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Era de se esperar, dado o espírito inventivo do país e o alto nível técnico da engenharia estadunidense, que a Guerra Civil Americana acarretaria grandes avanços, iniciando uma nova época da técnica armamentista. A batalha entre o Monitor e o Merrimac, a qual o Allgemeine Militär-Zeitung reagiu em mais de uma ocasião, justificou tal expectativa.(1) Agora temos alguns fatos novos para registrar.
Embora o resultado final tenha sido favorável ao navio de torreta [turret ship], a batalha entre o Monitor e o Merrimac ainda não foi suficiente para decidir a questão de qual classe de navios de guerra é superior: os navios de torreta ou navios de bataria.(2) Há pouco tempo, porém, ocorreu uma batalha que, ao que parece, resolveu esse assunto de uma vez por todas, a qual teremos todo o prazer de examinar já que, até onde sabemos, ela é pouco conhecida na Inglaterra e França — e nada conhecida na Alemanha.
Os confederados tinham no porto de Savannah um navio a vapor comercial de construção escocesa, o Fingal, encouraçado a uma proporção de 4 polegadas: 4” de carvalho para 4” ferro. O revestimento de ferro consistia em duas camadas de 6” de largura por 2” de grossura; a camada de baixo na horizontal e a superior na vertical, asseguradas por cavilhas bem fortes. Com base no modelo do Merrimac, o revestimento da couraça foi posto de forma oblíqua, disposto como telhas sobre o navio, embora fosse mais achatado no topo, de forma que o navio terminava por lembrar uma pirâmide amassada. Ele carregava quatro parapeitos de 6” e dois canhões de pivô de 7” (na proa e na popa).
O Atlanta, como o navio foi chamado, veio pelo rio Savannah em uma certa manhã e logo se deparou com dois navios de bloqueio, dois navios de torreta — o Weehawken e o Nahant — que imediatamente foram em sua direção. (Para nossa descrição da batalha, indicamos o relato no Harper’s Weekly de Nova York, 11 de julho).(3) O Atlanta abriu fogo com três disparos de cartuchos sólidos de 440 libras (inglesas) de seu canhão Dahlgren de 15”.(4) O primeiro disparo vazou o Atlanta de lado a lado e resultou na baixo de 40 homens, seja em função das farpas, seja em função do choque. Entre os últimos estava o tenente que, posteriormente, disse não ter conseguido ficar de pé nem por dez minutos. O segundo disparo rompeu a cobertura de ferro da cabine de armamentos, matando ou ferindo 17 homens. O terceiro projétil esmagou a seção superior da escotilha armada do deque superior, matando ambos os pilotos e derrubando os dois timoneiros. O quarto disparo atingiu a borda, onde o lado do navio se encontra com o deque, e parece tê-lo balançado sem causar qualquer dano. O quinto atravessou a chaminé bem quando o Atlanta estava hasteando a bandeira para render-se, antes que o Nahant, que acabava de entrar em cena, pudesse ao menos fazer o primeiro disparo. Em quinze minutos tudo havia terminado.
Ontem, o autor deste artigo visitou a frota do Canal Inglês no porto de Liverpool. Lá estavam o Warrior, o Black Prince, o Royal Oak, o Defence, o Resistance — todos navios de guerra com armas de parapeito (canos lisos para munição de 68 libras, com 18 a 24” de madeira e 4,5 a 5” de ferro); indiscutivelmente a mais bela e mais poderosa frota na ativa atualmente que, com a devida propulsão, seria capaz de navegar por quaisquer fortes costeiros europeus sem serem perturbadas, mesmo carregadas de armamentos como estão e tendo um porto atrás de si. Como o melhor dos navios se sairia contra um desses navios de torreta americanos com sua arma de 440 libras? Julgando pelos testes feitos pelos próprios ingleses, um calibre muito menor é o bastante para atravessar suas dianteiras; que devastação um projétil de 440 libras não faria em seu interior? Apenas um tiro na linha d’água conseguiria afundar o navio, já que um buraco como aquele não pode ser remendado. À vista desses navios esplêndidos, cada um dos quais deve custar perto de 1 milhão de libras esterlinas, incluindo os experimentais, não se pode deixar de pensar que todos já estariam condenados e completamente superados.
Doravante, parece ser absolutamente necessário equipar navios de guerra com os calibres mais pesados que uma embarcação é capaz de carregar. Tais armamentos, porém, não podem ser armamentos de parapeito; o maior navio só é capaz de levar algumas delas, e elas têm de ser posicionadas no centro do navio. Isso só é possível, no entanto, em navios de torreta, de forma que, de agora em diante, eles constituirão a força decisiva de qualquer marinha.
É verdade: os navios de torreta construídos até então são dignos do mar apenas em um sentido restrito. Isso porque foram construídos na América para um fim específico: operações em águas costeiras rasas. Caso sejam construídos maiores e providos de propulsão maior, certamente provarão ser ao menos tão dignos do alto mar quanto os navios de parapeito [broadside], que ainda deixam muito a desejar nesse tocante. Porém, mesmo que nos restrinjamos à experiência que temos no presente, os seguintes aspectos são bastante certos:
Quais são as conclusões no que diz respeito à Alemanha?
De acordo com a prática comum, quando se fazia cerco de muralhas fortificadas, as batarias eram postas no topo do glacis de blindagem, a cerca de cinquenta passos das paredes que seriam bombardeadas. Quando as obras de casamata de Montalembert foram propostas com muralhas de pedra descobertas, sobretudo porque esse tipo de alvenaria fora usado em muitos locais na Alemanha, houve muita discussão sobre tais muralhas de pedra poderem ou não ser rompidas, mesmo a certa distância. No tocante a experimentos autênticos, porém, o único que nos é conhecido é o de Wellington, em 1823, quando uma parede móvel coberta por uma contregarde foi rompida a 500 e 600 passos por meio de golpes indiretos. A Guerra da Crimeia só provou que fortificações costeiras feitas de pedra são seguras contra navios; Bomarsund só provou que o governo russo foi terrivelmente enrolado pelas empreiteiras. A Guerra Italiana não provou qualquer coisa, já que nunca chegou ao ponto de ter operações de cerco. Até então, poder-se-ia assumir que, com os meios de artilharia disponíveis na época, as muralhas de pedra descobertas das casamatas dariam conta, sob certas circunstâncias, de suportar poder de fogo tão superior contra as batarias de cerco que valiam os custos. Os julgamentos em Juliers provaram que canhões com projéteis contendo espoleta de concussão, mesmo de um calibre pequeno, são capazes de romper fortificações de tijolos a 1200 passos, até por meio de uma colisão indireta. Na América as coisas que estão ocorrendo têm lições bastante diferentes para nos ensinar.
Durante o ataque ao porto Pulaski (na saída de Savannah), o general Gillmore (indisputavelmente o maior homem de artilharia americano vivo) dispunha apenas de Columbiads pesadas, armas de cano liso de calibre 15” com projéteis sólidos para realizar investidas poderosas. Ele instalou suas batarias há 1200 passos do alvo e transformou em ruínas, em uns poucos dias, uma fortificação casamatada feita de alvenaria reforçada. Em contrapartida, esse experimento o convenceu de que a grandes distâncias suas armas não seriam capazes de derrubar fortificações de pedra. Infelizmente não temos dados sobre as investidas, já que todos os relatórios americanos são feitos de um modo extremamente superficial; mas é óbvio que investidas de um terço de potência estão fora de cogitação para tais armamentos.
Gillmore, portanto, exigiu canhões de calibre pesado para o ataque a Charleston, e os conseguiu. Tratava-se das chamadas armas Parrott, armamentos com carregamento pela culatra cujo alcance se equipara ao dos munhões, mas que têm o mesmo formato dos armamentos ordinários. Na ponta do lápis, diz-se que custam exatamente um quarto daquilo que os pesados Armstrongs ingleses custam. Os projéteis eram ogival-cilíndricos e eram banhados por um metal macio a ser pressionado dentro do cano.
Com tais armamentos, Gillmore atacou o Forte Wagner (ver o mapa de Charleston recentemente impresso no Allgemeine Militär-Zeitung). Essa fortificação, porém, construída com a areia fina das dunas, resistiu. Os abrigos a prova de bombas asseguraram a guarnição e diversas investidas foram repelidas. Foi necessário arquitetar um ataque autêntico, e os armamentos pesados eram bons demais para isso. Gillmore, assim, teve que atrair três novas batarias que havia instalado contra o Forte Sumter, a última delas situada no meio na entrada do porto. Essas batarias, uma das quais estava dentro do pântano, estavam entre 3300 e 4200 jardas do Forte Sumter.
O Forte Sumter foi construído em uma ilha artificial, com tijolos bastante rígidos. Suas paredes eram de 6-7’ de grossura, a base de 12’. Os arcos da casamata e pilares tinham 8-9’ de grossura. Lá havia dois andares de casamatas e um andar de armamentos sobre o telhado, que atiravam através da barbeta. Seu formato era o de um redente flanqueado; foram justamente as lacunas entre os muros e um dos flancos que ficaram expostos às batarias de Gillmore. O forte continha 140 locais para armazenagem de canhões.
O bombardeio durou 8 dias, de 16 a 23 de agosto; vez ou outra a marinha intervinha, embora sem muito sucesso. Os canhões de 200 libras, por sua vez, deram conta do serviço. As lacunas e muros do flanco caíram primeiro, e então as paredes frontais tomadas à revers [pela retaguarda]. No final do bombardeio o forte era, como Gillmore elaborou, “uma massa disforme de ruínas”. No total, 7.551 tiros foram disparados, dos quais 5.626 acertaram o alvo (a distâncias enormes!); 3.495 destes atingiram a área externa da parede, 2.130 a interna. Após as paredes terem sido sujeitadas ao fogo por um instante, muitos projéteis atravessaram-nas.
Gillmore tinha, igualmente, um canhão de 300 libras, mas este enguiçou no sétimo disparo. Dizem que os primeiros seis projéteis, no entanto, atravessaram as paredes e causaram desmoronamentos da alvenaria a distâncias acimas de 20 pés em alguns pontos.
É compreensível que o forte tenha retrucado os ataques somente em uma pequena escala. As batarias não forneciam quaisquer alvos visíveis a distância de meia milha alemã, mesmo se houvessem [ali] armas que cobrissem tal distância. Como estavam localizadas dentro da área de fogo de muitas batarias confederadas, nenhuma tentativa foi feita de ocupar o forte imediatamente. Porém, agora que o Forte Wagner e Cunnings Point caíram, isso provavelmente já ocorreu.
Das mesmas batarias, Gillmore lançou 15 bombas incendiárias contra a cidade de Charleston — a mais de uma milha alemã — e só cessou fogo porque, após uma jornada tão longa, seus projéteis de concussão, por não caírem de ponta, acabaram não explodindo.
O que nós, alemães, deveríamos depreender deste bombardeio? O que pensar de nossas fortificações descobertas de pedra? O que dizer de fortes destacados do antemuro principal por 800, 1200 passos, que deveria proteger um dito local contra bombardeios? O que dizem dos redutos dentro dos fortes de Colônia, os portões ao flanco de Koblenz, e o que dizer de Ehrenbreistein? Nossos inimigos, que possuem poder naval, logo disporão de artilharia de cano longo dos maiores calibres, e ferrovias os carregarão por toda a parte. Em contrapartida, até onde sabemos, o maior calibre de cano logo já introduzido [aqui] foi o de um canhão de 24 libras, aproximadamente 4,5” — uma arma anã em comparação com aquelas que nossos inimigos apontarão para nós. Se tivéssemos a mesma artilharia em nossas casamatas, não seria possível atirar contra batarias situadas há 5000 passos de qualquer maneira. Nossas fortalezas do Reno, por mais inadequadamente fortificadas que a linha do rio possa ser, até então foram nossa maior força contra um primeiro ataque francês. Mas será que serão úteis após as experiências descritas acima?
Não é o momento para refletir. Devemos agir, e logo. Qualquer atraso nos custará uma campanha. Videant consules, ne quid respublica detrimenti capiat.(5)
Notas:
(1) É provável que Engels se refira ao artigo “Verlauf und Bedeutung des diesjährigen Feldzugs in Nordamerika“ [Curso e significado da campanha deste ano na América do Norte], publicado pelo jornal referido (número 41, edição de 11/10/1862) e o editorial “Der Angriff auf Charleston am 7. April 1863” [O ataque a Charleston de 7 de abril de 1863] do número 20, edição de 16/05/1863. (retornar ao texto)
(2) No original, turret ships ou broadside battery ship. Na verdade, ambas as embarcações são variantes do navio broadside em voga na década de 1860; os broadsides se diferenciavam de navios precedentes por serem encouraçados pesados o bastante para terem de levar seus canhões em uma única fileira em cada lado no deque principal, em vez de disporem-nos em várias fileiras. Até 1860, a França e Inglaterra lideravam a produção dessa categoria; Engels comenta a entrada recente dos EUA na série de produtores.
O turret ship trazia suas armas em uma cabine completamente fechada, instalada sobre uma plataforma rotativa [a chamada box battery]. Quando a cabine era completamente fechada e protegida por armadura, tinha-se o navio de torreta; quando era parcialmente encouraçada, tinha-se o navio de bataria. As naus de torreta, é claro, traziam a desvantagem de ser extremamente pesadas, de forma que deviam trazer uma tripulação menos numerosa e menos suprimentos. Nas naus de bataria, por outro lado, as armas ficavam desprotegidas do inimigo. (retornar ao texto)
(3) O artigo tem por título “The capture of the rebel iron-clad Atlanta by the Weehawken captain Rodgers”. (retornar ao texto)
(4) Nota de Engels: o canhão Dahlgren é um armamento comparativamente menor de 12-14 calibres. Seu formato exterior foi estabelecido por [John] Dahlgren (atualmente almirante na campanha de Charleston) da seguinte maneira: orifícios do calibre de rifle foram perfurados equidistante e perpendicularmente sobre o eixo, de dentro para fora, e preenchidos por munição de rifle, enquanto a arma era carregada e disparada como de costume. A velocidade inicial das balas individuais foi determinada do modo costumeiro, e tomada como medida de pressão de gases explosivos a um ponto correspondente na parede do cano do canhão. As abcissas correspondentes foram desenhadas no eixo do furo como ordenadas, e a curva ligando-os indicou o formato externo da arma. Armamentos construídos sob esses princípios são muito grossos na base e na região dos munhões, e só afunilam mais no final do cano. Elas mais se parecem com garrafas de soda. Sendo de cano liso, são fundidas a partir de um perfil oco, e água gelada desce do furo, a partir de um orifício, durante o processo de resfriamento. Esse resfriamento de dentro para fora provê às armas tamanha força — mesmo tratando-se de ferro fundido — que é possível fundir armas de 15”, e mesmo de 20” de calibre capazes de suportar 500 disparos potentes sem danos. Inicialmente criada somente para munições ocas, subsequentemente elas foram fortificadas de modo que munições sólidas também pudessem ser atiradas a partir delas. Tais armas reforçadas se chamam Columbiads. (retornar ao texto)
(5) Em latim, no original: “Deixe que os cônsules vejam que a república não passa por dificuldades” (esta era uma fórmula habitual com que senadores romanos se endereçavam aos cônsules em tempos de perigo contra o Estado). (retornar ao texto)
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