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Londres, 4 de novembro de 1862
General Bragg, que comanda o exército sulista no Kentucky— as demais forças armadas ali se limitam a bandos de guerrilheiros —, expediu uma proclamação, ao invadir esse estado fronteiriço, que lança uma luz significativa sobre as últimas movimentações coordenadas no xadrez da Confederação. A proclamação de Bragg, dirigida aos estados no Noroeste, toma como acertado o sucesso no Kentucky e aparentemente calcula a eventualidade de um avanço vitorioso adentro de Ohio, o estado central do Norte. Inicialmente, a proclamação explana sobre a disposição da Confederação de garantir frete grátis nos rios Mississippi e Ohio, garantia que só fará sentido enquanto os proprietários de escravos estiverem na posse dos estados fronteiriços. Assume-se, portanto, em Richmond [então capital dos Estados Confederados] que as incursões simultâneas de Lee em Maryland e de Bragg no Kentucky garantiriam a posse dos estados fronteiriços de uma só vez.
Bragg vai adiante para demonstrar que o Sul estaria lutando com justificativa pela sua independência, mas que, de resto, desejaria paz. Porém, a real e singular virada de sua proclamação está na oferta de uma separação pacífica dos estados do Noroeste — a demanda de que eles se separem da União e se afiliem à Confederação, uma vez que os interesses econômicos do Noroeste e do Sul são tão consistentes quanto os do Noroeste e Nordeste são reciprocamente hostis. Vê-se aí que o Sul, mal se vendo na posse dos estados fronteiriços, já divulga oficialmente o objetivo adicional de uma reconstrução da União com a exclusão dos estados da Nova Inglaterra.
Como no caso da invasão de Maryland, a invasão do Kentucky fracassou: que ocorreu no caso da Batalha de Antietam Creek, ocorreu na Batalha de Perryville, próxima a Louisville. Tanto em uma quanto na outra, os confederados estavam na ofensiva quando atacaram a vanguarda do exército de Buell. A vitória dos federalistas deve-se ao comandante de vanguarda, general McCook, que resistiu às forças inimigas, muito mais numerosas, até que Buell tivesse tempo de guiar sua força principal para o campo de batalha. Não resta dúvidas de que a derrota em Perryville resultará na evacuação [das forças armadas] do Kentucky. O bando de guerrilheiros mais significativo, formado pelos partidários mais fanáticos do sistema escravista no Kentucky e liderado pelo general Morgan, foi destruído em Frankfort (entre Louisville e Lexington) quase simultaneamente. Por fim, assomamos a isso a vitória decisiva do general [William] Rosecrans perto de Corinth, a qual exige que o exército invasor derrotado sob o general Bragg parta em retirada o mais rápido possível.
Assim, fracassou por completo a campanha dos confederados para recuperar os estados escravistas fronteiriços perdidos em larga escala — mesmo com seus resultados militares e nas condições econômicas mais favoráveis. Para além dos resultados militares imediatos, essas batalhas contribuem de outras maneiras para a remoção do principal obstáculo. O domínio dos estados escravistas originais sobre os estados fronteiriços baseia-se, naturalmente, na presença do elemento escravizado nos últimos, o mesmo elemento que impõe certas deferências diplomáticas e constitucionais ao governo da União em sua luta contra a escravidão. Esse próprio elemento, porém, está sendo eliminado por meio da Guerra Civil no palco principal do conflito, os estados fronteiriços. Grande parte dos escravocratas estão emigrando ininterruptamente em direção ao Sul com seu black chattel [sua mercadoria negra, i. e. os escravizados], a fim de assegurar suas propriedades. Após cada uma das derrotas dos confederados, essa emigração avança para um nível mais elevado.
Um de meus amigos [Joseph Weydemeyer], um oficial alemão que lutou alternadamente no Missouri, Arkansas, Kentucky e Tennessee sob a flâmula estrelada [da União], escreveu-me que essa emigração lembra muito o êxodo da Irlanda nos anos de 1847 e 1848. Para além da parcela ativa de escravocratas — a juventude de um lado, os líderes políticos e militares de outro —, destaca-se o grosso de sua classe, formando bandos de guerrilha em seus próprios estados e sendo destruídos como guerrilheiros, ou então abandonando a terra natal e incorporando-se ao exército ou à administração da Confederação. Resulta disso: por um lado, uma redução tenebrosa do elemento escravocrata nos estados fronteiriços, onde sempre se teve de lutar contra encroachments [anexação de terras] por parte de trabalhadores livres rivais. Por outro lado, resulta daí a evacuação da parte ativa dos proprietários de escravos e de sua comitiva branca. Resta somente um punhado de proprietários de escravos “moderados”, que logo pegarão, com ganância, o dinheiro sujo que Washington lhes proverá em troca de seu black chattel, cujo valor estará perdido logo que o mercado sulista for fechado. Assim, a própria guerra culminará em uma solução para o problema, por meio de uma reviravolta efetiva(1) das formas de socialização nos estados fronteiriços.
Para o Sul, o melhor período do ano para se travar uma guerra termina agora; para o Norte, ele só começará, uma vez que seus rios domésticos voltem a ser navegáveis, e a combinação de guerra terrestre e marítima (já experimentada com tanto sucesso) volte a ser viável. O Norte tem se valido desse período de intervalo com avidez. Veículos blindados para os rios a Oeste, num número de 10, estão praticamente concluídos; o mesmo vale para o dobro de veículos semi-blindados para águas rasas. A Leste, muitos navios blindados novos deixaram seus estaleiros, ao passo que outros ainda recebem reparos. Tudo estará pronto até 1º. de janeiro de 1863. A Ericsson, inventora e construtora do Monitor, está liderando a construção de nove novos navios baseados no mesmo modelo. Quatro deles já estão “flutuando”.
O exército junto ao Potomac, no Tennessee e na Virgínia, assim como em vários pontos do Sul (Norfolk, New Bern, Port Royal, Pensacola e Nova Orleans) recebe novos ingressantes todos os dias. O primeiro contingente de 300.000 homens anunciado por Lincoln em julho foi organizado, e alguns deles já se encontram em campo de batalha. O segundo contingente de 300.000 homens vem sendo reunido gradualmente há nove meses. Em alguns estados, a conscrição compulsória foi anulada e substituída por recrutamento voluntário; nenhum deles se deparou com grandes dificuldades. A ignorância e o ódio declararam que a conscrição é um evento inaudito sem precedentes na história dos Estados Unidos. Nada poderia ser mais equivocado. Durante a Guerra da Independência e a Segunda Guerra contra a Inglaterra (1812-1815) um grande número de tropas foi compulsoriamente alistado, assim como em pequenas e diversas guerras contra os indígenas, sem que isso encontrasse oposição significativa.
É um fato notável que, durante este ano, um contingente de aproximadamente 100.000 almas emigrou para os Estados Unidos, e que metade desses emigrantes, consistem em irlandeses e britânicos. No último congresso da Associação em Prol do Avanço das Ciências [Association for the advancement of Science] inglesa, em Cambridge, o economista Merivale teve que lembrar daquilo que seus compatriotas do Times, Saturday Review, Morning Post, Morning Herald, para não falar dii minorum gentium,(2) se esqueceram completamente ou estão fazendo a Inglaterra esquecer: a saber, do fato de a maioria da população inglesa excedente encontrar um novo lar nos Estados Unidos.
Notas:
(1) No original, faktische Umwälzung. O termo Umwälzung foi usado até meados de 1810 como termo equivalente ao francês révolution; a própria Revolução Francesa foi chamada por seus contemporâneos alemães (Campe, Archenholz) de Französische Umwälzung. (retornar ao texto)
(2) “Do panteão inferior de deuses”; em latim no original. (retornar ao texto)
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