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(6) Este talvez seja um ponto apropriado a explicar e substanciar o que foi dito, e a tecer certos comentários gerais a respeito da dialética de Hegel, especialmente como se acha exposta na Fenomenologia e na Lógica, e a respeito de sua relação com o moderno movimento crítico.
A crítica alemã moderna tem estado tão preocupada com o passado, e tão tolhida por seu enredamento com o tema, que tinha uma atitude totalmente pouco crítica face aos métodos de crítica e ignorava completamente a pergunta, em parte formal, mas de fato essencial qual nossa posição relativamente à dialética hegeliana? Essa ignorância da relação da crítica moderna com a filosofia geral de Hegel, e em particular com a dialética, era tão grande que críticos como Strauss e Bruno Bauer (o primeiro em todos os seus trabalhos; o último em seu Synoptiker, onde em oposição a Strauss, ele substitui a "autoconsciência" do homem abstrato pela substância da - "natureza abstrata", e mesmo em Das entdeckte Christentum) viram-se, pelo menos implicitamente, presos na armadilha da lógica hegeliana. Assim, por exemplo, em Das entdeckte Christentum, argumenta-se: "Como se a autoconsciência ao postular o mundo, o que é diferente, não se produzisse a si mesma ao produzir seu objeto; pois então ela anula a diferença entre si mesma e o que produziu, já que só tem existência nessa criação e movimento, só tem sua finalidade nesse movimento, etc." Ou então: "Eles (os materialistas franceses) não podiam ver que o movimento do universo só se tornou real e unificado em si mesmo na medida em que é o movimento da autoconsciência." Essas expressões não só não diferem do conceito hegeliano, como o reproduzem textualmente.
(XII) Quão pouco esses autores, ao empreenderem sua crítica (Bauer em seu Synoptiker) se davam conta de sua relação com a dialética de Hegel, e quão pouco essa percepção brotou de sua crítica, é demonstrado por Bauer em seu Gute Sache der Freiheit quando, em vez de responder à pergunta indiscreta feita por Gruppe, "E agora, o que fazer com a lógica?", ele a transfere a futuros críticos.
Agora que Feuerbach, em sua "Thesen" em Anecdotis, e com maior minúcia em sua Philosophie der Zukunft, demoliu o princípio interior da dialética e da filosofia antigas, a "Escola Crítica", que foi incapaz de fazer isso por si mesma mas viu-o realizado, proclamou-se a crítica pura, decisiva, absoluta e finalmente esclarecida, e em sua soberba espiritual reduziu todo o movimento histórico à relação existente entre ela mesma e o resto do mundo, enquadrado na categoria de a massa". Ela reduziu todas as antíteses dogmáticas a única antítese dogmática entre sua própria sagacidade e a estupidez do mundo, entre o Cristo crítico e a humanidade - a ralé. Em todos os instantes do dia, demonstrou sua própria excelência vis-à-vis a estultícia da massa, e anunciou, finalmente, o juízo final crítico, proclamando estar iminente o dia em que toda a humanidade decaída se reunirá diante dela e será dividida em grupos, a cada um dos quais será entregue o respectivo testimoniu paupertatis (certificado de pobreza). A Escola Critica tornou pública sua superioridade sobre todos os sentimentos humanos e o mundo, acima do qual ela está sentada num trono em sublime solidão, contente de ocasional mente deixar escapar dos lábios o riso dos deuses do Olimpo. Após todas essas momices divertidas do idealismo (do Jovem Hegelianismo) que está expirando sob a forma de crítica, a Escola Crítica ainda nem insinuou até agora ser necessário examinar criticamente sua própria fonte, a dialética de Hegel, nem deu qualquer indicação de sua relação com a dialética de Feuerbach. Esse é um procedimento completamente desprovido de senso crítico.
Feuerbaché a única pessoa que tem uma relação séria e critica com a dialética de Hegel, efetuou descobrimentos verdadeiros nesse campo e, acima de tudo, levou de vencida a velha filosofia. A grandeza do feito de Feuerbach e a modesta simplicidade com que apresenta sua obra ao mundo, contrastam incrivelmente com a conduta de outros:
A grande realização de Feuerbach é:
(1) ter mostrado a filosofia nada mais ser do que a religião trazida para o pensamento e desenvolvida por este, de vendo ser igualmente condenada como outra forma e modo de existência da alienação humana;
(2) ter lançado os fundamentos do materialismo genuíno e da ciência positiva, ao fazer da relação social de "homem com homem" o principio básico de sua teoria;
(3) ter-se oposto à negação da negação que alega ser o positivo absoluto um princípio auto-suficiente, positivamente baseado em si mesmo.
Feuerbach explica a dialética de Hegel e, ao mesmo tempo, justifica a adoção do fenômeno positivo, aquele que é perceptível e indubitável, como ponto de partida, da seguinte maneira: Hegel principia pela alienação da substância (logicamente, pelo infinito, pelo universal abstrato), pela abstração absoluta e fixa; i. é, em linguagem comum, pela religião e pela teologia. Em segundo lugar, cancela o infinito e postula o real, o perceptível, o finito e o particular. (Filosofia, cancelamento da religião e da teologia.) Em terceiro lugar, a seguir revoga o positivo e restabelece a abstração, o infinito. (Restabelecimento da religião e da teologia.)
Destarte, Feuerbach concebe a negação da negação como sendo apenas uma contradição dentro da própria filosofia, que afirma a teologia (transcendência, etc.) após tê-la anulado, e assim a afirma em oposição à filosofia.
Pois o postulado ou auto-afirmação e autoconfirmação implícito na negação da negação é encarado como um postulado ainda incerto, oprimido pelo seu contrário, duvidando de si mesmo e por isso incompleto, não demonstrado por sua própria existência, e implícito. (XIII) O postulado perceptualmente indubitável e alicerçado em si mesmo, opõe-se-lhe diretamente.
Ao conceber a negação da negação, sob o aspecto da relação positiva a ela inerente, como a única verdadeiramente positiva, e sob o aspecto da relação negativa a ela inerente, como o único ato verdadeiro, e que se confirma a si próprio, de todo o ser, Hegel descobriu simplesmente uma expressão abstrata, lógica e especulativa do processo histórico, que ainda não é a verdadeira história do homem como um dado sujeito, mas apenas a história do ato de criação, da gênese do homem.
Explicaremos tanto a forma abstrata desse processo quanto a diferença entre o processo como foi ideado por Hegel e pela crítica moderna, e por Feuerbach em Das Wesen des Christentums; ou melhor, a forma crítica desse processo, ainda tão pouco crítico em Hegel.
Examinemos o sistema de Hegel. É necessário começar pela Fenomenologia, porque aí nasceu a filosofia de Hegel e aí seu segredo tem de ser descoberto.
Fenomenologia
A. Autoconsciência
1. Consciência.
(a) Certeza da experiência sensorial, ou o "isto" e o significado.
(b) Percepção, ou a coisa com suas propriedades, e ilusão.
(c) Poder e compreensão, fenômenos e o mundo supra-sensível.
II. Autoconsciência. A verdade da certeza de si mesmo.
(a) Independência e dependência da autoconsciência, dominação e servidão.
(b) Liberdade da autoconsciência. Estoicismo, ceticismo, a consciência infeliz.
III. Razão. Certeza e verdade da razão.
(a) Razão perceptível: observação da natureza e da autoconsciência.
(b) Auto-realização da autoconsciência racional. Prazer e necessidade. A lei do coração e o frenesi da vaidade. A virtude e a trajetória do mundo.
(c) A individualidade que é real em si e para si mesma. O reino animal espiritual e a burla, ou a própria coisa. Razão legislativa. Razão que põe à prova as leis.
B. Espirito
I- Espírito verdadeiro; moral consuetudinária.
II- Espírito auto-alienado; cultura.
III- O espírito certo de si mesmo; moral.
C. Religião
Religião natural, a religião da arte, religião revelada.
D. Conhecimento absoluto.
A Encyclopaedia de Hegel começa com a lógica, com o pensamento especulativo puro, e termina com o conhecimento absoluto, a inteligência filosófica ou absoluta, autoconsciente e capaz de conceber a si mesma, i. é, a inteligência sobre-humana, abstrata. O conjunto da Encyclopaedia nada mais é que o ser prolongado da inteligência filosófica, sua auto-objetificação; e a inteligência filosófica nada mais é do que a inteligência alienada do mundo pensando dentro dos limites de sua auto-alienação, i. é., concebendo-se a si mesma de forma abstrata. A lógica é o dinheiro da mente, o valor-pensamento especulativo do homem e da natureza cuja essência é indiferente a qualquer caráter real determinado e, portanto, irreal; o pensamento que é alienado e abstrato e ignora o homem e a natureza reais. O caráter externo desse pensamento abstrato. . . a natureza como existe para esse pensamento abstrato. A natureza é externa a ele, uma privação dele mesmo, e só concebida como algo externo, como pensamento abstrato, mas pensamento abstrato alienado. Finalmente, o espírito, esse pensamento retornando à própria origem e que, como espírito antropológico, fenomenológico, psicológico, consuetudinário, artístico-religioso, não é válido para si mesmo até se descobrir e relacionar-se com conhecimento absoluto no espírito absoluto (i. é, abstrato), quando recebe sua existência consciente e adequada. Pois seu verdadeiro modo de existência é a abstração.
Hegel comete um duplo erro. O primeiro aparece mais claramente na Fenomenologia o berço de sua filosofia. Quando Hegel concebe a riqueza, o poder do Estado, etc., como entidades alienadas do ser humano, ele as concebe somente em sua forma de noções. Elas são entes de razão e, assim, simplesmente uma alienação do pensamento puro (i. é, filosófico abstrato). O movimento inteiro, por conseguinte, acaba no conhecimento absoluto. É exatamente o pensamento abstrato de que esses objetos se acham alienados e enfrentam com sua presunçosa realidade. O filósofo, ele próprio uma forma abstrata de homem alienado, instala-se a si mesmo como a medida do mundo alienado. Toda a história da alienação, e do retraimento da alienação, portanto, é apenas a história da produção de pensamento abstrato, i. é, de pensamento absoluto, lógico, especulativo. O alheamento, que assim forma o verdadeiro interesse dessa alienação e da revogação dessa alienação, é a oposição de em si e para si, de consciência e autoconsciência, de objeto e sujeito, i. é, a oposição, no próprio pensamento, entre pensamento abstrato e realidade sensível ou existência sensorial real. Todas as outras contradições e movimentos são a mera aparência, a máscara, a forma exotérica desses dois opostos, os únicos importantes e que constituem a significância do outro, contradições profanas. Não é o fato de o ser humano objetificar-se desumanamente, em oposição a si mesmo, mas o de ele objetificar-se distinguindo-se e opondo-se ao pensamento abstrato, que constitui alienação como existe e como tem de ser transcendida.
(XVIII) A apropriação das faculdades objetificadas e alienadas do homem é, pois, em primeiro lugar, apenas uma apropriação efetuada na consciência, no pensamento puro, i. é, em abstração. E a apropriação desses objetos como pensamentos e como movimentos do pensamento. Por essa razão, a despeito de sua aparência perfeitamente negativa e crítica, e a despeito da critica genuína nela encerrada freqüentemente antecipar progressos ulteriores, já estão implícitos na Fenomenologia, como germe, potencialidade e segredo, o positivismo e idealismo não-críticos de obras posteriores de Hegel - a dissolução filosófica e restauração do mundo empírico existente. Em segundo lugar, a defesa do mundo objetivo para o homem (por exemplo, o reconhecimento da percepção dos sentidos não ser percepção sensorial abstrata, mas percepção sensorial humana, de a religião, a riqueza, etc., serem apenas a realidade alienada da objetificação humana, de faculdades humanas postas em ação e, portanto, um caminho para a realidade humana genuína), essa apropriação, ou o discernimento desse processo, aparece em Hegel como o reconhecimento do sensacionalismo, religião, poder estatal, etc., como fenômenos mentais, pois só a mente é a verdadeira essência do homem, e a verdadeira forma da mente é a mente pensante, a mente lógica e especulativa. O caráter humano da natureza, da natureza produzida historicamente, dos produtos do homem, é demonstrado por eles serem produtos da mente abstrata e, pois, fases da mente, entes de razão. A Fenomenologia é uma crítica velada, obscura e mistificadora, mas, na medida em que concebe a alienação do homem (conquanto o homem apareça exclusivamente como mente) todos os elementos da crítica acham-se nela contidos, e são amiúde apresentados e trabalhados de forma que ultrapassa de longe o ponto de vista do próprio Hegel. As seções dedicadas à consciência infeliz", à "consciência honesta", à porfia entre a consciência "nobre" e a "vil", etc., etc., encerram os elementos críticos (se bem que ainda sob forma alienada) de áreas inteiras, como a religião, o Estado, a vida civil, etc. Assim como a entidade, o objeto, aparece como um ente de razão, também o sujeito é sempre a consciência ou autoconsciência; ou melhor, o objeto aparece apenas como consciência abstrata e o homem como autoconsciência. Assim, as formas distintivas da alienação manifestadas são meras formas diferentes de consciência e autoconsciência. Com a consciência abstrata (a forma em que o objeto é concebido) é em si mesma unicamente um momento distintivo da autoconsciência, o resultado do movimento é a identidade de autoconsciência e consciência - conhecimento absoluto - o movimento do pensamento abstrato não se voltando para fora, mas para dentro de si mesmo; i. é, daí resulta a dialética do pensamento puro.
(XXIII) A proeza extraordinária da Fenomenologia de Hegel - a dialética do negativismo como principio motor e criador - é, primeiramente, Hegel perceber a autocriação do homem como um processo, a objetificação como perda do objeto, como alienação e transcendência dessa alienação, e, por isso, perceber a natureza do trabalho, e conceber o homem objetivo (verdadeiro, porque real) como o resultado de seu próprio trabalho. A orientação real, ativa, do homem para si mesmo como ente-espécie, ou a afirmação de si mesmo como verdadeiro ente-espécie (i. é, como ser humano) só é possível na medida em que ele de fato põe em ação todas as potencialidades da espécie (o que somente é possivel graças à cooperação da humanidade e como produto da História) e trata esses poderes como objetos, o que de inicio só pode ser feito sob a forma de alienação.
Mostraremos, a seguir, pormenorizadamente, o unilateralismo e as limitações de Hegel, como são revelados no capitulo final de sua Fenomenologia sobre o conhecimento absoluto, capítulo esse que contém o espírito concentrado de todo o livro, sua relação com a dialética, e também a consciência do próprio Hegel quanto a ambas e à sua inter-relação.
No momento, façamos estas observações preliminares: o ponto de vista de Hegel é o da moderna Economia Política. Ele concebe o trabalho como a essência, a essência autoconfirmadora do homem; observa somente o aspecto positivo do trabalho, não o seu aspecto negativo. O trabalho é a marcha do homem para se tornar ele próprio dentro da alienação, ou como homem alienado. Assim, o que acima de tudo constitui a essência da filosofia, a alienação do homem conhecendo-se a si mesmo, ou a ciência alienada concebendo-se a si mesma, Hegel percebe como essência dela. Consequentemente, ele fica em condições de reunir os elementos separados da filosofia anterior e apresentar a sua própria como sendo a Filosofia. O que outros filósofos fizeram, isto é, conceber elementos isolados da natureza e da vida humana, como fases da autoconsciência e, deveras, da autoconsciência abstrata, Hegel sabe por fazer filosofia; por conseguinte, sua ciência é absoluta.
Passemos agora ao nosso tema:
Conhecimento absoluto
O capítulo final da Fenomenologia
O ponto capital é o objeto da consciência nada mais ser do que autoconsciência, o objeto ser apenas autoconsciência objetificada, autoconsciência como um objeto. (Homem que postula = autoconsciência.)
É necessário, pois, vencer o objeto da consciência. A objetividade como tal é considerada apenas uma relação humana alienada não correspondente à essência do homem, a autoconsciência. A reapropriação da essência objetiva do homem, produzida como algo alheio ao homem e determinado pela alienação, significa a revogação não só da alienação mas também da objetividade; isto é, o homem é visto como um ser não-objetivo, espiritual.
A processo de superação do objeto da consciência é descrito por Hegel da seguinte maneira: o objeto não se revela apenas como retornando ao Eu (segundo Hegel, essa é uma concepção unilateral do movimento, considerando somente um aspecto). O homem e igualado ao eu. O Eu, no entanto, é apenas o homem concebido abstratamente e produzido por abstração. O homem é auto-referível. Seu olho, seu ouvido, etc., são auto-referíveis; todas as suas faculdades possuem essa qualidade de auto-referência. É inteiramente falso, todavia, dizer, por isso, "A autoconsciência tem olhos, ouvidos, faculdades." A autoconsciência é antes uma qualidade da natureza humana, do olho humano, etc.; a natureza humana não e uma qualidade da (XXIV) autoconsciência.
O Eu, abstraído e determinado por si mesmo, é o homem como um egoísta abstrato, egoísmo puramente abstrato elevado ao plano do pensamento. (Voltaremos a esse ponto mais adiante.)
Para Hegel, a vida humana, o homem, é equivalente a autoconsciência. Toda a alienação da vida humana é, assim, nada mais que alienação da autoconsciência. A alienação da autoconsciência não é vista como a expressão, refletida no conhecimento e no pensamento, da verdadeira alienação da vida humana. Ao invés, a alienação efetiva, que parece real, em sua mais íntima natureza oculta (que é pela primeira vez desvendada pela filosofia) é apenas a existência fenomenal da alienação da vida humana real, da autoconsciência. A ciência que abrange isso é, por conseguinte, denominada Fenomenologia. Toda reapropriação da vida objetiva alienada aparece, assim, como uma incorporação à autoconsciência. A pessoa que se apodera do ser humano é apenas a autoconsciência que se apodera do ser objetivo; a volta do objeto para dentro do Eu, portanto, é a reapropriação do objeto.
Expressa de maneira mais lata, a revogação do objeto da consciência significa: (1) que o objeto como tal se apresenta à consciência como algo que desaparece; (2) que é a alienação da autoconsciência que estabelece o característico de "coisa"; (3) que essa alienação tem significado positivo assim como negativo; (4) que ela tem esse significado não apenas para nós ou em si, mas também para a própria autoconsciência; (5) que para a autoconsciência a negação do objeto, sua revogação, tem significado positivo, ou a autoconsciência conhece a nulidade do objeto porquanto ela se aliena a si mesma, pois nessa alienação ela se estabelece como objeto ou, em prol da união indivisível de existir por si mesma, estabelece o objeto como ela própria; (6) que, por outro lado, esse outro "momento" está igualmente presente, a auto consciência revogou e reabsorveu essa alienação objetivamente, e está, assim, em casa em seu outro ser como tal; (7) que esse e o movimento da consciência, e esta é, então, a totalidade de seus "momentos"; (8) que, analogamente, a consciência deve ter-se relacionado com o objeto em todas as suas determinações, e tê-lo concebido em função de cada uma delas. Essa totalidade de determinações faz o objeto intrinsecamente, um ser espiritual, e ele se torna assim, deveras, para a consciência, pela apreensão de cada uma dessas determinações como o Eu, ou pelo que foi anteriormente chamado de atitude espiritual para com elas.
ad (1) Que o objeto como tal se apresenta à consciência como algo que desaparece, é a acima mencionada volta do objeto para o Eu.
ad (2) A alienação da autoconsciência estabelece o característico de "coisa". Porque o homem se iguala à autoconsciência, seu ser objetivo alienado ou "coisa" e equivalente à autoconsciência alienada, e essa alienação estabelece a situação de "coisa". ("Coisa" é o que é um objeto para ele, e um objeto para ele só é realmente aquilo que é um objeto essencial, consequentemente essência objetiva dele mesmo. E como ela não é o homem verdadeiro, nem sua natureza - o homem sendo natureza humana - que se torna como tal um sujeito, mas apenas uma abstração do homem, a autoconsciência, a "coisa" só pode ser autoconsciência alienada.) É bem compreensível um ser natural, vivo, dotado de faculdades objetivas (i. é, materiais) ter objetos naturais reais de seu ser, e igualmente sua auto-alienação ser o estabelecimento de um mundo objetivo, real, mas sob a forma de exterioridade, como um mundo que não pertence a, e domina, o seu ser. Nada há de ininteligível ou de misterioso acerca disso. O inverso, sim, seria misterioso. Mas, é igualmente claro que uma autoconsciência, i. é, sua alienação, só pode estabelecer a situação de "coisa", i. é, somente uma coisa abstrata, uma coisa criada pela abstração e não uma coisa real. É claro (XXVI), ademais, que a situação de "coisa" carece totalmente de independência, em ser, vis-à-vis, a autoconsciência; e um mero construto estabelecido pela autoconsciência. E o que é estabelecido não é confirmável por si mesmo; é a confirmação do ato de estabelecimento que, por um instante, e só por um instante, fixa sua energia como produto e, aparentemente, confere-lhe o papel de ser independente e real.
Quando o homem real, corpóreo, com os pés firmemente plantados no chão, aspirando e expirando todas as forças da natureza, postula suas faculdades objetivas reais, como resultado de sua alienação, como objetos alienados, o postulador não é o sujeito desse ato mas a subjetividade da faculdade objetiva cuja ação, pois, também deve ser objetiva. Um ser objetivo age objetivamente, e não agiria objetivamente se a objetividade não fizesse parte de seu ser essencial. Ele cria e estabelece apenas objetos porque é estabelecido por objetos e porque é fundamentalmente natural. No ato de estabelecer, não desce de sua "atividade pura" para a criação de objetos; seu produto objetivo simplesmente confirma sua atividade objetiva, sua atividade como ser natural, objetivo.
Vemos aqui como o naturalismo ou humanismo coerente se distingue tanto do idealismo como do materialismo e, ao mesmo tempo, constitui a sua verdade unificadora. Vemos, também, como só o naturalismo está em condições de compreender o processo da história mundial.
O homem é diretamente um ser natural. Como tal, e como ser natural vivo, ele é, de um lado, dotado de poderes e forças naturais, nele existentes como tendências e habilidades, como impulsos. Por outro lado, como ser natural, dota dotado de corpo, sensível e objetivo, ele é um ser sofredor, condicionado e limitado, como os animais e vegetais. Os objetos de seus impulsos existem fora dele como objetos dele independentes; sem embargo, são objetos das necessidades dele, objetos essenciais indispensáveis ao exercício e a confirmação de suas faculdades. O fato de o homem ser dotado de corpo, vivo, real, sensível e objetivo, com poderes naturais, significa ter objetos reais e sensíveis como objetos de seu ser, ou só poder expressar seu ser em objetos reais e sensíveis. Ser objetivo, natural, sensível e, ao mesmo tempo, ter objeto, natureza e sentidos fora de si mesmo, ou ser ele mesmo objeto, natureza e sentidos para um terceiro, é a mesma coisa. A fome é uma necessidade natural; ela exige, portanto, uma natureza a ela extrínseca, um objeto a ela extrínseco, a fim de ser satisfeita e aplacada. A fome e a necessidade objetiva que um corpo tem de um objeto existente fora dele e essencial para sua integração e a expressão de sua natureza. O sol é um objeto, um objeto necessário e assegurador de vida para a planta, tal como a planta é um objeto para o sol, uma expressão do poder vivificador e dos poderes essenciais objetivos do sol.
Um ser que não tenha sua natureza fora de si mesmo não é um ser natural e não compartilha da existência da natureza. Um ser sem objeto fora de si mesmo não é um ser objetivo. Um ser que não seja, ele próprio, o objeto para um terceiro ser, não possui ser para seu objeto, i. é, não é relacionado objetivamente e seu ser não é objetivo.
(XXVII) Um ser não-objetivo é um não-ser. Suponhamos um ser que não seja objeto por si mesmo nem tenha objeto. Em primeiro lugar, um ser assim seria o único ser; nenhum outro existiria fora dêle, e êle estaria sôzinho e solitário. Pois, desde que existam objetos fora de mim, logo que eu não esteja só, sou um outro, uma outra realidade com relação ao objeto exterior a mim. Para êsse terceiro objeto, portanto, sou uma outra realidade, que não é, i. é, o objeto dele. Supor um ser que não é objeto de outro, seria supor não existir ser objetivo nenhum. Logo que tenho um objeto, êsse objeto tem a mim para objeto dêle. Um ser não-objetivo, porém, é um ser irreal, insensível, meramente concebido; i. e, um ser simplesmente imaginado, uma abstração. Ser sensorial, i. é, real, é ser um objeto dos sentidos ou objeto sensorial e, pois, ter objetos sensoriais fora de si mesmo, obje tos de suas próprias sensações. Ser sensível é sofrer (expe rienciar).
O homem, como ser sensível objetivo, é um ser sofredor, e como sente seu sofrimento, um ser apaixonado. A paixão é o esfôrço das faculdades do homem para atingirem seu objetivo.
Contudo, o homem não é apenas um ser natural; êle é um ser natural humano. Ele é um ser por si mesmo e, portanto, um ente-espécie; como tal, tem de expressar-se e autenticar-se ao ser assim como ao pensar. Consequentemente, os objetos humanos não são objetos naturais como se apresentam diretamente, nem é o sentido humano, como é dado imediata e objetivamente, sensibilidade e objetividade humanas. Nem a natureza objetiva nem a subjetiva são apresentadas diretamente de forma adequada ao ser humano. E como tudo o que é natural tem de ter uma origem, o homem tem então seu processo de gênese, a História, que é para êle, entretanto, um processo consciente e, portanto, conscientemente autotranscendente. (Voltaremos a isso mais tarde.)
Em terceiro lugar, como êsse estabelecimento da situação de "coisa" e em si mesmo so' mente uma aparência, um ato que contradiz a natureza da atividade pura, tem de ser novamente anulado e a situação de "coisa" tem de ser negada.
ad 3, 4, 5, 6. (3) Essa alienação da consciência não tem só significado negativo, mas também positivo, e (4) tem êsse significado positivo não apenas para nós ou em si mesma, mas para a própria consciência. (5) Para a consciência a negação do objeto, ou sua anulação de si mesmo por êsse meio, tem significado positivo; ela sabe da nulidade do objeto pelo fato de alienar-se a si mesma, porque nesta alienação ela se conhece como o objeto ou, em benefício da união indivisível do ser-para-si-mesmo, conhece o objeto como êle próprio. (6) Por outro lado, êsse outro "momento" está igualmente presente, em que a consciência revogou e reabsorveu essa alienação e objetividade e está, assim, em casa em seu outro ser como tal.
Já vimos que a apropriação do ser objetivo alienado, ou a revogação da objetividade na situação de alienação (que tem de evoluir da não-identidade indiferente para a alienação antagônica de verdade) significa para Hegel, também, ou primordialmente, a revogação da objetividade, uma vez que não é o caráter determinado do objeto mas seu caráter objetivo que é o próbrio da alienação para a autoconsciência. O objeto, portanto, é negativo, auto-anulador, uma nulidade. Essa nulidade do objeto tem significado positivo, assim como negativo, para a consciência, pois êle é a autoconfirmação da não-objetividade, (XXVIII) o caráter abstrato dêle mesmo. Para a própria consciência, por conseguinte, a nulidade do objeto tem significado positivo por ela conhecer essa nulidade, ser objetivo, como sua auto-alienação, e saber que essa nulidade só existe graças à sua auto-alienação. . .
O modo em que a consciência é, e em que algo é para ela, o conhecimento. Conhecer é sua única ação. Assim, algo chega a existir para a consciência na medida em que ela conhece esse algo. Conhecer e sua única relação objetiva. Ela conhece (ou sabe), então, a nulidade do objeto (i. é, sabe a não-existência da distinção entre si mesma e o objeto, a não-existência do objeto para ela) por ela conhecer o objeto como sua auto-alienação. Isso quer dizer, ela conhece a si mesma (conhece, conhecendo como um objeto) porque o objeto é apenas uma imagem de um objeto, uma ilusão, que intrinsecamente nada é senão o conhecer-se que se defrontou consigo mesmo, estabeleceu em face de si mesmo uma nulidade, um "algo" que não tem existência objetiva fora do próprio conhecimento. O saber sabe que ao se relacionar com um objeto está apenas fora de si mesmo, aliena-se, e que ele só lhe parece como um objeto; ou, por outras palavras, que aquilo que lhe aparece como objeto é apenas ele próprio.
Por outro lado, Hegel diz, esse momento" está presente ao mesmo tempo; ou seja, que a consciência igualmente revogou e reabsorveu essa alienação e objetividade e, consequentemente, está em casa em seu outro ser como tal. Neste exame, todas as ilusões da especulação acham-se congregadas.
Primeiro, a consciência - autoconsciência - está em casa em seu outro ser como tal. Ela está, portanto - se nos abstrairmos da abstração de Hegel e substituirmos a autoconsciência por autoconsciência do homem - em casa em seu outro ser como tal. Isso subentende, primeiramente, que a consciência (saber como saber, pensamento como pensamento) alega ser diretamente o outro de si mesma, o mundo sensorial, a realidade, a vida; é o pensamento ultrapassando-se a si mesmo em pensamento (Feuerbach). Este aspecto é nela contido, na medida em que a consciência como mera consciência não é afrontada pela objetividade alienada mas pela objetividade como tal.
Em segundo lugar, isso implica no homem autoconsciente, na medida em que tenha reconhecido e revogado o mundo espiritual (ou o mundo espiritual universal de existência de seu mundo) o confirmar, a seguir, novamente, nessa forma alienada e apresentá-lo como sua existência verídica; ele o restabelece e alega estar em casa em seu outro ser. Assim, por exemplo, após revogar a religião, quando a reconheceu como produto da auto-alienação, em seguida ele encontra uma confirmação de si mesmo na religião como religião. Essa é a raiz do falso positivismo de Hegel, ou de sua meramente aparente crítica; o que Feuerbach denomina de pressuposto, negação e restabelecimento da religião ou teologia, mas que tem de ser concebido de maneira mais generalizada. Assim, a razão está em casa no absurdo como tal. O homem, que reconheceu estar levando uma vida alienada no direito, política, etc., vive sua vida verdadeiramente humana nessa vida alienada como tal. A auto-afirmação, em contradição consigo mesma, e com o conhecimento e a natureza do objeto, é, pois, o verdadeiro conhecimento e vida.
Não pode haver mais dúvida acerca da transigência de Hegel com a religião, o Estado, etc., pois esta mentira é a mentira de toda sua argumentação.
(XXIX) Se conheço a religião como autoconsciência humana alienada, o que conheço nela como religião não é minha autoconsciência, porém minha autoconsciência alienada nela confirmada. Assim, meu próprio eu, e a autoconsciência que e a essência dele, não são confirmados na religião, mas na abolição e revogação da religião.
Em Hegel, portanto, a negação da negação não é a confirmação do verdadeiro ser pela negação do ser ilusório. E a confirmação do ser ilusório, ou do ser auto-alienado em sua negação; ou o repúdio desse ser ilusório como ser objetivo existente fora do homem e independentemente dele, e sua transformação em sujeito.
O ato de revogação desempenha parte estranha, onde repúdio e preservação, repúdio e afirmação, se acham entre-laçados. Assim, por exemplo, na Filosofia do Direito de Hegel, o direito privado revogado é igual à moral, a moral revogada igual à família, a família revogada igual à sociedade civil, a sociedade civil revogada igual ao Estado e o Estado revogado igual à história mundial. Mas, concretamente, direito privado, moral, a família, a sociedade civil, o Estado, etc., permanecem; só se transformaram em "momentos", modos da existência do homem, sem validade quando isolados mas que mutuamente se dissolvem e geram um ao outro. Eles são momentos do movimento.
Em sua existência efetiva, essa natureza móvel é escondida. E pela primeira vez revelada no pensamento, na filosofia em conseqüência, minha verdadeira existência religiosa e minha existência na filosofia da religião, minha verdadeira existência política é minha existência na filosofia do Direito, minha verdadeira existência natural é minha existência na filosofia da natureza, minha verdadeira existência artística é minha existência na filosofia da arte, e minha verdadeira existência humana é minha existência na filosofia. Da mesma maneira, a verdadeira existência da religião, do Estado, da natureza e da arte, é a filosofia da religião do Estado, da natureza e da arte. Mas, se a filosofia da religião é a única existência verdadeira da religião, só sou verdadeiramente religioso como filósofo da religião, e contesto o sentimento religioso efetivo e o homem religioso concreto. Ao mesmo tempo, entretanto, eu os confirmo, em parte por minha própria existência ou na existência alienada com que os enfrento (pois essa é apenas, a expressão filosófica deles), e em parte em sua própria forma original, desde que são para mim o meramente aparente outro ser, alegorias, os contornos de sua verdadeira existência própria (i. é, de minha existência filosófica) disfarçada por cortinas sensoriais.
Da mesma maneira, a qualidade revogada é igual a quantidade, a quantidade revogada igual a medida, medida revogada igual a ser, ser revogado igual a ser fenomenal, ser fenomenal revogado igual a realidade, realidade revogada igual a conceito, conceito revogado igual a objetividade, objetividade revogada igual a idéia absoluta, idéia absoluta revogada igual a natureza, natureza revogada igual a espírito subjetivo, espírito subjetivo revogado igual a espírito objetivo ético, espírito objetivo ético revogado igual a arte, arte revogada igual a religião, e religião igual a conhecimento absoluto.
Por outro lado, essa revogação é a de um ente de razão; assim, a propriedade privada como pensamento é revogada pelo pensamento de moral. E mesmo que o pensamento imagina ser ele mesmo, sem intermediário, o outro aspecto de si mesmo, ou seja, a realidade sensorial, e considera sua própria ação como sendo ação real, sensorial, essa revogação em pensamento, que deixa seu objeto existindo no mundo real, acredita ter ela mesmo realmente superado ele. Por outro lado, como o objeto agora se tornou para ela um "momento" do pensamento, ele e encarado em sua existência real como confirmação do pensamento, da autoconsciência, da abstração.
(XXX) Sob um aspecto, portanto, o existente que Hegel revoga em filosofia não é a religião, Estado ou natureza real, mas a própria religião como objeto do conhecimento, i. é, a dogmática; e analogamente com a jurisprudência, a ciência política e a ciência natural. Sob este aspecto, pois, ele se coloca em oposição tanto ao ser real quanto à ciência direta, não-filosófica (ou os conceitos não-filosóficos) desse ser. Logo, ele contradiz os conceitos convencionais.
Sob o outro aspecto, o homem religioso, etc., pode encontrar em Hegel sua confirmação definitiva. (a) A revogação como movimento objetivo que reabsorve a alienação em si mesma. Este é o discernimento, expresso dentro da alienação, na apropriação do ser objetivo graças à revogação de sua alienação. E o discernimento alienado da objetificação real do homem, da apropriação real de seu ser objetivo pela destruição do caráter alienado do mundo objetivo, pela anulação de seu modo alienado de existência. Da mesma maneira, o ateísmo como anulação de Deus é o surgimento do humanismo teórico, e o comunismo como anulação da propriedade privada é a defesa da vida humana real como propriedade do homem. O último é, também, o surto do humanismo prático, pois o ateísmo é o humanismo atingido por intermédio da anulação da religião, ao passo que o comunismo é o humanismo atingido mediante a anulação da propriedade privada. Só pela revogação desse intermediário (que, no entanto, é condição prévia indispensável) pode aparecer o humanismo positivo autogerado.
O ateísmo e o comunismo, entretanto, não são uma fuga ou abstração, ou ainda perda, do mundo objetivo, que os homens criaram pela objetificação de suas faculdades. Eles não são um retrocesso empobrecido à primitiva simplicidade antinatural. São, antes, o primeiro surto real, a legítima concretização, da natureza do homem como algo real.
Hegel, pois, pelo fato de ver o significado positivo da negação auto-referível (apesar de sob forma alienada), concebe o auto-alheamento do homem, sua alienação do ser, perda de objetividade e realidade, como autodescoberta, mudança de natureza, objetificação e realização. Em resumo, Hegel concebe o trabalho como o ato de autocriação do homem (embora em termos abstratos); ele percebe a relação do homem consigo mesmo como um ser alienado e o aparecimento da consciência de espécie e da vida-espécie como a demonstração de seu ser alienado.
(b) Em Hegel, porém, à parte da, ou antes, como conseqüência da inversão já descrita por nós, esse ato de gênese surge, antes de mais nada, como ato meramente formal, por ser abstrato e por ser a própria natureza humana tratada como natureza abstrata, pensante, como autoconsciência.
Em segundo lugar, por ser formal e abstrata a concepção, a anulação da alienação torna-se confirmação da alienação. Para Hegel, esse movimento de autocriação e auto-objetificação, sob a forma de auto-alheamento, é a expressão absoluta, e por isso final, da vida humana, que tem seu fim em si mesma, está em paz consigo mesma e unida à sua própria natureza.
Esse movimento, em sua forma abstrata (XXXI) como dialética, é então visto como vida humana verdadeira, mas como, sem embargo, é uma abstração, uma alienação da vida humana, é visto como processo divino e, portanto, o processo divino da humanidade; é um processo por que passa o ser abstrato, puro e absoluto do homem, e não ele próprio.
Em terceiro lugar, esse processo tem de ter um portador, um sujeito, mas este emerge inicialmente como um resultado. Este resultado, o sujeito conhecer-se a si mesmo como autoconsciência absoluta, é portanto Deus, o espírito absoluto, a idéia que se conhece e se manifesta por si mesma. O homem real e a natureza real convertem-se em meros predicados, símbolos desse homem e natureza irreais e ocultos. Sujeito e predicado, por conseguinte, têm uma relação inversa entre si; um sujeito-objeto místico, ou uma subjetividade que ultra passa o objeto, o sujeito absoluto como processo de auto-alienação e o retorno da alienação para si mesmo, e, ao mesmo tempo, de reabsorção dessa alienação, o sujeito como esse processo; puro, incessante movimento de repetição dentro de si mesmo.
Primeiramente, a concepção formal e abstrata do ato de autocriação ou auto-objetificação do homem.
Visto Hegel igualar homem e autoconsciência, o objeto alienado, o ser real alienado do homem, é simplesmente consciência, a mera idéia de alienação, sua expressão abstrata, e por isso vazia e irreal, a negação. A anulação da alienação é também, portanto, apenas uma anulação abstrata e inane dessa abstração vazia, a negação da negação. A atividade repleta, viva, sensória e concreta da auto-objetificação reduz-se, destarte, a mera abstração, negatividade absoluta, uma abstração que é a seguir cristalizada como tal e concebida como uma atividade independente, como a própria atividade. Já que essa assim chamada negatividade é meramente a forma abstrata e vazia daquele ato real vivo, seu conteúdo só pode ser um conteúdo formal produzido pela abstração de todo conteúdo. Essas são, pois, formas de abstração gerais, abstratas, que se referem a qualquer conteúdo e são, portanto, neutras face a, e válidas para, qualquer conteúdo; formas de pensamento, formas lógicas destacadas do espírito e da natureza reais. (Exporemos, adiante, o conteúdo lógico da negatividade absoluta.)
A realização positiva de Hegel em sua lógica especulativa é mostrar que os conceitos determinados, as formas de pensamento fixas, em sua independência da natureza e do espírito, são resultado necessário da alienação generalizada da natureza humana e também do pensamento humano, e descrevê-los em conjunto como momentos do processo de abstração. Por exemplo, ser revogado é essência, essência revogada é conceito, o conceito revogado. . . a idéia absoluta. Mas, o que é a idéia absoluta? Ela tem que se revogar a si mesma se não quiser passar novamente por todo o processo de abstração, desde o começo, e contentar-se em ser uma totalidade de abstrações ou uma abstração capaz de se entender a si mesma. Mas, a abstração capaz de se entender a si mesma sabe que ela mesma nada é; ela tem de abandonar-se a si mesma e assim chegar a uma entidade que é exatamente o seu oposto, a natureza. Toda a Lógica, portanto, é uma demonstração de que o pensamento abstrato nada é por si mesmo, a idéia absoluta é nada para si mesma, e só a natureza é alguma coisa.
(XXXII) A idéia absoluta, a idéia abstrata que, "encarada sob o aspecto de sua unidade consigo mesma, é intuição" (Hegel, Encyclopaedia, 3ª ed., pág. 222) e "em sua própria verdade absoluta resolve permitir o momento de sua particularidade ou de determinação inicial a ser-outro, a idéia imediata, como seu reflexo, emergir livremente de si mesma como natureza". (ibid.) Toda esta idéia, que se comporta de maneira assim tão bizarra e caprichosa e tem dado aos hegelianos tão terríveis dores de cabeça, nada mais é do que abstração, i. é, o ser pensante abstrato. E a abstração que, tornada prudente pela experiência e esclarecida a respeito de sua própria verdade, resolve, em condições várias (falsas e ainda abstratas) abandonar-se e estabelecer seu outro ser, o particular, o determinado, em lugar de sua auto-absorção, não-ser, universalidade e indeterminação; e resolve deixar a natureza, escondida dentro dele somente como uma abstração, como um ente de razão, emergir livremente de si mesma. Isto é, ela decida renunciar à abstração e a observar a natureza livre da abstração. A idéia abstrata, sem a qual mediação se converte em intuição, não passa de pensamento abstrato que se abandona e opta pela intuição. Toda essa transição da lógica à filosofia da natureza é simplesmente a transição do abstrair para o intuir, extremamente difícil para o pensador abstrato efetuar e, por isso, descrita por ele em termos tão estranhos. O sentimento místico que impele o filósofo do pensamento abstrato para a intuição é o ennui [N.T.- tédio, aborrecimento, fastio], a aspiração de um conteúdo.
(O homem alienado de si mesmo é também o pensador alienado de seu ser, i. é, de sua vida natural e humana. Seus pensamentos são, em conseqüência, espíritos extrínsecos a natureza e ao homem. Em sua Lógica, Hegel aprisionou juntos todos esses espíritos, concebendo-os, um por um, primeiro como negação, i. é, alienação do pensamento humano, e depois como negação da negação, i. é, como revogação dessa alienação e expressão real do pensamento humano. Visto como, todavia, essa negação da negação é em si mesma restrita à alienação, ela é em parte uma restauração daquelas formas espirituais fixas em sua alienação e em parte uma imobilização no ato final, o ato de auto-referência como o verdadeiro ser dessas formas espirituais.[N12] Além disso, na medida em que essa abstração concebe a si mesma e experiência uma crescente fartura de si mesma, aparece em Hegel um abandono do pensamento abstrato que se movimenta unicamente na esfera do pensamento e é destituído de olhos ouvidos, dentes, tudo enfim, e uma resolução de reconhecer a natureza como um ser e apelar para a intuição.)
(XXXIII) A natureza também, contudo, tomada abstratamente, por si e rigidamente separada do homem, nada é para o homem. Não é mister dizer que o pensador abstrato entregue à intuição, intui a natureza abstratamente. Como a natureza acha-se encerrada no pensador de forma obscura e misteriosa até para ele mesmo, como idéia absoluta, quando a deixou surgir dele mesmo ela era ainda apenas natureza abstrata, a natureza como um ente de razão, mas agora com o significado de ser o outro ente do pensamento, é a natureza real, intuída, distinta do pensamento abstrato. Ou, usando linguagem humana, o pensador abstrato descobre, ao intuir a natureza, que as entidades que ele julgava estar criando do nada, da abstração pura, criando na dialética divina como produtos puros do pensamento interminavelmente em vaivém dentro de si mesmo e sem nunca levar em conta a realidade exterior, são simplesmente abstrações de características naturais. A natureza inteira, por conseguinte, reitera para ele as abstrações lógicas, mas de uma forma sensível, exteriorizada. Ele analisa a natureza e essas abstrações, uma vez mais. Sua intuição da natureza é simplesmente, pois, o ato de confirmação de sua abstração da intuição da natureza; sua representação consciente do processo de geração de sua abstração. Assim, por exemplo, o Tempo iguala-se à Negatividade auto-referível (loc. cit., pág. 238). Na forma natural, o Movimento revogado como Matéria corresponde ao Vir-a-Ser revogado como Ser. Na forma natural, a Luz é Reflexo-em-si. O corpo como Lua e Cometa é a forma natural da antítese que, segundo a Lógica, é de um lado o positivo alicerçado em si mesmo, e de outro o negativo alicerçado em si mesmo. A Terra é a forma natural do terreno lógico, como a unidade negativa da antítese, etc.
A natureza como natureza, i. é, na medida em que é distinguida sensorialmente daquele sentido secreto oculto dentro dela, a natureza separada e distinguida dessas abstrações é nada (uma nulidade demonstrando sua nulidade), é desprovida de sentido, ou tem apenas o sentido de uma coisa externa que foi revogada.
"No ponto de vista finito-teleológico, encontra-se a premissa correta de a natureza não encerrar em si a finalidade absoluta." (loc. cit., pág. 225.) Sua finalidade é a confirmação da abstração. "A natureza mostrou-se como sendo a idéia sob a forma de ser-outro. Como idéia é, sob esta forma, a negativa de si mesma, ou exterior a si mesma, a natureza não é apenas relativamente exterior vis-à-vis essa idéia, porém a exterioridade constitui a forma em que ela existe como natureza." (loc. cit., pág. 227.)
A exterioridade não deve ser aqui entendida como o mundo auto-exteriorizador dos sentidos, aberto à luz e aos sentidos do homem. Deve ser considerada na acepção de alienação, um erro, um defeito, que não devia existir. Pois o verdadeiro é ainda a idéia.
A natureza é aparentemente a forma de seu ser-outro. E como pensamento abstrato é ser, o que é exterior a ele por sua própria natureza é meramente coisa exterior. O pensador abstrato reconhece ao mesmo tempo que sensorialidade, exterioridade, em oposição ao pensa mento que fica em vaivém dentro de si mesmo, é a essência da natureza. simultaneamente, contudo, ele exprime essa antítese de tal maneira que essa exterioridade da natureza, e seu contraste com o pensamento, aparece como uma deficiência, e a natureza se distinguindo da abstração se afigura um ser deficiente. (XXXIV) Um ser deficiente, não simplesmente para mim ou para meus olhos, mas em-si tem algo fora dele que lhe falta. Isso equivale a dizer, seu ser e, outra coisa que não ele mesmo. Para o pensador abstrato, a natureza tem, pois, de revogar-se a si mesma, porque já está pressuposta por ele como um ser potencialmente revogado.
"Para nós, o espírito tem a natureza como sua premissa, sendo a verdade da natureza e, por conseguinte, seu primus absoluto. Nessa verdade, a natureza desapareceu e o espírito capitulou como a idéia que alcançou ser-por-si, cujo objeto, assim como o sujeito, é o conceito. Essa identidade e negativamente absoluta, pois enquanto na natureza o conceito encontra sua perfeita objetividade exterior, aqui sua alienação foi revogada e o conceito identificou-se a si mesmo. Ele é essa identidade somente na medida em que é um retorno da natureza." (loc. cit., pág. 392.)
"A revelação, como a idéia abstrata, é uma transição sem mediação para o vir-a-ser da natureza; como a revelação do espírito livre é o estabelecimento da natureza como seu próprio mundo, estabelecimento esse que, como reflexo, é simultaneamente a pressuposição do mundo como natureza existente independentemente. A revelação em conceito é a criação da natureza como o próprio ser do espírito, no qual ele adquire a afirmação e verdade de sua liberdade." "O absoluto é espírito; esta é a mais alta definição do absoluto."
Notas:
[12] Isto é, Hegel substitui essas abstrações fixadas pelo ato de abstração rodopiando dentro de si mesmo. Ao fazê-lo, antes de mais nada ele tem o mérito de haver indicado a fonte de todos aqueles conceitos Inadequados que originariamente pertenciam a diferentes filosofias, e havê-los reunido e estabelecido a amplitude global das abstrações, em vez de uma determinada abstração, como o objeto da crítica. Veremos mais tarde por que Hegel separa o pensamento do sujeito. Já esta claro, todavia, que se o homem não for humano a expressão de sua natureza não poderá ser humana e, consequentemente, o próprio pensamento não poderá ser concebido como uma expressão da natureza humana, como uma expressão de um sujeito humano e natural, com olhos, ouvidos, etc., vivendo na sociedade, no mundo e na natureza. (retornar ao texto)
Inclusão | 08/11/2007 |