao texto)
(76) Vie Internationale, Agosto de 1989, pp. 48-49, 52. (retornar ao texto)
(77) Le Soir, Robert Job, «La mort honteuse de 900.000 personnes». (retornar ao texto)
(78) Sciences sociales, n.° 3, 1989, pp. 150-151. (retornar ao texto)
(79) Idem, ibidem, p. 141. (retornar ao texto)
(80) Idem, ibidem, pp. 151-152. (retornar ao texto)
(81) Idem, ibidem. (retornar ao texto)
(82) Temps Nouveaux, n.° 1, 1990, Entrevista de Klerk. (retornar ao texto)
(83) Le Monde, 5 e 6 de Janeiro de 1990, «Pik Botha rentre optimiste de Hongrie». (retornar ao texto)
(84) Nouvelles de Moscou, n.° 1, 1990, p. 7. (retornar ao texto)
(85) SED, Sozialistische Einheitspartei Deutschlands, Partido Socialista Unificado da Alemanha (PSUA). (N. Ed.) (retornar ao texto)
(86) Nouvelles de Moscou, n.° 52, 31 de Dezembro de 1990, p. 6. (retornar ao texto)
(87) Moscow News, n° 1, 1990, p. 14-15. (retornar ao texto)
(88) Ibidem. (retornar ao texto)
(89) Ibidem. (retornar ao texto)
(90) Nouvelles de Moscou, n.° 49, 3 de Dezembro de 1989, p. 9. (retornar ao texto)
(91) Ibidem. (retornar ao texto)
(92) Nouvelles de Moscou, n.° 45, 5 de Novembro de 1989, p. 7. (retornar ao texto)
(93) Moscow News, n.° 1, 1990, p. 13. (retornar ao texto)
(94) Nouvelles de Moscou, n.° 50, 10 de Dezembro de 1989, p. 3. (retornar ao texto)
(95) Moscow News, n.° 1, 1990, p. 14 (retornar ao texto)
(96) Temps Nouveaux, n.° 2, 1990, p. 5.(retornar ao texto)
(97) Nouvelles de Moscou, n.° 52, 31 de Dezembro de 1989, pp. 6 e 3. (retornar ao texto)
(98) Temps Nouveaux, n.° 2, 1990, p. 5. (retornar ao texto)
(99) Moscow News, n° 1, 1990, p. 14. (retornar ao texto)
(100) Le Monde, 9 de Janeiro de 1990. (retornar ao texto)
(101) Bulletin A.P. Novosti, 25 de Janeiro de 1990, p. 1. (retornar ao texto)
(102) Temps Nouveaux, n.° 52, 1989, p. 26. (retornar ao texto)
(103) Bulletin A.P. Novosti, 14 de Dezembro de 1989, p. 2. (retornar ao texto)
Inclusão | 04/04/2013 |
Última atualização | 14/04/2014 |