O Movimento de Libertação Negro e a Conferência Internacional

George Padmore

Janeiro-Fevereiro de 1930


Primeira Edição: The Negro Worker: Bulletin of the International Trade Union Committee of Negro Workers of the R.I.L.U., No. 1-2, Vol. 3 (January-February 1930), pp 3-7. Transcrito por: Christian Høgsbjerg

Nota do Transcritor: ‘Em Julho de 1930 a “Conferência Internacional dos Trabalhadores negros” teve lugar em Hamburgo na Alemanha …. Embora inicialmente o encontro estivesse previsto para Londres isso tornou-se impossível devido à imposição de proibição de entrada no país, dos potenciais participantes, decretada pelo Governo Britânico. E, também, porque os governos das colonias britânicas receberam instruções para impedir os possíveis delegados ao Congresso de sair dos seus respetivos territórios. Ver o livro de Susan Campbell ‘Introduction to The Negro Worker’. https://www.marxists.org/history/international/comintern/negro-worker/index.htm

Tradução: Jorge Fonseca de Almeida - a partir da versão disponível em https://www.marxists.org/archive/padmore/1930/negro-liberation.htm

HTML: Fernando Araújo.

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Não obstante o reino de terror imposto pela classe dominante branca e a implacável subjugação das massas trabalhadoras negras do mundo inteiro, o espírito revolucionário entre os Negros está a revelar-se em rápida ascensão. Recentemente tivemos várias manifestações de revolta aberta contra o domínio Imperialista em África e nas Índias Ocidentais.

Os Negros nos Estados Unidos estão também a ser rapidamente arrastados para a luta de classes do proletariado americano e estão a demonstrar uma militância excecional, especialmente nas indústrias nas quais têm um papel importante e complexo.

As lutas nas colonias estão a ser travadas com grandes dificuldades objetivas e subjetivas. Por um lado falta uma liderança consciente e por outro existe uma situação de isolamento em relação do proletariado mais avançado e experiente da Europa e dos Estados Unidos. Apesar disso as condições em que vivem as populações negras por todo o mundo impelem-nas para a luta e preparam-nas para desempenhar um papel cada vez mais importante no movimento revolucionário internacional.

Para nós é absolutamente necessário articular e ligar estas revoltas espasmódicas com a sua tendência principal e, dessa forma, assegurar uma liderança e uma direção ao movimento nascente dos trabalhadores negros.

Quais são algumas das condições que enfrenta a classe operária negra internacional?

Revolta na África do Sul

Nesta terra do Imperialismo Anglo-Boer as lutas entre os nativos e os seus opressores estão a agudizar-se diariamente. Ocorreram já diversos confrontos entre os trabalhadores negros e os seus aliados brancos com consciência de classe por um lado e o governo Sul-africano por outro. Estas lutas, contudo, são enfraquecidas pela situação de desunião que reina presentemente no movimento sindical. No movimento sindical da África do Sul existem vários elementos conflituantes. Por um lado temos os sindicatos que não aceitam a filiação de trabalhadores negros e por outro temos o Sindicato da Industria e do Comercio (ICU) uma organização reformista nativa dividida em três campos opostos dirigidos por Ballinger, um inglês membro do Partido Trabalhista Inglês, por Kadile e Champion nativos reformistas e pela Federação de Sindicatos de Trabalhadores Não Europeus filiada na RILU.(1)

A última organização mencionada, devido ao seu programa combativo sob a liderança do Partido Comunista da África do Sul, tem vindo a conseguir importantes ganhos entre os nativos. Alarmada com esta situação a polícia tem vindo a levar a cabo um conjunto de incursões de cariz czarista nos bairros nativos de Durban. Quer o Partido quer os sindicatos organizaram enormes manifestações de massas contras as tentativas do governo de sobrecarregar com aumentos de impostos os trabalhadores e de introduzir nova legislação visando ilegalizar o movimento revolucionário. Os militares tentaram dispersar estas manifestações mas os trabalhadores resistiram e mantiveram-se firmes. Os nativos também estão a conduzir uma luta heroica contra o Master and Servants’ Act, uma lei capitalista que criminaliza as greves dos trabalhadores negros.

A burguesia Sul-africana dirigida por Pirow, Ministro da Justiça, e apoiada pelas Forças Armadas do Estado e pelas organizações fascistas instituíram um reino de terror por todo o país com o objetivo de esmagar o espírito combativo dos nativos. Mas isso só serviu para estimular as lutas levando os negros em números cada vez maiores a aderir aos sindicatos revolucionários e ao Partido Comunista, os únicos verdadeiros defensores de UM GOVERNO NEGRO OPERARIO-CAMPONÊS DA AFRICA DO SUL.

África Oriental

No Quénia, na Rodésia e no Tanganica os imperialistas britânicos estão a aumentar os seus ataques contra os nativos com vista a implementar o seu plano de intensificação da exploração criando um novo mercado colonial unindo estes três territórios sob uma administração politica centralizada. Neste capítulo estão muito dececionados porque os nativos estão já a começar a mobilizar as suas forças para resistir a novas usurpações das suas terras. As greves acontecem frequentemente entre o semiproletariado destas regiões. Em Basutoland, território com uma população de 498.781 habitantes, dos quais 1.603 são europeus, foi criada uma associação camponesa chamada Lekhotla La Bafo para organizar as massas agrárias e das aldeias contra os europeus que já se apoderaram das terras mais férteis da região.

África Ocidental

No passado a política agrária na África Ocidental não foi tão atroz como a que foi levada a cabo nas colónias da África Oriental, mas recentemente, as grandes corporações britânicas, como a Lever Brothers, a Companhia Nigeriana do Estanho e a Elmer, Dempster & Co aumentaram o seu investimento nas Colónias Britânicas da Costa Ocidental. Isto conduziu a uma nova política fundiária que visa expropriar a terra dos camponeses para criar plantações de grande escala. Para facilitar este desígnio imperialista o governo da Nigéria introduziu um novo sistema de impostos que visa expulsar todos os nativos das suas terras.

A primeira tentativa de implementação desta nova política fundiária defrontou-se com uma resistência combativa nas Províncias do Sudeste das colónias. A 11 de Dezembro de 1929, quando os fiscais das finanças britânicos apareceram nas aldeias para cobrar os impostos os nativos liderados por grupos de mulheres bem organizados planearam e levaram a cabo manifestações de protestos e recusaram-se a pagar. As tropas foram chamadas ao local com ordem para disparar. Quarenta e quatro pessoas foram mortas: quarenta e três mulheres e um homem.

Na Gâmbia, em Bathhurst(2), aos trabalhadores nativos foi retirado o direito de se organizarem em sindicatos pelo Administrador Colonial britânico, agindo a pedido dos capitalistas estrangeiros. Pouco depois dos nativos terem criado um sindicato, os patrões emitiram um manifesto a atacar a organização e a pedir ao governo que a suprimisse. No que o representante do governo “trabalhista” de MacDonald(3) rapidamente anuiu declarando o sindicato ilegal.

Aqui vemos a completa colaboração entre o governo Social-Fascista de Sua Majestade e os comerciantes britânicos das colónias.

O massacre sangrento na Nigéria e os maus-tratos perpetrados diariamente nas outras colónias de África e das Índias Orientais mostram até onde MacDonald e os seus lacaios estão dispostos a rebaixar-se para executar os planos da burguesia britânica.

Nos últimos meses, também ocorreram revoltas contra o trabalho forçado na África Equatorial francesa. Estas revoltas foram esmagadas num banho de sangue. As tropas francesas massacraram centenas de nativos, eliminando, em alguns casos aldeias inteiras, com recurso a metralhadoras pesadas e a bombardeamentos aéreos.

A Revolução Haitiana

Haiti, uma colonia económica do imperialismo americano nas Índias Ocidentais, tem sido cena da mais recente revolta contra a ocupação americana. A luta durou vários dias e desencadeou um ataque violentíssimo dos Fuzileiros norte-americanos. A Revolta começou com uma greve dos estudantes universitários de Port-au-Prince que rapidamente alastrou aos trabalhadores administrativos das Alfandegas, que estão sob a supervisão direta das autoridades norte-americanas. Os trabalhadores portuários e dos transportes também se juntaram à greve. Poucas horas depois dos estudantes descerem à rua em manifestação contra a Administração Borneo e contra o Imperialismo Americano os camponeses, que são o grupo mais explorado da população, organizaram batalhões e armados de catanas (uma espécie de faca longa usada para cortar a cana-de-açúcar) e varapaus, avançaram sobre Port-au-Price, determinados a derrubar o Governo e a tomar a capital.

Quando se aproximavam da cidade depararam-se com os Fuzileiros Americanos(4) em Aux Cayes que lhes ordenaram que parassem. Como se recusaram a parar os soldados abriram fogo contra a multidão, matando cinco pessoas e ferindo vinte.

O Presidente Hoover informado da revolta enviou imediatamente o navio de cruzeiro GALVESTON com 500 Fuzileiros apoiados pelo bombardeiro WRIGHT para assegurar a vitória do Imperialismo yankee.

O Haiti tem uma enorme importância económica e estratégica para o imperialismo americano. Situa-se nas Caraíbas a pouca distância do continente americano e mesmo de frente do canal do Panamá e do proposto canal da Nicarágua, pelo que Wall Street está determinada em manter o controlo apertado desta República.

Desde 1915 que os Fuzileiros e os concelheiros financeiros americanos têm controlado económica e politicamente o país. Durante este período mais de 2.500 nativos, maioritariamente camponeses, foram mortos pelos fuzileiros. Os camponeses têm sido expulsos das suas terras para dar lugar a grandes plantações de café, cacau e de algodão controladas por grandes multinacionais estrangeiras. O trabalho forçado foi instituído para garantir a construção de estradas e caminhos-de-ferro. O Banco Nacional da República foi privatizado e é controlado pela Wall Street. A Liberdade de expressão e de imprensa foram suprimidas do mesmo passo que todos os partidos políticos da oposição ao regine de Borneo foram implacavelmente exterminados.

Em resumo, o Haiti tornou-se uma colónia escravizada sob a Ditadura de uma marioneta negra mantida como Presidente da República pelas baionetas dos fuzileiros americanos.

A Federação das Índia Ocidentais

Também há sinais de descontentamento e desassossego entre os nativos das colónias britânicas das Índias Ocidentais, Trinidad, Granada, Barbados e Jamaica bem como nas Ilhas Virgens americanas. No primeiro grupo de ilhas mencionado cristalizou-se já um Movimento Nacionalista em torno do Partido Trabalhista da Trinidad. Têm-se realizado em toda a ilha comícios reunindo trabalhadores e camponeses pobres sob a palavra de ordem “Índias Ocidentais para os seus habitantes das Índias Ocidentais”.

Por ocasião da recente visita de Sir Sydney Oliver, agora Lord Olivier, um dos dirigentes do Partido “Trabalhista” Britânico, como Presidente da Comissão Real de inquérito às condições de trabalho na indústria do açúcar, os trabalhadores negros de Barbados organizaram manifestações em Bridgetown, capital da ilha, exigindo o fim do seu estatuto de semiescravatura e o direito de eleger os seus próprios representantes para o Conselho Legislativo.

Como seria de esperar, o Lord reformista, desaprovou essas exigências; mas os nativos estão cada vez mais politicamente conscientes e determinados a prosseguir a luta pela independência da colónia.

Na Jamaica, uma colónia de grandes tradições revolucionárias (as revoltas Maroon), os nativos estão novamente a mostrar sinais de descontentamento, florescem rapidamente entre eles as organizações laborais e politicas, de tal forma que o Governo ordenou a dissolução do regimento de nativos e substituiu-o por soldados britânicos com medo de que no caso de uma revolta se passassem para o lado dos trabalhadores.

O Imperialismo americano, através da United Fruit Co, uma das maiores multinacionais a operar na América Latina e nas Índias Ocidentais, está a dar um golpe fatal nos interesses britânicos no negócio das bananas na Jamaica. Esta rivalidade tem tido como consequência o agravamento das condições dos trabalhadores jamaicanos que, contudo, estão rapidamente a aprender a usar a arma da greve com muito sucesso. No ano passado várias greves dos trabalhadores dos transportes e das docas resultaram em muitos confrontos entre os trabalhadores e os soldados.

Os Estados Unidos

As manifestações combativas não se confinam aos negros das coloniais, mas estenderam-se também nos últimos meses aos trabalhadores coloniais dos Estados Unidos.

Os mineiros negros das minas de carvão do sul do Illinois lutam heroicamente ao lado dos seus irmãos brancos contra as forças conjuntas dos seus patrões, da burocracia traidora do sindicato dos Mineiros e dos Governos estatual e federal que pretendem dissolver a greve.

Um negro, William Boyce, é o Presidente Interino do Sindicato Nacional dos Mineiros Revolucionários que dirige a luta.

Unificar as Lutas Internacionais

Contudo a esta onda de rebelião e indignação dos trabalhadores negros de todo o mundo falta unidade e por isso estes trabalhadores negros ficam impedidos de maximizar os resultados da sua luta contra os seus opressores imperialistas.

“Vítimas da ganância imperialista e da sua inumana opressão os trabalhadores negros são amplamente usados como carne para canhão pelos imperialistas nas suas guerras de pilhagem e na sua luta contra o movimento revolucionário. Assim foi na última grande guerra e assim será no novo banho de sangue em preparação pelos imperialistas. De acordo com os planos imperialistas os negros também deverão ser usados na guerra em preparação contra a URSS, a única Pátria dos Trabalhadores de Todas as Raças e Nações.

As massas negras ainda desunidas e desprovidas de um centro que organize as suas lutas o que enfraquece gravemente a sua capacidade de resistência à opressão imperialista. É por isso que a CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRABALHADORES NEGROS, marcada para o dia 1 de Julho de 1930 em Londres, terá um enorme significado para o movimento de emancipação negro e para todo o movimento revolucionário internacional”.

Todos os negros com consciência de classe devem fazer um esforço para participar neste acontecimento histórico, em que pela primeira vez as grandes massas dos trabalhadores negros dos Estados Unidos, de África, das Índias Ocidentais e da América Latina se encontrarão para se organizarem num poderoso Movimento Internacional com base num programa revolucionário genuíno com vista a fazer avançar de forma mais eficaz a luta pela libertação da brutalmente oprimida raça negra dos grilhões da dominação do capitalismo-imperialista branco.


Notas de rodapé:

(1) Nota do Tradutor: RILU – Red International Labour Union ou União Sindical Internacional Vermelha, também conhecida por Profintern, uma organização que coordenava internacionalmente o trabalho sindical dos comunistas. Foi criada em 1921 em Moscovo num congresso em que estiveram presentes 308 delegados de vários países. Foi inicialmente dirigida por Solomon Lozovsky (1878-1952) na altura um experimentado bolchevique. (retornar ao texto)

(2) NOTA DO TRADUTOR – Bathhurst era o nome colonial de Banjul atual capital da Gâmbia. (retornar ao texto)

(3) Ramsay MacDonald (1866-1937), foi o primeiro membro do Partido Trabalhista Britânico a tornar-se Primeiro-Ministro, função que desempenhou três vezes a primeira de 22 de janeiro de 1924 a 4 de novembro de 1924 e a segunda de 5 de junho de 1929 a 7 de junho de 1935 ambas durante o reinado de Jorge V. Depois desempenhou as funções de Lord President of the Council. (retornar ao texto)

(4) Os tristemente célebres Marines. (retornar ao texto)

Inclusão: 02/08/2020