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Em dezembro de 1834, trinta e nove representantes regionais da Confederação Alemã cruzaram as estradas do país em meio a um inverno rigorosíssimo, rumo à sede do Alto Parlamento de Frankfurt am Main. O objetivo do encontro era discutir literatura; mais especificamente, aqueles representantes de uma das épocas mais conservadoras da história alemã decidiriam o que fazer com seis jovens escritores que, nos últimos anos, vinham causando rebuliço com uma literatura nova — um misto de jornalismo panfletário e ficção, repleto de crítica social e disparates contra a carolice alemã. Hoje conhecemos essa vertente literária como Junges Deutschland ou Jovem Alemanha, elo entre o romantismo revolucionário e o realismo naquele país.
Após uma madrugada regada a champanhe e charutos, a comissão decidiu aliar artistas da esquerda literária a grupos terroristas sobre os quais vinham lendo nos jornais (como a Giovani Italia, a Carboneria e a Munkács). A ironia por detrás do evento é que “estes grupos constituíram movimentos políticos organizados, capazes de mobilizar ações militares e golpes de Estado. Imaginar que um punhado de jovens escritores poderia ser comparado a tais organizações, sobretudo em sua capacidade de oferecer perigo real ao governo, era fruto de uma paranoia generalizada”.(1) De qualquer forma, aquela foi uma ocasião única em que todo um capítulo na história da literatura terminou à base da canetada, da noite para o dia. A partir de 1835, Heinrich Heine (futuro amigo de Marx), Karl Gutzkow, Ludwig Börne e demais escritores se viram na necessidade de se exilarem ou pararem de escrever de uma vez por todas. A maior parte optou pelo exílio.
Este foi o início do fim para toda uma era da literatura e, como Marx constataria mais tarde, o início de uma nova fase de censura no país. Junto à Gazeta Renana (Rheinische Zeitung), um jornal bastante eclético sediado em Colônia, o filósofo entrou em contato com duas experiências que se tornariam constantes por toda sua vida adulta. A primeira foi a constatação de que era dono de uma prosa jornalística contundente. A segunda, que a resposta para o que tinha a dizer, quase invariavelmente, seria a censura. Em várias ocasiões, seu jornalismo provocaria os donos do poder a ponto de impeli-lo ao exílio junto de sua família — primeiro a Paris, depois a Bruxelas, depois a Londres. Com uns poucos artigos sobre a miséria vivida pelo campesinato e a liberdade de imprensa, a Gazeta Renana passou a sofrer constantes pressões por parte das autoridades. Em 17 de março de 1843, o proprietário, tentando salvar a reputação do jornal, afastou o redator-chefe Karl Marx de seu cargo.
Esta foi a primeira ocasião em que o jovem doutor em filosofia se confrontou ativamente com a realidade política e econômica, deixando de se ocupar com o pensamento de pré-socráticos ou com a metafísica de Hegel para se voltar aos dados brutos da vida contemporânea. Foi com investigações jornalísticas que Marx (e mais tarde Engels) se deparou com antagonismos da sociedade capitalista de perto, desenvolvendo conceitos centrais de sua obra (mais-valor, alienação, luta de classes, dependência). “As investigações feitas para escrever seus artigos [...] o comprometeriam com uma realidade que se encontrava mais para além dos muros da universidade”, escreve Mario Espinoza Pino.(2) Foi essa experiência que o fez romper com os jovens hegelianos, muitos deles ainda crentes no desenvolvimento orgânico do Estado prussiano rumo à liberdade do espírito. Marx, por sua vez, chegou à conclusão de que a opinião pública, além das necessidades populares em si, estavam divorciadas das instituições disponíveis, do próprio formato do Estado prussiano. Seria preciso uma ruptura completa com as tradições políticas alemãs caso o povo quisesse se emancipar. Foi baseado nessa nova conclusão, adquirida após o conflito dentro do corpo editorial da Gazeta Renana, que Marx se uniu a um novo empreendimento jornalístico com o amigo Arnold Ruge.
Os Anais franco-alemães (Deutsch-französische Jahrbücher), editados por Ruge e publicados em Paris, funcionaram como um laboratório de práticas jornalísticas. Traziam o diferencial de se dividirem em uma parte expositiva, dedicada à análise pontual de eventos contemporâneos, e uma segunda parte teórica, de caráter mais radical do que qualquer coisa da época. A publicação unia escritos de Engels, do já mencionado poeta Heine, do anarquista Bakunin, dos hegelianos Feuerbach e Heß, além de garantir a Marx um extenso espaço para publicar suas primeiras monografias de peso em 1843: Sobre a questão judaica e Crítica da filosofia de Estado de Hegel. Aí, dentro de um empreendimento editorial mais ousado, Marx rompe de vez com o hegelianismo, complementando sua filosofia especulativa com a análise do mundo do trabalho e questões de estrutura social. Pela primeira vez, surge o conceito de alienação, entendido pelo jovem Marx como a separação do ser humano de sua essência. Diferentemente do que supôs a tradição humanista de então, o Estado e suas instituições não são uma emanação das disposições coletivas dos homens dentro de sua marcha rumo à libertação; o Estado moderno em si está potencialmente tingido de aspectos irracionais e alienantes, expressos pelos antagonismos que constituem o cotidiano de seus habitantes. A emancipação humana, assim, exigiria a ruptura com formas coercitivas de governo, dando espaço a uma organização social fiel às necessidades reais dos indivíduos. Aqui temos a gênese da primeira ideia de comunismo marxiano.
Outubro de 1843 foi um período de turbulência nas ruas de Paris — ali, os recém-casados Jenny e Karl Marx viviam no número 31 da Rue Vanneau, com o pouco que faturavam com os Anais franco-alemães, e acompanhavam de perto as movimentações dos socialistas. O casal estabeleceu contato com Proudhon e Louis Blanc, acompanhou Heine pela boemia parisiense e dividiu mesas de bares com líderes de um proletariado altamente politizado. Embora o jornal não tenha durado mais de duas edições — os financiadores franceses não quiseram mais bancar a ventura, e as remessas enviadas à Alemanha eram constantemente confiscadas pela polícia — os Anais franco-alemães foram o início de um novo jornalismo radical. Adiante! (Vorwärts!), publicado em 1844 e 1845, começou como um periódico sobre teatro escrito por imigrantes alemães em Paris, mas logo mostrou uma nova faceta. Nele foi publicada uma das obras-primas da literatura alemã (Alemanha. Um conto de inverno, de Heine), além das primeiras mostras de agitação revolucionária do jovem Marx. A participação deste no jornal marcou sua ruptura com o colega Arnold Ruge, menos afeito a arriscar seu pescoço pelas novas ideias socialistas. A recepção de um artigo de agosto de 1844, Glosas críticas ao artigo O rei da Prússia e a reforma social, mostrou quanta razão Ruge tinha em seu receio. O próprio monarca prussiano se enfureceu a ponto de enviar diplomatas a Paris e exigir a expulsão dos redatores daquele jornal de migrantes abusados. Marx partiria para Bruxelas meses depois, frustrado com a condição dos jornalistas na Europa.
Os anos que se seguiram constituíram um período de crise. Marx passou quatro anos sem escrever um único artigo jornalístico, voltando-se aos seus estudos. Era necessário repensar a questão da emancipação da humanidade da miséria inerente à acumulação capitalista, além dos efeitos da burocracia das monarquias modernas sobre os rumos da Europa. Para tal, o próprio capitalismo devia ser compreendido em seu cerne, de um ponto de vista histórico e estrutural. Dessa forma, Marx passou a se dedicar a estudos de economia e a pensar como a alienação do indivíduo moderno se expressa na história da cultura: surgiram as primeiras grandes formulações da noção de ideologia em escritos como A ideologia alemã (1845-1846) e A miséria da filosofia (1847). Ambos os textos foram respostas a demais propostas de emancipação do homem, escritas pelos colegas Proudhon e pelos antigos companheiros de juventude da Alemanha (inclusive Feuerbach, Stirner, Bauer e Heine).(3) Marx chegou a ser criticado pela própria esposa Jenny por se preocupar demais em confrontar seus colegas filósofos em seus textos, em vez de escrever para a classe trabalhadora como um todo. Aquele era um período de balanço, porém; era preciso refinar noções de emancipação e atacar as contradições do capitalismo no cerne. O produto final dessa fase foi o Manifesto do Partido Comunista de 1848 — a obra em que Marx por fim ouviu os conselhos de Jenny —, publicado às vésperas das revoluções daquele ano por toda a Europa e, pelos próximos cem anos, motivação para levantes sociais mundo afora.
O estilo do manifesto é uma volta ao melhor do jornalismo dos anos anteriores: embora o texto expresse ideias complexas de dialética e filosofia da história, o faz de forma palpável, valendo-se de metáforas inesquecíveis, que se tornaram parte constitutiva do imaginário popular.
“Um espectro ronda a Europa — o espectro do comunismo. Todos os poderes da velha Europa se associaram em uma caça às bruxas sagrada contra este espectro: o papa e o czar, Metternich e Guizot, radicais franceses e policiais alemães. [...]
Duas coisas derivam desse fato.
[Primeira:] O comunismo já foi reconhecido como um poder por todos os poderes europeus.
[Segunda:] Já é tempo de os comunistas exporem suas perspectivas, seus objetivos, suas tendências perante todo o mundo, contrapondo ao conto de fadas do espectro do comunismo um manifesto de seu partido.”(4)
Este não é o tom modorrento de um texto de filosofia do século XIX; este é tom de um jornalismo dinâmico, rico em metáforas e ironia, de quem se formou intelectualmente lendo a literatura da Junges Deutschland. De quem trabalhou no periódico radical Vorwärts! e mais tarde se dedicaria a cobrir uma guerra decisiva do país que se tornaria o centro do capitalismo — Marx chamou a Guerra Civil Americana de “a primeira grande guerra da história contemporânea”, a inauguradora do mundo como hoje o conhecemos.(5)
Na década em que foi funcionário do New-York Daily Tribune, entre 1852 e 1862, Marx voltou ao jornalismo munido de um aparato conceitual sólido, o qual aperfeiçoou mediante a análise de eventos contemporâneos até ganhar forma em escritos sistemáticos de sua fase madura.(6) A última ventura editorial na Alemanha, a Nova Gazeta Renana (Neue Rheinische Zeitung), terminou por inaugurar uma fase extremamente produtiva de seu pensamento e do de Friedrich Engels, apesar de malograr por motivos financeiros. Por 301 edições, os amigos se dedicaram a cobrir os levantes pan-europeus de 1848, produzindo uma das mais completas coberturas sobre o evento, até hoje de valor inestimável para a historiografia. As últimas frases impressas nas páginas do jornal, em letras vermelhas garrafais, foram encabeçadas pela dedicatória Aos trabalhadores (edição de maio de 1849): “Os redatores da Nova Gazeta Renana se despedem agradecendo pela simpatia que vocês demonstraram. Suas últimas palavras serão, em toda a parte e para todo o sempre: emancipação da classe trabalhadora!”(7) E então Marx parte com a família para Londres.
Os anos seguintes foram, mais uma vez, anos de recolha: havia-se de entender os últimos eventos e o motivo de a classe trabalhadora europeia ter cedido à burguesia nas revoltas de 1848. Daí derivam textos propriamente historiográficos como O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (1852), As lutas de classe na França de 1848 a 1850 (lançado como livro em 1895, apenas), “a primeira tentativa de Marx de explicar uma fatia da história contemporânea por meio de seu método de abordagem materialista e das condições econômicas”, segundo Engels.(8) A conjuntura de 1848 levou os autores a certas conclusões: em primeiro lugar, a crise econômica dá mostras da fragilidade do sistema de exploração laboral por parte dos donos do poder econômico, servindo de combustível para as revoluções. Ou seja, revoluções decorrem de crises. Foi o que aconteceu em 1847 e nas numerosas greves que serviram de prelúdio para os conflitos europeus do ano seguinte. Em segundo lugar, uma revolução seria fracassada caso levasse a uma mera substituição das instituições políticas e seus representantes. Era necessário pensar uma transformação dos pilares da sociedade em si, a partir da dissolução da burguesia e redistribuição dos meios de produção.
Aqui chegamos ao momento em que Marx (com o auxílio de Engels) iniciou suas atividades de correspondente internacional para o New-York Daily Tribune. Nos oito anos prévios à Guerra Civil Americana, seus artigos voltaram-se a questões globais: somente ali, a partir do centro do capitalismo industrial, obteve uma compreensão de fato ampla do capitalismo. Marx chegou a conclusões importantes sobre o imperialismo britânico na Ásia (sobretudo na China e na Índia), cobriu a Segunda Guerra do Ópio (1856-1860) e a exploração holandesa no que viria a se tornar a Indonésia, e se inteirou pela primeira vez, sistematicamente, sobre o tema da escravidão moderna. Há uma dependência entre a exploração colonial — nas moendas brasileiras ou nas selvas da Sumatra — e o abastecimento dos polos industriais altamente mecanizados como Manchester. A opulência de países hegemônicos depende da pauperização de países periféricos; é assim que o capitalismo moderno se sustenta tal qual um sistema global. Aqui temos o gérmen do que ficou conhecido como teoria da dependência. Consequentemente, por detrás da Europa ilustrada, que julgava caminhar a passos largos rumo a uma vida mais democrática e justa, havia massas inteiras vivendo sob regime de escravidão e miséria — chegar a essa importante conclusão foi o passo essencial na carreira de Engels e Marx cuja expressão final, antes da confecção d’O Capital (1867), foram os escritos sobre a Guerra Civil Americana.
Ao tocar na questão da escravidão, Marx e Engels corrigem um déficit grave na tradição filosófica alemã. De forma geral, com exceção do desconhecido Anton Wilhelm Amo, filósofos clássicos daquele país fecharam os olhos para a escravidão. “Dentro de sua compreensão partitiva da história, a escravidão [...] foi vista como uma instituição pré-moderna”,(9) relegada a configurações arcaicas do mundo, remetente mais à Antiguidade mediterrânea do que aos Estados Unidos da América na era da máquina a vapor. Este, é claro, é um juízo desastroso do ponto de vista historiográfico. A escravidão moderna foi significativamente mais cruel, e suas perdas humanas mais numerosas, do que em qualquer momento da Antiguidade. Como C. L. R. James demonstrou, o então chamado sistema de lavoura dos séculos XVIII e XIX foi mediado por uma complexa burocracia e redes de distribuição, potencializado pelo uso de maquinário de ponta, configurando-se como a instituição mais lucrativa do capitalismo do mundo Atlântico moderno.(10) Assim como as empresas capitalistas orquestravam operações internacionais de forma a garantir um monopólio restrito, a experiência de Marx e Engels com o além-mar mostrou que também a luta coletiva estava longe de ser atributo exclusivo do proletariado de países industrializados: ela já dava mostras nas revoltas camponesas em Java(11) e na dinastia Qing, assim como nas revoltas de negros escravizados trabalhando em lavouras dos EUA. A supressão do capitalismo em um sistema socioeconômico mais refinado e humano serviria, assim, à emancipação dos trabalhadores e trabalhadoras do mundo inteiro.
A escolha pelo New-York Daily Tribune parece, à primeira vista, questionável: embora o jornal fosse dirigido por um abolicionista, Charles Dana, passava longe do afã revolucionário do Adiante! ou da Nova Gazeta Renana.(12) Em mais de uma ocasião, vemos Marx reclamar com Engels, e Engels reclamar com Marx, de cortes arbitrários em seus textos, artigos publicados sem título e medidas com as quais um periodista alemão não estava acostumado.
Apesar disso, foram mais de 300 artigos escritos dentro de um período de uma década; o jornalismo foi a ocupação na vida de Marx que se sobrepôs à sua carreira filosófica. Os textos então produzidos preenchem, hoje, cerca de sete dos cinquenta volumes de suas obras reunidas em alemão (a tal mega), mais do que O Capital ou qualquer outro projeto. Uma das razões para ter aceitado escrever para o jornal de Nova York reside no amplo alcance de suas tiragens — aquele era o veículo de mídia de maior divulgação em todo o mundo, com aproximadamente 200 mil leitores, situado em uma cidade relativamente tolerante com seus jornalistas. Além disso, o jornal possuía uma receita estável. Era a chance ideal para aquele pai de quatro crianças pequenas fazer seu trabalho sem se preocupar com a censura batendo em sua porta. A década do Tribune serviu-lhe, assim, como seu laboratório, a chance de corrigir e recolher dados, elaborar teorias mais amplas acerca das crises financeiras presentes, interrogando-se a respeito de suas causas.(13) Havia um claro interesse em dar fechamento para suas teorias sobre a sociedade capitalista, para deduzir a lógica por trás a dinâmica do capital e suas manifestações — por isso Marx iniciou seus escritos da Guerra Civil comentando a reação da mídia hegemônica britânica (isto é, do reino que mais lucrava com o cativeiro dos afro-americanos), trazendo à tona os interesses dos políticos por trás do lobby escravista, a atitude do primeiro-ministro Palmerston e de seus capachos industrialistas. Logo se criou todo um quadro onde fica clara uma convicção que o autor expressou já no fim de 1846, em uma carta ao amigo Pavel V. Annenkov:
A escravidão direta é, em grande medida, o pivô ao redor do qual nosso sistema industrial hoje roda, tão importante quanto o maquinário, o crédito etc. Sem a escravidão não haveria algodão; sem algodão não haveria a indústria moderna. É a escravidão que conferiu valor às colônias, foram as colônias que criaram o mercado global, e o mercado global é a condição necessária para a indústria mecanizada de grande escala... a escravidão, portanto, é uma categoria econômica de suma importância.(14)
Contudo, apenas após a experiência com o Tribune e, posteriormente, o Die Presse austríaco, havia comprovação material maciça para argumentar a esse favor. A dependência entre o capitalismo moderno e o trabalho pauperizado (se possível, não-remunerado) tornara-se um fato jornalisticamente comprovável.
Esperamos que os mais de cinquenta artigos que trazemos aqui, pela primeira vez em português brasileiro, contribuam para renovar o interesse na faceta jornalística de Marx e Engels. Ela foi uma das dimensões mais marcantes de suas carreiras e, paradoxalmente, ainda é a mais desconhecida. Conhecemos bem o “Marx filósofo” e o “Marx economista”, talvez o “Marx e Engels historiadores” — é chegada a hora de considerarmos os autores em sua atividade profissional principal. Não só porque ela os ocupou por toda a sua vida adulta, mas também porque, ao analisarmos sua atuação periodística, acompanhamos de perto o desenvolvimento de suas melhores ideias. Acompanhamos o abandono do provincianismo dos estudantes de filosofia alemães (interessados na redenção do Espírito humano) rumo a uma concepção de luta contra a opressão realizada por trabalhadores do mundo unidos, entranhados em um sistema de dominação cujos tentáculos atingem cada aspecto da máquina que move as sociedades modernas.
Assim como os dois autores entenderam que a escravidão do negro sequestrado da África lhes dizia respeito, hoje, o que acontece nas sweatshops de Honduras, nos latifúndios brasileiros e bordéis infantis em Laos também é problema nosso — esta também é a verdadeira face do capitalismo industrial moderno, não um acidente de percurso. Este também é reflexo de um sistema que se esforça, ainda em 2020, para naturalizar a ideia abjeta de que uns ganham e outros perdem.
Notas:
(1) F. V. Silva. A literatura de Wolfgang Menzel, resenhada por Heinrich Heine. Revista Belas Infiéis, v. 6, n. 2, 2017, p. 179. (retornar ao texto)
(2) Ver “Introducción” no volume Karl Marx. Artículos periodísticos. Barcelona: Alba, 2013, p. 13. (retornar ao texto)
(3) A emancipação de Marx do pensamento dos jovens hegelianos foi esmiuçada por Sidney Hook em um livro hoje pouco conhecido, From Hegel to Marx: studies in the intelectual development of Karl Marx. Ann Arbor/MI: Ann Arbor Paperback, 1962. (retornar ao texto)
(4) Karl Marx & Friedrich Engels. Manifest der Kommunistischen Partei. In: Ausgewählte Werke, Band 1. Berlin: Dietz Verlag, 1974, p. 415. (retornar ao texto)
(5) Ver, neste volume, o artigo O Times de Londres e a os Príncipes de Orléans na América. (retornar ao texto)
(6) Pino, Introducción, p. 20. (retornar ao texto)
(7) Para um histórico da Nova Gazeta Renana, ver Robin Celikates & Daniel Loick. Journalistische Arbeiten. In: Michael Quante & David P. Schweikard (Hrsg.) Marx-Handbuch. Leben – Werk – Wirkung. Stuttgart: J. B. Metzler Verlag, 2016, p. 141. (retornar ao texto)
(8) Citado em Celikates & Loick. Journalistische Arbeiten, p. 141. (retornar ao texto)
(9) Susan Buck-Morss, Hegel and Haiti. Critical Inquiry, Vol. 26, No. 4. Summer, 2000, p. 850. (retornar ao texto)
(10) C. L. R. James. The Black Jacobins: Toussaint L’Ouverture and the San Domingo Revolution. New York: Vintage Books: 1963 [1938], p. 392. (retornar ao texto)
(11) Marx se inteirou das revoltas de indígenas nas Índias Orientais Neerlandesas por meio do magistral History of Java de Thomas Stamford Raffles (1816), livro que cita em duas ocasiões no Capital e até hoje é amplamente consultado por indonesianistas. A respeito do contato de Marx com a questão da emancipação indígena e da escravidão nas Américas e Ásia, ver o artigo recente de John Bellamy Foster, Brett Clark e Hannah Holleman (Marx and the Indigenous. Monthly Review, Volume 71, Issue 09, fevereiro de 2020, disponível online). O artigo é inovador por analisar os volumes lidos e anotados pelo autor a respeito do tema, desfazendo o mito de um Marx eurocêntrico — um mito que ainda persiste em círculos onde não se lê sua obra. O livro de Kevin B. Anderson, igualmente, é uma fonte importante de refutações a essa ideia, partindo dos cadernos de rascunhos de Marx escritos entre 1879 e 1882 e dos aprendizados adquiridos com a Guerra Civil Americana. Além de ser uma pesquisa de rigor e muito bem escrita, tem a vantagem de estar traduzida para o português (Marx nas Margens. Tradução de Allan M. Hillani e Pedro Davoglio. São Paulo: Boitempo, 2019). (retornar ao texto)
(12) Ver comentários sobre o Tribune em James Ledbetter. Introduction. In: Dispatches for the New York Tribune. Selected Journalistm of Karl Marx. London: Penguim, 2007, p. xvii-xxvii. (retornar ao texto)
(13) Parafraseando Mario Espinoza Pino, Introducción, p. 30. (retornar ao texto)
(14) Brief von Karl Marx an P. W. Annenkow vom 28. Dezember 1846. In: Marx-Engels Werke, Band 4. Berlin: Dietz Verlag, 1977, p. 553-554. Essa ideia foi posteriormente sumarizada na Observação 4 do livro A Miséria da Filosofia (mesmo volume citado, p. 131-132), onde a escravidão brasileira e a estadunidense são mencionadas. O contexto desta citação nos leva de volta à polêmica contra Proudhon, e foi comentado minuciosamente por Kevin B. Anderson, Marx at the Margins. Chicago: The University of Chicago Press, 2010, p. 264, nota 7. (retornar ao texto)
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