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Primeira
Edição: no New York Daily Tribune, n° 5110, em 5 de setembro de 1857 como artigo.
Fonte: O Olho da História, Revista de Teoria, Cultura, Cinema e Sociedades
Tradução: Danilo Chaves Nakamura. Formado em história na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP). Mestrando do programa de história social da USP. Traduzido da coletânea: Marx/Engels Collected Works [MECW] (Progress Publishers, Moscou, em parceria com International Publishers, Nova Iorque, e Lawrence & Wishart, Londres), vol. 15, p. 331335. Título original do artigo: "Polítical situation in Europe".
Transcrição: anônimo
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Na última sessão da Câmara dos Comuns [Commons], antes de seu prolongamento, a palavra foi tomada por Lord Palmerston, que permitiu o público da casa presenciar alguns momentos do entretenimento que ele manteve durante intervalo da sessão que tinha encerrado e da sessão que iria começar(1). O primeiro item do programa de Palmerston era o anúncio da retomada da Guerra Persa. Meses atrás, ele havia afirmado que estava definitivamente encerrada pela paz celebrada no dia 4 de março(2). O General Sir Lacy Evans esperava a ordem de retirada da Índia da tropa do Coronel Jacob estacionada no Golfo Pérsico(3), mas Lord Palmerston declarou claramente que até a Pérsia executar os compromissos do tratado de paz, as tropas do Cel. Jacob não poderiam ser removidas. Herāt, nesse sentido, não foi evacuada. Muito pelo contrário, havia rumores de que forças adicionais foram enviadas pela Pérsia para Herāt. Fato, aliás, que foi negado pelo embaixador persa em Paris(4), mas grandes dúvidas pairam na boa-fé da Pérsia e, consequentemente, as forças britânicas sob o comando do Cel. Jacob continuaram ocupando Busheh. No dia seguinte do discurso do Lord Palmerston, as notícias foram transmitidas por despacho telegráfico com um categórico pedido do Sir Murray pressionando o Governo Persa para evacuar Herāt — pedido que pode ser considerado o precursor de uma nova declaração de guerra. Esse é o primeiro efeito da revolta na Índia.
O segundo item do programa de Lord Palmerston detalha a situação que se desenrola em ampla perspectiva. Quando ele, primeiramente, anunciou o deslocamento de grande força militar da Inglaterra para Índia, ele estava respondendo os adversários dele que o acusam de despir a Grã-Bretanha do poder defensivo, e, deste modo, proporcionar oportunidades para forças estrangeiras tirarem vantagens da posição enfraquecida, que:
"o povo da Grã-Bretanha nunca toleraria qualquer condição parecida, de tal modo que os homens poderiam ser recrutados repentina e rapidamente, de forma suficiente para qualquer contingente que chegasse(5)".
Agora, antes da prorrogação do Parlamento, ele falava de uma tensão muito diferente. No aviso para o Gen. Lacy Evans mandar para Índia uma linha navios de batalha, ele não afirmou, como anteriormente, a superioridade da vela em relação à hélice, muito pelo contrário, ele admitiu em primeira instancia que o plano do General era altamente vantajoso. Contudo, a Casa deve ter em mente que:
Havia outras considerações, no que diz respeito à justeza de manter suficiente força militar e naval em casa... Certas circunstâncias apontam a inconveniência de mandar para fora do país uma força naval maior que a necessária. A força da linha de navios de batalha, sem dúvidas, não teria grande utilidade, mas se algum evento como foi mencionado de fato ocorresse e eles quisessem das forças navais no mar, como eles responderiam o perigo que ameaçava, se eles mandaram seus navios de batalha para cumprir a função de transporte para Índia? Eles cairiam num grave erro se mandassem para Índia a frota nas circunstancias atuais da Europa e isso pode tornar necessário armar-se por conta própria num curto prazo.(6)
Lord Palmerston, não se pode negar, planta nos chifres de John Bull esse refinado dilema. Se ele usa os meios adequados para a supressão definitiva da revolta na Índia, ele será atacado em casa; e caso ele permita que a revolta na Índia se consolide, e, como o Sr. Disraeli disse, ele irá:
"encontrar outros personagens no palco para lutar, ao lado dos príncipes da Índia".(7)
Antes de lançar um olhar para essas misteriosas "circunstancias europeias", deve-se entender a real posição do exército britânico na Índia, levando em conta as confissões feitas durante a sessão da Câmara dos Comuns. Em primeiro lugar, todas as esperanças otimistas de rápida captura de Délhi foram retiradas num acordo mútuo, e as expectativas de sucesso dos dias anteriores foram rebaixadas para uma posição mais realista, a ponto dos ingleses terem de comemorar, caso eles consiga manter os postos até novembro, quando os reforços enviados de casa deveriam chegar. Em segundo lugar, muita dúvida aparecia com a probabilidade deles perderem um importante posto, Kanpur, sorte que, como disse Disraeli, tudo depende, mais até do que a captura de Délhi(8). De fato — devido a sua posição central no rio Ganges e sua influência nas cidades de Oude, Rohilcund, Gwalior e Bundelcund — Kanpur tem uma importância crucial nas atuais circunstâncias. Em último lugar, o Sir F. Smith, um dos militares da Câmara, chamou a atenção para o fato de que, atualmente, não há engenheiros nem desativadores de minas no batalhão dele na Índia, já que eles desertaram e, provavelmente, "Délhi será uma segunda Saragoça(9). Por outro lado, Lord Palmerston não mandou da Inglaterra nenhum oficial ou engenheiro(10).
Voltando agora para os eventos europeus, ficamos surpresos com o comentário do The London Times fazendo alusão ao discurso de Lord Palmerston, "futuro ameaçador". A Constituição da França pode ser derrubada, ou Napoleão sair da cena política, e isso seria o fim da aliança com a França, sobre a qual reside a presente segurança, diz o jornal(11). Em outras palavras, The Times, órgão do governo inglês, ao mesmo tempo em que considera que uma revolução pode ocorrer a qualquer momento na França, proclama a presente aliança não por simpatia aos franceses, mas pela mera conspiração com o usurpador francês. Para além da revolução na França, existe a disputa pelo Danúbio(12). A anulação das eleições na Moldávia, não foi feita para resolver nada, mas para jogar o problema para frente. Sobretudo, há o Norte da Escandinávia, que, num período não muito distante, certamente, se tornará num teatro de grandes agitações, e, talvez sinalize um conflito europeu. A paz ainda está mantida no Norte, porque dois eventos são ansiosamente esperados — a morte do Rei da Suécia(13) e a abdicação do seu trono para o presente Rei da Dinamarca. Na última reunião dos naturalistas de Christiania, o Príncipe herdeiro da Suécia(14), declarou de forma enfática que é a favor da União Escandinava. Sabendo que ele é um homem na flor da idade, de caráter firme e enérgico, o Partido Escandinavo, reunindo nas suas fileiras a ardente juventude da Suécia, Noruega e Dinamarca, irá considerar a ascensão do Príncipe ao trono como um momento oportuno para pegar em armas. Por outro lado, o fraco e imbecil Rei da Dinamarca, Frederico VII foi autorizado pela Condessa Danner, sua cônjuge morganática, de retirar-se para uma vida privada, permissão que até agora ele recusou. Foi por causa dela que o Príncipe Ferdinand, tio do Rei, e presumível herdeiro do trono dinamarquês, foi induzido a se retirar dos assuntos de Estado, que mais tarde ele voltou devido aos arranjos de outros membros da família real. No momento, a Condessa Danner está disposta a mudar sua residência de Copenhague para Paris e continuar induzir o Rei a se despedir da agitada vida política, passando seu cedro para as mãos do Príncipe Ferdinand. Este tal Príncipe Ferdinand, um homem de aproximadamente 65 anos, sempre ocupou na Corte de Copenhague a mesma posição que um indivíduo na Corte de Artois depois de Charles X — mantida pela Corte das Tulherias. Obstinado, severo e ardente na sua fé conservadora, ele nunca aderiu de forma condescendente ao Sistema Constitucional. Mesmo sabendo que para subir ao trono, uma primeira condição seria jurar pela Constituição que ele abertamente detesta. Por isso, existe probabilidade de problemas internacionais, que o Partido Escandinavo, na Suécia e na Dinamarca, está convencido em tomar proveito. Por sua vez, o conflito entre Dinamarca e os ducados alemães de Holstein e Schleswig, que apoiados em suas reivindicações pela Prússia e pela Áustria(15), tende bagunçar ainda mais as questões, e enredar a Alemanha nas agitações do Norte; ao passo que o acordo de Londres de 1852(16), que garantem o Príncipe Ferdinand(17) no trono da Dinamarca, envolveria a Rússia, a França e a Inglaterra na situação.
Notas de rodapé:
(1) Discurso de Palmerston na Câmara dos Comuns em 20 de agosto de 1857. The Times, n° 22765, 21 de agosto de 1857. - Ed. (Nota de Karl Marx) (retornar ao texto)
(2) Ver: Vol. 15, pp. 293-96. Marx, Engels Collected Works. (Nota dos editores do MEWC) (retornar ao texto)
(3) Discurso de Lacy Evans na Câmara dos Comuns em 20 de agosto de 1857. The Times, n° 22765, 21 de agosto de 1857. - Ed. (Nota de Karl Marx) (retornar ao texto)
(4) Ferrukh Khan. - Ed. (Nota de Karl Marx) (retornar ao texto)
(5) Discurso de Palmerston na Câmara dos Comuns em 11 de agosto de 1857. The Times, n° 22757, 12 de agosto de 1857. - Ed. (Nota de Karl Marx) (retornar ao texto)
(6) Discurso de Palmerston na Câmara dos Comuns em 20 de agosto de 1857. The Times, n° 22765, 21 de agosto de 1857. (Marx interpreta ao fazer a citação) - Ed. (Nota de Karl Marx) (retornar ao texto)
(7) Discurso de B. Disraeli na Câmara dos Comuns em 11 de agosto de 1857. The Times, n° 22757, 12 de agosto de 1857. - Ed. (Nota de Karl Marx) (retornar ao texto)
(8) Discurso de B. Disraeli na Câmara dos Comuns em 20 de agosto de 1857. The Times, n° 22765, 21 de agosto de 1857. - Ed. (Nota de Karl Marx) (retornar ao texto)
(9) Discurso de J. M. F. Smith na Câmara dos Comuns em 20 de agosto de 1857. The Times, mesma edição. - Ed. (Nota de Karl Marx) (retornar ao texto)
(10) Saragoça ficou famosa pela heroica defesa durante as batalhas de libertação nacional da Espanha contra as tropas napoleônicas, período na qual foi sitiada duas vezes, em 1808 e 1809. Saragoça caiu em 20 de fevereiro de 1809, após dois meses de cerco. (Nota dos editores do MEWC) (retornar ao texto)
(11) The Times, mesma edição - Ed. (Nota de Karl Marx). (retornar ao texto)
(12) A questão do Danúbio foi central durante o Congresso de Paris (1856). Discutiu-se sobre o status dos principados da Valáquia e da Moldávia. Todos os participantes garantiram a autonomia dos principados no interior do Império Otomano. Tendo em conta o grande movimento social pela unificação dos principados num único Estado, o congresso buscou assegurar um plebiscito sobre a questão. Foi decidido que se convocaria uma conferencia especial para finalmente definir o status e os direitos dos principados. Marx refere-se aqui a complicada disputa diplomática sobre essa questão durante a preparação da conferencia convocada para o ano de 1858. A questão da Bessarábia está diretamente ligada com o destino dos principados do Danúbio no Congresso de Paris (1856). Sob o tratado de Paris de 30 de março de 1856, parte da Bessarábia que pertencia a Rússia foi cedida para Moldávia que ainda era um protetorado da Turquia. (Nota dos editores do MEWC) (retornar ao texto)
(13) Oscar I (Nota de Karl Marx) (retornar ao texto)
(14) Karl Ludwig Eugène. (Nota de Karl Marx) (retornar ao texto)
(15) Os ducados alemães de Schleswig, Holstein e Lauenburg estavam sobre as regras do poder dinamarquês há séculos. O protocolo de Londres sobre a integridade da Monarquia dinamarquesa assinado em 8 de maio de 1852 pela Rússia, Áustria, Inglaterra, França, Prússia, Suécia e representantes da Dinamarca reconheciam o direito de autonomia dos ducados, mas preservava o poder supremo do Rei dinamarquês sobre eles. Contudo, apesar do protocolo o governo dinamarquês promulgou uma Constituição em 1855 que impedia o autogoverno dos ducados. Isso gerou protestos dos representantes dos ducados no Parlamento dinamarquês, que eram apoiados pela Prússia e pela Áustria. A questão foi resolvida na guerra da Dinamarca em 1864, quando Schleswig foi anexado pela Prússia e Holstein pela Áustria. Depois da guerra Austro-prussiana em 1866, Holstein foi anexado pela Prússia. (Nota dos editores do MEWC) (retornar ao texto)
(16) "Acordo assinado em Londres no dia 8 de maio de 1852, de um lado Dinamarca e do outro a Áustria, a França, a Grã-Bretanha, a Rússia e a Suécia, relativo à ordem de sucessão da monarquia dinamarquesa" - Ed. (Nota dos editores do MEWC). (retornar ao texto)
(17) Uma imprecisão no texto. De acordo com o protocolo de Londres de 8 de maio de 1852, o Rei Frederico VII sem filhos, deveria ser sucedido por Christian of Glucksburg (posteriormente conhecido como Rei Christian IX). (Nota dos editores do MEWC) (retornar ao texto)
Inclusão | 21/03/2013 |